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Histórias de vida

Sentimentos por trás da escrita

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Foto: Arquivo Pessoal

Por Ycla Araújo

Muitos de nós crescemos na influência da literatura, da música e das artes cênicas. Mas o que nunca prestamos atenção é: quantos desses artistas são acreanos? Quantas vezes, em todo esse tempo, consumimos da nossa própria arte? O processo criativo demanda tempo, inspiração e imaginação, além de que o caminho até a publicação e distribuição é bem longo e demorado.

O professor, ator, escritor, músico e pai de dois bebês, Quilrio Farias, é formado em Artes Cênicas pela Universidade Federal do Acre (Ufac), foi ator por 10 anos, é músico e foi compositor em uma banda punk quando mais novo.  O poeta já tem três livros publicados; o primeiro se chama O Berro, publicado em 2017, foi construído ao longo de dez anos. De acordo com o escritor, ele tinha em torno de cem poemas para pôr no livro, mas ao final, escolheu apenas trinta e seis.

“Escolhi os que eu achei o melhor dos melhores. Quando a gente escreve um livro, quando faz uma obra de arte, a gente quer que as pessoas vejam. É muito sofrido essa parte de escolher o que entra e o que não entra, mas a arte também é pensada”, relembra o escritor.

O professor relata, humorado, que resolveu publicar de forma independente, pois seus projetos não eram aprovados no edital de inclusão pública. “Foi sem ressentimentos, sabe?! Só pensei que seria uma coisa legal”, ele brinca. Em sua opinião, isso lhe proporcionou a oportunidade de experimentar a liberdade criativa em seus projetos.

Marcas de Pés, seu segundo livro, lançado em 2018, é sobre suas memórias. Segundo o autor, a ideia é de falar com seu passado e também sobre o ano de 2018, que para ele foi bem atípico. “Eu nem ia lançar nada, mas pensei que seria bom deixar alguma marca em mim sobre esse ano que foi tão difícil.”

Em 2019 começa o processo de escrita de Nascenças. Naquele ano, o artista começou a trabalhar nas escolas da periferia do Segundo Distrito de Rio Branco, lugar onde passou parte de sua infância. E retornar a esses espaços lhe trouxe uma grande sensação de nostalgia, o que o inspirou a voltar a escrever. Com o início da pandemia em 2020, o projeto ficou um pouco esquecido. “Perdi três amigos. E conhecidos, eu nem sei quantos. Teve um amigo de infância muito querido”, lamenta. Essas perdas também influenciaram na escrita.

Foto: Arquivo Pessoal

“O nome inicial nem era Nascenças, a ideia veio como mágica quando meu filho nasceu. Foi um dia difícil em um ano muito complicado pra mim. Quando vi minha esposa e meu filho bem, foi quando percebi que a gente estava nascendo de novo, ele foi como um fôlego de alívio pra gente”, se emociona.  

Formada no Curso Técnico de Cinema e Vídeo na Usina de Arte João Donato e em Licenciatura em História na Universidade Federal do Acre (UFAC), Carina Cordeiro é mãe de um menino, fotógrafa, cineasta e recentemente escritora.

Foto: Arquivo Pessoal

Carina lançou seu primeiro livro composto da mistura de fotografias e poesias. E ao contrário do Quilrio, ela conseguiu apoio através do edital da Lei Aldir Blanc da Fundação Garibaldi Brasil. Ela enxerga as dificuldades como desafios. “Ser escritor é um desafio muito grande, não só estadual mas em âmbito nacional também. A cultura do ler precisa ser fomentada e uma das maiores dificuldades é fazer com que as pessoas leiam”, desabafa.

Carina conta que a escrita está em sua vida desde a adolescência e que seus assuntos sempre foram voltados para temas feministas, críticas e ideologias das quais ela defende até hoje. “Eu também já esboçava algumas poesias, mas era algo bem desprendido, até aquele momento eu não tinha nenhuma intenção”, diz.

Ela comenta que apenas depois de adulta que se interessou em fazer algo mais profissional. Porém, apenas recentemente houve a oportunidade de realmente arriscar, além de que o momento pandêmico lhe despertou alguns sentimentos na escrita. “Eu tinha umas poesias que escrevi em 2019/2020. Inclusive boa parte delas foram escritas já no período de pandemia, muitos sentimentos vieram à tona e de certa forma eu procurava internalizar isso na escrita.”

Por gostar de poesias curtas, seu papel era o bloco de notas do celular. O aparelho por muitas vezes foi usado para guardar um desabafo em forma de poema. “Vinham as cenas, situações e sentimentos, então, nesse caso ‘pôr no papel’ acabou se tornando uma metáfora. O processo deste livro foi basicamente ser submergido aos sentimentos: dores, medos, lembranças, amores e desamores.”

Muitos dos poemas são em homenagens para pessoas que “já partiram para outra dimensão, são pessoas muito queridas”. Sua intenção é passar a mensagem de que “cada um de nós tem a sua própria magnitude do ser, que cada pessoa é grande e múltipla. Essa é a essência do nosso ser, o fato da pluralidade, sermos várias coisas e sentimos muitas coisas”, explica.  

Histórias de vida

O Chefe deixou a calçada

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Por Ludymila Maia e Beatriz Mendonça 

A pequena loja, localizada perto das margens do Rio Acre, com várias bugigangas à mostra, está há pouco mais de um ano sem a fervorosa animação e presença do seu dono. O falecimento de Tancredo Lima de Souza, ocorrido no dia 23 de agosto de 2022, aos 69 anos, deixou uma lacuna profunda naqueles que o conheceram e amaram.

Tancredo Lima de Souza veio do interior de Pernambuco para Rio Branco, com seu pai e irmãos, e logo começou a trabalhar para ajudar no sustento da casa. Como era o mais proativo, logo ganhou o apelido de Chefe. Sempre dedicado, exerceu várias profissões, dentre elas seringueiro, motorista de ônibus e táxi, mas seu coração pertenceu ao comércio. 

Começou desde jovem vendendo picolé, e, com o passar dos anos, passou a vender vassouras e tabaco. Conseguiu um ponto de vendas no Centro da cidade, trabalhou para manter sua loja junto de sua esposa, Maria José, e expandiu cada vez mais seu comércio. Virou o famoso Bazar Chefe, popular pela variedade de produtos tradicionais expostos para que todos aqueles que passam pelo local possam ver.

Começou a atrair uma grande clientela, que buscava utensílios que só o Chefe tinha e todos eram encantados pela humildade e vigor do vendedor. Assim foi construído um legado, que durou mais de 50 anos com clientes fiéis e amigos saudosos, que ainda se emocionam ao visitar a loja e não ver o Chefe no comando.

Bazar Chefe, um dos comércios mais tradicionais e populares de Rio Branco. Foto: Ludymila Maia

A saudade bate particularmente naqueles que compartilharam o privilégio de chamá-lo de pai. Segundo seus filhos, Cleudo José e Cleide Sandra, o pai sempre os incentivou para seguir seus passos e também foi um grande exemplo de honestidade, humildade e integridade. Além disso, os filhos lembram de seu coração bondoso que ajudava a todos.

Na cidade, ele era conhecido como um comerciante exemplar, alguém que deixou sua marca nas ruas e nos corações daqueles que tiveram a sorte de cruzar seu caminho. Para sua filha, ele era muito mais do que um pai, era um mentor, um guia. 

Ao falar sobre ele, a emoção na voz, pois sua jornada serviu como uma escola prática para seus filhos, uma lição de vida transmitida através das experiências do dia a dia. Seu pai, um verdadeiro mestre do comércio, ensinou não apenas a vender produtos, mas também a construir relacionamentos duradouros. 

“Ele era o meu pilar”, diz seu filho, com a voz repleta de reverência. “Ele não apenas direcionava nossos negócios, mas também na vida. Suas palavras eram um farol, estabelecendo o caminho certo a seguir”. Mesmo que sua presença física agora seja uma lembrança, o impacto de seus conselhos continua a moldar suas escolhas e ações. 

Os dois filhos do Chefe, Cleudo José e Cleide Sandra.  Foto: Ludymila Maia

“Humildade” é uma palavra que surge constantemente quando se fala dele. Ele era um homem que tratava todos com respeito e compaixão, independentemente da posição na sociedade. Sua presença calorosa e sincera deixou uma marca indelével nas pessoas com as quais interagiu e, até hoje, elas sentem sua falta. 

A voz de Francisca Lima, irmã de Tancredo, ecoa com carinho e saudade, relembrando as memórias de um homem cuja vida foi repleta de histórias e ensinamentos. “Ah, meu irmão… Como é difícil falar dele”, suspira a irmã, com os olhos cheios de emoção. “Ele era tudo para nós, um alicerce em nossa família e também na família de sua mulher. Seu coração era grande o suficiente para abraçar o mundo inteiro.”

O sepultamento de Tancredo não apenas trouxe lágrimas à sua família, mas também testemunhou o amor e o respeito que ele inspirou em toda a comunidade. “No dia em que o Chefe faleceu, ainda de madrugada, começou a chegar gente das fazendas, do interior, do seringal”, descreve sua irmã, destacando a influência imensa que ele teve. 

“Eu preferi não ver o Chefe”, admite ela, uma vez que a perda ainda é difícil de aceitar. “Ele foi nosso pai e nossa mãe, desde muito cedo ele assumiu as responsabilidades, sempre cuidou muito da gente, era tudo para nós, lembro de quando eu e minha irmã ficamos mocinhas ele comprava até batom para gente só porque sabia que nós gostávamos.” 

Uma paixão peculiar pela culinária emerge nos relatos da irmã, que com um sorriso afetuoso diz: “Lembro que meu irmão adorava peixe, ele gostava muito, sempre comia tambaqui até dizer chega.” Era na simplicidade da vida que o famoso Chefe do Novo Mercado Velho encontrou sua alegria, seja vendendo picolés nas ruas, ou incansavelmente juntando centavos para sua primeira banquinha. Nunca teve vergonha de sua história e  se orgulhava de seu passado. Apesar de não ter terminado seus estudos, foi um grande aprendiz da vida e também um grande professor para aqueles que o conheceram.

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Histórias de vida

Debaixo do pé de ingá

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Por Iza Bruna e Aline Vitória

Cruzeiro do Sul, 1984

“Era um domingo e nos dias de domingo geralmente a família ia na casa do tio Waldecir, primo do meu pai. Lá passávamos o dia com os filhos dele e os filhos do tio Antônio, irmão do tio Waldecir”.

Tio Waldecir trabalhava cuidando das criações dos padres da diocese. Eles criavam bois, galinhas e porcos. O lugar dos suínos  era uma casa coberta de telhas de Brasilit e chão de terra batida. Do lado do chiqueiro tinha um pé de ingá. Na semana anterior, o primo, filho do tio Waldecir, subiu na árvore e, no que ele foi passar da dela para o telhado, caiu e quebrou o braço.

No domingo seguinte, quando foram lá, a mãe falou: “Tu não vai subir naquele pé de ingá! ” e ela respondeu “Tá bom, mãe, não vou subir”. Chegaram, brincaram e foram atrás de pegar algumas frutas,e lá estava ele, o bendito pé de ingá, que o primo tinha caído e quebrado o braço. 

“Subi, subi e fui até a altura do telhado.Quando eu cheguei lá, fui pisar na telha. Os meninos diziam pra eu não pisar na telha, mas sim em cima de onde tivessem os preguinhos. Só que já era tarde demais. Despenquei! Foi muito rápido”, ela explica, fazendo amplos movimentos com a mão.

“Caí sentada, acredita?!?!” Machucou o tornozelo bem de leve e o punho. Caiu de uma altura de aproximadamente três metros e meio, no chiqueiro, que, por sorte, estava limpo. Ainda em choque, se tremendo de medo, pegaram no colo e chamaram a sua mãe para ir ao hospital. “Pensavam que eu tinha quebrado outra coisa, porque eu ficava puxando o pé, pois doía muito o tornozelo”, lembra.

No hospital, viram que um dos ossos do antebraço quebrou de uma forma que ficou para cima no punho, mas só fizeram um curativo e colocaram o gesso para ver se juntava. Naquela época, eles tinham o hábito de puxar o osso para tentar encaixar de volta. Puxavam, um de um lado e outro do outro, para ver se “encaixava na munheca”.

“Mas o meu não teve jeito”. Quinze dias depois ele teve que operar, colocaram pinos de platina. “Só não perdi o movimento do braço porque a minha mãe foi a minha fisioterapeuta, já que na época os médicos não eram muito diferentes de açougueiros”, comenta, achando graça.

Como não tinha muitos recursos, ela ficou seis meses com o gesso. “A mãe que tirou em casa. É uma sensação horrível… Tu fica assim, ó! ”, mostra ela, com o braço levantado e em direção ao corpo. 

Sua mãe brigava para que não ficasse na posição errada, falava para fazer certos movimentos e passava sebo de carneiro. Alguns movimentos com essa mão ela ainda hoje tem dificuldades de fazer, e mostra a mão esquerda aberta para cima em direção ao corpo, enquanto a direita fica com o movimento incompleto.

“Eu passei seis meses fazendo tudo com a mão esquerda, escrevendo, me limpando, fazendo tudo, aí virei ambidestra, uso as duas mãos pra tudo”, diz, com um sorriso satisfeito no rosto.

Hoje, quando se vê realizando suas atividades do cotidiano, se surpreende consigo mesma, “Escrevo no celular com a mão esquerda. Quando eu lavo roupa, é muito engraçado, porque eu uso as duas mãos. Me sinto super ágil!” Rimos juntas, porque é verdade, às vezes parece que ela é um polvo pela facilidade de executar várias ações com as mãos.

Essa é a história de Cariete da Costa Santiago, hoje com 47 anos, que virou ambidestra, depois de cair de um pé de ingá. Hoje ela trabalha na área da Saúde como Técnica em Enfermagem, onde já atuou no cuidado intensivo de bebês prematuros e em Home Care de idosos.

Foto: Reprodução/Rede Social

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Histórias de vida

Rua do Trapiche

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Por Andriny Silva

Hoje chamada rua Ricardo Campelo, outrora rua do Trapiche, recebeu esse nome pois, de acordo com quem mora lá, há alguns anos a população precisava andar por cima de estruturas de madeira, os chamados trapiches, pois havia muita lama.

Esta rua fica localizada no bairro Boa Vista, na Baixada da Sobral, uma ampla região que abriga 18  bairros, assim como diversos comércios, escolas, órgãos públicos, entre outros tipos de estabelecimentos. A região é como se fosse uma outra cidade dentro de Rio Branco.

Também chamada “Baixada do Sol’’, esse nome foi criado para evitar que chamassem de “Sobral’’ todos os diferentes bairros que são cortados pela estrada de mesmo nome. É um espaço que abriga muitas pessoas que vieram de outros municípios e, assim como o sol, nasceu para  todos.

Antigamente a região era bem diferente do que é hoje, era uma fazenda e, pouco a pouco, casas foram construídas e formando diversos bairros e ruas. Nesse tempo, havia muita lama, contrastando com a visão atual, em que a maioria das ruas são cobertas por asfalto ou pelos  tradicionais tijolos. 

A dona de casa Luziete Mesquita da Costa, de 43 anos, é uma entre as diversas pessoas que saíram de seus locais de origem e hoje tem como lar a Baixada da Sobral, sendo  moradora dessa região há quase 30 anos. 

Ela vivia na zona rural mas,aos 14 anos, começou a morar com a irmã mais velha, Izalete, que já era residente do bairro João Paulo. O objetivo de Luziete era estudar, porém, a vida tomou outro rumo e ela acabou estudando apenas até a oitava série. 

Quando ela chegou, ainda existiam os trapiches e muita lama, assim como a vida, que é cheia de mudanças, ela viu a rua feita de lama se transformar em tijolos. E a rua também  acompanhou as mudanças de sua vida, viu quando conheceu seu primeiro esposo, o  nascimento de seus três primeiros filhos,viu o seu divócio, e o nascimento dos dois  outros filhos que vieram depois., e até hoje vê os sonhos de Luziete, que almeja terminar de reformar sua  casa e ver seus filhos formados, se realizando. E a rua segue vendo,  a cada dia, todo o trajeto da vida de Luziete e de outros moradores. 

A vendedora de doces regionais Andressa da Costa Silva tem 27 anos e mora na região há 17, sendo  12 deles  como moradora da rua Ricardo Campelo.  Ela tinha apenas dez anos de idade quando seus pais resolveram se separar e metade  de sua família, da parte materna, morava espalhada pela região da Baixada da Sobral. 

Na época em que chegou, muitas ruas ainda eram de trapiche e a área era   conhecida como periférica, Sua vida foi, praticamente, toda na Sobral, nas regiões de Boa Vista  e João Paulo,chegando a morar em várias ruas por conta das muitas mudanças. 

Quando,  enfim, se instalou na rua Ricardo Campelo, não tinha saneamento básico, havia muito  mato e esgoto a céu aberto, entretanto, hoje em dia o local está mais valorizado, e ganhou melhor estrutura, como a mudança da rua de trapiche para tijolos

A rua Ricardo Campelo já foi conhecida como rua das flores. Também foi conhecida por ser muito perigosa, lar de confrontos entre facções. Atualmente, porém, a onda de  violência reduziu. 

Luziete e Andressa, de formas particulares, possuem uma boa relação com seus vizinhos. Andressa, conversa, se dá bem e acha os vizinhos super harmoniosos. Luziete, por outro lado, não é de ficar conversando, mas não tem nenhum problema com seus  vizinhos. Ela acredita que cada um vive sua vida tranquilamente, sem problema nenhum, se dá super bem com todos, mas com cada qual no seu canto. 

Luziete gosta do local onde mora e não pretende mudar. Andressa, por outro lado, gosta  do seu bairro em geral, gosta da facilidade em questão de transporte público e gosta do  fato de andar pouco e logo encontrar padarias, açougues, frutarias, escolas e paradas de  ônibus, porém, apesar de gostar de onde mora, acredita que a vida é repleta de mudanças  e ela pretende se mudar futuramente. 

Para conhecer a região:

TORRES, Gilmar. Conheça a Baixada da Sobral. Blog fala baixada, Rio Branco, 2018.  Disponível em: <http://falabaixada.blogspot.com/p/conheca-baixada-do-sol_30.html>.  Acesso em: 01 set. 2022 de Setembro.

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