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Popularização da venda de conteúdo adulto no Acre

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Amante do Sol e Neeko Chan, mulheres acreanas que decidiram trabalhar com a venda de “packs’’, contam como é essa realidade

Por Anieli Amorim Almeida

No cenário mundial , principalmente nos últimos anos, durante a pandemia, pudemos enxergar no ambiente virtual um grande volume de pessoas que decidiram começar a vender conteúdo adulto, visando o próprio lucro. Desbancando o tabu da ofensa e chacota à nudez – que era uma realidade nos anos anteriores –  hoje se popularizou o termo “venda de packs’’.

A palavra pack vem do inglês e significa pacote. A adoção deste termo veio para denominar os pacotes de arquivos que são comercializados com os mais diversos conteúdos (em geral, fotos e vídeos do próprio corpo), em suas respectivas quantidades e valores.

Este mercado acontece nas plataformas digitais e contas pessoais dos vendedores, mas também em e também em sites específicos para esse tipo de conteúdo, como OnlyFans e Privacy. Para algumas pessoas que não tiveram uma fonte de renda no cenário pandêmico, essa foi uma saída. Para outras, aquilo foi um bom divertimento e forma de ganhar dinheiro fácil.  Mas para a Amante do Sol e Neeko Chan virou quase um caso de amor.

A Amante do Sol, mulher preta, acreana e empreendedora, iniciou sua carreira sendo dona de uma loja voltada para venda de botons personalizados. Ela possui uma personalidade de quem está sempre em êxtase com o mundo a sua volta. Além disso, a jovem trouxe muitas pessoas para ciclos mais próximos de relacionamentos durante sua trajetória.

Isso contextualiza uma forte rede de apoio para quaisquer projetos que possam vir a ser elaborados por ela, ainda que sejam aquelas decisões que “dão na telha’’. Isso permite a ela a sensação de deixar a própria essência no mundo, sem entregar um padrão imposto pela sociedade, e assim surgiu seu interesse na venda de conteúdo erótico.

Amante do Sol: foto de arquivo pessoal

Mas ela não pode ser resumida em “a menina dos botons’’ ou “a menina dos packs’’. Não há rótulos e, mesmo que haja uma apropriação, vai mais além. Primeiramente, seus trabalhos não são sobre a vida financeira, e sim uma forma de lhe trazer confiança. Durante os seus projetos há muita energia positiva em relação a aceitação do corpo e de outras lutas internas e externas. Para ela, é como se, quando você permite se despir para essa possibilidade, muitos caminhos fossem desbloqueados no percurso. Esse mergulho na carreira pessoal, que não se designa à vida sexual, traz muitas explorações e descobertas sobre a sua vida.

Começando com a venda de conteúdo erótico para “a gringa”, a realidade que observou foi muito distante e “off”, como ela diz, quase como se não houvesse sua participação (não dominar a língua e não ter conexão com o cliente causava um certo desgaste). Mesmo com o ganho em dólar, as plataformas de pagamento também não colaboravam, pois acabavam sendo bloqueadas. Mas a história muda quando começam as vendas no Brasil.

‘‘Até agora não recebi uma reclamação, uma queixa ou uma piada que diminuísse o que estou fazendo. Me sinto privilegiada porque sei que não é uma regra da sociedade, e sim uma exceção da minha bolha e das pessoas que cativei para estarem comigo. Elas sabem que se eu estou fazendo é porque eu decidi fazer’’, diz ela.

Outra coisa que rola no universo da Amante do Sol é a pauta “mulheres reais’’. A pornografia atual se encontra repleta de estereótipos defasados e problemáticos. E quando ela traz o seu corpo real, sem teor de infantilização e padrões doentios, é como se cada dia fosse uma luta que parece estar sendo vencida.

A perspectiva pessoal dela de transformação nesse ramo – que carrega uma forte entonação aos abusos, assédios, estupros e muita sexualização desde que era uma criança –  atropela todo esse contexto pesado para carregar uma mulher forte e inspiradora. Com uma jornada de dias e mais dias percorridos em uma realidade, tornou-se a Amante do Sol. Este foi o nome que deu ao seu “Lado B”, que está sempre buscando a maior sensação de liberdade possível para poder ser produto, mas sem nunca esquecer que ela propaga mais do que o comércio: é ela.

O ato de cativar o cliente e alimentar uma intimidade e conexão, até que ele sinta admiração pela sua persona, segundo ela, é o que vai desenrolar o consumo do seu conteúdo e, consequentemente, o sucesso de suas vendas. Ainda traz uma inspiração para a sua rotina, que é de sempre se manter atualizada e conectada ao público, respondendo aos interessados sem precisar ir atrás de buscar mais pessoas, pois já existem os que estão sempre entrando em contato para saber mais. 

A história muda um pouco com Neeko Chan, uma mulher acreana que trabalha com a venda de conteúdo adulto desde seus 19 anos (pouco tempo depois de ter um filho). Ela nos conta que sempre gostou muito de se fotografar eroticamente e um dia foi questionada do motivo de ainda não estar ganhando dinheiro com isso. Como sempre priorizou a si mesma e nunca se sentiu envergonhada de fazer o que gostava, decidiu comunicar à sua família que estaria entrando no ramo sexual e não passou por nenhuma discriminação, apenas foi orientada a ser forte pois trabalhar no ramo sexual não é – e provavelmente nunca será – fácil. 

Neeko Chan: foto de arquivo pessoal

Foi então que ela amadureceu a ideia com seus gostos e conquistou uma lista com mais de 2 mil clientes. A maioria de seus clientes são fixos e todos os meses adquirem seus conteúdos novos. Ela trabalha com um conteúdo muito buscado na internet: o Cosplay (caracterizar-se e comportar-se como um personagem específico, geralmente, de animações e jogos).  Ela diz que seu trabalho é simples, tira as fotos e grava os vídeos, faz um álbum com o tema do Cosplay e posta nas plataformas adultas, onde os assinantes têm acesso imediato, e também anuncia em suas redes sociais. Possui dois perfis, para não misturar a vida pessoal com o trabalho, e os interessados entram em contato por eles.

“Nesses dois anos que trabalho com isso, o único problema que tive foi a questão de conteúdos vazados. Mas seria quase que impossível isso não acontecer, visto que moro em uma cidade pequena. Afirmo que os adultos me respeitam bem mais do que os jovens da minha idade, e essa discriminação é mais presente nos colegas e jovens em geral.  Eu amo meu trabalho porque, apesar disso, são incontáveis os números positivos, tais como estar no conforto do meu lar trabalhando, sendo dona de um negócio que me gera um lucro e que, nas condições e com a idade que tenho, provavelmente jamais ganharia o mesmo valor’’, ela diz.

Neeko também dá uma dica para quem pensa em trabalhar na área: ter uma mente aberta, saber que não será um segredo para a maioria das pessoas e provavelmente alguns vão julgar. Mas é importante amar o próprio corpo, praticar o ato de se fotografar, ter bastante criatividade para sempre estar inovando e buscar saber mais na internet, em alguns sites que dão dicas e falam sobre os procedimentos e os retornos financeiros.

“Sou grata por viver nos tempos atuais, onde posso crescer com as armas que tenho e manter o meu conforto e de meus familiares. Tenho planos de crescer mais, até me estabilizar e sem precisar passar por dificuldades financeiras, mas acredito que sempre terei essa paixão por me fotografar’’, ela finaliza.

Os projetos da Amante do Sol e de Neeko Chan para o futuro também se voltam para a continuação do trabalho com uma maior dedicação e, claro, com a permanência da paixão pelo próprio conteúdo. Podemos perceber, com as duas histórias, o desenrolar de um processo artístico de ter o domínio do próprio corpo, porque dentro da indústria pornográfica (tanto nacional, quanto internacional) há muitos tabus, como a objetificação e exploração da mulher. Então, a venda do próprio conteúdo é decidida a partir da saída deste padrão e da liberdade que vem com todas essas posturas. O dinheiro que entra na conta bancária não é advindo de exploração – e isso é incrível.

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1 Comment

1 Comments

  1. Thaís Rodrigues

    9 de junho de 2022 no 16:26

    Ameiiiiii! Obrigada Anieli pela oportunidade de falar mais sobre o meu trabalho e desmitificar um assunto que ainda infelizmente é considerado um tabu. Viva a liberdade feminina! Viva a liberdade dos nossos corpos!!!! ❣️

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Cada vez menos sombra e água fresca

Embora necessária para equilíbrio ambiental, novas construções podem diminuir arborização na zona urbana de Rio Branco. Foto: Amanda Silva

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Por Francisca Samiele e Amanda Silva

Você já parou para pensar na importância das árvores para a cidade? Pequenas, médias ou grandes, elas têm grandes contribuições para a qualidade de vida e para a paisagem urbana, mas é curioso perceber como, apesar de estarem por toda parte, muitas vezes passam despercebidas. 

Mais do que um elemento estético, a arborização é essencial para melhorar a qualidade do ar, ajudar a controlar a temperatura e ainda trazer mais bem-estar para quem vive por aqui. Elas também se tornam pontos de referências da cidade, como afirma o arquiteto Eduardo Vieira. 

Segundo o panorama do Censo de 2022, cerca de 57% da área urbana no estado do Acre não possui arborização, sendo  85% de vias pavimentadas, como avenidas e ruas, por exemplo.

A moradora do bairro Custódio Freire, Maria Auxiliadora, de 68 anos, lamenta o desmatamento e comenta que sem as árvores não conseguiremos sobreviver. “O pessoal derruba muito. Mas as árvores são muito importantes, dá frieza, sombra, e é uma riqueza, tudo é favorável. Vá embaixo de uma árvore para ver a frieza e a beleza lá embaixo. É ótimo”.  

Já Maria Aparecida Santiago, moradora do mesmo bairro, conta que quando sai da cidade para sua chácara percebe o clima diferente, e que o ar que parece saudável. “É um clima muito bom. Quando você vai chegando na chácara, respira outro clima, suave”, exclama. 

Cerca de 57% da área urbana do Acre não possui arborização. Foto: Francisca Samiele

Possíveis problemas

Para entender melhor os efeitos da cobertura da vegetação, o arquiteto Eduardo Vieira explica como a ausência de árvores pode causar problemas nas cidades. “Uma cidade com grandes áreas impermeáveis está mais sujeita a alagações, à reflexão e aumento do calor, bem como a criação de ambientes áridos, inadequados ao convívio humano”, afirmou. 

Os efeitos mencionados pelo arquiteto já são perceptíveis na região, que nos últimos dois anos tem enfrentado situações como alagamentos intensos em períodos de chuva e a seca acentuada do Rio Acre durante os meses mais quentes. 

O engenheiro florestal Paulo Trazzi explica que as árvores podem ajudar a evitar alguns eventos extremos, pois suas raízes formam uma estrutura no solo que melhora a infiltração da água e permite o controle do fluxo nos rios, canais e corpos d’água: “Evita assoreamento, perda de água no solo, também melhora a qualidade da água.”

Além de manter o ar mais fresco nas cidades, o engenheiro florestal reforça que preservar árvores nativas é fundamental para conservar a biodiversidade local. 

Segundo especialista, presença de árvores na cidade pode evitar eventos climáticos extremos. Foto: Francisca Samiele

A derrubada de uma árvore, muitas vezes, é feita para abrir espaço para uma nova construção. A chefe da Divisão de Meio Ambiente e Cidades da Secretaria de Estado de Meio Ambiente (Sema), Esmilia Medeiros, fala que serão feitas novas construções na cidade de Rio Branco, em que será necessário a retirada de árvores.

Mas a entrevistada destaca que na capital “o corte de árvores em áreas públicas e privadas é regulamentado pela Secretaria Municipal de Meio Ambiente [Semeia] através da Instrução Normativa nº 001/2021 e outras resoluções.”

Esse conjunto de normas também estabelece procedimentos de autorização para retirada de vegetação, incluindo critérios para compensação ambiental por impactos causados, que podem envolver o plantio de árvores, recuperação de áreas degradadas ou outras medidas que visem mitigar os impactos ambientais. 

Mesmo com normas que regulamentam a derrubada, Rio Branco ainda enfrenta desafios relacionados ao assunto. Cada árvore cortada que não é compensada por um novo plantio pode trazer consequências para o equilíbrio do meio ambiente. E para a qualidade de vida de todos nós.

É importante lembrar que desmatar sem autorização é crime. Cortar árvores sem seguir as regras pode resultar em multas e outras penalidades, conforme a Lei nº 2.422/2022.Para obter informações detalhadas sobre o processo de licenciamento, consulta de legislação e demais procedimentos, recomenda-se entrar em contato com a Semeia ou consultar o site da Prefeitura de Rio Branco

Redação

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Ação e projetos sociais levam justiça a todos

A Defensoria pública e o acesso à justiça para as populações vulneráveis

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A Defensoria Pública exerce um papel fundamental no sistema de justiça, especialmente ao garantir que pessoas em situação de vulnerabilidade social, econômica ou jurídica tenham acesso a serviços essenciais sem custos. No entanto, a Defensoria tem demonstrado resiliência e criatividade ao implementar projetos inovadores que buscam expandir o alcance dos serviços jurídicos.

No contexto do Acre, essas barreiras se tornam ainda mais evidentes em comunidades rurais e periféricas, onde o acesso a serviços jurídicos é limitado. A Defensoria do Estado do Acre se destaca na promoção da justiça social ao enfrentar desafios como a falta de recursos, a escassez de defensores públicos e a sobrecarga de trabalho, o que, muitas vezes, dificulta o atendimento eficaz às populações mais carentes. 

A presença da Defensoria nas comunidades periféricas e rurais é crucial, pois deveria ser uma prática frequente, e não uma exceção, já que muitos cidadãos dessas regiões enfrentam enormes dificuldades para acessar a justiça. Um exemplo claro de como a Defensoria tem feito a diferença é o projeto “Apoio à Mulher”, que oferece suporte jurídico a mulheres em situação de violência doméstica e em questões relacionadas a seus direitos em áreas como saúde, segurança e previdência.

Secretaria desempenha trabalho a favor da cidadania. Foto: Assessoria

De acordo com o Coordenador da Comunicação (SEASDH) Jairo Carioca“Além disso, a Secretaria também atua na emissão de registros civis, um serviço vital que permite que aqueles que ainda não possuem esse documento possam regularizar sua situação. A emissão do registro civil é um passo importante para a inclusão social, pois garante a cidadania e o acesso a diversos direitos.”

“Estamos comprometidos em levar esses serviços até a comunidade, promovendo a conscientização e oferecendo suporte para que todos possam ter acesso a seus direitos. Essa ação conjunta com o Ministério Público reforça nosso compromisso em construir uma sociedade mais justa e igualitária.” Afirmou Jairo Carioca.

A Defensoria Itinerante e o Apoio às Mulheres em Situação de Violência

O projeto “Defensoria Itinerante” tem como objetivo levar os serviços da Defensoria às regiões mais afastadas e de difícil acesso, como comunidades rurais e periféricas, garantindo que a população vulnerável tenha acesso à justiça. Entre os serviços oferecidos, destacam-se a orientação jurídica em temas como direitos de família, saúde, educação e questões trabalhistas.

Defensoria constrói futuro com serviço público. Foto: Assessoria

Além dos desafios logísticos de acessar essas áreas, a Defensoria tem superado dificuldades tecnológicas, como a falta de conectividade, por meio da aquisição da Starlink, uma internet via satélite que possibilita a comunicação com as regiões mais remotas. Com esses recursos, estão trabalhando para levar dignidade e acesso à internet nas comunidades mais distantes, o que facilita ainda mais a integração de serviços essenciais.

O projeto “Apoio à Mulher” é dedicado a combater a violência doméstica, oferecendo orientação jurídica e apoio a mulheres que vivem em situação de violência. Esta iniciativa é uma extensão do compromisso da Defensoria em promover a igualdade de gênero e garantir que as mulheres, especialmente aquelas em situação de vulnerabilidade, tenham seus direitos protegidos e respeitados.

De acordo com a Diretoria de Comunicação da Defensoria Pública do Acre KatiusciaMiranda “Por meio de parcerias institucionais, principalmente com as prefeituras e associações. A Defensoria Pública realiza atendimentos itinerantes, levando serviços jurídicos diretamente às comunidades rurais e periféricas. Além disso, oferece mediação e conciliação localmente, promovendo a resolução de conflitos e reduzindo a necessidade de deslocamento para acessar a justiça. A instituição também mantém canais abertos para feedback, permitindo que as ações sejam ajustadas às necessidades específicas de cada local.” Afirma Katiuscia.

Esse trabalho se torna ainda mais relevante no contexto de um Brasil marcado por desigualdades sociais. Foto: Assessoria

Garantindo Acesso à Justiça para Populações Vulneráveis

A presença constante da Defensoria Pública nas comunidades vulneráveis do Acre é essencial para garantir que todos os cidadãos, independentemente de sua condição econômica ou social, tenham acesso à justiça. A falta de informação jurídica e as dificuldades para acessar serviços legais criam uma grande barreira para a plena cidadania. Nesse cenário, a Defensoria Pública se torna a principal responsável por informar as populações carentes sobre seus direitos e por orientá-las, além de oferecer meios para que busquem a justiça de forma eficaz.

Esse trabalho se torna ainda mais relevante no contexto de um Brasil marcado por desigualdades sociais profundas, onde mulheres, negros, indígenas e pessoas em situação de rua frequentemente enfrentam discriminação e obstáculos adicionais para garantir seus direitos. A Defensoria, portanto, atua como um verdadeiro pilar de apoio para essas populações, combatendo injustiças sociais e promovendo a inclusão.

O fortalecimento da Defensoria Pública, com a expansão de seus projetos sociais, é uma estratégia fundamental para a construção de uma sociedade mais justa, onde os direitos humanos e a cidadania plena sejam garantidos para todos, independentemente de sua classe social, etnia ou gênero.

De acordo com Francisco Das chagas, açougueiro “Eu acho muito importante está ação que está acontecendo na clínica renal muitas pessoas tem problemas empáticos e não sabem com está ação muita gente descobrem o problema e tratam com rapidez antes que seja tarde muito boa, gostei também pois é gratuito, e nossa saúde é importante cuidar” Ressaltou Francisco.

Redação

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Quem cuida de quem cuida? 

A realidade invisível dos cuidadores de idosos no Acre

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Por Raquel de Paula, Elis Caetano e Tales Gabriel

O envelhecimento da população já é uma realidade que impacta a rotina das famílias e a estrutura social brasileira. No Acre, segundo dados do Censo Demográfico 2022 do IBGE, entre 2010 e 2022 o número de pessoas com 65 anos ou mais no estado cresceu 64,9%, passando de 31.706 (4,3% da população) para 52.297 idosos, que hoje representam 6,3% dos acreanos. 

No mesmo período, a proporção de crianças até 14 anos recuou de 33,7% para 26,6%,com isso, o índice de envelhecimento, que mede o número de idosos para cada 100 crianças, chegou a 23,8 em 2022, quase o dobro do registrado em 2010.

Esse crescimento no número de idosos, embora menos acelerado que em outras regiões do país, indica um aumento na demanda por cuidados e uma redução no número de jovens disponíveis para desempenhar essa função, o que amplia a sobrecarga de quem exerce essa atividade.

Nesse cenário, está a história de Juliette Silva, cuidadora formada em um curso de três meses, que deixou Rio Branco há dois anos e se mudou para Goiânia em busca de melhores condições de trabalho. 

“A minha rotina diária como cuidadora hoje é uma carga horária 12/36 diurno, trabalho autônomo para uma agência de cuidadores aqui em Goiânia. Vim em busca de ganhar um valor melhor, pois em Rio Branco a profissão é mais desvalorizada”, afirma. 

Suas atividades diárias incluem administrar medicações via oral, dar banho, cuidar da higiene, trocar fraldas, fornecer alimentação e garantir o banho de sol. Mesmo com formação técnica, ela avalia que “mudaria nossa vida a valorização do nosso trabalho. Que pudéssemos ter nossos direitos trabalhistas reconhecidos como profissionais que somos. Infelizmente, nossa profissão é registrada em carteira como uma função doméstica. Isso é muito injusto.”

Juliette considera o cuidado com idosos uma missão, mas destaca o custo emocional envolvido, que afeta diretamente a saúde física e mental de quem cuida. “Nossa profissão é linda, vai além de uma profissão. Eu costumo dizer que é uma missão. Mas, infelizmente, existem muitos cuidadores que são explorados por famílias, que desviam as funções e sobrecarregam o cuidador, pedindo para fazer outras tarefas além de cuidar do idoso.”.

O relato de Juliette reflete a rotina de muitos cuidadores, marcada por jornadas extensas, múltiplas responsabilidades, baixa segurança trabalhista e vulnerabilidade emocional. Grande parte atua como autônomo ou é formalmente enquadrada como empregado doméstico, o que reduz direitos como jornada regulamentada, descanso remunerado, FGTS e contribuição para aposentadoria.

Embora o Estatuto da Pessoa Idosa estabeleça direitos como assistência à saúde e à dignidade, o cuidador, figura essencial nesse processo, ainda carece de políticas públicas específicas. O Ministério da Saúde oferece cursos e capacitações por meio da UNA-SUS, mas a abrangência dessas ações para cuidadores familiares ou autônomos, especialmente no interior do Acre, é limitada.

Sobrecarga

A ausência de uma rede de apoio estruturada tem reflexos diretos na saúde física e emocional de quem cuida. A psicóloga e psicanalista Sara Saraiva destaca que os impactos sobre a saúde mental dos cuidadores já estão implícitos na própria pergunta que norteia este trabalho: “Quem cuida de quem cuida?”. Segundo ela, é comum que esses profissionais, e também familiares que assumem a função, acabem esquecendo de cuidar de si mesmos.

“Surge aquela sensação de: Se eu não fizer, quem vai fazer? Mas também é preciso pensar: E quem faz por mim?”, afirma.

Essa dedicação exclusiva, explica Saraiva, pode gerar estresse e um sentimento de culpa excessiva por não se permitir descansar, por sentir-se cansado ou, até mesmo, por não querer cuidar em determinados momentos.

“Muitos acabam se perdendo de si e passam a viver quase que integralmente a vida da pessoa assistida”, acrescenta.

De acordo com a psicanalista, essa sobrecarga emocional e física, quando acumulada, pode desencadear crises de estresse intenso, quadros de ansiedade e até depressão. Para ela, prevenir o adoecimento exige a atuação conjunta da família, da sociedade e do poder público.

“No caso de cuidadores familiares, é fundamental dividir tarefas e responsabilidades. Também é necessário oferecer suporte psicológico e acompanhamento dentro da rede pública de saúde. A prevenção começa com a conscientização: entender que, embora cuide do outro, essa pessoa também precisa de cuidado, acolhimento e de olhar para si, lembrando que sua vida não se resume àquele que ela assiste”, conclui.

Rede de apoio

Além de profissionais autônomos, o Acre também conta com iniciativas coletivas que tentam suprir a carência de apoio. É o caso do Anjos do Cuidado, grupo fundado por Benedita do Anjos Silva, que hoje reúne mais de 200 cuidadoras e técnicos. Ela conta que a ideia nasceu de forma espontânea e cresceu rapidamente.

“Eu criei esse grupo porque, depois que me formei como técnica, fui trabalhar em uma família e, com o tempo, as pessoas foram conhecendo meu trabalho e me chamando para cuidar de outros pacientes. Chegou um momento em que eu não conseguia dar conta sozinha, então comecei a convidar colegas”, explica. 

No início, era um grupo de WhatsApp com três ou quatro pessoas, atualmente são 232 profissionais prestando serviços em hospitais e domicílios. São atendidos pacientes que precisam de ajuda para se locomover, acompanhar consultas ou até viajar. “Tudo começou pequeno, mas virou uma rede de apoio muito importante”, afirma a técnica.

Para Benedita dos Anjos, um dos maiores desafios é a falta de planejamento das famílias.“Muitos só pensam em contratar um cuidador quando o idoso já está debilitado ou quando a família já está emocionalmente sobrecarregada. Se houvesse essa contratação preventiva, o cuidado seria melhor para todos”.

Apesar da rotina intensa e da pouca valorização profissional, cuidadores também precisam de atenção e cuidado, como mostram as iniciativas que apostam em solidariedade e compreensão.

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