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Histórias de vida

Uma vida entre rios

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Por Sarah Helena e Tácila Matos

No bairro Tucumã, entre dois dos 11 filhos, mora a grandiosa matriarca de 1,50 cm da família Brito. Ela leva uma vida tranquila e sossegada, aproveita a idade avançada para fazer o que gosta: cuidar de suas tão queridas plantas, ir à igreja cultivar sua fé e desfrutar da família que tanto ama. Hoje, é grata pela paz e estabilidade de sua vida, mas quem vê essa senhorinha tão calada e serena não imagina todas as dificuldades que ela já viveu e superou.

Essa é Helena Soares de Brito, ou melhor, Dona Irene, como é chamada desde pequena e conhecida por todos; mas ao ser perguntada sobre o mistério dos dois nomes, ela diz “Meu bem, aí é uma resposta que eu não sei nem responder”. Mas com certeza esse nome lhe serve bem, visto que Irene, do Grego, significa “a Pacificadora”, encaixando muitíssimo com sua personalidade calma e singela.

A Trajetória – Do Rio Irú a Rio Branco

Ela nasceu em uma comunidade às margens do Rio Irú, próximo a cidade de Eirunepé, no Amazonas, no ano de 1936. E aí começou a trajetória de adversidades da pequena Irene. Apesar de ser relutante em se abrir sobre a infância, ela afirma em voz baixa, quase que num sussurro, que o início de sua vida foi muito difícil. “Perdi meu pai muito cedo”, por volta dos cinco anos de idade, diz. E emociona-se por não ter memórias com ele. Pouco tempo depois, a mãe, chamada Francisca Soares de Lima, casou-se novamente, levando Irene e suas irmãs, Regina e Maria, para morar no Seringal Aurora, no Vale do Juruá, agora adentrando o estado do Acre.

Desde muito pequena aprendeu a trabalhar em roçados para ajudar a família, mesmo assim, a mãe encontrava dificuldades para criar as três filhas. Então, aos 8 anos de idade, Irene e suas irmãs mudaram-se e foram morar com famílias distintas, por decisão da mãe. Situação comum para a época, na qual os pais “davam” os filhos para serem criados por outras pessoas, devido à difícil situação financeira. 

Assim, Irene seguiu o fluxo do Rio Juruá, chegando ao Seringal Três Bocas, onde morou com Francisco Regino de Brito e Idalina Mendes Guimarães, donos do local, e seus filhos, durante o restante de sua infância e toda a adolescência. Dentre os 11 filhos do casal, Rui Guimarães de Brito foi escolhido para casar-se com Irene, com quem construiu sua família.

Quando se casou com Rui, ele era dono da chamada Colocação das Gaivotas, ou seja, uma propriedade dentro do Seringal Três Bocas, que pertencia a seu pai. Dessa forma, lá estabeleceram-se: Rui, sendo o patrão dos negócios de extração da seringa e produção da borracha, e Irene, continuando com o trabalho no roçado e criação de animais. O casal teve ao todo 13 filhos, mas dois faleceram ainda durante a infância.

Dona Irene sempre manteve uma grande preocupação sobre o futuro dos seus filhos, queria que estudassem e adquirissem uma educação para terem a possibilidade de uma vida melhor, tendo em vista toda a dificuldade que passou durante a infância no seringal. Mas sua apreensão era voltada de modo especial às filhas: “eu dizia pras meninas, pra elas estudarem pra nunca serem dependentes de marido, porque não é todo marido que quer dividir o dinheiro dele com a mulher”.

Portanto, tomou a decisão de mandar os filhos para Cruzeiro do Sul, cidade do Alto Juruá, no Acre, para que estudassem e, assim, pudessem conquistar uma vida melhor e mais estável. Quem a apoiou durante esse processo foi o cunhado Romeu e sua esposa Magali, que tinham estabilidade e já moravam na cidade. Assim, a primeira filha levada foi Hilma, a mais velha, aos sete anos de idade. E aos poucos, um por um, os demais filhos também mudaram-se para a casa dos tios a fim de começar os estudos. Eles retornavam apenas nas férias.

Quando, enfim, restavam apenas os caçulas, Irene tomou a decisão de também sair do Seringal e acompanhar os filhos na cidade. Apoiada novamente por Romeu, ela partiu com as crianças de navio, enquanto Rui permaneceu na Colocação das Gaivotas para conseguir recursos para construir uma casa na nova morada.

Em Cruzeiro do Sul, trabalhou como costureira, ofício que aprendeu ainda criança fazendo roupas para suas bonecas, além da permanência no roçado. E dessa forma ajudou no sustento da família. Logo mais, seus filhos, já maiores, começaram a trabalhar como babá, em construções, vendendo comidas, etc.

Apesar das diversas dificuldades que passou na vida, ela se sente muito feliz de ver todos seus filhos bem. E afirma que o que a manteve “de pé” durante sua trajetória difícil foi a fé.

”Eu vi Nossa Senhora”

Por volta dos 12 anos, Irene foi morar com uma das filhas de Francisco Regino e Idalina, Riselda,que casou-se e saiu do “barracão” onde a família vivia para morar com o marido em uma casa pequena, de apenas um cômodo, que ficava mais distante da instalação principal. O marido de Riselda acordava todas as madrugadas para tomar café e a jovem devia se levantar mais cedo para fazê-lo. 

Numa madrugada, como de costume, levantou-se, acendeu o fogo, fez o café e depois que o cunhado havia bebido, ele voltou a deitar-se,  apagou o fogo e voltou para sua rede. De repente, uma luz intensa clareou a casa inteira, Irene olhou e viu uma mulher em pé ao lado de sua rede olhando para ela, vestida com um vestido branco e um manto azul. Imediatamente a jovem a reconheceu como Nossa Senhora das Graças. 

“Eu não fiquei com medo”, ela diz sobre a aparição, experiência que só intensificou sua fé. Em cada um de seus trabalhos de parto, ela pedia as bênçãos de Nossa Senhora para lhe ajudar, numa época onde não havia qualquer acompanhamento médico para gestantes.

Vivendo o sonho

Dona Irene, depois de ver seus filhos terminando o colegial, viu-os também, um por um, deixarem a cidade de Cruzeiro do Sul e chegarem à Rio Branco em busca de ensino superior. Aos poucos, foram formando suas próprias famílias e se estabeleceram na capital. Dessa forma, a mãe não via mais sentido em permanecer no interior, longe dos filhos e enfim chegou à Rio Branco.

Aos poucos a família cresceu, foram chegando cada vez mais netos e bisnetos. Hoje, a senhorinha de 88 anos leva uma vida muito feliz, rodeada pela família e afirma que seu sonho foi concedido. “Quando eu morava no seringal, o que eu mais pedia era sair de lá e ter uma velhice sossegada”, desejo que, enfim, conquistou.

Dona Irene, Rui e os 11 filhos, 2012. Foto: Arquivo Pessoal

Histórias de vida

Mulheres que fazem acontecer: a força do trabalho manual no empreendedorismo acreano

Elas não apenas produzem: elas plantam, moldam, carregam, vendem e resistem. Em um cenário onde empreender não é só uma escolha, mas uma forma de sobrevivência, mulheres do Acre estão transformando o que têm — terra, cimento, fruta, memória — em renda, autonomia e permanência. Muitas fazem isso com as próprias mãos. Outras, com apoio da família. Mas todas compartilham algo em comum: a decisão de permanecer criando.

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Por Thaynar Moura

Elas não apenas produzem: elas plantam, moldam, carregam, vendem e resistem. Em um cenário onde empreender não é só uma escolha, mas uma forma de sobrevivência, mulheres do Acre estão transformando o que têm — terra, cimento, fruta, memória — em renda, autonomia e permanência. Muitas fazem isso com as próprias mãos. Outras, com apoio da família. Mas todas compartilham algo em comum: a decisão de permanecer criando.

Da colheita ao pote: Lucilene e a trajetória de um doce feito com raízes

Foto: Thaynar Moura

Lucilene Nonata, de 58 anos, vive com o marido em um sítio no interior do Acre. Foi ali que, há cerca de duas décadas, ela decidiu começar a fazer doces com frutas do próprio quintal. “Meus filhos estavam entrando na adolescência e eu queria fazer algo meu, que também ajudasse na renda da casa”, conta.

A escolha pelo doce não foi aleatória: os pais de Lucilene já faziam compotas com frutas temporãs, e o marido, cearense, também gostava de preparar receitas simples. “Foi natural. Começamos com o que a gente tinha: cupuaçu, mamão, banana. O leite vinha do vizinho.”

Foto: Arquivo pessoal  
Foto: Arquivo pessoal

Hoje, mesmo com o pomar envelhecido e parte da matéria-prima comprada de produtores vizinhos, o processo segue artesanal. Tudo é feito por Lucilene e o esposo, desde a limpeza até o ponto do doce. A venda acontece em feiras e comércios locais, e o contato com o público é parte do valor do produto. “As pessoas perguntam se é a gente mesmo que faz. Criamos laços. Muitos viram amigos.”

A formalização veio com apoio do Sebrae, que orientou desde o registro como MEI até a criação dos rótulos e da tabela nutricional. “O Sebrae foi nosso primeiro e melhor parceiro. Nos abriu portas e deu acesso a linhas de crédito, cursos e assistência técnica”, relata.

Foto: Thaynar Moura

Apesar dos avanços, o desafio é constante: o alto custo dos insumos e a concorrência com produtos industrializados. “É difícil competir. Nosso estado não é rico. Mas a gente vai atravessar essa fase também”, afirma Lucilene. E para outras mulheres que pensam em empreender, ela é direta: “Somos guerreiras. Se cada dia traz um leão, que venham os leões.”

Concreto, família e criação: a arte que resiste com Elizabete e Maria Eliane

Elizabete Monteiro tem 25 anos e voltou ao Acre em 2025, depois de concluir a graduação em Curitiba. Junto com a mãe, Maria Eliane, de 61, criou o negócio “Arte em Concreto”, voltado à produção manual de peças decorativas feitas a partir de cimento, areia, pedrita e moldes reaproveitados.

Foto: Arquivo Pessoal

“O gosto pelo artesanal sempre veio da minha mãe. Quando ela ia passar um tempo comigo, ficava procurando o que fazer com as mãos”, lembra Elizabete. A dupla começou estudando técnicas no YouTube e fazendo testes em casa, até descobrir formas de agregar valor às peças — como a inclusão de plantas e o uso criativo do concreto na decoração.

O trabalho é familiar. Elizabete e a mãe cuidam da produção. O pai ajuda nas feiras. A irmã apoia na divulgação digital. “É algo muito em família, e cada um colabora do seu jeito”, afirma.

Entre os maiores desafios, Elizabete destaca o início do processo. “É preciso vencer o medo de começar. Mostrar o que você faz e lidar com o marketing exige constância.”Atualmente, participa da associação “Elas Fazem Acontecer”, formada por mulheres empreendedoras que organizam feiras e dão suporte às expositoras. “Faz diferença. A gente se sente parte de algo.”

Foto: Arquivo pessoal

A empresa começou a vender peças há cerca de um mês, e uma das metas de Elizabete é investir mais na divulgação pelo Instagram. “Hoje, se você quer saber de algo de uma loja, já vai direto no Instagram. Quero turbinar as postagens.”

Para ela, o mercado de decoração artesanal está crescendo. “As pessoas querem peças com identidade, que sejam únicas.” E para outras mulheres que sonham empreender: “Persistam. Se você ama o que faz, o retorno vem. Mas é preciso estar atenta às novidades e criar com propósito.”

Arte, dedicação e persistência: de uma conversa entre amigas ao ateliê em casa – o sonho de Adriana 

Adriana Balica, 32 anos, é proprietária da FazerArt Personalizados, um ateliê montado na própria casa, onde ela cuida de tudo: do atendimento à criação das artes e à embalagem personalizada. “A FazerArt nasceu numa conversa entre amigas, juntando minha paixão pelo trabalho manual. Hoje, faço tudo sozinha,” conta.

Para Adriana, empreender é uma jornada que exige atenção constante. “Empreender é uma tarefa extremamente difícil, pois temos que dominar um pouquinho de cada coisa e estar sempre atenta a todos os detalhes. Há dias e dias, há altos e baixos, assim como a nossa vida”, reflete.

Foto: Thaynar Moura

Assim como as outras mulheres desta reportagem, Balica destaca o apoio do Sebrae. “O Sebrae sempre esteve de portas abertas pra ajudar, tirar dúvidas, oferecer cursos, palestras e concursos. Sempre que posso, participo.”

E sobre tecnologia? Ela brinca: “Não uso nenhuma tecnologia avançada, eu acho, kkk.”

Para quem pensa em empreender, Adriana tem um conselho: “Lute! Lute pelos seus sonhos. Deus não coloca sonho no nosso coração que a gente não possa alcançar. É difícil, cansativo, cheio de desafios, mas vale a pena! ”

Onde termina o produto, começa a história

Fonte: DataSebrae (Relatórios trimestrais de Empreendedorismo Feminino, 2022–2024)

As histórias de Lucilene, Elizabete e Adriana, não são exceções. Elas representam milhares de mulheres no Brasil e no Acre que vivem daquilo que fazem, cultivam ou aprendem. Os dados mais recentes reforçam o que as histórias contam: empreender, para muitas mulheres, é uma decisão moldada pela necessidade, mas sustentada pela criatividade e pelo trabalho diário.  Que trabalham com o corpo, com a memória e com o tempo.

No Acre, o número de mulheres à frente de negócios oscilou nos últimos três anos. Segundo dados do DataSebrae, em 2022, eram 23.564 empreendedoras no estado. Em 2023, esse número caiu para 20.453, representando 23,7% do total de donos de negócios. No entanto, em 2024, houve uma leve recuperação: 21.350 mulheres atuavam como donas de negócio no estado no 4º trimestre, o que representa  25,1% dos empreendedores locais.

Fonte: DataSebrae – Relatórios trimestrais 2023–2024 

Esse avanço percentual, frente aos 23,7% registrados no ano anterior, revela uma retomada gradual da presença feminina no mercado.

Em números nacionais, 42% dos empregadores ou trabalhadoras por conta própria no Brasil são mulheres — um universo de 10,4 milhões de empreendedoras que movimentam a economia com pequenos negócios, muitas vezes construídos no quintal, na sala de casa ou em uma feira.

O aumento na participação percentual indica que as mulheres seguem ocupando espaço, criando soluções e sustentando seus negócios com o que têm – seja terra, concreto ou papel.

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Histórias de vida

Excomungado: quando a música acontece apesar de tudo

Em uma cidade onde a cultura muitas vezes é negligenciada, a Excomungado surgiu. Uma banda composta por músicos de nascença, jovens e com muita vontade de fazer um som. Formada por Carlos “Carlinhos” Hofre, Ícaro Moreira, Roberto “Bala” Padula e Lucas Alefe, a banda é mais do que um grupo de músicos, é um coletivo de amigos que transformou a paixão pela música em um projeto autoral, cheio de personalidade e força. De shows por diversão até planos ambiciosos para o futuro, a Excomungado traz consigo a prova de que o que falta na cultura do Acre é investimento.

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Por Gabriel Vitorino e Fernanda Maia

Em uma cidade onde a cultura muitas vezes é negligenciada, a Excomungado surgiu. Uma banda composta por músicos de nascença, jovens e com muita vontade de fazer um som. Formada por Carlos “Carlinhos” Hofre, Ícaro Moreira, Roberto “Bala” Padula e Lucas Alefe, a banda é mais do que um grupo de músicos, é um coletivo de amigos que transformou a paixão pela música em um projeto autoral, cheio de personalidade e força. De shows por diversão até planos ambiciosos para o futuro, a Excomungado traz consigo a prova de que o que falta na cultura do Acre é investimento.

A história da Excomungado começa com as trajetórias individuais de seus integrantes que, desde cedo, estiveram imersos no mundo da música. Carlinhos, o compositor e vocalista, começou a tocar violão aos 8 anos, aprendendo com o avô. Sua paixão pela música só cresceu após aulas com o renomado Geraldo Aquino, popularmente conhecido como Mestre Geraldinho, que ele descreve como um “gênio do violão”. Apesar de sua timidez em assumir o papel de frontman, Carlinhos é a alma criativa da banda, responsável pelas letras e melodias que definem o som da Excomungado.

Excomungado é uma banda composta por músicos de nascença, jovens e com muita vontade de fazer um som. Foto: Pan de Almeida

Já Ícaro, o baixista da banda, começou no violão aos 13 anos, aprendendo com o ex-cunhado, que é formado em música. Mais tarde, migrou para o baixo e conheceu o resto dos integrantes, assim acabou entrando para a Excomungado. Além da banda principal, Ícaro participa de vários projetos paralelos, incluindo covers de Radiohead, com a banda Superflat, e Terno Rei em um projeto entre amigos programado para ocorrer no dia 18 de abril, às 21h, no Studio Beer.

Bala, o baterista, cresceu em meio ao som de instrumentos. Filho de músico, ele começou a tocar bateria quase que por acidente, quando sobrou o instrumento após um ensaio da banda do pai, ele e os amigos decidiram tocar e, de acordo com ele, “a bateria foi o que sobrou”, disse rindo. Desde então, já passou por mais de 15 bandas, incluindo a Nickles, onde toca baixo. Sua experiência no cenário musical em Rio Branco e na música em si agregam muito ao desenvolvimento da Excomungado no cenário.

Por fim, Lucas, o guitarrista, começou na bateria aos 9 anos, mas foi com a guitarra do pai que ele realmente se encontrou. Autodidata, aprendeu a tocar sozinho, desenvolvendo um estilo único que hoje é uma das marcas da banda. Sua abordagem livre e cheia de personalidade traz uma sonoridade autêntica para a Excomungado.

 O Nascimento da Excomungado

A banda surgiu em 2019, em meio do caos da pandemia, quando Carlinhos, então com 14 anos, decidiu transformar suas composições em um projeto coletivo. Ele convidou Lucas, que já tocava na banda Selfless, focada em músicas do rock grunge, e juntos formaram a primeira formação da Excomungado, com Pedro na bateria, Mika no baixo e Isa no vocal. O primeiro show foi em um sarau na Ufac, um evento de artes cênicas, onde tocaram ao lado de outros artistas locais.

Banda Excomungado está presente nas noites de Rio Branco. Foto: Pan de Almeida

Desde então, a Excomungado cresceu e se consolidou como uma das principais atrações do cenário underground de Rio Branco. O nome da banda, que surgiu como uma brincadeira, ganhou significado ao longo do tempo, representando a resistência e a autenticidade de um grupo que não se encaixa nos moldes tradicionais da música no Acre. 

A Excomungado é um reflexo da realidade da cena musical de Rio Branco, onde os desafios são muitos, mas a paixão pela música é maior ainda. A falta de investimento em cultura, a escassez de espaços para shows e a dificuldade em conseguir editais são obstáculos constantes. “Aqui em Rio Branco, as bandas não têm investimento, nem lugar para tocar”, desabafam todos os membros, tanto como banda, quanto como músicos em busca de um espaço.

Apesar das limitações, a banda não se deixa abater. Eles já gravaram várias músicas em casa, usando equipamentos simples e muita criatividade. “A gente gravou no quintal, com uma pedaleira, um PC de 4 GB de RAM e microfones baratos”, conta Ícaro. A falta de recursos não impede a qualidade, as músicas da Excomungado são autênticas e cheias de personalidade, mostrando que a música autoral acontece independente das condições precárias.

A Excomungado não quer ficar restrita às garagens de Rio Branco. O principal objetivo da banda é conseguir um edital para gravar um álbum autoral, reunindo músicas antigas e novas. Eles já têm o projeto na cabeça, mas falta o recurso financeiro para colocá-lo em prática. “O objetivo é gravar, viajar e divulgar nosso trabalho”, diz Bala.

A Banda não quer ficar restrita às garagens de Rio Branco. Foto: Pan de Almeida

Em 2024, a banda lançou seu penúltimo single até o momento. A música “Bon Appétit” saiu no dia 10 de fevereiro e hoje já tem mais de 10 mil reproduções no spotify, chegando a ser citada na quinta posição da lista de “melhores músicas de 2024” de um comentarista do sudeste asiático que diz estar ansioso para os futuros lançamentos da Excomungado.

Com músicas produzidas por D.Silvestre, produtor de Rondônia que segue em ascensão na cena musical brasileira ganhando destaque principalmente pelo funk, a Excomungado busca criar algo único dentro da música, juntando suas referências que vão do rock clássico ao funk ao brega, eles alcançam um público grande contando com mais de 4 mil ouvintes anuais no spotify, cerca 17 mil streams em suas músicas com ouvintes distribuídos pelo mundo todo, da França a Indonésia.

A Excomungado é hoje uma promessa. Com o trabalho que realizam, eles mostram que a música autoral pode florescer, mesmo em condições adversas. Com talento, criatividade e muita paixão, Carlinhos, Ícaro, Bala e Lucas transformam desafios em música, provando que o rock de Rio Branco tem voz, força e futuro.

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Histórias de vida

Tonheiros: uma história servida em copos cheios

Localizado no bairro Tucumã, o Tonheiros é um dos bares mais antigos de Rio Branco ainda em funcionamento. Fundado em agosto de 1980 e hoje sob nova administração, o bar carrega o nome de seu fundador e se tornou um refúgio para gerações de universitários.

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Por Ana Flávia Santos, Camila de Souza, Clécio Nunes, José Hélio Vitalino e Luísy Rodrigues*

Localizado no bairro Tucumã, o Tonheiros é um dos bares mais antigos de Rio Branco ainda em funcionamento. Fundado em agosto de 1980 e hoje sob nova administração, o bar carrega o nome de seu fundador e se tornou um refúgio para gerações de universitários.

A proximidade com a Universidade Federal do Acre (Ufac) consolidou o espaço como um ponto de encontro para comunidade acadêmica onde debates fervorosos, romances inesperados e sonhos revolucionários se misturam ao cheiro de cerveja barata e ao som escolhido pelo público. Entre mesas gastas pelo tempo e copos sempre cheios, o local testemunhou mudanças sociais, amores nascendo e amizades se fortalecendo. 

Mas o que torna esse bar memorável? Estaria o segredo apenas nas bebidas ou na atmosfera criada por seus frequentadores? O Tonheiros parece ter encontrado a fórmula ideal para atravessar gerações e seguir relevante, oferecendo um espaço de liberdade e pertencimento. O ambiente acolhedor, sua história enraizada na vida acadêmica e a capacidade de se adaptar sem perder a essência o tornam um verdadeiro patrimônio boêmio.  

O legado de “Seu” Tonheiros

Aos 72 anos, Antônio dos Rios Nonato, o ‘Seu’ Tonheiros, relembra a trajetória como fundador do bar que leva seu apelido de infância. Após uma desavença com um cliente, ele decidiu fechar seu primeiro estabelecimento, localizado no bairro Volta Seca, e recomeçar os negócios no bairro Tucumã. “Aqui tudo era mato nessa época”, recorda. No entanto, ao abrir o novo bar, o movimento cresceu rapidamente e nunca mais parou.

Antônio dos Rios Nonato, o ‘Seu’ Tonheiros. Foto: Cedida

Mesmo com décadas de sucesso, o momento mais difícil veio quando em 2013 uma cirrose hepática o forçou a se aposentar. “Eu não decidi, foi coisa do destino. Porque eu adoeci, e quando a doença vem, não vem só para mim, vem para todos”, lamenta. Apesar do desafio, ele destaca que, desde o início, sempre contou com o apoio da família e dos estudantes que frequentavam o bar.

Sem condições de continuar trabalhando, passou a administração do bar para outras duas gestões. Ramilson, um dos seus ex-funcionários, foi o primeiro. Em 2019, para o atual dono do estabelecimento, Gabriel Santos, mantendo viva a tradição do estabelecimento que marcou gerações.

Novos tempos, mesma identidade

Gabriel Santos, atual proprietário do bar, afirma que a modernização do espaço buscou equilibrar a tradição com a necessidade de adaptação. “A ideia era manter a identidade visual, manter a identidade de bar raiz e, ao mesmo tempo, modernizar alguns quesitos”, explica. Algumas das mudanças incluíram a introdução de novos produtos, a melhoria da cozinha, a promoção de eventos e a adequação do espaço para garantir mais higiene e segurança.

Gabriel Santos, gerente do Tonheiros atualmente. Foto: Cedida

A modernização, no entanto, não comprometeu a essência do bar, que continua sendo um ponto de referência para universitários e moradores da cidade. 

Um patrimônio afetivo da cidade

“Todo mundo sabe onde é o Tonheiros, quem nunca frequentou já ouviu falar.” A frase de Medusa Santos, estudante de Pedagogia na Ufac e frequentadora do bar há mais de dois anos, resume o lugar que se mantém como um verdadeiro marco na cidade. O bar, com sua atmosfera única, carrega as marcas de uma história que atravessa o tempo, gravada tanto nas memórias individuais quanto nas coletivas daqueles que por ali passam. 

Aleta Dreves, jornalista e professora da Ufac, frequenta o bar há mais de 13 anos e comenta sobre as transformações que o lugar experimentou ao longo do tempo: “com a nova administração mudou muita coisa, principalmente a parte de cozinha que era praticamente inexistente antigamente”. 

Frequentado por estudantes e moradores de Rio Branco, o Tonheiros Bar se destaca como um espaço acolhedor, tranquilo e seguro. “É um bar muito tranquilo, comparado aos outros bares de Rio Branco. Não é um bar onde a gente vê uma alta taxa de violência”, afirma Aikon Vitor, estudante da Universidade Federal e cliente assíduo. Além do ambiente pacífico, o bar é reconhecido por sua diversidade de público. “As regras que existem são de segurança mesmo, questão de briga de bar, que ele tenta sempre evitar. Esse conservadorismo a gente não tem mais”, destaca Ranna Macedo, frequentadora desde 2016.

O refúgio dos universitários

Para muitos universitários, o bar é um refúgio da rotina acadêmica intensa. “O meio universitário é muito difícil […] é muito bacana você sair de uma apresentação, sair de um TCC, de um seminário e vir aqui afogar as mágoas no Tonheiros”, compartilha Medusa Santos. 

O que torna o bar memorável não é apenas a bebida ou a localização, mas a experiência coletiva que ele proporciona. “A bebida gelada, o vento, as músicas bregas, Reginaldo Rossi, as cadeiras de plástico, a galera gente boa, as pururucas… Todo o contexto dele faz esse lugar ser especial para mim. É um conjunto, né? Não é algo em si, mas cada detalhe que tem nesse bar é o que faz ele ser especial. A essência dele. É essência”, reflete Aikon Vitor.

Mais do que um bar, Tonheiros é parte da trajetória de muitos. “Foi um lugar que fez parte da minha estrada. Tenho um carinho imenso por aquele lugar”, revela Ranna Macedo, psicologa formada pela Universidade Federal do Acre. O sentimento de pertencimento vai além da nostalgia: “Quando eu chegava lá morrendo de gripe, sem conseguir respirar, e o Seu Tonheiros dizia: ‘Minha filha, aqui um remédio para você’, e me dava uma dose de cachaça com mel, de graça. E essa não foi uma experiência só minha. Os mais antigos também lembram que ele sempre fazia isso pela gente. São essas pequenas coisas que acalentam o coração”, continua ela. No fim das contas, Tonheiros Bar não é apenas um bar: é um pedaço da vida de quem passa por lá.

Ouvir para crescer 

Que o Tonheiros Bar é um estabelecimento bastante reconhecido e admirado por muitos é um fato. No entanto, como em qualquer negócio que visa oferecer a melhor experiência possível, é sempre importante considerar sugestões de mudanças e melhorias vindas dos seus clientes.

“Mais opções de bebidas”, sugere o frequentador Thalisson Maya, estudante de História na Ufac.Para o discente, embora o bar já ofereça um cardápio diversificado, a inclusão de novas opções poderia ser um diferencial interessante.

“A questão do banheiro seria um ponto a se melhorar”, destaca o cliente Ruan Gabriel, também estudante de História na Ufac e mediador na escola SESI, referindo-se à necessidade de maior manutenção da limpeza ao longo da noite. Um ambiente limpo e bem cuidado é essencial para garantir o conforto dos clientes.

Outro desafio que o Tonheiros Bar enfrenta é a infraestrutura. Apesar de ser de boa qualidade, o espaço pode ser considerado limitado. “Ele é pequeno para a superlotação de pessoas, para o tanto de gente que vem aqui”, comenta Medusa Santos.

Planos para um Futuro Próximo

Para os novos e antigos clientes do Tonheiros Bar, as mudanças no espaço são uma constante, algo que o próprio Gabriel,  responsável pelo estabelecimento, confirma com entusiasmo. Ao ser questionado sobre os planos futuros para o bar, ele revela novidades: “A nossa ideia é fazer um rooftop, uma laje em português bem falado, ano que vem para a galera poder apreciar melhor o pôr do sol”

Gabriel enfatiza que as mudanças visam modernizar o espaço sem jamais perder a essência do tradicional bar. “A gente pretende ampliar a área de sinuca, a gente pretende ampliar banheiros, mas sem perder a essência, claro, do nosso barzinho”, explica. Assim, com essas transformações futuras, o Tonheiros Bar promete seguir se adaptando às necessidades  do público.

Texto produzido na disciplina Fundamentos de Jornalismo sob supervisão do professor Wagner Costa

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