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Tripanofobia: Como o medo de agulhas afeta a saúde pública e pessoal

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Por Raquel de Paula e Liz Melo

Muitas pessoas sentem ansiedade ao tomar vacinas ou injeções, para algumas esse medo pode se tornar um verdadeiro desafio para manter a imunização em dia. Esse medo, conhecido como “tripanofobia”, pode ter diversas origens, desde experiências traumáticas na infância até a associação com dor ou desespero. Em 2019, a Organização Mundial da Saúde (OMS) apontou a hesitação vacinal como uma das dez principais ameaças à saúde pública, e o medo de agulhas pode prejudicar a adesão a campanhas de imunização.

De acordo com a psicóloga Nuriá Oliveira, o medo de injeções pode estar ligado a causas psicológicas variadas como traumas passados ou predisposições biológicas. “Experiências negativas com agulhas, especialmente na infância, podem criar associações duradouras com dor ou desconforto. Além disso, a sensação de vulnerabilidade e perda de controle ao tomar uma injeção pode intensificar esse medo”, explica. A forma como cada pessoa lida com o medo também influencia a intensidade e persistência desse sentimento, que pode evoluir de um receio comum para uma fobia.

Elis Caetano compartilha seu trauma pessoal relacionado a vacinas. “Eu tenho um trauma desde que eu era criança. Minha mãe me segurava, e eu não sei dizer bem o porquê desse medo, apenas tenho pavor”, conta. Ela relata que, por conta desse medo, deixou de tomar diversas vacinas na adolescência, incluindo as da COVID-19. “A vacina contra o COVID, por exemplo, tomei apenas duas doses, pois tive muito medo. Não tenho medo dos efeitos colaterais, mas da situação em si, de tomar a injeção.”

 Ela ainda revela que as dificuldades para encontrar sua veia durante exames intensificaram a aversão ao procedimento. “É torturante aquela agulha ficar dentro de mim procurando minha veia. O braço fica roxo e sou furada mais de três vezes até dar certo”, desabafa. Elis admite que o medo a impede de completar seu ciclo vacinal e não se sente confortável com a situação.

A especialista Nuriá Oliveira alerta que, quando o medo se torna excessivo e prejudica o acesso a cuidados médicos, é necessário buscar ajuda profissional. “Se o medo de agulhas impede tratamentos importantes, é hora de buscar estratégias para lidar com ele, como a exposição gradual e técnicas de respiração”, sugere. Ela também destaca que o medo de injeções pode estar relacionado a outros transtornos, como a ansiedade generalizada, e é importante tratar essas questões de forma integrada.

Para quem enfrenta esse desafio, a psicóloga recomenda diversas abordagens, como a psicoeducação, o foco no propósito da vacina e a presença de um acompanhante de confiança. “Desenvolver uma relação saudável com o medo é essencial para superá-lo e continuar a cuidar da saúde. Não se trata de nunca sentir medo, mas de aprender a lidar com ele de forma construtiva”, conclui Nuriá.

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Alê além da música: o legado de um espaço de contracultura em Rio Branco

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Por Fernanda Maia e Gabriel Vitorino

Sinônimo de liberdade, o rock se tornou uma forma de expressão e manifestação para aqueles que não se encaixam nos movimentos dominantes do mainstream e nos estilos musicais como sertanejo, pagode, e samba que prevalecem nas festas e marcam o cenário cultural de Rio Branco. Nesse contexto surge a jornada musical de Alessandro Ferreira, um músico, advogado e idealista que dedicou parte de sua vida a criar um espaço onde a música e a arte pudessem fluir livremente, destacando-se como um exemplo de resistência cultural, e essa história vocês vão conhecer agora!

Alessandro Ferreira é um homem que possui muitas paixões, em especial o amor que compartilha pela mãe, mas, além disso, a paixão pela música, que também ecoa em sua vida desde cedo como uma melodia. Desde a infância, quando ouvia o rádio da avó, ele apreciava bandas como Pink Floyd, Creedence Clearwater Revival e as músicas brasileiras. Na adolescência, a arte também sempre o interessou, e foi a partir de festas da mãe e discos que recebia de presente que a música foi entrando em seu cotidiano e fazendo parte de sua vida.

“A música entrou na minha vida de várias formas, ela entrou na minha vida pelo rádio da minha avó, na casa dela, quando era criança, pelas festas que os amigos da minha mãe e do meu pai faziam aqui, pelos discos que a minha mãe me deu de presente e pelos artistas que ela me apresentou. A música também entrou na minha vida pelos amigos e pelos programas de TV que eu assistia, era a música e a arte que sempre me interessou.”

O rock, em particular, se tornou uma parte de sua identidade e o levou a formar bandas ainda na adolescência. Na época em que a internet e professores de música eram realidades distantes, Alessandro aprendeu a tocar guitarra de ouvido, com a ajuda de amigos e familiares, e foi ali, no início dos anos 90, que começou a realizar ensaios com amigos e adentrar no universo cultural da música, conhecendo e tendo como suas referências o Punk e o Rock.

Alessandro Ferreira. Foto: Fernanda Maia

“No momento estava acontecendo no mundo a New Wave, mas antes disso já tinha acontecido o pós-punk, antes disso havia acontecido o punk, então, nessa troca de ideias, a gente foi conhecendo essas coisas, fui conhecendo o Heavy Metal, até que veio Nirvana naquela transição do final dos anos 90, período que parece que deu uma explodida no mercado e foi tanta energia que todo mundo ficou sem saber o que fazer”

Entre leis e solos

Sua trajetória com a carreira musical nem sempre foi fácil, Alessandro pensava muito em uma forma de conseguir conciliar a paixão pela música com uma carreira estável. Além de cobranças que seus pais, e ele mesmo, faziam para as coisas darem certo, as dificuldades da vida muitas vezes fizeram com que ele desistisse da música por certos períodos de sua vida, mas no final sempre retornava a ela, por encontrar ali o seu porto seguro, assim como encontrava em sua mãe.

“Passei um bom tempo tendo muitos conflitos, larguei várias vezes de tocar e de querer fazer alguma coisa relacionada à música, porque por um lado tinha essas cobranças, por outro, dificuldades da vida, mas até que chegou um momento que percebi que não dava para eu largar isso, eu percebi que era a única coisa que me mantinha vivo. Essa era a única coisa que em determinados momentos tinha significado para mim, sempre foi uma luz, isso e minha mãe, porque sempre achei que tenho que fazer valer os esforços dela, não posso desperdiçar tudo o que ela fez por mim.”

Alê, além de músico, se formou em direito, em Curitiba, se tornou advogado e trabalha atualmente em uma bolsa de servidor público. Ele abraça o seu trabalho com gratidão por ser uma das coisas que proporcionou a compra de seus instrumentos e deu estabilidade para que conseguisse realizar seus sonhos na carreira musical, e abrir consequentemente o seu primeiro bar e espaço cultural em Rio Branco, o Loft.

Em 2008, no auge de seus 28 anos, Alê decidiu criar e abrir um espaço em que pudesse unir dois de seus grandes amores: o rock e a convivência com outras pessoas, e aquilo que se iniciou com festas dentro de sua casa se tornou o Loft, um bar que se tornou um marco cultural em Rio Branco, por ser um lugar alternativo àqueles que já existiam na cidade. O Loft não era apenas um bar, era um local para shows, onde artistas independentes e bandas autorais podiam se apresentar livremente, e para pessoas que, como ele, não se identificavam com a cultura dominante e buscavam um lugar para se expressar e se divertir.

Foto: Fernanda Maia

“Estava há 10 anos trabalhando numa instituição pública e não acontecia nada na cidade, eu achava que ia morrer aqui e não ia me divertir, não tinha o que fazer, eu não me identificava com samba, não me identificava com pagode, nunca me identifiquei com essa cultura, não é que eu não acho legal, mas eu nunca me identifiquei, então não era uma coisa que me divertia, sempre gostei de rock desde cedo, até que lá no final de 2008, comecei a fazer umas festas e passei seis meses fazendo festa para no final eu abrir um bar na minha casa, que chamava Loft. Foi onde comecei, convidei uns amigos para fazer a banda da casa, a gente fazia essa banda da casa e começou a convidar várias outras bandas.”

Power chords e boas lembranças

Durante quase uma década, o Loft foi palco de festas marcantes, que contavam histórias, e realizava shows de bandas locais e até de artistas de fora do estado. Foi um espaço que marcou positivamente gerações de pessoas por muito tempo e deixou um legado de resistência cultural em uma cidade onde o rock na época não tinha um espaço para ser ouvido pela maior parte da massa popular. 

“As gerações passam, mas toda cidade legal tem um bar de rock que fica. Aqui em Rio Branco nunca teve, até esse momento, um Loft, aconteceram casos, mas nunca sobreviveram muitos anos. O Loft sobreviveu por uns 9, 10 anos.”

Devido a problemas com vizinhos, o Loft fechou suas portas anos depois, em um momento em que Alessandro sentiu a necessidade de se reinventar, mas por muitos anos foi sendo lembrado até hoje como um espaço onde a música e a arte conviviam de forma autêntica e onde pessoas podiam se expressar e viver suas histórias da melhor forma. Foi um período na vida de Alê marcado por muita alegria e gratidão, no qual ele pôde realizar seus sonhos de ter um espaço cultural em que podia se encontrar com as músicas de que gostava e proporcionar às pessoas uma experiência de livre expressão.

“Fiz especial do Jorge Ben Jor, especial do Tim Maia, os Discordantes estiveram aqui, gravaram o vídeo no Loft, Los Porongas tocaram aqui várias vezes, vieram alguns artistas de fora que às vezes tocaram aqui, enfim, era um lugar que tinha tantas pessoas, que até hoje, 17 anos depois, faço festas e as pessoas ainda lembram e querem que eu volte a fazer isso. Foi um uma casa que marcou uma época e marcou as pessoas e começou a criar um ambiente em que o rock podia se manifestar com um espaço legal.”

O rock vem para incomodar!

Apesar de ter encerrado os trabalhos no Loft, a música continuou em sua vida e ele focou em seu próprio processo criativo. Alê compôs e gravou suas próprias músicas. O período da pandemia de COVID-19 e outras dificuldades que teve ao longo do caminho serviram como um período de redescoberta. Além disso, aprendeu a tocar teclado e reacendeu sua paixão pela criação musical.

Nos dias atuais, inspirado por referências culturais, Alessandro se dedica a criar e produzir suas próprias composições e continua fazendo da música um dos fios condutores de sua vida. No entanto, em novembro de 2024, o Loft reabriu as suas portas mais uma vez e encontrou novamente gerações que se encaixam em uma cultura alternativa. Para ele, o espaço sempre foi um lugar mágico, onde as pessoas podiam se encontrar e ser felizes da forma que bem quisessem, sem se enquadrar nos padrões de uma cultura dominante.

“Esse não está em lugar nenhum e, ao mesmo tempo, está indo para algum lugar, é não ser nada, é poder ser tudo também, porque você não sabe o que vai acontecer, você está se aventurando, você está com o estado de espírito de aberto, sem saber o que vai encontrar, mas tá confiante, tá feliz, tá animado, o sol tá brilhando, o vento está na cara, e eu sinto que esse estado de espírito é o estado de espírito que descreve a energia do Loft. É um portal, um lugar muito diferente, sempre permite essas coisas. Para mim, aqui é mágico.”

Foto: Fernanda Maia

Para ele, o rock e lugares como esse são espaços de contestação e resistência que fogem do comum e unem pessoas.

“O rock não é para estar na moda, o rock é do contra, é para contestar, é para falar sobre o que está errado, sobre o que incomoda. Se dá certo em alguma hora, isso faz tanto sucesso que as pessoas gostam, mas não é para ele ser sucesso. O rock não é mainstream, o rock é contracultura, o rock é incômodo.”

Alessandro Ferreira não é só um músico ou advogado, é alguém que é defensor da cultura alternativa, que muitas vezes se torna marginalizada, e um exemplo de como o rock pode transformar vidas e comunidades. Sua trajetória foi marcada pela luta que tem em criar espaços onde pessoas e bandas, que não tinham outros lugares possam se expressar, especialmente em uma cidade como Rio Branco, onde existe uma cena dominante no cenário cultural. Além disso, outro de seus maiores desejos é construir um trabalho que de alguma forma toque o coração de alguém e deixe uma marca.

“O que eu quero é concluir um trabalho que eu considere artisticamente consistente, poeticamente interessante, e que toque o coração de alguém, que diga alguma coisa para uma pessoa.”

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Dia da mulher: professoras da Ufac revelam desafios e avanços no ambiente acadêmico nos últimos anos

Conheça a vida e a história das docentes que percorrem os corredores da universidade

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Conheça a vida e a história das docentes que percorrem os corredores da universidade

Por Beatriz Mendonça e Victor Manoel

O papel das mulheres na sociedade, por séculos, foi diminuído ao trabalho doméstico. A realidade começou a mudar por volta do século XVIII, em função da Revolução Industrial, em que as mulheres começaram a trabalhar fora de casa, porém em situação precária e com salários menores em relação ao dos homens. Os séculos seguintes são marcados por mais transformações, como a difusão dos movimentos sociais e feministas, além da ocorrência das duas Guerras Mundiais, que levaram ainda mais mulheres ao mercado de trabalho. 

A inserção do sexo feminino no mercado foi um pontapé para a emancipação feminina que seria observada nas décadas seguintes, com a conquista de direitos inéditos, como de voto, de possuir independência financeira, de salários mais justos e até mesmo de estudar. No ambiente universitário, apesar dos muitos obstáculos, elas ocupam um espaço cada vez mais importante. 

“Escolher a docência universitária foi uma decisão motivada pelo desejo de transformar vidas por meio da educação. Sempre acreditei que o ensino superior tem um papel fundamental na construção de uma sociedade mais justa e igualitária”, quem fala é a doutora em Ciências pela Universidade de São Paulo (USP), graduada em Direito, em Administração e em Comunicação Social com habilitação em Jornalismo e professora do curso de bacharelado em Jornalismo da Universidade Federal do Acre (Ufac), Luci Teston.

Foto: Luci Teston é professora e coordenadora de diversos projetos dentro do campus. Créditos: Diário do Acre

Teston revela que ao entrar no ambiente acadêmico, apesar das oportunidades, percebeu os desafios estruturais para as mulheres neste meio.

“Além disto, as políticas públicas dos últimos 15 anos trouxeram tanto avanços quanto retrocessos, afetando diretamente o ensino, a pesquisa e a extensão. Mesmo com um número crescente de professoras e pesquisadoras, a equidade de gênero ainda não foi plenamente alcançada”, afirma a docente.

Conquista de espaços

De acordo com o Censo Escolar de 2022, realizado pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), as mulheres são maioria na educação infantil, sendo 97,2% nas creches e 94,2% na pré-escola, e elas continuam liderando até o ensino médio com 57,5%. Porém, quando se fala da docência na educação superior, os homens que lideram com 52,98%.

“A presença feminina em cargos de liderança acadêmica tende a ser menor, o financiamento para pesquisas lideradas por mulheres ainda é limitado e o impacto da maternidade na carreira continua sendo um fator importante”, reflete Luci Teston sobre a presença feminina em cargos superiores.

Foto: campus de Rio Branco da Universidade Federal do Acre. Créditos: Reprodução

No livro “Mulher na Educação: a paixão pelo possível”, a autora Jane Soares de Almeida salienta que a história de mulheres como professoras no Brasil ocorreu tanto devido às lutas feministas quanto pela saída dos homens dessa área pelos baixos salários. Além disso, para as moças solteiras que precisavam de um meio de sustento, essa era uma alternativa por ser uma representação da função das mulheres da época, instruir e educar crianças. 

Fazer a diferença

A profissão ainda reflete muito das noções de identidade de gênero, e os números que apontam as mulheres como maioria em educação infantil mas minoria na docência em universidades espelham o estereótipo inicial das mulheres como responsáveis pelo cuidado das crianças.

“O financiamento para pesquisas lideradas por mulheres ainda é limitado e o impacto da maternidade na carreira continua sendo um fator importante”

Luci teston

“Apesar dos desafios, sigo acreditando no poder da educação como ferramenta de transformação. Para que a universidade continue cumprindo seu papel social, é necessário que haja investimento contínuo no ensino, na pesquisa e na extensão, além de um compromisso consistente com a equidade de gênero. Somente assim poderemos garantir que a universidade seja um espaço verdadeiramente inclusivo e capaz de formar cidadãos críticos e comprometidos com a sociedade”, finaliza Luci Teston.

A professora do curso de Biologia da Ufac, Eliete Sousa, trabalha desde 2017 na instituição e relata: “Eu decidi cursar Biologia para ser bióloga, nunca quis ser professora. Durante a graduação passei a ter contato com as professoras do curso e fui me interessando”. 

Após terminar sua graduação e fazer mestrado e doutorado, ela ainda atuou como professora em faculdades privadas por quatro anos. Por ter sido um período difícil, diz como é gratificante poder trabalhar sendo concursada pela Ufac, onde além de trabalhar com o ensino também pode desenvolver projetos na área da pesquisa.

Foto: Eliete Souza, professora desde 2017 no campus. Créditos: Cedida

Para Eliete, sua trajetória até a docência foi simples, seu maior desafio mesmo foi conciliar a carreira com as tarefas domésticas. Apesar da ajuda do parceiro, as maiores responsabilidades, principalmente com os filhos, ficavam nas mãos dela. Uma realidade que é possível ser observada na maioria das mulheres que estão no mercado de trabalho hoje em dia. 

Relembrar e celebrar

No dia das mulheres, é importante olhar para as diversas perspectivas que existem dentro desse universo do gênero feminino. Ao considerar a jornada das mulheres que se tornaram professoras na Universidade Federal, é possível fazer pontos de conexão com a jornada e vivência de milhares de outras que conquistaram seu espaço no mercado de trabalho, tanto em profissões populares como em outras áreas que geralmente são dominadas pelos homens. 

“Apesar dos desafios, sigo acreditando no poder da educação como ferramenta de transformação”

Luci Teston

É necessário celebrar suas vitórias, mas também relembrar desafios, considerar antecedentes das adversidades que são vividas até hoje, observar o contexto social que cada cenário se insere. Enfim, olhar o caminho que foi percorrido mas também contemplar os próximos passos a serem dados.

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Mês da Mulher: fazedoras de cultura no Acre ainda lutam por visibilidade

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Em março, buscamos refletir sobre quem são as mulheres que fazem a arte acontecer no estado

Por Ana Paula e Natália Lindoso

Da literatura  à direção de curta-metragem, composição de músicas autorais e criação de um método de dança que traz a cultura regional no despertar do corpo, as mulheres estão fortemente engajadas nas atividades e no fazer cultural no Acre. Neste mês dedicado a elas, buscamos refletir sobre as lutas e conquistas das mulheres nos espaços  culturais acreanos.

Não é de hoje que as desigualdades enfrentadas pelas mulheres na sociedade são evidenciadas em diversos espaços. Apesar de representarem 52% da população no Brasil, uma pesquisa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), realizada em 2022, demonstrou que as mulheres recebiam cerca de 17% a menos que os homens, revelando uma disparidade salarial. 

Na cultura, as mulheres representam 43,7% de assalariados do setor, com salários inferiores em diversas funções, de acordo com dados da pesquisa do Sistema de Informações e Indicadores Culturais (SIIC), de 2022. Apesar do quadro ainda desolador, é possível ver um futuro esperançoso no meio, os editais de incentivo e fomento à cultura são ferramentas de mudança.

No Acre, a Fundação de Cultura Elias Mansour (FEM), demonstrou que os incentivos mais recentes mostram o impacto positivo das mulheres na cultura do estado. No edital Arte e Patrimônio 001/2024, 21 mulheres foram selecionadas para receber recursos, com outras 12 alcançando a pontuação mínima. O fomento à cultura também se faz presente em outras iniciativas, como o edital Mestres da Cultura, com dez mulheres contempladas, e o edital Povos Originários, que contou com 16 mulheres entre os contemplados.

Histórias de Mulheres 

A professora de biologia e designer de moda, Denise Arruda, participou de projetos culturais envolvendo a produção de figurinos, com ênfase na moda sustentável e na valorização da costura, além de ter participado de obras de cinema e teatro. Um de seus feitos mais recentes foi a direção do curta-metragem “Minha Mãe Mentiu”, que retrata as vivências de mães acreanas a partir da história da mãe de Denise. Para ela, a escolha pelo cinema foi impulsionada pela paixão pela expressão artística.

Denise Arruda dirigiu o curta-metragem “Minha Mãe Mentiu”/Imagem: cedida

“Para mim, o teatro é uma forma poderosa de comunicar ideias, emoções e reflexões sobre a vida. A arte tem a capacidade de provocar mudanças e despertar o pensamento crítico, e eu me sinto realizada ao poder contribuir para isso através das minhas produções”, disse. 

Para Denise Arruda, a cultura acreana é uma forte fonte de inspiração em seus trabalhos:

“Em minhas produções, como o curta-metragem “Minha Mãe Mentiu”, busco refletir as nuances e as histórias que fazem parte da nossa identidade local. Além disso, em desfiles e feiras, sempre incorporo elementos da cultura regional, valorizando nossas tradições e promovendo a riqueza do Acre” contou. 

A artista Roberta Marisa é escritora e ilustradora, fazendo arte desde a adolescência, ela começou no teatro, se interessou pela literatura da terra através da dramaturgia e fez performances com vários poemas de outros autores. Nas artes, ela começou a pintar sem pretensões, presenteando amigos, até começar a circular suas ilustrações. 

Imagem: reprodução/redes sociais

“Fui me aprofundando mais até criar uma exposição sobre os rios numa imersão que fiz ao Croa, chamada Rios Invisíveis, e com ela ganhei meu primeiro prêmio de artes visuais do Banco da Amazônia, e não parei. Até hoje ilustro meus livros e de outros artistas”, disse. 

A cantora e compositora Kelen Mendes iniciou sua caminhada artística desde cedo. Atrelada ao senso de comunidade e ao contexto em que viveu, ela começou a cantar e se reconhecer ainda na década de 90, mesmo período em que iniciou sua carreira acadêmica na Universidade Federal do Acre (Ufac).

Imagem: cedida

“Aos 19 anos, eu entrei na faculdade e aí na UFAC eu comecei, fiz parte de um grupo chamado Grupo Curió, que era um grupo com várias pessoas tocando violão e cantando música popular brasileira. E depois eu cantei num barzinho que ficava no Tucumã, eu saía da faculdade pra cantar nesse bar. E daí eu comecei, não parei mais”, disse. 

“Multiartista”, é como se define a produtora cultural e dançarina Camila Cabeça. Natural do Pará, formada em artes cênicas pela Ufac, e professora de Teatro, a artista é responsável por criar um método de dança que envolve o Carimbó e a cultura acreana. Para ela, a vinda para o Acre foi fundamental no seu processo como multiartista.

Imagem: cedida

“Então, quando eu crio um método, quando eu crio um espetáculo, quando eu crio um festival, isso é fruto de ter vindo sim para o Acre. E o Acre é fundamental para esse meu grande boom de vinda para cá, foi o Acre que transformou essa minha vontade de ser e estar na cultura, ser artista”, explicou Camila Cabeça. 

Desafios em comum

A produção cultural no Acre tem um papel fundamental na identidade do estado e na valorização de suas expressões artísticas. Entretanto, as mulheres que atuam nesse cenário enfrentam desafios que vão desde a invisibilização até dificuldades estruturais para expandirem seus trabalhos.  

A escritora Roberta Marisa destaca a marginalização e a subestimação das mulheres no meio artístico e literário. Para ela, essas barreiras dificultam o crescimento da produção cultural regional.

“Enfrentamos desafios mais intensos, somos muitas vezes inferiorizadas, subestimadas até marginalizadas nesse mercado e acredito que isso dificulta muito o aumento da produção regional”, disse a escritora.

Já a artista Denise tem uma percepção diferente e vê o Acre como um ambiente de apoio para as mulheres nas artes. 

“Felizmente, não enfrentei preconceitos por ser mulher em minha trajetória. Sinto que, no Acre, há um ambiente de apoio e incentivo para as mulheres que atuam nas artes. Isso é fundamental para que possamos continuar a desenvolver nossos projetos e expressar nossas vozes”, pontuou Denise.

Apesar do incentivo local citado por Denise, a circulação da produção artística ainda é um grande obstáculo. A cantora Kelen destaca que o isolamento geográfico do Acre limita a difusão da cultura para outras regiões.

“Por ser mais mulheres até facilita um pouco. Porém, no Acre, nós temos uma sequela marcada pela exclusão através da falta de circulação. Não podemos circular com os nossos shows, porque as passagens aéreas são caríssimas, a ligação terrestre não é real, principalmente na própria Amazônia, na própria região norte”, afirmou a cantora.

Além das dificuldades logísticas, há também desafios relacionados à postura e ao posicionamento das mulheres na cultura. Para a dançarina Camila Cabeça, mulheres que se impõem e expressam suas opiniões enfrentam resistência. 

“Ser uma mulher de posicionamento é ser uma mulher de posicionamento, é ser uma mulher que nem todo mundo vai se agradar, que mulheres que se posicionam normalmente não agradam as outras, os outros, principalmente o patriarcado”, disse Camila Cabeça. 

Perspectivas

Apesar das dificuldades ainda presentes, as mulheres fazedoras de cultura mantêm uma visão otimista sobre o futuro. Kelen Mendes destaca que, embora o mercado ainda represente um desafio, a presença feminina é cada vez mais necessária e que é necessário ser otimista. 

“Então, é difícil ainda para as mulheres, mas eu acredito que a tendência é mais mulheres estarem lutando por seu lugar no mercado, ou, tirando a parte da luta, se efetivar no mercado onde é necessário a participação das mulheres também. Não podemos ficar sempre à margem. Então, eu preciso ser otimista”, disse. 

Para Camila Cabeça os avanços já conquistados e o papel das políticas públicas na transformação do cenário cultural são importantes. 

Com a política pública nacional, a gente consegue melhorar e vislumbrar um futuro de amplitude dessa cultura, dessa política. O Gilberto Gil tem uma fala muito importante, ‘que a cultura não tem que ser ordinária, ela é extraordinária’. Ela é ordinária igual a feijão com arroz. O dia que a gente entender que o mesmo valor tem que ter para a cultura, que a pessoa consome cultura tal como ela consome arroz com feijão, tudo vai mudar”, destacou. 

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