A volta das HQs: cresce o mercado consumidor de quadrinhos por influência das adaptações
Por Elizabeth Muniz e William Souza
‘Vingadores: Ultimato‘ e ‘Pantera Negra‘ são algumas das maiores bilheterias do cinema. ‘Umbrella Academy‘ e ‘Naruto‘ bombam nos streamings e são febres entre os fãs de séries e animes. O que todos eles têm em comum?
Quem assiste as suas produções favoritas, independente da tela, baseadas em personagens da ficção como super-heróis, ninjas, bruxos, magos e cavaleiros, muitas vezes, nem se lembra de que elas nasceram de rabiscos em páginas vendidas como revistas. A onda de sucessos das adaptações cinematográficas e televisivas de comics (histórias em quadrinhos, em inglês) vem aumentando a popularização deste gênero através dos anos, revitalizando-o. É natural que a venda e o consumo desses produtos acompanhem essa tendência.
A ascensão da cultura geek no Brasil fez com que o interesse do consumidor por HQs e mangás (quadrinhos japoneses) aumentasse. Como resultado, a quantidade de eventos locais voltados para esse gênero “nerd” se multiplicou; e a amplitude das mídias sociais, favoreceu a visibilidade deste tipo de conteúdo.
Em razão disso, uma pesquisa feita pelo site Istoédinheiro.com conversou com Pierre Mantovani, CEO da Omelete Company, organizadora da CCXP (Comic Con Experience), maior feira geek do mundo, e constatou que o potencial de consumo de artigos geek tem uma referência de memória afetiva. Antigamente o mercado desses artigos era muito pequeno, mas hoje o cenário é totalmente diferente, muitas pessoas consomem esse tipo de material, seja em forma de livros, seja em formato de outros artigos de uso pessoal, como bottons, camisetas, chinelos, souvenir e objetos de decoração.
Segundo Mantovani, durante uma feira realizada em São Paulo, a cultura geek chegou a atrair em 2019, cerca de 280 mil pessoas, mais que o dobro da Comic Con original realizada em San Diego, Estados Unidos, que obteve um público de 135 mil pessoas no mesmo período.
Mas afinal, como é o perfil dos geeks? A O&CO Inteligência com a colaboração da Mindminers, plataforma de levantamentos de dados de marketing e e-commerce, detalhou essas características com a pesquisa Geek Power 2020. O levantamento apurou as seguintes informações das pessoas que estavam esperando as novas temporadas desse tipo de conteúdo lançadas em 2020, como “Mulher Maravilha 2 e Viúva Negra”.
Fonte: Reprodução | IstoÉ Dinheiro
É fato que o público que consome produtos geek vem crescendo. O mundo dos HQs, mangás e quadrinhos não caiu em desuso, apesar da diminuição de lojas físicas que vendem esse tipo de material, em especial as novas edições que são lançadas no mercado de artigos de leituras impressas.
No Acre não é diferente. Lojistas da região têm se esforçado para aproximar os leitores de suas obras favoritas, ganhando mais visibilidade e despertando o interesse dos jovens acreanos por quadrinhos, visando a acessibilidade dos colecionadores fanáticos. “Acredito que os últimos lançamentos, principalmente de super-heróis e ficção científica, fizeram com que a venda de HQs e mangás aumentasse. Um exemplo recente disso foi a reposição de ‘The Boys‘, que era muito pequena e, após o sucesso da série, toda semana aparece alguém querendo comprar”, diz Francisco Ferreira, mais conhecido como Tio Rex, proprietário da loja de quadrinhos Coleções do Rex, atualmente localizado na Travessa Irineu Serra, Aviário.
Ele ressalta que, por influência das mídias e do boca-boca, o público está criando um interesse maior pelos quadrinhos, e que as pessoas vêm lendo mais. Sendo assim, não dá para negar que o que aconteceu nos últimos anos teve impacto direto no mercado de quadrinhos.
O vice-presidente da Associação de Nerds do Acre (Anac), Eduardo Madeira, afirma que com a internet e a ascensão dos streamings, o consumo do gênero se tornou natural. “Essa aproximação de conteúdos ajudou o crescimento e popularização das HQs e mangás nas gerações mais novas, deixando de ser apenas um nicho e se tornando algo cada vez mais generalizado”, analisa.
A tendência é mais forte para aqueles que tiveram uma infância marcada pelos gibis. Geralmente, os jovens, como o estudante Gabriel Matheus, de 23 anos, iniciam a leitura ainda pequenos, com as histórias de Maurício de Souza. “Comecei pela Turma da Mônica quando tinha uns seis anos de idade. Meus pais já consumiam e minha mãe sempre me incentivou a ler porque dizia que os gibis eram um estímulo para a leitura. Eu comprava, mas era meio descartável, não tinha o colecionismo. Tenho o privilégio de ter tido condições em casa e poder ler o que queria”, disse Gabriel, que, com o tempo, parou de ler gibis e migrou para as sagas populares da literatura, como ‘Harry Potter‘.
Depois de um hiato sem ler muitas HQs, o estudante voltou ao hábito com a compra de ‘One Piece‘, mangá de Eiichiro Oda, que vem sendo publicado desde 1997 e já ultrapassa os 100 volumes. “Hoje, já tenho quase 80. É grande, mas o que me motiva a continuar é a magnífica narrativa da obra”, explica Gabriel.
“Uma vez me despertou a vontade de ler HQs da Marvel ou da DC. Até cheguei a procurar no Google: ‘Como começar a ler quadrinhos’. É meio complicado por conta da cronologia e das ramificações; não é uma mídia tão acessível”, finaliza o estudante. Para ele, a falta de organização e atrasos de lançamentos no Brasil são alguns dos problemas no mercado de quadrinhos nacional.
Já a estudante Ana Louise, de 13 anos, pertencente à geração Z, conta que se tornou fã do mundo geek influenciada pela crescente onda dos K-pops, que a fez se interessar pela leitura e a busca incessante por mangás e HQs com conteúdo asiático. Em sua visão, o acesso a esse tipo de conteúdo no Acre, em específico em Rio Branco, é limitado, o que a fez recorrer às lojas de revistas digitais, que dispõem uma extensa gama de gibis, HQs e mangás.
Estudante Ana Louise consumindo o produto de forma digital | Foto: Elizabeth Muniz
Quanto ao Centro de Rio Branco, um dos principais locais de passagem do público jovem acreano, há poucas lojas físicas que vendem revistas impressas de conteúdo geek. A livraria Paim e a banca de revistas localizada em frente à Prefeitura são exemplos de estabelecimentos que resistem ao tempo e à concorrência avassaladora da tecnologia.
Outra banca em que produtos do universo geek são comercializados no Centro de Rio Branco pertence a Antônio Augusto de Melo, mais conhecido como Seu Pelé.
Seu Pelé, vendedor de revistas no Centro de Rio Branco | Foto: Elizabeth Muniz
Ele é proprietário da banca de revista que leva seu apelido há mais de 50 anos, na praça do Palácio Rio Branco. O comerciante ressalta que, apesar da concorrência com as mídias tecnológicas, as pessoas ainda se interessam por procurar os materiais do mundo geek em forma física, em especial os colecionadores que buscam encontrar exemplares antigos para compor suas coleções.
Interior da banca de revistas Seu Pelé | Foto: Elizabeth Muniz
Ele frisa ainda que, mesmo com a invenção tecnológica, que coloca tudo ao alcance das pessoas em um aparelho de celular, o gosto e o prazer de fazer uma leitura em um livro impresso jamais morrerão. Na banca há inúmeros exemplares de obras de artistas como Daniel Cabral, que é chargista e cartunista acreano, que vende seus trabalhos tanto escritores nacionais quanto internacionais.
Há material para todos os gostos e públicos que ainda sentem prazer em viajar no fantástico mundo da leitura através do livro impresso. A banca do seu Pelé é um verdadeiro arsenal de livros, revistas, discos, mangás, gibis e HQs antigas, além das histórias que ele leu e viveu durante esse período em que vendeu produtos do fantástico mundo da literatura.
Número de mortes cai 41%, mas ocorrências aumentam e imprudência ainda preocupa autoridades e população
Por Ana Flávia Santos, Gabriela Fintelman, Luísy Xavier, Patrícia Pinheiro e Pedro Amorim
No primeiro trimestre de 2025, Rio Branco registrou 676 acidentes de trânsito, com um aumento de 3% em relação ao mesmo período de 2024, quando foram contabilizadas 656 ocorrências. Os dados são da Coordenadoria de Engenharia e Estatística de Trânsito do Departamento Estadual de Trânsito (Detran/AC) e apontam para um cenário ainda preocupante na capital acreana.
Desse total, 261 resultaram em vítimas não fatais, com 310 pessoas lesionadas. Por outro lado, o número de vítimas fatais apresentou uma queda significativa: foram sete vítimas fatais de janeiro a março deste ano, contra 12 no mesmo período do ano passado — uma redução de aproximadamente 41,7%.
Embora o recuo nas mortes seja um sinal positivo, o cenário ainda está longe de ser considerado seguro nas vias da capital. Mesmo quando os acidentes não resultam em fatalidades, os efeitos são visíveis, como os engarrafamentos, pessoas feridas, danos materiais e prejuízos emocionais.
Perfil de vítimas no trânsito
Segundo dados do Detran divulgados em 2016 e que permanecem como a base mais recente disponível —, homens representavam 69,6% das vítimas de acidentes em Rio Branco, enquanto as mulheres correspondiam a 30,16%. A faixa etária mais atingida era de 18 a 29 anos, com predominância de condutores (74,11%), seguidos por passageiros (17,46%) e pedestres (8,42%).
As motocicletas estavam envolvidas em 55,09% dos acidentes com vítimas, enquanto os automóveis lideravam os acidentes sem vítimas, com 64,45%. A maioria dos casos envolvia colisões (79,9%) e atropelamentos (9,75%), com maior incidência nos horários de pico: entre 5h30 e 7h, 11h e 12h, e 18h e 19h.
Em uma entrevista para o jornal Folha Nobre em janeiro deste ano, a coordenadora de Educação do Detran, Cléia Machado, destacou que o grupo mais vulnerável no trânsito são primeiramente os pedestres e em segundo os ciclistas. Embora os dados mais recentes disponíveis sejam de 2016, não há evidências de mudanças significativas no perfil das vítimas.
“Os pedestres e ciclistas são os mais vulneráveis no trânsito, por isso precisam ter atitudes que protejam a vida. Aqui no Parque Ipê, por exemplo, os pedestres devem utilizar as vias para pedestres, assim como o ciclista deve transitar na ciclovia e sempre utilizar os equipamentos de segurança”, afirma.
Imprudência lidera causas de acidentes na capital
De acordo com o Detran, cerca de 90% dos acidentes registrados na capital são causados por imprudência no trânsito. Além disso, em âmbito nacional, estudos realizados pelo Ministério dos Transportes indicam que a imprudência dos motoristas é responsável por 53,7% deles no Brasil.
Entre os comportamentos de risco mais comuns estão excesso de velocidade, avanço de sinal vermelho e ultrapassagens perigosas. O advogado de trânsito Sandro Oliveira alerta que o problema não se resume à falta de conhecimento: “A falta de educação está diretamente ligada aos acidentes. Muitos motoristas agem como se estivessem certos, mesmo quando claramente estão errados”, comenta.
Outro fator preocupante é o crescimento da frota de veículos em Rio Branco. Entre 2020 e 2024, o número de automóveis registrados saltou de 186.723 para 217.962 — um aumento de 16,75%. A expansão, sem melhorias proporcionais na infraestrutura, contribui para congestionamentos, cruzamentos perigosos e aumento nos índices de acidentes.
As vias mais perigosas da capital
Segundo o Batalhão de Policiamento de Trânsito (BPTran), os cruzamentos são os locais com maior incidência de acidentes, principalmente nos horários de pico e em vias de grande fluxo. Entre janeiro e março de 2025, as dez vias com maior número de ocorrências somaram 148. A Avenida Ceará lidera o ranking com 30 ocorrências no trimestre.
Além de fatores comportamentais, a ausência de sinalização adequada em trechos movimentados da capital também contribui para o risco nas vias. Para o advogado, o papel do poder público é fundamental nesse cenário.
“Cabe ao poder público garantir a sinalização horizontal e vertical conforme determina o artigo 80 do CTB [Código de Trânsito Brasileiro]. Sem isso, a responsabilidade pela segurança nas vias fica comprometida”, pontua.
Vozes das ruas: o olhar de quem vive o trânsito
Para além dos dados e estatísticas, as experiências cotidianas de quem enfrenta o trânsito todos os dias oferecem uma visão concreta e urgente da realidade. “Os principais desafios são nas ruas, com muitos motoqueiros imprudentes”, relata Jeferson Bessa, motorista de aplicativo.
Gráfico elaborado pela equipe de reportagem com base em dados do Detran/AC
Ele também aponta a precariedade da malha viária como um agravante: “Há várias ruas em Rio Branco que precisam de atenção do governo porque estão com muitos buracos, alguns sendo quase impossíveis de passar de moto, principalmente quando chove”, enfatiza.
Essa dificuldade também foi vivida por João Gustavo Rocha, vendedor externo da empresa Acrepan, que teve prejuízo após cair em um buraco encoberto pela água da chuva. “Era uma rua bem esburacada e todos os buracos estavam com água. Não dava pra ver o quão fundo eles eram. Acabei batendo em um buraco no carro da empresa e quebrou um pouco do para-choque. A empresa ficou no prejuízo” relata.
Bairro Sobral, Rio Branco – AC. Foto: Hélio Vitalino
Ele também avalia que a desinformação sobre regras e deveres no trânsito ainda é um entrave. “A maioria dos motoristas não está bem-informada. Falta conscientização da população, e mais investimento do governo em educação para o trânsito. Muitas autoescolas também não oferecem uma formação de qualidade”, conclui.
Como prevenir acidentes e contribuir para um trânsito mais seguro
Diante dos números alarmantes e dos relatos de quem vivencia diariamente os desafios nas vias de Rio Branco, a prevenção se torna indispensável. Confira algumas orientações que podem ajudar a salvar vidas durante a rotina de trânsito.
Respeite os limites de velocidade e a sinalização;
Nunca dirija sob efeito de álcool ou outras substâncias;
Use sempre o cinto de segurança e capacete, no caso de motociclistas;
Evite o uso do celular ao volante;
Mantenha a manutenção do veículo em dia, especialmente pneus e freios;
Esteja atento às condições da pista, principalmente em dias de chuva.
Além da responsabilidade individual, o papel da população também é fundamental na fiscalização cidadã. Irregularidades no trânsito, buracos em vias públicas e comportamentos de risco podem – e devem – ser denunciados.
Canais de Denúncia e Contato:
RBTrans (Superintendência Municipal de Transportes e Trânsito): (68) 3212-7040
Ouvidoria da Prefeitura de Rio Branco: 0800 647 1311
Polícia Militar (em caso de emergência ou flagrante de infração): 190, site: www.pm.ac.gov.br
As orientações seguem recomendações da Secretaria Nacional de Trânsito (Senatran) e do Observatório Nacional de Segurança Viária (ONSV), que reforçam a importância da educação, fiscalização e boas práticas para a redução de acidentes. Somente com a união entre poder público, condutores e pedestres será possível transformar Rio Branco em uma cidade mais segura para todos.
Empreendedorismo, arte e ativismo: narrativas de resistência de mulheres periféricas no primeiro podcast original A Catraia
Os 3 episódios do programa mergulham nas experiências de mulheres periféricas na capital acreana, explorando como o ativismo, a arte e o empreendedorismo social se entrelaçam como formas concretas de existir e transformar a realidade.
Produção explora como mulheres de Rio Branco constroem caminhos de autonomia e dignidade, utilizando o empreendedorismo e a arte para resistir à exclusão
Por: Victor Manoel
A realidade social e econômica apresenta desafios únicos em Rio Branco, especialmente para grupos minorizados que enfrentam barreiras estruturais no acesso a direitos básicos, inclusive no mercado formal. Nesse contexto, o empreendedorismo surge não apenas como um meio de subsistência, mas como uma poderosa ferramenta de resistência, emancipação política e busca por autonomia e dignidade.
É essa força e criatividade que impulsionam o podcast “Trabalhar e Resistir”, projeto do curso de Jornalismo da Ufac, realizado no âmbito do jornal laboratório A Catraia, que busca ouvir essas narrativas de luta e superação. Os 3 episódios do programa mergulham nas experiências de mulheres periféricas na capital acreana, explorando como o ativismo, a arte e o empreendedorismo social se entrelaçam como formas concretas de existir e transformar a realidade.
Uma das vozes do podcast é da Luar Maria, atriz e estudante, que compartilha a dura realidade enfrentada pela população trans no Acre. Ela aponta a falta de seriedade e compreensão por parte de algumas gestões públicas em relação às necessidades dessa população e destaca a precariedade do acesso à saúde e a ligação entre empregabilidade e saúde. Luar ressalta que a luta por direitos e a busca por meios de subsistência andam juntas. Para ela, falta “seriedade no sentido de realmente tocar o que o recorte das secretarias está faltando”, e é preciso acreditar que essas políticas são cruciais para entender e avançar.
O podcast também apresenta Vands, artivista e empreendedora de ilustrações da periferia. Ela vê sua arte não apenas como expressão, mas como uma ferramenta de ativismo e uma forma de gerar renda, conectando seu trabalho a questões de justiça social, ambiental e direitos humanos. Transformar sua arte em empreendimento foi um passo natural, mas cheio de desafios práticos no contexto periférico. Vands define seu “artivismo” como a união da arte com o ativismo e considera “resistência”, pois fala de questões importantes e é criada “em um contexto em que (…) o capitalismo incentiva muito a gente a consumir sem pensar”.
Para oferecer um panorama mais amplo, o podcast incluiu a perspectiva institucional com Julci Ferreira, analista do Sebrae Acre e gestora de projetos como o Plural, focado em grupos sub-representados e pessoas em situação de vulnerabilidade. Julci explica a abordagem do Sebrae para o empreendedorismo inclusivo, buscando integrar esses grupos e dar a eles “luz e autoridade para se verem como empreendedores”. Ela afirma que “a ideia do Sebrae não é número, não é abrir CNPJ. A ideia do Sebrae é cada vez mais desenvolver ideias de negócio”.
Mulheres que fazem acontecer: a força do trabalho manual no empreendedorismo acreano
Elas não apenas produzem: elas plantam, moldam, carregam, vendem e resistem. Em um cenário onde empreender não é só uma escolha, mas uma forma de sobrevivência, mulheres do Acre estão transformando o que têm — terra, cimento, fruta, memória — em renda, autonomia e permanência. Muitas fazem isso com as próprias mãos. Outras, com apoio da família. Mas todas compartilham algo em comum: a decisão de permanecer criando.
Elas não apenas produzem: elas plantam, moldam, carregam, vendem e resistem. Em um cenário onde empreender não é só uma escolha, mas uma forma de sobrevivência, mulheres do Acre estão transformando o que têm — terra, cimento, fruta, memória — em renda, autonomia e permanência. Muitas fazem isso com as próprias mãos. Outras, com apoio da família. Mas todas compartilham algo em comum: a decisão de permanecer criando.
Da colheita ao pote: Lucilene e a trajetória de um doce feito com raízes
Foto: Thaynar Moura
Lucilene Nonata, de 58 anos, vive com o marido em um sítio no interior do Acre. Foi ali que, há cerca de duas décadas, ela decidiu começar a fazer doces com frutas do próprio quintal. “Meus filhos estavam entrando na adolescência e eu queria fazer algo meu, que também ajudasse na renda da casa”, conta.
A escolha pelo doce não foi aleatória: os pais de Lucilene já faziam compotas com frutas temporãs, e o marido, cearense, também gostava de preparar receitas simples. “Foi natural. Começamos com o que a gente tinha: cupuaçu, mamão, banana. O leite vinha do vizinho.”
Foto: Arquivo pessoal
Foto: Arquivo pessoal
Hoje, mesmo com o pomar envelhecido e parte da matéria-prima comprada de produtores vizinhos, o processo segue artesanal. Tudo é feito por Lucilene e o esposo, desde a limpeza até o ponto do doce. A venda acontece em feiras e comércios locais, e o contato com o público é parte do valor do produto. “As pessoas perguntam se é a gente mesmo que faz. Criamos laços. Muitos viram amigos.”
A formalização veio com apoio do Sebrae, que orientou desde o registro como MEI até a criação dos rótulos e da tabela nutricional. “O Sebrae foi nosso primeiro e melhor parceiro. Nos abriu portas e deu acesso a linhas de crédito, cursos e assistência técnica”, relata.
Foto: Thaynar Moura
Apesar dos avanços, o desafio é constante: o alto custo dos insumos e a concorrência com produtos industrializados. “É difícil competir. Nosso estado não é rico. Mas a gente vai atravessar essa fase também”, afirma Lucilene. E para outras mulheres que pensam em empreender, ela é direta: “Somos guerreiras. Se cada dia traz um leão, que venham os leões.”
Concreto, família e criação: a arte que resiste com Elizabete e Maria Eliane
Elizabete Monteiro tem 25 anos e voltou ao Acre em 2025, depois de concluir a graduação em Curitiba. Junto com a mãe, Maria Eliane, de 61, criou o negócio “Arte em Concreto”, voltado à produção manual de peças decorativas feitas a partir de cimento, areia, pedrita e moldes reaproveitados.
Foto: Arquivo Pessoal
“O gosto pelo artesanal sempre veio da minha mãe. Quando ela ia passar um tempo comigo, ficava procurando o que fazer com as mãos”, lembra Elizabete. A dupla começou estudando técnicas no YouTube e fazendo testes em casa, até descobrir formas de agregar valor às peças — como a inclusão de plantas e o uso criativo do concreto na decoração.
O trabalho é familiar. Elizabete e a mãe cuidam da produção. O pai ajuda nas feiras. A irmã apoia na divulgação digital. “É algo muito em família, e cada um colabora do seu jeito”, afirma.
Entre os maiores desafios, Elizabete destaca o início do processo. “É preciso vencer o medo de começar. Mostrar o que você faz e lidar com o marketing exige constância.”Atualmente, participa da associação “Elas Fazem Acontecer”, formada por mulheres empreendedoras que organizam feiras e dão suporte às expositoras. “Faz diferença. A gente se sente parte de algo.”
Foto: Arquivo pessoal
A empresa começou a vender peças há cerca de um mês, e uma das metas de Elizabete é investir mais na divulgação pelo Instagram. “Hoje, se você quer saber de algo de uma loja, já vai direto no Instagram. Quero turbinar as postagens.”
Para ela, o mercado de decoração artesanal está crescendo. “As pessoas querem peças com identidade, que sejam únicas.” E para outras mulheres que sonham empreender: “Persistam. Se você ama o que faz, o retorno vem. Mas é preciso estar atenta às novidades e criar com propósito.”
Arte, dedicação e persistência: de uma conversa entre amigas ao ateliê em casa – o sonho de Adriana
Adriana Balica, 32 anos, é proprietária da FazerArt Personalizados, um ateliê montado na própria casa, onde ela cuida de tudo: do atendimento à criação das artes e à embalagem personalizada. “A FazerArt nasceu numa conversa entre amigas, juntando minha paixão pelo trabalho manual. Hoje, faço tudo sozinha,” conta.
Para Adriana, empreender é uma jornada que exige atenção constante. “Empreender é uma tarefa extremamente difícil, pois temos que dominar um pouquinho de cada coisa e estar sempre atenta a todos os detalhes. Há dias e dias, há altos e baixos, assim como a nossa vida”, reflete.
Foto: Thaynar Moura
Assim como as outras mulheres desta reportagem, Balica destaca o apoio do Sebrae. “O Sebrae sempre esteve de portas abertas pra ajudar, tirar dúvidas, oferecer cursos, palestras e concursos. Sempre que posso, participo.”
E sobre tecnologia? Ela brinca: “Não uso nenhuma tecnologia avançada, eu acho, kkk.”
Para quem pensa em empreender, Adriana tem um conselho: “Lute! Lute pelos seus sonhos. Deus não coloca sonho no nosso coração que a gente não possa alcançar. É difícil, cansativo, cheio de desafios, mas vale a pena! ”
Onde termina o produto, começa a história
Fonte: DataSebrae (Relatórios trimestrais de Empreendedorismo Feminino, 2022–2024)
As histórias de Lucilene, Elizabete e Adriana, não são exceções. Elas representam milhares de mulheres no Brasil e no Acre que vivem daquilo que fazem, cultivam ou aprendem. Os dados mais recentes reforçam o que as histórias contam: empreender, para muitas mulheres, é uma decisão moldada pela necessidade, mas sustentada pela criatividade e pelo trabalho diário. Que trabalham com o corpo, com a memória e com o tempo.
No Acre, o número de mulheres à frente de negócios oscilou nos últimos três anos. Segundo dados do DataSebrae, em 2022, eram 23.564 empreendedoras no estado. Em 2023, esse número caiu para 20.453, representando 23,7% do total de donos de negócios. No entanto, em 2024, houve uma leve recuperação: 21.350 mulheres atuavam como donas de negócio no estado no 4º trimestre, o que representa 25,1% dos empreendedores locais.
Esse avanço percentual, frente aos 23,7% registrados no ano anterior, revela uma retomada gradual da presença feminina no mercado.
Em números nacionais, 42% dos empregadores ou trabalhadoras por conta própria no Brasil são mulheres — um universo de 10,4 milhões de empreendedoras que movimentam a economia com pequenos negócios, muitas vezes construídos no quintal, na sala de casa ou em uma feira.
O aumento na participação percentual indica que as mulheres seguem ocupando espaço, criando soluções e sustentando seus negócios com o que têm – seja terra, concreto ou papel.