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Muito além dos números: o luto na pandemia

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Por Marcus V. Almeida e Pâmela Celina

O que fazer quando um país normaliza mais de 500 mil mortes por uma doença que já possui vacina? Desde março de 2020, lidamos com a morte e o luto de uma maneira macabra. Choramos por conhecidos, parentes ou famosos, mas ignoramos milhares de anônimos que morrem diariamente. O processo de nos despedir de quem amamos foi reduzido ao mínimo devido aos protocolos de contenção de contaminação e a ideia de morte e luto passou por uma transformação.

O processo de luto para quem perdeu um ente querido envolve diversas etapas que ajudam na forma de lidar com a morte. Pode parecer simples, mas esse processo é bastante complexo e proporciona diversos estudos acadêmicos e científicos que apontam os impactos psicológicos nas pessoas que não puderam se despedir de acordo com seus costumes.

A Covid-19 eliminou o ritual de despedida que existe na cultura brasileira, com velório, cortejo e enterro. Desta forma, as pessoas ficam com a sensação que “não se despediram como deveriam” e perderam também o apoio mais próximo de parentes e amigos. Com o distanciamento social, as famílias e equipes de saúde passaram a vivenciar a morte com mais impacto.

O avanço da pandemia, com situações de muitos casos de infecção e óbito em familiares e amigos, gera uma sequência de lutos e maiores dificuldades de superação, fazendo até mesmo aqueles que não tiveram perdas de pessoas próximas vivenciarem sentimento de instabilidade social e sofrimento.

Temos que lembrar que a experiência de uma pessoa não serve para todas, cada um vivencia o luto de uma forma diferente e existem variadas formas de superar. O luto envolve etapas que podem gerar sentimentos de mudança da forma de viver ou a busca de motivação para continuar.

Fases do processo de luto. Produção: Pâmela Celina

Para entender melhor como a pandemia da Covid-19 transformou a essencial vivência do luto, conversamos com a psicóloga Khauana Leite, que explicou um pouco sobre as principais mudanças que aconteceram na forma de lidar com a perda. Formada pela Universidade Federal do Acre (Ufac), ela faz mestrado em Psicologia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). No ano de 2020, ela atuou como voluntária no atendimento de pacientes encaminhados pelo TeleCovid e também no Acolha um profissional de saúde, projeto direcionado ao atendimento psicológico emergencial de profissionais que atuam na linha de frente contra a Covid-19 em Rio Branco.

O que é o luto?

Khauana: O luto é um processo emocional natural vivenciado a partir de uma experiência de perda/rompimento de vínculo (que não se restringe ao falecimento de uma pessoa, mas também ao fim de relacionamentos afetivos, perda de animais de estimação ou a perda de emprego, por exemplo). A partir da perda ocorre o “fim” da forma estabelecida cotidiana de viver e surge a necessidade de uma nova significação para a própria vida de quem está vivendo o luto. Esse processo ocorre conforme o tempo e a cultura em que cada pessoa está inserida. É comum que aconteça em países latino-americanos um ritual de despedida, como o velório e o enterro, para que as pessoas que possuem vínculo com a/o falecida/o possam usufruir de uma rede de apoio e também seguir para fases de aceitação e rearranjo da vida sem a presença física daquela pessoa que se foi. 

Como o processo de luto acontece?

Khauana: Bom, é importante frisar que o luto, assim como as demais experiências que compõem a existência humana, não deve ser generalizado. Apesar de ter teorias que descrevem as fases do luto, elas não seguem uma cronologia e cada pessoa vivencia de maneira única. O processo de luto interrompe o fluxo cotidiano e também exige que novas experiências sejam construídas por aqueles que permaneceram. 

Uma autora que geralmente tomo como base para compreender e atender pessoas enlutadas é a Elisabeth Kübler-Ross (psiquiatra suíço-americana). Ela descreve o luto em cinco estágios: isolamento e negação da perda; raiva quando se percebe que não é mais possível negar; barganha, estágio de promessas divinas para permanência do ente que está em fase terminal ou crença de um possível retorno; depressão, rebaixamento do humor, é marcado por solidão e saudade; e por último, o estágio de aceitação da perda e reorganização da vida sem a pessoa querida.

Como a pandemia transformou esse processo?

Khauana: A pandemia por Covid-19 quebrou o ritual de despedida extremamente importante para a vivência do luto. Já existem estudos que descrevem que essa ruptura contribui para impactos psicológicos naqueles que ficaram, ao passo que não puderam se despedir dos seus entes. 

Em função das medidas de distanciamento social as pessoas que estão hospitalizadas mantêm o contato com os familiares apenas pelo celular, após a entrada no ambiente hospitalar não há mais contato presencial com o ente. Esse processo afeta diretamente pacientes hospitalizados, os familiares e a equipe de saúde que se depara com a iminência da morte de forma potencializada. Dentro de todo esse cenário fica muito difícil realizar rituais funerários de despedida em consonância com a cultura e religião das pessoas envolvidas, dificultando a experiência do luto. 

Além disso, há situações em que famílias apresentam múltiplos casos de infecção e óbito, mobilizando uma sequência de lutos, trazendo ainda mais desafios para se adaptar e lidar com as perdas. E todo esse cenário crônico de enlutamento não acontece apenas com familiares e equipe de saúde, mas na sociedade como um todo, mesmo pessoas que não tiveram perdas concretas, amigas/os ou familiares, podem viver o sofrimento e ter um sentimento de instabilidade social.   

Quais seriam as consequências e  impactos da pandemia nesse processo? 

Khauana: A pandemia de Covid-19 implica diretamente na experiência do luto, principalmente no antecipatório, ou seja, na preparação emocional diante da iminência da perda. Este é afetado nesse período, pois em alguns casos o quadro clínico da/o paciente pode agravar rapidamente e ela/e vir a óbito. Além disso, o local e as condições em que a pessoa morre também oferecem implicações para esse processo, ao passo que se o ente estiver isolado haverá impossibilidade da despedida, o que contribui para vivência de um luto complicado. 

As pesquisas têm apontado que há frequência do sentimento de culpa, familiares e amigas/os podem acreditar e sentir que foram os responsáveis por infectar a pessoa falecida. Nesse sentido, o que se sabe cientificamente até o momento, a partir das pesquisas realizadas, é que os impactos psicológicos podem variar entre ansiedade, síndromes de pânico, luto antecipatório afetado e o desenvolvimento de um luto complicado devido à impossibilidade de um ritual de despedida. 

Cuidados funerários

Além dos números de mortes ou da descrição técnico-científica da doença, informações que recebemos diariamente desde o início da pandemia, é interessante conhecer melhor quem está tendo que lidar diretamente com os que tiveram uma perda por essa doença. Para isso, buscamos entender como a pandemia afetou o ambiente e a rotina de quem trabalha em uma funerária.

Nonata Viana começou a trabalhar em funerárias por necessidade, mas atualmente não trocaria de emprego por nada. “Hoje em dia, se por um acaso eu tiver que sair da funerária, eu vou procurar outra funerária, porque eu amo o que faço”. Por trabalhar na preparação dos corpos para o velório, Nonata sempre manipulou produtos químicos, o que tornou o uso de EPIs rotina diária no ambiente de trabalho, mesmo antes da pandemia. Mas isso não significa que não houve alterações nos cuidados. “Depois dessa pandemia, claro que a gente se equipa melhor. Além de usar máscara, luva, avental, touca e bota, a gente tem que colocar o macacão e aquela outra máscara mais avançada”, conta.

Nonata usa equipamentos mais avançados para se proteger. Foto: Arquivo Pessoal.

Ela relata que a principal mudança na rotina de trabalho ocorreu quando começaram os enterros em que a causa da morte foi por complicações da Covid-19. “Quando na declaração vem escrito Covid-19, a gente não pode mexer no corpo. Ele sai do hospital direto para o cemitério”. Segundo ela, os familiares contestam a ausência de velório. Quando isso ocorre, a funerária entra em contato com a vigilância sanitária para conversar e depois explica aos familiares os motivos da proibição desses atos para as vítimas da Covid-19.

O contato com as famílias é delicado, pois o abalo da perda influencia o modo como vão lidar e a forma com que se dirigem a eles. O convívio tão próximo com a morte permite que se pense mais antes de falar com quem perdeu um ente querido. Nonata ressalta que, dependendo do que é dito, às vezes podem acontecer interpretações equivocadas.

Mesmo com todos os cuidados e o uso de EPIs não isentaram Nonata de pegar a Covid-19 e, infelizmente, perder entes queridos para essa doença. Ela relata que houve casos de Covid na funerária, incluído ela mesma, e casos de colegas de trabalho em outras empresas que chegaram a óbito devido a complicações da doença.

 “Lidar com a perda é bem complicado. É difícil você ver um colega de trabalho morrer por essa doença, uma coisa que você está lidando ali. Você tá convivendo com isso e, mesmo preparada, com os equipamentos de proteção, você está correndo risco, não é? Então, a gente fica bem apreensivo, com medo. Mas é o nosso trabalho e temos que ter fé”, fala. A pandemia potencializou um medo generalizado: perder aqueles que amamos.

A conversa com Nonata mostra que lidar diretamente com a morte requer dedicação e uma coragem que muitos não têm.  As falas demonstram que seu trabalho é mais do que somente lidar com corpos sem vida.

Sobre a Covid-19

A Covid-19 é uma infecção respiratória causada pelo SARS-CoV-2, da família dos coronavírus, cujo primeiro caso foi relatado no final de 2019. A doença é transmitida pelo ar, atingindo as vias respiratórias e podendo afetar diversos sistemas do corpo. Com alta transmissibilidade e de distribuição global, a enfermidade tem deixado muitas sequelas físicas e psicológicas em todos. 

Principais cuidados contra a Covid-19. Produção: Pâmela Celina

Até o final de julho de 2021, no Acre foram registrados mais de 87 mil casos de infecções, dos quais aproximadamente 1800 chegaram a óbitos por complicações de Covid-19. Com o avanço das vacinações no Estado (pouco mais de 40% da população recebeu a primeira dose), diversos mutirões estão sendo feitos para acelerar o processo de imunização (atinge atualmente cerca de 14% da população com doses completas). Vale ressaltar que mesmo após ser vacinado é possível transmitir a doença a outras pessoas. Por isso, a recomendação é manter o uso de máscaras faciais, o distanciamento social e a higienização frequente das mãos. São muitos esforços e profissionais empenhados em trazer esperanças e diminuir os óbitos por Covid-19 na população acreana.

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O desafio de pegar ônibus à noite na UFAC

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Uma das maiores preocupações dos estudantes dos cursos noturnos é o deslocamento por transporte público. 

Por Akenes Mesquita e Felipe Nascimento

Estudantes enfrentam desafios significativos ao utilizar o transporte público para se deslocarem até suas residências durante o período noturno. A falta de infraestrutura adequada e os problemas de segurança são algumas das principais preocupações enfrentadas pelos estudantes que frequentam a Universidade Federal do Acre (Ufac).

Ônibus superlotados, atrasos frequentes e rotas limitadas são apenas algumas das questões enfrentadas diariamente pelos universitários. Além disso, a falta de iluminação adequada nos pontos de ônibus e nas vias públicas aumenta o sentimento de insegurança durante o trajeto para casa. 

O aluno do curso de Ciências Econômicas, Abimael de Souza Melo, considera a situação inadmissível em um país onde os cidadãos pagam altos impostos e deveriam contar com este  serviço público mais eficiente e acessível para todos. Ele relata as dificuldades enfrentadas ao utilizar o transporte público:“O último ônibus passa às 21h40, enquanto minhas aulas só terminam às 22h, o que gera um conflito de horários. Além disso, há um intervalo significativo entre os ônibus, por exemplo, um passa às 20h e o próximo só às 21h40, o que torna a espera prolongada”.

Foto: Akenes Mesquita

Segurança em risco

Outra preocupação significativa  é a segurança. O aumento da criminalidade na cidade, especialmente durante a noite, torna o deslocamento dos estudantes uma experiência estressante e arriscada. Relatos de assaltos em pontos de ônibus e dentro dos próprios coletivos são frequentes, gerando um clima de insegurança na comunidade acadêmica.

Fábio Alves, estudante de Economia, já foi assaltado no trajeto e fala sobre o sentimento de insegurança ao voltar para casa após um dia cansativo de trabalho e aula.

“Moro no bairro Nova Esperança e há dois ônibus que fazem essa linha: Fundhacre e o Rodoviária. Como meu curso termina às 22h, eu tenho que optar por um dos dois. Houve vezes em que optando pelo o Fundhacre, eu perdia o Rodoviária e o Fundhacre nem aparecia no terminalzinho”, lamenta ele, que já precisou recorrer a carros de aplicativo e ouviu relatos de roubos a outros estudantes.

Impacto no desempenho acadêmico

Os desafios não se limitam apenas ao aspecto físico e emocional, mas também têm um impacto direto no desempenho acadêmico. O estresse e a ansiedade causados pelos problemas de transporte e segurança podem prejudicar a concentração em sala de aula e comprometer o rendimento escolar.

A presidente do Diretório Central dos Estudantes da Ufac (Dce), Ingrid Maia, reconheceu que desde janeiro de 2024 estão recebendo algumas reclamações, principalmente em relação ao atraso dos ônibus, à falta de acesso dos veículos na Ufac e à qualidade dos mesmos.

“Encaminhamos denúncia à RBTRANS para que seja instaurada uma investigação e garantir que tais irregularidades não se repitam. Quanto à mudança de rotas, vamos levantar essas e outras pautas no Conselho de Transportes e Tarifas.” 

Ela também diz ter cobrado da administração uma maior efetividade nas rondas ostensivas e o retorno do diálogo com as instituições de segurança pública.”

Diante desses desafios, os estudantes clamam por soluções eficazes por parte das autoridades responsáveis. Medidas como aumento da frota, melhoria na infraestrutura dos pontos de ônibus e aumento da presença policial nas rotas de transporte público são algumas das demandas urgentes da comunidade acadêmica.

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Cultura

Retorno das supermodelos dos anos 2000 às passarelas no outono/inverno 2024

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As brasileiras Caroline Trentini e Isabeli Fontana foram destaque na semana de moda de Paris.

Por Felipe Souza

A temporada outono/inverno 2024 tem sido um prato cheio para os amantes da moda “vintage” e das grandiosas modelos. Além de peças que remetem à época, as supermodelos dos anos 2000 retornaram com tudo nas passarelas de Nova York, Londres, Milão e Paris.

Muitas eras de modelos se encontraram em um curto período de tempo em que ocorreram as Semanas de Moda. Das brazilian bombshells às doll faces, os rostos mais conhecidos pela comunidade fashion mundial apareceram e brilharam nas cidades mais badaladas do mundo.

Não importava em qual desfile você assistia. Do mais ‘fashion’ ao mais comercial, as poderosas das passarelas dos anos 2000 estavam lá. Claro que o Brasil esteve presente, considerando que a maioria das grandes modelos no início do século era brasileira.

A gaúcha Caroline Trentini, por exemplo, representou o país nas passarelas da Schiaparelli, Carolina Herrera, Michael Kors e Max Mara. Além de Caroline, a paranaense Isabeli Fontana cruzou a Balenciaga e Alessandra Ambrósio, a icônica angel da Victoria’s Secret, fechou o desfile do estilista Elie Saab.

Caroline Trentini, Isabeli Fontana e Alessandra Ambrósio/Créditos: Condé Nast

Mas não foi só de brazilian bombshells que a moda dos anos 2000 viveu. A norte-americana Frankie Rayder também cruzou, assim como Fontana, as passarelas da Balenciaga. Rayder foi uma das favoritas de Donatella Versace na era de ouro da italiana ‘Versace’.

Frankie Rayder para Balenciaga/Créditos: Condé Nast

As Slavas, sem sombras de dúvidas, estavam em peso também. O maior nome da temporada foi Natasha Poly, a mais bem-sucedida russa. Poly desfilou para Max Mara, Ferrari, Dolce & Gabbana, Fendi, Mugler e, majestosamente, fechou a coleção da Acnes Studio.

Natasha Poly para Fendi/Créditos: Condé Nast

Ainda representando as Slavas, a lendária ucraniana Carmen Kass e – segunda maior modelo dos anos 2000, apenas atrás de Gisele Bündchen -, e a russa Natalia Vodianova, juntas,  receberam todos os holofotes da plateia presente no show da Vetements.

Hana Soukupova, com seus 1,85 metros, também fez um retorno com maestria e cruzou a francesa Balmain e ainda brilhou com um outfit todo preto do Elie Saab.

Carmen Kass, Natalia Vodianova e Hana Soukupova/Créditos: Condé Nast

Uma menção mais que honrosa: Gemma Ward para Max Mara. A doll face original, com seus cabelos loiros e olhos azuis, por muito tempo brilhou nas maiores grifes do mundo. Hoje, reclusa das câmeras, faz trabalhos selecionados e no outono 2024 foi escolhida para encerrar o desfile, além de ter reencontrado as amigas de longa data.

Gemma Ward, Natasha Poly e Caroline Trentini no backstage da Max Mara/Créditos: Arquivo pessoal/Caroline Trentini

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Histórias de vida

O Chefe deixou a calçada

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Por Ludymila Maia e Beatriz Mendonça 

A pequena loja, localizada perto das margens do Rio Acre, com várias bugigangas à mostra, está há pouco mais de um ano sem a fervorosa animação e presença do seu dono. O falecimento de Tancredo Lima de Souza, ocorrido no dia 23 de agosto de 2022, aos 69 anos, deixou uma lacuna profunda naqueles que o conheceram e amaram.

Tancredo Lima de Souza veio do interior de Pernambuco para Rio Branco, com seu pai e irmãos, e logo começou a trabalhar para ajudar no sustento da casa. Como era o mais proativo, logo ganhou o apelido de Chefe. Sempre dedicado, exerceu várias profissões, dentre elas seringueiro, motorista de ônibus e táxi, mas seu coração pertenceu ao comércio. 

Começou desde jovem vendendo picolé, e, com o passar dos anos, passou a vender vassouras e tabaco. Conseguiu um ponto de vendas no Centro da cidade, trabalhou para manter sua loja junto de sua esposa, Maria José, e expandiu cada vez mais seu comércio. Virou o famoso Bazar Chefe, popular pela variedade de produtos tradicionais expostos para que todos aqueles que passam pelo local possam ver.

Começou a atrair uma grande clientela, que buscava utensílios que só o Chefe tinha e todos eram encantados pela humildade e vigor do vendedor. Assim foi construído um legado, que durou mais de 50 anos com clientes fiéis e amigos saudosos, que ainda se emocionam ao visitar a loja e não ver o Chefe no comando.

Bazar Chefe, um dos comércios mais tradicionais e populares de Rio Branco. Foto: Ludymila Maia

A saudade bate particularmente naqueles que compartilharam o privilégio de chamá-lo de pai. Segundo seus filhos, Cleudo José e Cleide Sandra, o pai sempre os incentivou para seguir seus passos e também foi um grande exemplo de honestidade, humildade e integridade. Além disso, os filhos lembram de seu coração bondoso que ajudava a todos.

Na cidade, ele era conhecido como um comerciante exemplar, alguém que deixou sua marca nas ruas e nos corações daqueles que tiveram a sorte de cruzar seu caminho. Para sua filha, ele era muito mais do que um pai, era um mentor, um guia. 

Ao falar sobre ele, a emoção na voz, pois sua jornada serviu como uma escola prática para seus filhos, uma lição de vida transmitida através das experiências do dia a dia. Seu pai, um verdadeiro mestre do comércio, ensinou não apenas a vender produtos, mas também a construir relacionamentos duradouros. 

“Ele era o meu pilar”, diz seu filho, com a voz repleta de reverência. “Ele não apenas direcionava nossos negócios, mas também na vida. Suas palavras eram um farol, estabelecendo o caminho certo a seguir”. Mesmo que sua presença física agora seja uma lembrança, o impacto de seus conselhos continua a moldar suas escolhas e ações. 

Os dois filhos do Chefe, Cleudo José e Cleide Sandra.  Foto: Ludymila Maia

“Humildade” é uma palavra que surge constantemente quando se fala dele. Ele era um homem que tratava todos com respeito e compaixão, independentemente da posição na sociedade. Sua presença calorosa e sincera deixou uma marca indelével nas pessoas com as quais interagiu e, até hoje, elas sentem sua falta. 

A voz de Francisca Lima, irmã de Tancredo, ecoa com carinho e saudade, relembrando as memórias de um homem cuja vida foi repleta de histórias e ensinamentos. “Ah, meu irmão… Como é difícil falar dele”, suspira a irmã, com os olhos cheios de emoção. “Ele era tudo para nós, um alicerce em nossa família e também na família de sua mulher. Seu coração era grande o suficiente para abraçar o mundo inteiro.”

O sepultamento de Tancredo não apenas trouxe lágrimas à sua família, mas também testemunhou o amor e o respeito que ele inspirou em toda a comunidade. “No dia em que o Chefe faleceu, ainda de madrugada, começou a chegar gente das fazendas, do interior, do seringal”, descreve sua irmã, destacando a influência imensa que ele teve. 

“Eu preferi não ver o Chefe”, admite ela, uma vez que a perda ainda é difícil de aceitar. “Ele foi nosso pai e nossa mãe, desde muito cedo ele assumiu as responsabilidades, sempre cuidou muito da gente, era tudo para nós, lembro de quando eu e minha irmã ficamos mocinhas ele comprava até batom para gente só porque sabia que nós gostávamos.” 

Uma paixão peculiar pela culinária emerge nos relatos da irmã, que com um sorriso afetuoso diz: “Lembro que meu irmão adorava peixe, ele gostava muito, sempre comia tambaqui até dizer chega.” Era na simplicidade da vida que o famoso Chefe do Novo Mercado Velho encontrou sua alegria, seja vendendo picolés nas ruas, ou incansavelmente juntando centavos para sua primeira banquinha. Nunca teve vergonha de sua história e  se orgulhava de seu passado. Apesar de não ter terminado seus estudos, foi um grande aprendiz da vida e também um grande professor para aqueles que o conheceram.

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