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Histórias de vida

Alê além da música: o legado de um espaço de contracultura em Rio Branco

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Por Fernanda Maia e Gabriel Vitorino

Sinônimo de liberdade, o rock se tornou uma forma de expressão e manifestação para aqueles que não se encaixam nos movimentos dominantes do mainstream e nos estilos musicais como sertanejo, pagode, e samba que prevalecem nas festas e marcam o cenário cultural de Rio Branco. Nesse contexto surge a jornada musical de Alessandro Ferreira, um músico, advogado e idealista que dedicou parte de sua vida a criar um espaço onde a música e a arte pudessem fluir livremente, destacando-se como um exemplo de resistência cultural, e essa história vocês vão conhecer agora!

Alessandro Ferreira é um homem que possui muitas paixões, em especial o amor que compartilha pela mãe, mas, além disso, a paixão pela música, que também ecoa em sua vida desde cedo como uma melodia. Desde a infância, quando ouvia o rádio da avó, ele apreciava bandas como Pink Floyd, Creedence Clearwater Revival e as músicas brasileiras. Na adolescência, a arte também sempre o interessou, e foi a partir de festas da mãe e discos que recebia de presente que a música foi entrando em seu cotidiano e fazendo parte de sua vida.

“A música entrou na minha vida de várias formas, ela entrou na minha vida pelo rádio da minha avó, na casa dela, quando era criança, pelas festas que os amigos da minha mãe e do meu pai faziam aqui, pelos discos que a minha mãe me deu de presente e pelos artistas que ela me apresentou. A música também entrou na minha vida pelos amigos e pelos programas de TV que eu assistia, era a música e a arte que sempre me interessou.”

O rock, em particular, se tornou uma parte de sua identidade e o levou a formar bandas ainda na adolescência. Na época em que a internet e professores de música eram realidades distantes, Alessandro aprendeu a tocar guitarra de ouvido, com a ajuda de amigos e familiares, e foi ali, no início dos anos 90, que começou a realizar ensaios com amigos e adentrar no universo cultural da música, conhecendo e tendo como suas referências o Punk e o Rock.

Alessandro Ferreira. Foto: Fernanda Maia

“No momento estava acontecendo no mundo a New Wave, mas antes disso já tinha acontecido o pós-punk, antes disso havia acontecido o punk, então, nessa troca de ideias, a gente foi conhecendo essas coisas, fui conhecendo o Heavy Metal, até que veio Nirvana naquela transição do final dos anos 90, período que parece que deu uma explodida no mercado e foi tanta energia que todo mundo ficou sem saber o que fazer”

Entre leis e solos

Sua trajetória com a carreira musical nem sempre foi fácil, Alessandro pensava muito em uma forma de conseguir conciliar a paixão pela música com uma carreira estável. Além de cobranças que seus pais, e ele mesmo, faziam para as coisas darem certo, as dificuldades da vida muitas vezes fizeram com que ele desistisse da música por certos períodos de sua vida, mas no final sempre retornava a ela, por encontrar ali o seu porto seguro, assim como encontrava em sua mãe.

“Passei um bom tempo tendo muitos conflitos, larguei várias vezes de tocar e de querer fazer alguma coisa relacionada à música, porque por um lado tinha essas cobranças, por outro, dificuldades da vida, mas até que chegou um momento que percebi que não dava para eu largar isso, eu percebi que era a única coisa que me mantinha vivo. Essa era a única coisa que em determinados momentos tinha significado para mim, sempre foi uma luz, isso e minha mãe, porque sempre achei que tenho que fazer valer os esforços dela, não posso desperdiçar tudo o que ela fez por mim.”

Alê, além de músico, se formou em direito, em Curitiba, se tornou advogado e trabalha atualmente em uma bolsa de servidor público. Ele abraça o seu trabalho com gratidão por ser uma das coisas que proporcionou a compra de seus instrumentos e deu estabilidade para que conseguisse realizar seus sonhos na carreira musical, e abrir consequentemente o seu primeiro bar e espaço cultural em Rio Branco, o Loft.

Em 2008, no auge de seus 28 anos, Alê decidiu criar e abrir um espaço em que pudesse unir dois de seus grandes amores: o rock e a convivência com outras pessoas, e aquilo que se iniciou com festas dentro de sua casa se tornou o Loft, um bar que se tornou um marco cultural em Rio Branco, por ser um lugar alternativo àqueles que já existiam na cidade. O Loft não era apenas um bar, era um local para shows, onde artistas independentes e bandas autorais podiam se apresentar livremente, e para pessoas que, como ele, não se identificavam com a cultura dominante e buscavam um lugar para se expressar e se divertir.

Foto: Fernanda Maia

“Estava há 10 anos trabalhando numa instituição pública e não acontecia nada na cidade, eu achava que ia morrer aqui e não ia me divertir, não tinha o que fazer, eu não me identificava com samba, não me identificava com pagode, nunca me identifiquei com essa cultura, não é que eu não acho legal, mas eu nunca me identifiquei, então não era uma coisa que me divertia, sempre gostei de rock desde cedo, até que lá no final de 2008, comecei a fazer umas festas e passei seis meses fazendo festa para no final eu abrir um bar na minha casa, que chamava Loft. Foi onde comecei, convidei uns amigos para fazer a banda da casa, a gente fazia essa banda da casa e começou a convidar várias outras bandas.”

Power chords e boas lembranças

Durante quase uma década, o Loft foi palco de festas marcantes, que contavam histórias, e realizava shows de bandas locais e até de artistas de fora do estado. Foi um espaço que marcou positivamente gerações de pessoas por muito tempo e deixou um legado de resistência cultural em uma cidade onde o rock na época não tinha um espaço para ser ouvido pela maior parte da massa popular. 

“As gerações passam, mas toda cidade legal tem um bar de rock que fica. Aqui em Rio Branco nunca teve, até esse momento, um Loft, aconteceram casos, mas nunca sobreviveram muitos anos. O Loft sobreviveu por uns 9, 10 anos.”

Devido a problemas com vizinhos, o Loft fechou suas portas anos depois, em um momento em que Alessandro sentiu a necessidade de se reinventar, mas por muitos anos foi sendo lembrado até hoje como um espaço onde a música e a arte conviviam de forma autêntica e onde pessoas podiam se expressar e viver suas histórias da melhor forma. Foi um período na vida de Alê marcado por muita alegria e gratidão, no qual ele pôde realizar seus sonhos de ter um espaço cultural em que podia se encontrar com as músicas de que gostava e proporcionar às pessoas uma experiência de livre expressão.

“Fiz especial do Jorge Ben Jor, especial do Tim Maia, os Discordantes estiveram aqui, gravaram o vídeo no Loft, Los Porongas tocaram aqui várias vezes, vieram alguns artistas de fora que às vezes tocaram aqui, enfim, era um lugar que tinha tantas pessoas, que até hoje, 17 anos depois, faço festas e as pessoas ainda lembram e querem que eu volte a fazer isso. Foi um uma casa que marcou uma época e marcou as pessoas e começou a criar um ambiente em que o rock podia se manifestar com um espaço legal.”

O rock vem para incomodar!

Apesar de ter encerrado os trabalhos no Loft, a música continuou em sua vida e ele focou em seu próprio processo criativo. Alê compôs e gravou suas próprias músicas. O período da pandemia de COVID-19 e outras dificuldades que teve ao longo do caminho serviram como um período de redescoberta. Além disso, aprendeu a tocar teclado e reacendeu sua paixão pela criação musical.

Nos dias atuais, inspirado por referências culturais, Alessandro se dedica a criar e produzir suas próprias composições e continua fazendo da música um dos fios condutores de sua vida. No entanto, em novembro de 2024, o Loft reabriu as suas portas mais uma vez e encontrou novamente gerações que se encaixam em uma cultura alternativa. Para ele, o espaço sempre foi um lugar mágico, onde as pessoas podiam se encontrar e ser felizes da forma que bem quisessem, sem se enquadrar nos padrões de uma cultura dominante.

“Esse não está em lugar nenhum e, ao mesmo tempo, está indo para algum lugar, é não ser nada, é poder ser tudo também, porque você não sabe o que vai acontecer, você está se aventurando, você está com o estado de espírito de aberto, sem saber o que vai encontrar, mas tá confiante, tá feliz, tá animado, o sol tá brilhando, o vento está na cara, e eu sinto que esse estado de espírito é o estado de espírito que descreve a energia do Loft. É um portal, um lugar muito diferente, sempre permite essas coisas. Para mim, aqui é mágico.”

Foto: Fernanda Maia

Para ele, o rock e lugares como esse são espaços de contestação e resistência que fogem do comum e unem pessoas.

“O rock não é para estar na moda, o rock é do contra, é para contestar, é para falar sobre o que está errado, sobre o que incomoda. Se dá certo em alguma hora, isso faz tanto sucesso que as pessoas gostam, mas não é para ele ser sucesso. O rock não é mainstream, o rock é contracultura, o rock é incômodo.”

Alessandro Ferreira não é só um músico ou advogado, é alguém que é defensor da cultura alternativa, que muitas vezes se torna marginalizada, e um exemplo de como o rock pode transformar vidas e comunidades. Sua trajetória foi marcada pela luta que tem em criar espaços onde pessoas e bandas, que não tinham outros lugares possam se expressar, especialmente em uma cidade como Rio Branco, onde existe uma cena dominante no cenário cultural. Além disso, outro de seus maiores desejos é construir um trabalho que de alguma forma toque o coração de alguém e deixe uma marca.

“O que eu quero é concluir um trabalho que eu considere artisticamente consistente, poeticamente interessante, e que toque o coração de alguém, que diga alguma coisa para uma pessoa.”

Histórias de vida

Excomungado: quando a música acontece apesar de tudo

Em uma cidade onde a cultura muitas vezes é negligenciada, a Excomungado surgiu. Uma banda composta por músicos de nascença, jovens e com muita vontade de fazer um som. Formada por Carlos “Carlinhos” Hofre, Ícaro Moreira, Roberto “Bala” Padula e Lucas Alefe, a banda é mais do que um grupo de músicos, é um coletivo de amigos que transformou a paixão pela música em um projeto autoral, cheio de personalidade e força. De shows por diversão até planos ambiciosos para o futuro, a Excomungado traz consigo a prova de que o que falta na cultura do Acre é investimento.

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Por Gabriel Vitorino e Fernanda Maia

Em uma cidade onde a cultura muitas vezes é negligenciada, a Excomungado surgiu. Uma banda composta por músicos de nascença, jovens e com muita vontade de fazer um som. Formada por Carlos “Carlinhos” Hofre, Ícaro Moreira, Roberto “Bala” Padula e Lucas Alefe, a banda é mais do que um grupo de músicos, é um coletivo de amigos que transformou a paixão pela música em um projeto autoral, cheio de personalidade e força. De shows por diversão até planos ambiciosos para o futuro, a Excomungado traz consigo a prova de que o que falta na cultura do Acre é investimento.

A história da Excomungado começa com as trajetórias individuais de seus integrantes que, desde cedo, estiveram imersos no mundo da música. Carlinhos, o compositor e vocalista, começou a tocar violão aos 8 anos, aprendendo com o avô. Sua paixão pela música só cresceu após aulas com o renomado Geraldo Aquino, popularmente conhecido como Mestre Geraldinho, que ele descreve como um “gênio do violão”. Apesar de sua timidez em assumir o papel de frontman, Carlinhos é a alma criativa da banda, responsável pelas letras e melodias que definem o som da Excomungado.

Excomungado é uma banda composta por músicos de nascença, jovens e com muita vontade de fazer um som. Foto: Pan de Almeida

Já Ícaro, o baixista da banda, começou no violão aos 13 anos, aprendendo com o ex-cunhado, que é formado em música. Mais tarde, migrou para o baixo e conheceu o resto dos integrantes, assim acabou entrando para a Excomungado. Além da banda principal, Ícaro participa de vários projetos paralelos, incluindo covers de Radiohead, com a banda Superflat, e Terno Rei em um projeto entre amigos programado para ocorrer no dia 18 de abril, às 21h, no Studio Beer.

Bala, o baterista, cresceu em meio ao som de instrumentos. Filho de músico, ele começou a tocar bateria quase que por acidente, quando sobrou o instrumento após um ensaio da banda do pai, ele e os amigos decidiram tocar e, de acordo com ele, “a bateria foi o que sobrou”, disse rindo. Desde então, já passou por mais de 15 bandas, incluindo a Nickles, onde toca baixo. Sua experiência no cenário musical em Rio Branco e na música em si agregam muito ao desenvolvimento da Excomungado no cenário.

Por fim, Lucas, o guitarrista, começou na bateria aos 9 anos, mas foi com a guitarra do pai que ele realmente se encontrou. Autodidata, aprendeu a tocar sozinho, desenvolvendo um estilo único que hoje é uma das marcas da banda. Sua abordagem livre e cheia de personalidade traz uma sonoridade autêntica para a Excomungado.

 O Nascimento da Excomungado

A banda surgiu em 2019, em meio do caos da pandemia, quando Carlinhos, então com 14 anos, decidiu transformar suas composições em um projeto coletivo. Ele convidou Lucas, que já tocava na banda Selfless, focada em músicas do rock grunge, e juntos formaram a primeira formação da Excomungado, com Pedro na bateria, Mika no baixo e Isa no vocal. O primeiro show foi em um sarau na Ufac, um evento de artes cênicas, onde tocaram ao lado de outros artistas locais.

Banda Excomungado está presente nas noites de Rio Branco. Foto: Pan de Almeida

Desde então, a Excomungado cresceu e se consolidou como uma das principais atrações do cenário underground de Rio Branco. O nome da banda, que surgiu como uma brincadeira, ganhou significado ao longo do tempo, representando a resistência e a autenticidade de um grupo que não se encaixa nos moldes tradicionais da música no Acre. 

A Excomungado é um reflexo da realidade da cena musical de Rio Branco, onde os desafios são muitos, mas a paixão pela música é maior ainda. A falta de investimento em cultura, a escassez de espaços para shows e a dificuldade em conseguir editais são obstáculos constantes. “Aqui em Rio Branco, as bandas não têm investimento, nem lugar para tocar”, desabafam todos os membros, tanto como banda, quanto como músicos em busca de um espaço.

Apesar das limitações, a banda não se deixa abater. Eles já gravaram várias músicas em casa, usando equipamentos simples e muita criatividade. “A gente gravou no quintal, com uma pedaleira, um PC de 4 GB de RAM e microfones baratos”, conta Ícaro. A falta de recursos não impede a qualidade, as músicas da Excomungado são autênticas e cheias de personalidade, mostrando que a música autoral acontece independente das condições precárias.

A Excomungado não quer ficar restrita às garagens de Rio Branco. O principal objetivo da banda é conseguir um edital para gravar um álbum autoral, reunindo músicas antigas e novas. Eles já têm o projeto na cabeça, mas falta o recurso financeiro para colocá-lo em prática. “O objetivo é gravar, viajar e divulgar nosso trabalho”, diz Bala.

A Banda não quer ficar restrita às garagens de Rio Branco. Foto: Pan de Almeida

Em 2024, a banda lançou seu penúltimo single até o momento. A música “Bon Appétit” saiu no dia 10 de fevereiro e hoje já tem mais de 10 mil reproduções no spotify, chegando a ser citada na quinta posição da lista de “melhores músicas de 2024” de um comentarista do sudeste asiático que diz estar ansioso para os futuros lançamentos da Excomungado.

Com músicas produzidas por D.Silvestre, produtor de Rondônia que segue em ascensão na cena musical brasileira ganhando destaque principalmente pelo funk, a Excomungado busca criar algo único dentro da música, juntando suas referências que vão do rock clássico ao funk ao brega, eles alcançam um público grande contando com mais de 4 mil ouvintes anuais no spotify, cerca 17 mil streams em suas músicas com ouvintes distribuídos pelo mundo todo, da França a Indonésia.

A Excomungado é hoje uma promessa. Com o trabalho que realizam, eles mostram que a música autoral pode florescer, mesmo em condições adversas. Com talento, criatividade e muita paixão, Carlinhos, Ícaro, Bala e Lucas transformam desafios em música, provando que o rock de Rio Branco tem voz, força e futuro.

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Histórias de vida

Tonheiros: uma história servida em copos cheios

Localizado no bairro Tucumã, o Tonheiros é um dos bares mais antigos de Rio Branco ainda em funcionamento. Fundado em agosto de 1980 e hoje sob nova administração, o bar carrega o nome de seu fundador e se tornou um refúgio para gerações de universitários.

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Por Ana Flávia Santos, Camila de Souza, Clécio Nunes, José Hélio Vitalino e Luísy Rodrigues*

Localizado no bairro Tucumã, o Tonheiros é um dos bares mais antigos de Rio Branco ainda em funcionamento. Fundado em agosto de 1980 e hoje sob nova administração, o bar carrega o nome de seu fundador e se tornou um refúgio para gerações de universitários.

A proximidade com a Universidade Federal do Acre (Ufac) consolidou o espaço como um ponto de encontro para comunidade acadêmica onde debates fervorosos, romances inesperados e sonhos revolucionários se misturam ao cheiro de cerveja barata e ao som escolhido pelo público. Entre mesas gastas pelo tempo e copos sempre cheios, o local testemunhou mudanças sociais, amores nascendo e amizades se fortalecendo. 

Mas o que torna esse bar memorável? Estaria o segredo apenas nas bebidas ou na atmosfera criada por seus frequentadores? O Tonheiros parece ter encontrado a fórmula ideal para atravessar gerações e seguir relevante, oferecendo um espaço de liberdade e pertencimento. O ambiente acolhedor, sua história enraizada na vida acadêmica e a capacidade de se adaptar sem perder a essência o tornam um verdadeiro patrimônio boêmio.  

O legado de “Seu” Tonheiros

Aos 72 anos, Antônio dos Rios Nonato, o ‘Seu’ Tonheiros, relembra a trajetória como fundador do bar que leva seu apelido de infância. Após uma desavença com um cliente, ele decidiu fechar seu primeiro estabelecimento, localizado no bairro Volta Seca, e recomeçar os negócios no bairro Tucumã. “Aqui tudo era mato nessa época”, recorda. No entanto, ao abrir o novo bar, o movimento cresceu rapidamente e nunca mais parou.

Antônio dos Rios Nonato, o ‘Seu’ Tonheiros. Foto: Cedida

Mesmo com décadas de sucesso, o momento mais difícil veio quando em 2013 uma cirrose hepática o forçou a se aposentar. “Eu não decidi, foi coisa do destino. Porque eu adoeci, e quando a doença vem, não vem só para mim, vem para todos”, lamenta. Apesar do desafio, ele destaca que, desde o início, sempre contou com o apoio da família e dos estudantes que frequentavam o bar.

Sem condições de continuar trabalhando, passou a administração do bar para outras duas gestões. Ramilson, um dos seus ex-funcionários, foi o primeiro. Em 2019, para o atual dono do estabelecimento, Gabriel Santos, mantendo viva a tradição do estabelecimento que marcou gerações.

Novos tempos, mesma identidade

Gabriel Santos, atual proprietário do bar, afirma que a modernização do espaço buscou equilibrar a tradição com a necessidade de adaptação. “A ideia era manter a identidade visual, manter a identidade de bar raiz e, ao mesmo tempo, modernizar alguns quesitos”, explica. Algumas das mudanças incluíram a introdução de novos produtos, a melhoria da cozinha, a promoção de eventos e a adequação do espaço para garantir mais higiene e segurança.

Gabriel Santos, gerente do Tonheiros atualmente. Foto: Cedida

A modernização, no entanto, não comprometeu a essência do bar, que continua sendo um ponto de referência para universitários e moradores da cidade. 

Um patrimônio afetivo da cidade

“Todo mundo sabe onde é o Tonheiros, quem nunca frequentou já ouviu falar.” A frase de Medusa Santos, estudante de Pedagogia na Ufac e frequentadora do bar há mais de dois anos, resume o lugar que se mantém como um verdadeiro marco na cidade. O bar, com sua atmosfera única, carrega as marcas de uma história que atravessa o tempo, gravada tanto nas memórias individuais quanto nas coletivas daqueles que por ali passam. 

Aleta Dreves, jornalista e professora da Ufac, frequenta o bar há mais de 13 anos e comenta sobre as transformações que o lugar experimentou ao longo do tempo: “com a nova administração mudou muita coisa, principalmente a parte de cozinha que era praticamente inexistente antigamente”. 

Frequentado por estudantes e moradores de Rio Branco, o Tonheiros Bar se destaca como um espaço acolhedor, tranquilo e seguro. “É um bar muito tranquilo, comparado aos outros bares de Rio Branco. Não é um bar onde a gente vê uma alta taxa de violência”, afirma Aikon Vitor, estudante da Universidade Federal e cliente assíduo. Além do ambiente pacífico, o bar é reconhecido por sua diversidade de público. “As regras que existem são de segurança mesmo, questão de briga de bar, que ele tenta sempre evitar. Esse conservadorismo a gente não tem mais”, destaca Ranna Macedo, frequentadora desde 2016.

O refúgio dos universitários

Para muitos universitários, o bar é um refúgio da rotina acadêmica intensa. “O meio universitário é muito difícil […] é muito bacana você sair de uma apresentação, sair de um TCC, de um seminário e vir aqui afogar as mágoas no Tonheiros”, compartilha Medusa Santos. 

O que torna o bar memorável não é apenas a bebida ou a localização, mas a experiência coletiva que ele proporciona. “A bebida gelada, o vento, as músicas bregas, Reginaldo Rossi, as cadeiras de plástico, a galera gente boa, as pururucas… Todo o contexto dele faz esse lugar ser especial para mim. É um conjunto, né? Não é algo em si, mas cada detalhe que tem nesse bar é o que faz ele ser especial. A essência dele. É essência”, reflete Aikon Vitor.

Mais do que um bar, Tonheiros é parte da trajetória de muitos. “Foi um lugar que fez parte da minha estrada. Tenho um carinho imenso por aquele lugar”, revela Ranna Macedo, psicologa formada pela Universidade Federal do Acre. O sentimento de pertencimento vai além da nostalgia: “Quando eu chegava lá morrendo de gripe, sem conseguir respirar, e o Seu Tonheiros dizia: ‘Minha filha, aqui um remédio para você’, e me dava uma dose de cachaça com mel, de graça. E essa não foi uma experiência só minha. Os mais antigos também lembram que ele sempre fazia isso pela gente. São essas pequenas coisas que acalentam o coração”, continua ela. No fim das contas, Tonheiros Bar não é apenas um bar: é um pedaço da vida de quem passa por lá.

Ouvir para crescer 

Que o Tonheiros Bar é um estabelecimento bastante reconhecido e admirado por muitos é um fato. No entanto, como em qualquer negócio que visa oferecer a melhor experiência possível, é sempre importante considerar sugestões de mudanças e melhorias vindas dos seus clientes.

“Mais opções de bebidas”, sugere o frequentador Thalisson Maya, estudante de História na Ufac.Para o discente, embora o bar já ofereça um cardápio diversificado, a inclusão de novas opções poderia ser um diferencial interessante.

“A questão do banheiro seria um ponto a se melhorar”, destaca o cliente Ruan Gabriel, também estudante de História na Ufac e mediador na escola SESI, referindo-se à necessidade de maior manutenção da limpeza ao longo da noite. Um ambiente limpo e bem cuidado é essencial para garantir o conforto dos clientes.

Outro desafio que o Tonheiros Bar enfrenta é a infraestrutura. Apesar de ser de boa qualidade, o espaço pode ser considerado limitado. “Ele é pequeno para a superlotação de pessoas, para o tanto de gente que vem aqui”, comenta Medusa Santos.

Planos para um Futuro Próximo

Para os novos e antigos clientes do Tonheiros Bar, as mudanças no espaço são uma constante, algo que o próprio Gabriel,  responsável pelo estabelecimento, confirma com entusiasmo. Ao ser questionado sobre os planos futuros para o bar, ele revela novidades: “A nossa ideia é fazer um rooftop, uma laje em português bem falado, ano que vem para a galera poder apreciar melhor o pôr do sol”

Gabriel enfatiza que as mudanças visam modernizar o espaço sem jamais perder a essência do tradicional bar. “A gente pretende ampliar a área de sinuca, a gente pretende ampliar banheiros, mas sem perder a essência, claro, do nosso barzinho”, explica. Assim, com essas transformações futuras, o Tonheiros Bar promete seguir se adaptando às necessidades  do público.

Texto produzido na disciplina Fundamentos de Jornalismo sob supervisão do professor Wagner Costa

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“Abandonei tudo para cuidar de pessoas”: conheça a história do acreano que doou a vida para ajudar o próximo

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Por Amanda Silva e Francisca Samiele

Edivaldo de Freitas Paes dedicou sua vida ao próximo. Professor de geografia e ex-policial militar, trocou a estabilidade da carreira pelo compromisso de ajudar pessoas em situação de vulnerabilidade. A jornada começou em 1994 quando decidiu visitar a família da esposa na Reserva Extrativista Chico Mendes. Lá, viu  pessoas desamparadas, sofrendo sem assistência médica e ficou comovido e se dispôs a socorrê-las.

O primeiro resgate foi de um senhor com pneumonia grave. Após três horas de caminhadas conseguiu buscá-lo e carregá-lo em uma rede até um barco que o levou ao hospital. Foi então que percebeu que não poderia mais ignorar a necessidade ao seu redor, saía dos plantões de 24 horas direto para o seringal aplicar medicação nos doentes, só avisava a família por telefone que iria na reserva extrativista.

 “Eu pegava o ônibus e descia no Araxá, andava três horas a pé, 45 minutos de barco e mais uma hora e meia a pé para chegar até a localidade”, recorda. Foi então que Edivaldo decidiu: “quer saber de uma coisa, eu vou sair da polícia e vou cuidar dessas pessoas” e, desde então, nunca mais parou.

Com recursos próprios, transportou doentes, prestou socorro, atendeu vítimas de acidentes e doenças graves, realizou até partos, tudo para garantir atendimento médico a quem precisava. Mais tarde, deixou a Polícia Militar para se dedicar integralmente a essa missão. Falou com o comandante que como muitos outros o chamou de louco pela decisão.

Após solicitar a baixa na PM, mesmo com a esposa resistente no início se mudou  para a Reserva Chico Mendes, após dois anos foi encontrado pela polícia por ser considerado desertor, foi então que descobriu que “engavetaram” seu pedido de baixa, mas após provar que cumpriu com os protocolos foi liberado.

Edivaldo Paes viu a necessidade e começou dar aulas no seringal. Em uma casa de farinha, durante o dia ensinava crianças e jovens e durante a noite alfabetizava os pais dos alunos. Logo conseguiu parcerias e ajudou a criar escolas e postos de saúde nas comunidades, tudo o que estava ao alcance ele fez.

Foto: Nathacha Albuquerque/g1 Acre

Seu Edivaldo se viu obrigado a voltar para Rio Branco pensando num futuro melhor para os filhos, ele conta que em torno de três meses do retorno começaram a procurá-lo. “Chegou o primeiro seringueiro, com a roupa em uma estopa nas costas e me disse: ‘professor, estou morrendo’. E já o levei ao pronto-socorro”, conta.

Quando se deu conta, estava com 30 pessoas na própria casa. Foi então que o filantropo fundou a Casa de Apoio a Saúde do Seringueiro, para dar suporte aos trabalhadores da borracha, mas já acolheu centenas de pessoas de todos os lugares, incluindo indígenas, idosos abandonados e doentes graves, sua casa se tornou abrigo para famílias, inclusive nos tempos de enchentes. “Quantas vezes eu ia do bairro Taquari até a fundação com os meus pacientes a pé porque nós não tínhamos passagem”, relata.

O cuidador deixou a vida de lado para cuidar do próximo. “Abandonei tudo para cuidar de pessoas que nunca tinha visto na vida”, mas diz não se arrepender do que fez: “Não me arrependo de tudo que deixei. Hoje, já era para eu ser tenente-coronel da PM aposentado, nunca pensei em voltar[…]. Meu lugar é onde está a pessoa passando necessidade para eu poder levar o conforto”.

Por várias vezes, Edivaldo Paes se emociona ao relembrar toda a trajetória que construiu. “As pessoas que eu mais cuido são pessoas que ninguém quer”, diz. Ele cuida de José da Silva, de 71 anos, há quase duas décadas. José é uma pessoa com deficiência abandonado pela família e depende totalmente de cuidados, não fala e nem anda. Ele atende pessoas com todos os tipos de doenças que buscam tratamento e não tem onde ficar.

Devido às dificuldades financeiras para manter a instituição funcionando, Edivaldo se reinventou. Produz artesanato com pneus, fabrica móveis, dá aulas de artesanato e vende salgados, faz de tudo um pouco. “Costumam dizer que sou bombril, mil e uma utilidades”, brinca. A esposa sempre esteve ao lado cuidando dos acolhidos e, durante anos, enfrentaram muitas dificuldades, cozinhando até mesmo em fogão a lenha quando o gás acabava.

Durante um tempo a Casa do Seringueiro funcionou em um terreno cedido onde foi construída parte da estrutura para abrigar os pacientes, mas precisaram deixar o local quando o antigo dono reivindicou o espaço de volta, mesmo prometendo nunca os despejar enquanto a instituição existisse. Agora, seu Edivaldo busca recursos para recomeçar e faz um pedido de socorro, ele quer construir pelo menos dois quartos para receber pacientes, pois onde está não tem estrutura para receber ninguém. “É um terreno que temos, mas vou doar para a casa”.

Edivaldo Freitas se orgulha de cuidar das pessoas. “Valeu todo o esforço e sacrifício que fiz durante minha vida toda vendo que eles estão bem […] Deus dá o frio de acordo com o cobertor. Se Ele vê que eu não aguento, não me dá esse frio. Quando eu morrer, com certeza para um lugar ruim eu não vou”.

O benfeitor encerra com um conselho: “se você mudar um pouquinho a história de alguém, você está ajudando a melhorar o mundo, não importa o que seja”.  Ele complementa com uma história “Um dia houve um incêndio na floresta, todos os animais corriam com medo do fogo. O beija-flor ia à água, pegava um pouquinho com o bico e jogava no fogo […] Sou aquele beija-flor, sei que eu não vou apagar os problemas do mundo, mas cada problema que vier e eu puder ajudar, é como aquela gotinha d’água que o beija-flor está jogando no fogo”.

Caso você tenha interesse em ajudar seu Edivaldo Freire Paes a reconstruir a Casa do Seringueiro, entre em contato pelo número (68) 9 9606-7461.

Casa de apoio a saúde do seringueiros – vídeo

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