Da arte urbana aos autômatos, artista buscarenovar a cena artística na Amazônia
Por Fernanda Maia e Gabriel Vitorino
O caminho de Mestre CAS, nome artístico de Claudiney Alves de Souza, no universo da arte urbana teve início a partirda necessidade de encontrar um espaço para imprimir suas ideias e reflexões. Foi nas ruas de Rio Branco que ele percebeu o potencial da arte como um meio de inclusão e comunicação. De início, sua expressão artística encontrou eco nas paredes da cidade, por meio da arte do pixo e, ao se integrar ao movimento punk, encontrou um propósito ainda mais profundo em sua busca por formas de manifestação e protesto.
Apesar do início despretensioso no ano de 2001, se tornou um símbolo do movimento de arte urbana e trouxe consigo uma perspectiva singular e uma busca incessante pela expressão individual e comunitária. No contexto do cenário artístico e urbano na capital do estado, a história do Mestre CAS serve de exemplo para lembrar as raízes da expressão artística nas ruas, que hoje tomam conta da cidade com cores e contestação política.
Seu primeiro contato direto com a cena de graffiti do Acre aconteceu durante um workshop no Centro Cultural Tucumã, em 2006, um evento que despertou sua paixão e compromisso com essa forma de arte. Os obstáculos não foram poucos para Mestre CAS, a falta de recursos e apoio atrasaram o crescimento do movimento de graffiti no Acre por anos.
Enquanto os debates sobre a comercialização do grafite ganharam destaque, a trajetória de Mestre CAS se tornou uma jornada de autodescoberta e dedicação à arte que busca resgatar o amor e resistência que muitas vezes são negligenciados. Sua jornada, para se tornar um ícone do movimento de arte urbana, acabou representando muitos artistas de rua no cenário contemporâneo que acabam enfrentando dilemas de negligência.
Ele destaca a transformação no mundo do grafite e da arte, que deixou de ser somente uma forma de protesto e expressão cultural para se tornar uma forma de mercadoria dentro dos mercados econômicos. A dualidade enfrentada pelos artistas de rua é vista entre a necessidade em preservar a autenticidade artística e também buscar por oportunidades comerciais.
Foto: Gabriel Vitorino
Nesse contexto, iniciativas que representem a busca por um equilíbrio entre o desenvolvimento comercial da arte urbana e a manutenção de sua essência como meio de conscientização social são extremamente necessários para vencer os desafios e as oportunidades voltadas para dentro do mundo artístico urbano.
A incessante busca por espaço para mostrar sua criatividade o levou da periferia à “Casa Verde”, uma ocupação cultural em Rio Branco. Durante um período de dois anos, se envolveu profundamente em uma comunidade rica em experiências, encontrando não apenas um lugar para pertencer, mas também um espaço onde suas ambições artísticas floresceram. Foi nesse intervalo de tempo que teve a oportunidade de conhecer pessoas que se tornaram seus mentores e guias na jornada artística.
Mas o cenário começou a mudar com a chegada de Adão II, também conhecido como Babu, que, de acordo com Mestre CAS, teve impacto em suas escolhas e foi uma verdadeira revolução da cena do graffiti não só no Acre mas em toda a região Norte do Brasil. Ele trouxe novas técnicas, como o estêncil, e inspirou outros artistas para se unirem ao movimento.
Foto: Gabriel Vitorino
O Universo de Papel e sua nova face
O seu projeto “Universo de papel” hoje em dia toma outro rumo. Aquilo que, segundo ele, iniciou como uma forma de contornar os problemas de saúde decorrentes do contato frequente com a química das tintas spray, se torna hoje um dos projetos mais diferenciados e inovadores da região Norte do país. Utilizando-se de papel e materiais recicláveis ele dá vida a um universo inteiro, de bonecos de orixás a figuras populares brasileiras, as encomendas que atende e suas ideias pessoais para o projeto o ajudam a continuar desenvolvendo sua própria arte e estilo, e ainda buscando se destacar no cenário regional.
“Eu sempre gostei da produção de bonecos, sempre quis ser bonequeiro, desde antes do pixo e do graffiti. Nesses últimos dois anos, com acesso a esses serviços de streaming eu acabei assistindo muitos documentários”, disse ele explicando de onde surgiu a ideia para o projeto.
Mestre CAS, que de acordo com graffiteiros e artistas diversos de Rio branco, já tanto revolucionou o cenário artístico junto a amigos e colaboradores, hoje tenta mais uma vez alavancar sozinho uma cena que não existe. O Universo de Papel, que nasceu da produção de bonecos com materiais recicláveis, tenta então tomar proporções maiores, apostando em um mercado de colecionadores. O Mestre CAS cria autômatos — mecanismos que se movem sozinhos, muitas vezes acionados por engrenagens ou alavancas — usando materiais recicláveis. Embora os insumos permaneçam os mesmos, seu processo de produção e distribuição mudou por completo.
Foto: Gabriel Vitorino
“Mas como eu vou alcançar aquele nível de produção e distribuição? Não tem como, mas tenho como produzir algo ainda mais significativo para o nosso país e, principalmente, para o nosso estado”, comentou.
Apostando nesse mercado de colecionadores, o Mestre conta, de início, com o apoio de secretarias de Cultura e de Eeducação, tanto do estado quanto do município. Mestre CAS estuda a construção de autômato ainda mais dinâmico e complexo, que demonstre o funcionamento de uma lavoura de mandioca, com quatro bonecos, cada um atuando em suas devidas funções, se movendo e construindo um cenário vivo a partir do acionamento de uma única alavanca.
A ideia, segundo Mestre CAS, é que com essa nova etapa o escopo e o alcance do projeto sejam ainda maiores, e alcancem não só o público acreano, mas o Brasil e, se possível, outros países da América Latina. As suas produções artísticas, provenientes de anos de estudo e dedicação, hoje tomam forma com projetos pessoais originais que, em contato com artistas e com o povo acreano, tomam espaço no coração das pessoas, o próprio Mestre diz não saber muito bem como chegou aqui.
“Um dia então eu estava sentado aqui em casa tentando alcançar alguma ideia que me desse uma perspectiva nova para o Universo de Papel, foi aí que então começou a passar no History Channel um mini-documentário sobre produtores de autômatos. Enquanto o programa falava só de relojoeiros antigos eu comecei a me questionar da funcionalidade de engrenagens e em como aplicar isso às minhas produções, e quando eu menos esperava, o documentário começou a falar dos criadores de autômatos pela Europa, foi ali que eu descobri o que tinha que estudar e o que eu queria alcançar com isso”, concluiu, com um sorriso largo no rosto.
Traçando novamente um caminho não conhecido ainda, ele tenta, aos 39 anos, mais uma vez, renovar a cena artística na Amazônia.
Excomungado: quando a música acontece apesar de tudo
Em uma cidade onde a cultura muitas vezes é negligenciada, a Excomungado surgiu. Uma banda composta por músicos de nascença, jovens e com muita vontade de fazer um som. Formada por Carlos “Carlinhos” Hofre, Ícaro Moreira, Roberto “Bala” Padula e Lucas Alefe, a banda é mais do que um grupo de músicos, é um coletivo de amigos que transformou a paixão pela música em um projeto autoral, cheio de personalidade e força. De shows por diversão até planos ambiciosos para o futuro, a Excomungado traz consigo a prova de que o que falta na cultura do Acre é investimento.
Em uma cidade onde a cultura muitas vezes é negligenciada, a Excomungado surgiu. Uma banda composta por músicos de nascença, jovens e com muita vontade de fazer um som. Formada por Carlos “Carlinhos” Hofre, Ícaro Moreira, Roberto “Bala” Padula e Lucas Alefe, a banda é mais do que um grupo de músicos, é um coletivo de amigos que transformou a paixão pela música em um projeto autoral, cheio de personalidade e força. De shows por diversão até planos ambiciosos para o futuro, a Excomungado traz consigo a prova de que o que falta na cultura do Acre é investimento.
A história da Excomungado começa com as trajetórias individuais de seus integrantes que, desde cedo, estiveram imersos no mundo da música. Carlinhos, o compositor e vocalista, começou a tocar violão aos 8 anos, aprendendo com o avô. Sua paixão pela música só cresceu após aulas com o renomado Geraldo Aquino, popularmente conhecido como Mestre Geraldinho, que ele descreve como um “gênio do violão”. Apesar de sua timidez em assumir o papel de frontman, Carlinhos é a alma criativa da banda, responsável pelas letras e melodias que definem o som da Excomungado.
Excomungado é uma banda composta por músicos de nascença, jovens e com muita vontade de fazer um som. Foto: Pan de Almeida
Já Ícaro, o baixista da banda, começou no violão aos 13 anos, aprendendo com o ex-cunhado, que é formado em música. Mais tarde, migrou para o baixo e conheceu o resto dos integrantes, assim acabou entrando para a Excomungado. Além da banda principal, Ícaro participa de vários projetos paralelos, incluindo covers de Radiohead, com a banda Superflat, e Terno Rei em um projeto entre amigos programado para ocorrer no dia 18 de abril, às 21h, no Studio Beer.
Bala, o baterista, cresceu em meio ao som de instrumentos. Filho de músico, ele começou a tocar bateria quase que por acidente, quando sobrou o instrumento após um ensaio da banda do pai, ele e os amigos decidiram tocar e, de acordo com ele, “a bateria foi o que sobrou”, disse rindo. Desde então, já passou por mais de 15 bandas, incluindo a Nickles, onde toca baixo. Sua experiência no cenário musical em Rio Branco e na música em si agregam muito ao desenvolvimento da Excomungado no cenário.
Por fim, Lucas, o guitarrista, começou na bateria aos 9 anos, mas foi com a guitarra do pai que ele realmente se encontrou. Autodidata, aprendeu a tocar sozinho, desenvolvendo um estilo único que hoje é uma das marcas da banda. Sua abordagem livre e cheia de personalidade traz uma sonoridade autêntica para a Excomungado.
O Nascimento da Excomungado
A banda surgiu em 2019, em meio do caos da pandemia, quando Carlinhos, então com 14 anos, decidiu transformar suas composições em um projeto coletivo. Ele convidou Lucas, que já tocava na banda Selfless, focada em músicas do rock grunge, e juntos formaram a primeira formação da Excomungado, com Pedro na bateria, Mika no baixo e Isa no vocal. O primeiro show foi em um sarau na Ufac, um evento de artes cênicas, onde tocaram ao lado de outros artistas locais.
Banda Excomungado está presente nas noites de Rio Branco. Foto: Pan de Almeida
Desde então, a Excomungado cresceu e se consolidou como uma das principais atrações do cenário underground de Rio Branco. O nome da banda, que surgiu como uma brincadeira, ganhou significado ao longo do tempo, representando a resistência e a autenticidade de um grupo que não se encaixa nos moldes tradicionais da música no Acre.
A Excomungado é um reflexo da realidade da cena musical de Rio Branco, onde os desafios são muitos, mas a paixão pela música é maior ainda. A falta de investimento em cultura, a escassez de espaços para shows e a dificuldade em conseguir editais são obstáculos constantes. “Aqui em Rio Branco, as bandas não têm investimento, nem lugar para tocar”, desabafam todos os membros, tanto como banda, quanto como músicos em busca de um espaço.
Apesar das limitações, a banda não se deixa abater. Eles já gravaram várias músicas em casa, usando equipamentos simples e muita criatividade. “A gente gravou no quintal, com uma pedaleira, um PC de 4 GB de RAM e microfones baratos”, conta Ícaro. A falta de recursos não impede a qualidade, as músicas da Excomungado são autênticas e cheias de personalidade, mostrando que a música autoral acontece independente das condições precárias.
A Excomungado não quer ficar restrita às garagens de Rio Branco. O principal objetivo da banda é conseguir um edital para gravar um álbum autoral, reunindo músicas antigas e novas. Eles já têm o projeto na cabeça, mas falta o recurso financeiro para colocá-lo em prática. “O objetivo é gravar, viajar e divulgar nosso trabalho”, diz Bala.
A Banda não quer ficar restrita às garagens de Rio Branco. Foto: Pan de Almeida
Em 2024, a banda lançou seu penúltimo single até o momento. A música “Bon Appétit” saiu no dia 10 de fevereiro e hoje já tem mais de 10 mil reproduções no spotify, chegando a ser citada na quinta posição da lista de “melhores músicas de 2024” de um comentarista do sudeste asiático que diz estar ansioso para os futuros lançamentos da Excomungado.
Com músicas produzidas por D.Silvestre, produtor de Rondônia que segue em ascensão na cena musical brasileira ganhando destaque principalmente pelo funk, a Excomungado busca criar algo único dentro da música, juntando suas referências que vão do rock clássico ao funk ao brega, eles alcançam um público grande contando com mais de 4 mil ouvintes anuais no spotify, cerca 17 mil streams em suas músicas com ouvintes distribuídos pelo mundo todo, da França a Indonésia.
A Excomungado é hoje uma promessa. Com o trabalho que realizam, eles mostram que a música autoral pode florescer, mesmo em condições adversas. Com talento, criatividade e muita paixão, Carlinhos, Ícaro, Bala e Lucas transformam desafios em música, provando que o rock de Rio Branco tem voz, força e futuro.
Localizado no bairro Tucumã, o Tonheiros é um dos bares mais antigos de Rio Branco ainda em funcionamento. Fundado em agosto de 1980 e hoje sob nova administração, o bar carrega o nome de seu fundador e se tornou um refúgio para gerações de universitários.
Por Ana Flávia Santos, Camila de Souza, Clécio Nunes, José Hélio Vitalino e Luísy Rodrigues*
Localizado no bairro Tucumã, o Tonheiros é um dos bares mais antigos de Rio Branco ainda em funcionamento. Fundado em agosto de 1980 e hoje sob nova administração, o bar carrega o nome de seu fundador e se tornou um refúgio para gerações de universitários.
A proximidade com a Universidade Federal do Acre (Ufac) consolidou o espaço como um ponto de encontro para comunidade acadêmica onde debates fervorosos, romances inesperados e sonhos revolucionários se misturam ao cheiro de cerveja barata e ao som escolhido pelo público. Entre mesas gastas pelo tempo e copos sempre cheios, o local testemunhou mudanças sociais, amores nascendo e amizades se fortalecendo.
Mas o que torna esse bar memorável? Estaria o segredo apenas nas bebidas ou na atmosfera criada por seus frequentadores? O Tonheiros parece ter encontrado a fórmula ideal para atravessar gerações e seguir relevante, oferecendo um espaço de liberdade e pertencimento. O ambiente acolhedor, sua história enraizada na vida acadêmica e a capacidade de se adaptar sem perder a essência o tornam um verdadeiro patrimônio boêmio.
O legado de “Seu” Tonheiros
Aos 72 anos, Antônio dos Rios Nonato, o ‘Seu’ Tonheiros, relembra a trajetória como fundador do bar que leva seu apelido de infância. Após uma desavença com um cliente, ele decidiu fechar seu primeiro estabelecimento, localizado no bairro Volta Seca, e recomeçar os negócios no bairro Tucumã. “Aqui tudo era mato nessa época”, recorda. No entanto, ao abrir o novo bar, o movimento cresceu rapidamente e nunca mais parou.
Antônio dos Rios Nonato, o ‘Seu’ Tonheiros. Foto: Cedida
Mesmo com décadas de sucesso, o momento mais difícil veio quando em 2013 uma cirrose hepática o forçou a se aposentar. “Eu não decidi, foi coisa do destino. Porque eu adoeci, e quando a doença vem, não vem só para mim, vem para todos”, lamenta. Apesar do desafio, ele destaca que, desde o início, sempre contou com o apoio da família e dos estudantes que frequentavam o bar.
Sem condições de continuar trabalhando, passou a administração do bar para outras duas gestões. Ramilson, um dos seus ex-funcionários, foi o primeiro. Em 2019, para o atual dono do estabelecimento, Gabriel Santos, mantendo viva a tradição do estabelecimento que marcou gerações.
Novos tempos, mesma identidade
Gabriel Santos, atual proprietário do bar, afirma que a modernização do espaço buscou equilibrar a tradição com a necessidade de adaptação. “A ideia era manter a identidade visual, manter a identidade de bar raiz e, ao mesmo tempo, modernizar alguns quesitos”, explica. Algumas das mudanças incluíram a introdução de novos produtos, a melhoria da cozinha, a promoção de eventos e a adequação do espaço para garantir mais higiene e segurança.
Gabriel Santos, gerente do Tonheiros atualmente. Foto: Cedida
A modernização, no entanto, não comprometeu a essência do bar, que continua sendo um ponto de referência para universitários e moradores da cidade.
Um patrimônio afetivo da cidade
“Todo mundo sabe onde é o Tonheiros, quem nunca frequentou já ouviu falar.” A frase de Medusa Santos, estudante de Pedagogia na Ufac e frequentadora do bar há mais de dois anos, resume o lugar que se mantém como um verdadeiro marco na cidade. O bar, com sua atmosfera única, carrega as marcas de uma história que atravessa o tempo, gravada tanto nas memórias individuais quanto nas coletivas daqueles que por ali passam.
Aleta Dreves, jornalista e professora da Ufac, frequenta o bar há mais de 13 anos e comenta sobre as transformações que o lugar experimentou ao longo do tempo: “com a nova administração mudou muita coisa, principalmente a parte de cozinha que era praticamente inexistente antigamente”.
Frequentado por estudantes e moradores de Rio Branco, o Tonheiros Bar se destaca como um espaço acolhedor, tranquilo e seguro. “É um bar muito tranquilo, comparado aos outros bares de Rio Branco. Não é um bar onde a gente vê uma alta taxa de violência”, afirma Aikon Vitor, estudante da Universidade Federal e cliente assíduo. Além do ambiente pacífico, o bar é reconhecido por sua diversidade de público. “As regras que existem são de segurança mesmo, questão de briga de bar, que ele tenta sempre evitar. Esse conservadorismo a gente não tem mais”, destaca Ranna Macedo, frequentadora desde 2016.
O refúgio dos universitários
Para muitos universitários, o bar é um refúgio da rotina acadêmica intensa. “O meio universitário é muito difícil […] é muito bacana você sair de uma apresentação, sair de um TCC, de um seminário e vir aqui afogar as mágoas no Tonheiros”, compartilha Medusa Santos.
O que torna o bar memorável não é apenas a bebida ou a localização, mas a experiência coletiva que ele proporciona. “A bebida gelada, o vento, as músicas bregas, Reginaldo Rossi, as cadeiras de plástico, a galera gente boa, as pururucas… Todo o contexto dele faz esse lugar ser especial para mim. É um conjunto, né? Não é algo em si, mas cada detalhe que tem nesse bar é o que faz ele ser especial. A essência dele. É essência”, reflete Aikon Vitor.
Mais do que um bar, Tonheiros é parte da trajetória de muitos. “Foi um lugar que fez parte da minha estrada. Tenho um carinho imenso por aquele lugar”, revela Ranna Macedo, psicologa formada pela Universidade Federal do Acre. O sentimento de pertencimento vai além da nostalgia: “Quando eu chegava lá morrendo de gripe, sem conseguir respirar, e o Seu Tonheiros dizia: ‘Minha filha, aqui um remédio para você’, e me dava uma dose de cachaça com mel, de graça. E essa não foi uma experiência só minha. Os mais antigos também lembram que ele sempre fazia isso pela gente. São essas pequenas coisas que acalentam o coração”, continua ela. No fim das contas, Tonheiros Bar não é apenas um bar: é um pedaço da vida de quem passa por lá.
Ouvir para crescer
Que o Tonheiros Bar é um estabelecimento bastante reconhecido e admirado por muitos é um fato. No entanto, como em qualquer negócio que visa oferecer a melhor experiência possível, é sempre importante considerar sugestões de mudanças e melhorias vindas dos seus clientes.
“Mais opções de bebidas”, sugere o frequentador Thalisson Maya, estudante de História na Ufac.Para o discente, embora o bar já ofereça um cardápio diversificado, a inclusão de novas opções poderia ser um diferencial interessante.
“A questão do banheiro seria um ponto a se melhorar”, destaca o cliente Ruan Gabriel, também estudante de História na Ufac e mediador na escola SESI, referindo-se à necessidade de maior manutenção da limpeza ao longo da noite. Um ambiente limpo e bem cuidado é essencial para garantir o conforto dos clientes.
Outro desafio que o Tonheiros Bar enfrenta é a infraestrutura. Apesar de ser de boa qualidade, o espaço pode ser considerado limitado. “Ele é pequeno para a superlotação de pessoas, para o tanto de gente que vem aqui”, comenta Medusa Santos.
Planos para um Futuro Próximo
Para os novos e antigos clientes do Tonheiros Bar, as mudanças no espaço são uma constante, algo que o próprio Gabriel, responsável pelo estabelecimento, confirma com entusiasmo. Ao ser questionado sobre os planos futuros para o bar, ele revela novidades: “A nossa ideia é fazer um rooftop, uma laje em português bem falado, ano que vem para a galera poder apreciar melhor o pôr do sol”
Gabriel enfatiza que as mudanças visam modernizar o espaço sem jamais perder a essência do tradicional bar. “A gente pretende ampliar a área de sinuca, a gente pretende ampliar banheiros, mas sem perder a essência, claro, do nosso barzinho”, explica. Assim, com essas transformações futuras, o Tonheiros Bar promete seguir se adaptando às necessidades do público.
Texto produzido na disciplina Fundamentos de Jornalismo sob supervisão do professor Wagner Costa
Edivaldo de Freitas Paes dedicou sua vida ao próximo. Professor de geografia e ex-policial militar, trocou a estabilidade da carreira pelo compromisso de ajudar pessoas em situação de vulnerabilidade. Ajornada começou em 1994 quando decidiu visitar a família da esposa na Reserva Extrativista Chico Mendes. Lá, viu pessoas desamparadas, sofrendo sem assistência médica e ficou comovido e se dispôs a socorrê-las.
O primeiro resgate foi de um senhor com pneumonia grave. Após três horas de caminhadas conseguiu buscá-lo e carregá-lo em uma rede até um barco que o levou ao hospital. Foi então que percebeu que não poderia mais ignorar a necessidade ao seu redor, saía dos plantões de 24 horas direto para o seringal aplicar medicação nos doentes, só avisava a família por telefone que iria na reserva extrativista.
“Eu pegava o ônibus e descia no Araxá, andava três horas a pé, 45 minutos de barco e mais uma hora e meia a pé para chegar até a localidade”, recorda. Foi então que Edivaldo decidiu: “quer saber de uma coisa, eu vou sair da polícia e vou cuidar dessas pessoas” e, desde então, nunca mais parou.
Com recursos próprios, transportou doentes, prestou socorro, atendeu vítimas de acidentes e doenças graves, realizou até partos, tudo para garantir atendimento médico a quem precisava. Mais tarde, deixou a Polícia Militar para se dedicar integralmente a essa missão. Falou com o comandante que como muitos outros o chamou de louco pela decisão.
Após solicitar a baixa na PM, mesmo com a esposa resistente no início se mudou para a Reserva Chico Mendes, após dois anos foi encontrado pela polícia por ser considerado desertor, foi então que descobriu que “engavetaram” seu pedido de baixa, mas após provar que cumpriu com os protocolos foi liberado.
Edivaldo Paes viu a necessidade e começou dar aulas no seringal. Em uma casa de farinha, durante o dia ensinava crianças e jovens e durante a noite alfabetizava os pais dos alunos. Logo conseguiu parcerias e ajudou a criar escolas e postos de saúde nas comunidades, tudo o que estava ao alcance ele fez.
Foto: Nathacha Albuquerque/g1 Acre
Seu Edivaldo se viu obrigado a voltar para Rio Branco pensando num futuro melhor para os filhos, ele conta que em torno de três meses do retorno começaram a procurá-lo. “Chegou o primeiro seringueiro, com a roupa em uma estopa nas costas e me disse: ‘professor, estou morrendo’. E já o levei ao pronto-socorro”, conta.
Quando se deu conta, estava com 30 pessoas na própria casa. Foi então que o filantropo fundou a Casa de Apoio a Saúde do Seringueiro, para dar suporte aos trabalhadores da borracha, mas já acolheu centenas de pessoas de todos os lugares, incluindo indígenas, idosos abandonados e doentes graves, sua casa se tornou abrigo para famílias, inclusive nos tempos de enchentes. “Quantas vezes eu ia do bairro Taquari até a fundação com os meus pacientes a pé porque nós não tínhamos passagem”, relata.
O cuidador deixou a vida de lado para cuidar do próximo. “Abandonei tudo para cuidar de pessoas que nunca tinha visto na vida”, mas diz não se arrepender do que fez: “Não me arrependo de tudo que deixei. Hoje, já era para eu ser tenente-coronel da PM aposentado, nunca pensei em voltar[…]. Meu lugar é onde está a pessoa passando necessidade para eu poder levar o conforto”.
Por várias vezes, Edivaldo Paes se emociona ao relembrar toda a trajetória que construiu. “As pessoas que eu mais cuido são pessoas que ninguém quer”, diz. Ele cuida de José da Silva, de 71 anos, há quase duas décadas. José é uma pessoa com deficiência abandonado pela família e depende totalmente de cuidados, não fala e nem anda. Ele atende pessoas com todos os tipos de doenças que buscam tratamento e não tem onde ficar.
Devido às dificuldades financeiras para manter a instituição funcionando, Edivaldo se reinventou. Produz artesanato com pneus, fabrica móveis, dá aulas de artesanato e vende salgados, faz de tudo um pouco. “Costumam dizer que sou bombril, mil e uma utilidades”, brinca. A esposa sempre esteve ao lado cuidando dos acolhidos e, durante anos, enfrentaram muitas dificuldades, cozinhando até mesmo em fogão a lenha quando o gás acabava.
Durante um tempo a Casa do Seringueiro funcionou em um terreno cedido onde foi construída parte da estrutura para abrigar os pacientes, mas precisaram deixar o local quando o antigo dono reivindicou o espaço de volta, mesmo prometendo nunca os despejar enquanto a instituição existisse. Agora, seu Edivaldo busca recursos para recomeçar e faz um pedido de socorro, ele quer construir pelo menos dois quartos para receber pacientes, pois onde está não tem estrutura para receber ninguém. “É um terreno que temos, mas vou doar para a casa”.
Edivaldo Freitas se orgulha de cuidar das pessoas. “Valeu todo o esforço e sacrifício que fiz durante minha vida toda vendo que eles estão bem […] Deus dá o frio de acordo com o cobertor. Se Ele vê que eu não aguento, não me dá esse frio. Quando eu morrer, com certeza para um lugar ruim eu não vou”.
O benfeitor encerra com um conselho: “se você mudar um pouquinho a história de alguém, você está ajudando a melhorar o mundo, não importa o que seja”. Ele complementa com uma história “Um dia houve um incêndio na floresta, todos os animais corriam com medo do fogo. O beija-flor ia à água, pegava um pouquinho com o bico e jogava no fogo […] Sou aquele beija-flor, sei que eu não vou apagar os problemas do mundo, mas cada problema que vier e eu puder ajudar, é como aquela gotinha d’água que o beija-flor está jogando no fogo”.
Caso você tenha interesse em ajudar seu Edivaldo Freire Paes a reconstruir a Casa do Seringueiro, entre em contato pelo número (68) 9 9606-7461.