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Cinemas, protestos e farofas: um panorama do Festival de Cinema de Cannes

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Na 75a edição, o grande vencedor da Palma de Ouro foi a comédia sueca Triangle of Sadness

por Aldeir Oliveira e Miguel França

O Festival de Cinema de Cannes celebrou sua 75a edição em 2022. Dos dias 17 a 28 de maio, o Palais des Festivals et des Congrès recebeu profissionais, artistas, celebridades e produtores de conteúdo do mundo inteiro. Este ano o festival voltou à sua capacidade total de espectadores após as duas últimas edições terem tido restrições por conta da pandemia da Covid-19. Com as salas cheias, o júri e os espectadores puderam prestigiar os 21 filmes que disputaram o prêmio máximo do festival e comemorar a vitória da Palma de Ouro para a comédia sueca Triangle of Sadness, do diretor Ruebn Ostlund.

O festival de cinema ocorre anualmente na cidade turística de Cannes, na Riviera Francesa. Ano após ano, o evento reúne os profissionais mais admirados e respeitados da indústria cinematográfica mundial, além de revelar novos artistas a cada edição. A ideia do Festival surgiu em 1938, quando o ministro francês da Educação Nacional, Jean Zay, decidiu criar um festival cinematográfico internacional que fosse contra o viés fascista do Festival de Cinema de Veneza pois, por oito anos, Benito Mussolini e Adolf Hitler anularam a decisão do júri de Veneza e decidiam quais filmes levariam melhor filme e melhor filme de guerra. 

Hoje, o Festival de Cannes é um dos três grandes festivais de cinema europeus, ao lado do Festival de Cinema de Veneza (Itália) e do Festival Internacional de Cinema de Berlim (Alemanha), bem como um dos cinco grandes grandes festivais internacionais de cinema, que consistem nos três grandes festivais de cinema europeus mais o Festival Internacional de Cinema de Toronto, no Canadá, e o Festival de Cinema de Sundance, nos Estados Unidos.

Palma de Ouro, o principal troféu do Festival de Cannes – Pierre Albouy/AFP

As duas últimas edições do Festival sofreram muito com a Pandemia da Covid-19. Em 2020 o evento foi cancelado e em 2021 foi passado para o mês de julho, contrariando a tradição de realizar o festival em maio. Este ano, Cannes recebeu a todos sem máscaras, sem restrições e com a capacidade total das salas. Mas o que realmente marcou essa 75a edição foi sua imprevisibilidade.

Faltando menos de um mês para o Festival começar, já haviam sido decididos o pôster oficial, o filme de abertura e os filmes selecionados para exibição, mas não o júri. Parte essencial do evento, pois decidem quem leva os prêmios da edição, o corpo de jurados teve que sofrer alterações por conta de um escândalo envolvendo um dos integrantes. O cineasta iraniano Asghar Farhadi, que seria o presidente do júri, foi acusado de plagiar o argumento de uma ex-aluna sua, e a partir dele ter feito seu mais recente filme, Um Héroi. Diante dessa situação, a comissão organizadora decidiu manter Farhadi como membro do júri, mas o cargo de presidente passou para o ator francês, Vincent Lindon.

Ladj Ly, Jasmine Trinca, Joachim Trier, Rebecca Hall, Vincent Lindon, Deepika Padukone, Asghar Farhadi, Noomi Rapace e Jeff Nichols – Foto: Future Publishing/Getty Images

O Festival de Cinema de Cannes começou no dia 17 de maio homenageando o ator, produtor e diretor de cinema americano Forest Whitaker com a Palma de Ouro Honorária. Um prêmio que celebra a carreira do profissional. Esse foi o segundo prêmio dado a Whitaker em Cannes, pois, em 1988, ele recebeu o prêmio de Melhor Ator por sua performance no filme Bird. No dia seguinte, foi o momento do ator e produtor Tom Cruise receber a Palma de Ouro Honorária por sua carreira e levar o seu mais novo filme, Top Gun: Maverick, ao festival. O filme foi aplaudido de pé por 5 minutos após o encerramento da sessão. 

Protestos também marcaram o tapete vermelho. Na sexta-feira, 20, uma mulher semi nua invadiu o tapete vermelho para realizar um protesto a favor da Ucrânia. Em seu corpo estava escrita a frase “Stop Raping Us” (parem de nos estuprar) sobre as cores da bandeira da Ucrânia, além disso ela tinha tinta vermelha espalhada pelo baixo ventre e a palavra “escória” nas costas. E no domingo, 22, ocorreu outro protesto, mas esse era contra os feminicídios que ocorriam na França. Ativistas levantaram uma faixa com os nomes das 129 mulheres assassinadas no país desde a última edição do evento.

Como consta no site oficial do Festival, ele é patrocinado por grandes marcas como L’Oréal Paris, Kering, MasterCard, BMW e Chopard, mas como um evento de grande magnitude não se sustenta apenas de seus patrocinadores, os organizadores do festival chamam artistas, celebridades e produtores de conteúdo do mundo inteiro para estarem presentes e divulgarem o evento e as respectivas marcas que os patrocinam. Somente está presente quem foi convidado, pois não há a possibilidade de compra de ingressos. E nesta 75a edição, foram tantos produtores de conteúdo e celebridades, incluindo um certo número de brasileiros, que fez o jornalista da Folha de São Paulo, Guilherme Genestreti, afirmar que “tapete vermelho se torna vitrine para que subcelebridades desfilem looks e empresários melhorem branding pessoal”.

O fato é que esse tipo de ação não é nenhuma novidade, mas esse ano foi destaque, pois essas pessoas que estavam lá apenas para promoverem as marcas chamaram atenção tanto quanto os profissionais da indústria cinematográfica convidados para promoverem os filmes. Em artigo de 2018 para a Vanity Fair, a jornalista Julie Miller afirma que “as marcas podem pagar entre 1.000 e 20.000 euros por uma única postagem de mídia social, mas como o festival oferece aos influenciadores tanta exposição internacional – sem mencionar a proximidade de estrelas de cinema e um cenário lindo – as taxas em Cannes são frequentemente negociadas”. Situação que pode gerar indignação por parte de alguns, como o caso de Guilherme Genestreti, e questionar os limites da necessidade de tanto marketing para um festival já mundialmente reconhecido e consolidado.

Ao todo, este ano o Festival de Cinema de Cannes contou com uma seleção de 47 longas metragens selecionados para exibição. Destes, 21 estavam concorrendo à Palma de Ouro, o prêmio máximo do Festival, e 7 concorreram fora da competição. Entre estes se destacam Top Gun: Maverick do diretor Joseph Kosinski, já citado; Elvis, a cinebiografia do cantor, músico, ator estadunidense e “Rei do Rock and Roll”, Elvis Presley, do diretor Baz Luhrmann, e Three Thousand Years of Longing, do diretor George Miller, seu filme seguinte ao sucesso Mad Max: Estrada da Fúria de 2015.

Faltando apenas um dia para o encerramento do Festival, nem o júri nem a crítica especializada tinham um favorito à Palma de Ouro. Muito se comentava sobre os filmes EO, The Eight Mountains, Boy From Heaven, Broker, R.M.N, Holy Spider, Decision to Leave, Crimes of the Future e Armageddon Time, mas nenhuma unanimidade. Foi apenas no entardecer do dia 28 de maio, em encerramento apresentado pela atriz belga Virginie Efira, que o júri firmou seus vencedores e encerrando assim a 75ª edição do Festival de Cinema de Cannes.

Abaixo a lista dos vencedores: 

  • O vencedor da Camera d’Or de Melhor Filme Estreante foi ‘War Pony’, de Riley Keough e Gina Gammell.
  • Zar Amir Ebrahimi venceu como Melhor Atriz por sua performance em ‘Holy Spider’, de Ali Abbasi
  • Song Kang venceu como Melhor Ator por sua performance em ‘Broker’, de Kore-eda Hirokazu
  • O vencedor em Melhor Roteiro foi ‘Boy From Heaven’, de Tarik Saleh
  • Os filmes vencedores do Prêmio do Júri foram ‘EO’ e ‘The Eight Mountains’
  • O filme vencedor do Prêmio Especial de 75 anos do Festival de Cannes é ‘Tori and Lokita’ de Jean-Pierre Dardenne e Luc Dardenne
  • Park Chan-wook venceu como Melhor Diretor por seu trabalho em ‘Decision To Leave’
  • Os filmes vencedores do Grand Prix foram ‘Close’ (Lukas Dhont) e ‘Stars at Noon’ (Claire Denis)
  • E o filme vencedor da Palma de Ouro do Festival de Cannes 2022 foi ‘Triangle of Sadness’ de Ruebn Ostlund
Júri e vencedores na cerimônia de encerramento do Festival de Cinema de Cannes 2022  – Foto: Valery Hache/ AFP

Redação

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Cultura

Rabada do Toinho: 35 anos de história

Ao manter viva a culinária típica do Acre, cozinheiro conquista turistas e moradores com sua famosa rabada no tucupi.

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Por Felipe Salgado e Leticia Vale

Ao manter viva a culinária típica do Acre, cozinheiro conquista turistas e moradores com sua famosa rabada no tucupi.

No Mercado do Bosque, um prato típico do Acre ganhou status de tradição: a rabada. Preparada há mais de três décadas por Antônio Felinto Alves,, eleviu seu nome atrelado à rabada, além de ser também o Toinho do Tacacá.

A iguaria se tornou referência gastronômica para acreanos e turistas.
Seu Antônio iniciou sua trajetória aprendendo com Dora, uma cozinheira tradicional também muito conhecida pelos acreanos. Com o tempo, decidiu seguir carreira solo e consolidar seu próprio negócio. Hoje, acumula 35 anos de experiência e 18 certificados na área gastronômica.

“Quanto mais a gente se aprofunda nos temperos, no jeito de preparar, melhor fica. O segredo da rabada perfeita é cozinhar com carinho e amor, não apenas vender por vender”, afirma.
Mesmo com décadas de tradição, Toinho também se adaptou às modernidades. O iFood tornou-se parte fundamental do negócio. “Nos tempos de friagem, chegamos a 90 ou 100 pedidos por dia. Nosso ponto forte é no aplicativo”, explica.

A fama atravessa fronteiras. Segundo ele, os turistas que chegam ao Acre procuram diretamente por seus pratos. “O pessoal, quando vem aqui, me fala que vai levar rabada para Brasília, Goiânia, Santa Catarina. Nosso sabor viaja junto com eles”, relata com orgulho.

Para o comerciante, o segredo do sucesso é manter a fé e a dedicação:“Quando o pessoal diz que está ruim, eu não concordo. Se você tem saúde e acorda enxergando, já é motivo para agradecer a Deus. O resto a gente corre atrás.”

Redação

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Cultura

A dor em palavra: Gabe Alódio prepara “A Casa de Vidro”

Após a estreia visceral com Fogo em Minha Pele, autora acreana lança novo romance que mistura silêncio, fragilidade e arquitetura emocional. Foto: Rafaela Rodrigues

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Por Bruno Medim e Carlos Alexandre Silva

O segundo livro de um autor, na maioria dos casos, revela muito mais do que o primeiro. 

Se a estreia é a urgência de se apresentar ao mundo, a obra seguinte já nasce sob a consciência de que o público, e a própria autora, esperam algo. É nesse momento que Gabe L. Alódio, escritora acreana de 29 anos, se encontra com “A Casa de Vidro”, romance que será lançado em setembro e lançado em Rio Branco no dia 16 de outubro, às 19h, no Cine Teatro Recreio.

O título não é literal. Trata-se de uma metáfora clara, assumida pela autora, para a fragilidade e a exposição do ego. A casa é moderna, cercada por vidro, mas cada detalhe arquitetônico foi mentalmente desenhado antes da primeira frase. Ela descreve: “Sei onde a luz atravessa os cômodos, onde a vista se abre e onde qualquer pedra provocaria a primeira rachadura. Vejo a Casa de Vidro como uma metáfora para a própria escrita, transparente na linguagem, mas vulnerável na exposição dos temas abordados”.

Da intensidade ao silêncio 

Em Fogo em Minha Pele (2024), livro de estreia, Gabe apresentou uma poesia narrativa marcada pela intensidade física e emocional, algo que remete à lírica confessional e a um certo intimismo da tradição modernista. 

Já em A Casa de Vidro, essa energia se desloca para o silêncio e para a construção de atmosfera. A autora se aproxima de estratégias de escritores como Marguerite Duras ou Joan Didion, que sabem que a ausência pode ser mais expressiva que a presença. 

A protagonista, Sophia, vive isolada com o marido numa casa que funciona como personagem. A narrativa gira em torno da tensão entre manter e perder o controle. Como descreve a própria Gabe, é como equilibrar crises carregando uma bandeja cheia de xícaras empilhadas.

Publicado em 2024, Fogo em Minha Pele apresentou a escrita visceral e confessional de Gabe, marcada por desejo, corpo e memória. Foto: divulgação

Referências cruzadas 

O material visual que a autora preparou para orientar a capa é revelador. A arquitetura modernista da Casa Samambaia, de Lota de Macedo Soares, convive com as aranhas de Louise Bourgeois, símbolos de criação e aprisionamento. Há também Maria Callas, figura que sintetiza glória e abandono, e a presença de Dionísio, que remete à ligação entre vinho, prazer e destruição. É uma curadoria imagética que mostra a amplitude de referências da autora, em diálogo com artes visuais, música e mitologia. 

Entre o fogo e o vidro 

Se o primeiro livro era fogo, ardente e direto, marcado por desejo e paixão, o segundo é vidro: calculado, transparente, mas pronto para quebrar e cortar fundo. Essa mudança revela maturidade narrativa, sem perder a visceralidade que caracteriza a autora. 

O desafio agora será ver como A Casa de Vidro dialoga com o leitor. Como diz Gabe: ˜Escrever é fácil, viver é difícil”. Talvez este novo livro seja justamente um gesto de habitar esse difícil, transformando-o mais uma vez em palavra. 

Redação

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Cultura

Uma luta por poesia e sentimento

Batalha da Ufac reúne jovens e fortalece cultura do rap em Rio Branco. Foto: Felipe Salgado

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A cada segunda-feira, o campus da Universidade Federal do Acre (Ufac) vira palco para a Batalha da Ufac. Criada por um grupo de idealizadores da cena local, entre eles o estudante de Psicologia Davi Nogueira, a batalha é um espaço aberto para jovens expressarem suas histórias e críticas sociais por meio do rap.


O formato das batalhas de rap no Brasil surgiu no início dos anos 2000, inspirado por movimentos internacionais, e se consolidou em grandes centros como Rio de Janeiro e São Paulo. 

Em Rio Branco, os eventos vem ganhando força desde a Batalha do Palácio, considerada a mais antiga da cidade, que era realizada às sextas-feiras na praça do Palácio Rio Branco. 

Hoje o cenário local conta com eventos como a Batalha da Pista, do Santa Cruz e, principalmente, a Batalha da Ufac, que acontece no Teatro de Arena, conhecido como Coliseu, ao lado do Centro de Convivência.


Davi Nogueira destaca que o objetivo da batalha na universidade é democratizar o acesso à arte e trazer a comunidade para dentro do campus. 

“Muita gente achava que não podia entrar aqui. O Coliseu da Ufac é o lugar ideal, com estrutura e visibilidade para um evento cultural”, explica.


Para os participantes, o evento é muito mais que uma disputa de rimas. Apache Shaft, MC que frequenta a batalha, conta que o encontro representa um espaço seguro para trocar experiências, fazer amizades e fortalecer a cultura local. “É meu abrigo nas segundas-feiras. Quanto mais rap, mais cultura, menos crime”, afirma.


Entre o público, o humorista e influenciador Rafael Barbosa valoriza o clima acolhedor da batalha e ressalta a necessidade de maior apoio para o evento crescer. “Aqui tem muita poesia e sentimento, mas faltam som adequado e divulgação do poder público”, sugere.

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Momento em que os artistas fazem as batalhas. Foto: Felipe Salgado

Mais do que um show de talentos, a Batalha da Ufac é um importante instrumento de transformação social. Ao abrir as portas da universidade para a periferia, o evento reforça a ideia de que a cultura hip hop pode mudar vidas e fortalecer a autoestima de jovens, muitas vezes marginalizados.


Realizada de forma independente, a batalha conta com apoios voluntários e busca parceiros para ampliar sua estrutura. Na primeira edição, o evento lotou o Coliseu e conquistou mais de mil seguidores nas redes sociais antes mesmo de acontecer: um marco para o rap acreano.

Redação

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