Siga a Catraia

Histórias de vida

Um século de histórias de um soldado da borracha

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Foto: Arquivo da família

Por Ila Caira Verus

 A sala foi o lugar que ele escolheu para falar de sua vida. Sentado sobre uma cadeira de balanço feita de cipó, bem aconchegante, que Zé Gaudêncio, como é chamado por todos, estava a se embalar. O cômodo pintado harmoniosamente na cor creme era espaçoso e bem iluminado, mesmo às seis horas da tarde, horário que o aposentado todos os dias se senta em sua cadeira na frente da tv para assistir o jornal. Tudo parecia estar calculadamente no lugar, assim como a rotina de Seu Gaudêncio.

José Vaz da Silva é um nordestino de 99 anos de idade, que completa 100 anos em outubro. Um senhor de estatura mediana, de barba por fazer, quase que totalmente branca. O idoso de rosto amigável parecia apreciar nossa conversa, pois a cada lembrança, uma risada que não era nem um pouco contida. Vestindo uma camisa 3/4 azul de botão, bermuda de flanela listrada e toalhinha de rosto no ombro, Seu Gaudêncio parecia embalar sua cadeira em sintonia com o raciocínio que, com a idade já avançada, segue um pouco lento, mas ainda lúcido. Respondia minhas perguntas com coerência, de forma que até emociona pela sagacidade e vigor pela vida. Em alguns momentos parava suas palavras e ficava olhando para um lugar fixo, como se estivesse vendo a cena que contava, demonstrando saudades de um tempo que não volta mais.

O nordestino de quase um século de idade contou as dificuldades que enfrentou para chegar até o Acre. Vindo de navio do Rio Grande do Norte, relata que a viagem durou mais ou menos um ano, dias e mais dias em que somente avistavam água. Quando perguntei o que acontecia quando ficavam doentes, o senhor de cabelos ainda grisalhos, se calou pela primeira vez. Parecia procurar as palavras. Emocionado, o idoso rompe o silêncio e fala que quando alguém adoecia, geralmente não resistia e morria, sendo jogado na água pela tripulação. Conta com pesar que viu muitos amigos morrerem: “eu sentia muito por não poderem ter um enterro adequado. E a cada morte o medo parecia aumentar. Às vezes me sentia mal por estar vivo e bem”. Me senti culpada por tirar seu sorriso, que deu lugar a pequenas lágrimas que escorriam em seu rosto, mas que logo foram enxugadas.  

O simpático senhor é um verdadeiro contador de histórias. Quando indagado sobre sua infância, ele deu um sorriso de orelha a orelha, daqueles sinceros que chegam até os olhos. Por alguns segundos me perdi naquela risada tão leve e contagiante. Seu Gaudêncio relembra sua época de escola e diz que não gostava de estudar, que apenas ia para escola para brincar com os amigos e ver as garotas. Ah, as garotas… ele novamente soltou uma risada marota. E esclareceu que na escola sempre levava castigo da professora, pois tinha o hábito de levantar a saia das colegas, motivo pelo qual levava palmatória. Vindo de uma família tradicional nordestina, relata que seu pai trabalhava em uma grande fazenda e que viviam confortavelmente. Conta que adorava açúcar mascavo e os queijos que eram feitos em casa.

O nordestino de quase um século, que conheceu o rei do cangaço : “Lampião, somente matava quem fazia mal às pessoas, não matava quem era inocente”

Foto: Arquivo da família

Ele conta que conheceu Lampião aos nove anos de idade. Na época, ele dormiu em sua casa, juntamente com seu bando. E no amanhecer do dia seguinte, depois de um café preto feito pela sua mãe Primitiva, foi embora. José lembra que, ao se despedir, o cangaceiro acariciou seu cabelo e partiu de cavalo, sem olhar para trás, deixando o pequeno garoto parado, o vendo desaparecer de cavalo na imensidão do sertão nordestino. Para ele, o rei do cangaço era um homem justo no Nordeste, “somente matava quem fazia mal às pessoas, não matava quem era inocente. As pessoas não sabem como a história foi construída”, completa Seu Gaudêncio, lembrando das cenas de quando era apenas uma criança.

Residente no município de Brasiléia, ele fala das dificuldades que enfrentou quando chegou no Acre. O nordestino saiu de sua cidade natal em busca de melhores condições de vida, na intenção de trabalhar na extração da borracha, que na época estava no auge. Mas logo que chegou, enfrentou a realidade, sem conhecer ninguém, apenas com a cara e a coragem. Ele conta que trabalhou na extração borracha em um seringal que ajudou a abrir, que passou muita fome. Mas apesar dos grandes desafios que enfrentou, agradece, pois hoje é aposentado como soldado da borracha.   

Seu Gaudêncio é pai de sete filhos, a mulher morreu há cerca de quinze anos. Atualmente, José Vaz da Silva mora com o neto que criou como filho. Quando indagado sobre o segredo de viver tanto com saúde e lucidez, o senhor de olhar brilhante apenas sorri e diz: “sempre fui uma pessoa boa, que acredita na bondade”. E esclarece que quando jovem plantou coisas boas, afirmando assim que é inevitável a colheita de bons frutos. “Uma pessoa que planta feijão não tem como ela colher arroz”. E finalizou, dizendo: “seja uma pessoa do bem e seja boa com as pessoas, um dia isso volta para você. E sorria sempre, pois sorrir engrandece a alma e alivia as dores”.

Cotidiano

Os lobos estão dentro de casa

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A juventude brasileira, em especial a amazônida, está vulnerável à violência sexual; educação pode ser uma opção para protegê-las

 Por William Liberato   

Quem não conhece o lobo mau? Horror das histórias infantis. Criatura astuta e traiçoeira, faz sempre maldades contra nossos queridos heróis. Atazanou os pobres porquinhos que buscavam descansar ou a esperta e brincalhona Chapeuzinho Vermelho, devorada após ser enganada pelo lobo vestido de vovó. O personagem aterrorizante dos contos de fadas parece não estar só nas páginas dos livros, mas também na vida real.   

Tanto a história dos Três Porquinhos quanto a da Chapeuzinho, o enredo, mesmo que diferente, traz características comuns. Os heróis tinham missões, como construir um lar ou deixar doces para sua avó, e ambos sofreram nas mãos, no caso, nas garras do lobo mau. O fim vocês já conhecem, é um final feliz.    

Diferente dos contos europeus que escutam e leem nas escolas, a juventude brasileira precisa conviver com seus horrores diariamente e, em muitos momentos, em silêncio. Não há casa de tijolos ou caçador para salvá-los. Estão vulneráveis a violência sexual, como aponta o Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2023. Em 2022, mais de 73 mil casos de estupro foram notificados, desses, mais de 56 mil casos eram somente de vulneráveis, vítimas menores de 14 anos ou que apresentavam alguma deficiência ou enfermidade e não poderiam consentir o ato sexual. O cenário é ainda mais preocupante quando observado a idade das vítimas, 61,4% de todos os estupros cometidos no Brasil foram contra menores de 13 anos.    

A situação é crítica também na Amazônia Legal, com quatro dos seus nove estados na lista dos mais altos índices de estupro de vulnerável por 100 mil/habitantes. São eles: Roraima (87,1), Amapá (64,5), Tocantins (56,2) e Acre (67,1). A juventude amazônida corre perigo, em especial a acreana, que de 2021 para 2022 registrou um aumento de 22,3% no número de casos.  

Quem são os lobos da vida real?  

Os abusadores sexuais não são psicopatas, tarados que encontramos na rua, são pessoas comuns, de todos os níveis socioeconômicos e religiões. Predominantemente homens, heterossexuais, possuidor de alguma posição de autoridade ou poder perante um, ou mais, menores e na maior parcela das vezes convive com a criança ou o adolescente no dia a dia. Segundo o Anuário de segurança pública, 71,5% dos crimes sexuais cometidos contra vulneráveis é por algum familiar.    

E não caia no mito que os perigos estão, exclusivamente, nas ruas. A residência continua sendo o local mais perigoso para nossa juventude, pois é onde ocorre 72,5% dos casos. Os autores na maioria das vezes são: pais ou padrastos, 44,4%; tios, 7,7%; avós, 7,4%; primos, 3,8%; irmãos, 3,4%; e por outros familiares, 4,8%. A violência sexual extrafamiliar, a cometida por desconhecidos, representa 12,8% dos crimes, número elevado, mas significativamente inferior aos ocorridos no seio familiar.   

Outro dado importante de evidenciar são os horários do crime, há uma preponderância de estupros diurnos quando a vítima é menor de 13 anos, 65% dos casos que envolvem essa faixa etária foram cometidos entre 06h e 18h, enquanto maiores de 14 anos são abusadas predominantemente no período noturno, 53,3%. 

Na região amazônica, em especial, o estado do Acre, a situação alerta para mais um risco, os cônjuges e namorados. Um estudo, de pesquisadores do Centro universitário Uninorte e da Universidade Federal do Acre (Ufac), apontou que em 2019, 53,5% das mulheres violentadas no Acre, na faixa etária de 10 a 19 anos, foram abusadas por seus namorados, 29%; e por seus cônjuges, 24,5%. Os dados ajudam a ilustrar a situação das crianças e jovens do Acre e da Amazônia, que sofrem com o casamento infantil. Atitude absurda e incompreensível, mas uma realidade no Brasil, 4º lugar no ranking de casamentos infantis no mundo.

Pistas escondidas: desenhos podem ser uma ferramenta para crianças denunciarem violências e abusos. Foto: William Liberato

Perfil das Vítimas

Volto à literatura para pensar o perfil de crianças e adolescentes abusadas, Chapeuzinho Vermelho, a garota devorada do conto medieval, poderia compor esse cenário trágico. Meninas como ela, menores de 13 anos, são as principais vítimas de violência sexual. Em 2022, 86% de todos os estupros de vulneráveis ocorridos no Brasil foi contra jovens do sexo feminino. A maioria negra (56,2%) e com 10 a 13 anos (58%). Esse é o retrato de nossas meninas.   

Mesmo em menor número, vale salientar os estupros cometidos contra meninos. Eles representam 14% do número de casos. As vítimas do sexo masculino, diferentemente das meninas, são violentados numa faixa etária menor, entre 5 e 9 anos (43,4%). 

Também destaco o perfil das vítimas acreanas. Em 2019, 55,2% de todos os estupros cometidos no estado foram contra meninas de 10 a 14 anos, assemelhando-se ao resto do país. Além disso, as menores do Acre são majoritariamente pardas (83,8%) e contam com o ensino fundamental completo (64%).   

A situação, que é alarmante, poderia estar sendo combatida, porém, segundo a reportagem do site “Gênero e Número”, de 2022, o Acre conta somente com diretrizes para trabalhar, em sala de aula, à violência doméstica, tema sério e de necessária discussão. Mas, me parece pouco, para um estado com aumento expressivo no número de casos de abusos.

PL n.14/2023  

Os deputados da Assembleia Legislativa do Acre (Aleac), de maioria conservadora, fizeram um movimento histórico pela segurança de nossos jovens e adolescentes. Em 12 de abril de 2023, aprovaram o projeto de lei n.14/2023, que criava diretrizes para escolas estaduais atuarem na defesa dos menores, com ações e políticas de saúde sexual e reprodutiva. Mas, bastou a “canetada” da governadora em exercício, Mailza Assis (PP), para que a lei fosse engavetada. Uma política que poderia corroborar com ações já realizadas, foi vetada.   

A vice-governadora demonstra que faz de tudo para não enfurecer seu eleitorado, de maioria evangélica. Uma personagem contraditória, mas habilidosa no jogo político. Uma semana depois do veto, realizou uma caminhada com centenas de pessoas nas ruas, com todas as pompas que o dinheiro público é capaz de pagar. Segundo a assessoria, o ato foi exclusivamente para promover a conscientização no Dia Nacional de Combate ao Abuso e à Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes. Na oportunidade, houve muitos flashs e, infelizmente, poucas ações.   

Enquanto isso, projetos são lançados, campanhas veiculadas, palestras ministradas, porém, nada de modo integrado e duradouro. Atualmente, no Acre, a Coordenadoria da Infância e Juventude (CIJ), do Tribunal de Justiça do Acre (TJAC), realiza ações e projetos para prevenir e coibir o abuso e à exploração sexual de menores. O mais duradouro deles é o Eca na Comunidade, criado em 2011, que está na décima edição, e promove debates divulgando informações para os jovens e suas famílias. Ação imprescindível, todavia, pouco para dimensão do problema.  

Educação é parte da solução  

A sexualidade faz parte de todo e qualquer indivíduo. Não falar ou evitar, não faz nossa juventude mais segura, mas, sim, desinformada. A educação sexual é sempre tratada com muito alvoroço. Tolice. Trabalhar esse tema nas escolas assegura o autoconhecimento de nossas crianças e adolescentes, e oferece a eles a capacidade de identificar e buscar apoio em qualquer situação vexatória ou abusiva.  

Entretanto, a ignorância diante do tema e da errônea relação de sexualidade exclusivamente ao sexo, nutre parte dos educadores, pais, responsáveis e algumas instituições a terem uma visão deturpada do assunto, o que dificulta profundamente a promoção da educação integral da sexualidade.   

Além disso, os números assustadores de violência sexual contra menores não parece mobilizar os governantes a executar reformas significativas nas diretrizes curriculares de seus estados, já que apenas três no Brasil orientam suas escolas a tratarem sobre sexualidade. Assim, resiste nas salas de aula, entre os alunos, dúvidas, questionamentos e aflições que não podem ser sanadas adequadamente. Levando-os a buscar informações em espaços inadequados e perigosos, principalmente em aplicativos e bate-papos. 

O ambiente cibernético tem sido amplamente usado para praticar diversos tipos de delitos sexuais, como atentado violento ao pudor, coação sexual, chantagem, assédio, corrupção de menores e pornografia infantil. Crimes que não são novidade, mas que tomam nova dimensão com a popularização da internet e das redes sociais.  Diante dessa realidade, de fácil acesso as redes e aplicativos por nossas crianças e adolescentes, políticas de conscientização se fazem urgente, para coibir o estupro também virtual.  

Precisamos agir. Apoiar a discussão e a implementação da educação sexual nas escolas é fortalecer que nossas crianças e adolescentes tenham a capacidade de identificar e comunicar qualquer violência sofrida. É sonhar para eles um final feliz como os dos contos de fadas. 

Denuncie – disque 100 ou ligue 190  

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Histórias de vida

Chicotear com palavras

Racismo e preconceito em uma história de superação

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Maria Santiago. Licenciada em Ciências Sociais pela UNIR,  Coordenadora Estadual de Formação do Movimento Negro Unificado – MNU e Educadora Popular (Foto: Marcos Jorge Dias)

“Olha, esta negrinha, esta negrinha é mulher de Francesco. Ela é brasiliana e casou com meu filho”.

Com essas palavras  Maria Santiago (60 anos)  foi apresentada pela sogra italiana, aos familiares do marido.

Para quem nunca sentiu na pele a dor do preconceito racial, a ausência de direitos e a mercantilização de seu corpo e acha que o preconceito e o racismo  são questões de um passado remoto, a história de uma mulher acreana, negra, vem nos mostrar que os resquícios da escravidão continuam presentes nos dias atuais.

Nascida no Seringal ôco do mundo, KM 86 da Br 364, sentido Rio Branco-Porto Velho, a história de Santi (assim chamada pelos amigos) em princípio não difere muito da história das meninas nascidas nas brenhas das matas dos seringais acreanos. 

Independente da cor da pele, desde cedo elas são condicionadas a ajudar a mãe nos afazeres domésticos, algumas nem chegam a puberdade (entre os 8 e 13 anos de idade) e são “negociadas” com algum amigo ou conhecido do pai, sob o argumento de que já é hora de ter uma marido que a sustente. Santi queria fugir  dessa pré-destinação histórica. Queria estudar!  Mas no ôco do mundo não tinha escola. Então, por várias vezes tentou sair do Seringal para estudar na cidade, Rio Branco.

Santiago começa sua história contando que certa vez (durante as campanhas eleitorais), um homem de nome Manoel passou por lá e pediu ao pai dela que permitisse trazê-la para trabalhar como empregada doméstica na  casa dele  e que assim (ela) poderia estudar, pois havia uma escola próxima.

Maria Santiago:  – “Era uma casa na Rua 6 de Agosto e, realmente, havia uma escola próxima. Mas, depois de uns seis meses trabalhando em troca de comida e moradia a família não me matriculou na escola. Um dia, enquanto eu varria o quintal  vi passar na frente da casa uma pessoa conhecida e pedi para comunicar a minha mãe que eu estava querendo ir para casa.

MJ: –  Nesse ponto,  a sua história me lembra o tráfico de escravos africanos trazidos para o Brasil no ínicio do Seculo XVI.  Um sistema desumano que fez das pessoas negras a mercadoria que serviu de base à economia brasileira por mais de 300 anos.

Três dias depois a mãe chegou para levá-la. Contudo,  a dona da casa, além de reclamar muito, alegou não ter com o que pagar. Então,  encheu uma sacola com roupas usadas  e entregou à mãe, como forma de pagamento. Voltando ao seringal Santiago não desistiu de seus sonhos.

Maria Santiago:“A segunda vez que tentei vir estudar na cidade, fui trabalhar na casa de duas irmãs, médicas,  que moravam na Avenida Getúlio Vargas. E lá foi a mesmo coisa: trabalhei por meses e nunca recebei 1 centavo. E eu não me dava conta por que essas coisas aconteciam com a gente.”

MJ: –  Essa é uma situação que segundo a pesquisadora Raísa Alves da Silva Almeida(2021), “a Lei  Áurea apenas mascarou a ausência de justiça social, pois não reparou às agressões sofridas, não garantiu direitos básico nem condições mínimas de sobrevivência às pessoas escravizadas” (Fonte: https://portal.unit.br)

Maria Santiago: – Mais uma vez retornei  ao Seringal. Naquele tempo a BR 364 já tinha sido aberta no trecho Rio Branco-Porto Velho e a Igreja católica estava chegando com as Comunidades Eclesiais de base, os CEB’s.

 Aí tinha o Padre José… foi quando conheci o Nilson Mourão, o João Maia, o Abrahim Farhat, qua andavam por ali fazendo reunião para organizar a Confederação dos Trabalhadores em Agricultura – CONTAG e fazendo o enfrentamento aos chamados paulistas que estavam chegando para ocupar os seringais e transformar em fazenda. Foi nesse tempo,  também, que conheci a irmã Fábia, uma pessoa muito atuante, muito ativa e em quem eu me inspirei. Eu queria ser igual a ela”.

Através da irmã Fábia eu vim morar na casa das irmãs, na casa madre Elisa, que é ali no segundo distrito, no Colégio Imacualada Conceição. Eu morei três anos e sete meses com elas. Ai eu entrei no convento, semi-analfabeta, porque eu tinha estuda muito pouco (uns seis meses) numa escolinha que tinha sido aberta lá (no seringal)  mas tive de sair por conta da idade que não permitia mais.

Na casa das irmãs eu conclui a 5ª série no Colégio Imaculada e depois eu fui fazer o supletivo, que na época era transmitido pelo rádio. Depois fui fazer educação integrada, que eram os programas que tinha. Foi onde eu realmente fui aprender a ler. Esse período em que eu morei com as iramãs foi um período muito bacana, eu aprendi muitas coisas. Depois eu saí e entrei no Movimento Sindical Rural aqui. Isso foi mais ou menos em 1985, 86.

Mais uma mudança, novos desafios.

Com os olhos enevoados pelas lembranças, Santiago segue narrando sua trajetória de vida.

Em 1988, vai morar na cidade de Ji-Paraná no estado de Rondônia e lá chegando entra “de cabeça” no Movimento sindical e no Movimento Negro, passando também pelo Movimento de mulheres.

Em dezembro de 1989, já estava na direção Nacional da  Central Única dos Trabalhadores – CUT, onde assumiu a Comissão Nacional de Mulheres Trabalhadoras rurais. Nesse trabalho ficou por mais de sete anos e foi onde teve a oportunidade de discutir e realizar várias pautas de suma importância: primeiro o reconhecimento do trabalho rural feminino enquanto profissão; salário maternidade; documentação; o direito à terra e a aposentadoria. Até então,  a mulher trabalhadora rural não tinha direito a aposentadoria. Quando o marido morria elas recebiam uma ajuda que se chamava “fundo rural”.  Maria Santiago: – Foi um período de muita luta, muitas ações. A gente fazia várias caravanas de todos os Estados para as mulheres irem para Brasília e ficávamos acampadas lá no Estádio Mané Garrincha, às vezes uma, duas semanas e até mais, para reivindicar nossos direitos. Hoje, olhando para trás eu vejo o tanto que conquistamos. Além do que já falei, as trabalhadoras rurais hoje tem direito à terra, a financiamentos,

O racismo familiar estrutural

MJ: – Nessa sua trajetória, em quais momentos você sentiu na pele o preconceito, o racismo e recorreu ao Estado ou a alguma instituição de defesa de Direitos Humanos?

Maria Santiago: – Eu não tinha consciência que esses problemas que eu enfrentei estavam vinculados a uma prática de racismo. Hoje eu tenho. Hoje eu percebo de longe quando vejo uma menina ou qualquer pessoa  que esteja em situação degradante de trabalho, eu percebo, que tem a questão da exploração e que ela vem sempre casada com a prática do racismo.

E essas coisas, a gente só vai percebendo  quando você vai tomando consciência de quem você é nessa sociedade. Foi a partir daí que eu  tomei consciência de que eu era uma pessoa negra, uma mulher negra, uma menina que veio de família pobre,  com muitas dificuldades e aí foi quando eu comecei a perceber.

Assim… tem muitas coisas que quando a gente não percebe, não são tão doloridas. Mas quando a gente toma conhecimento, elas batem muito forte, como uma chicotada. Eu lembro que quando casei, meu ex-marido é um italiano e a família dele é toda do Sul. Então, a primeira vez que eu fui ao Sul foi em 1989. A gente casou em dezembro e em janeiro viajamos,  fomos lá para conhecer a família dele. Aí,  a mãe dele me apresentava  desse jeito: “Olha, esta negrinha, esta negrinha é mulher de Francesco. Ela é brasiliana e casou com meu filho”.Eu percebia que havia ali  preoconceito e racismo. Foi muito conflituoso e revoltante para mim ser apresentada para a família dessa forma.

Outra situação de preconceito foi relação aos colares que eu usava há época. Esses colares índígenas da nossa região. Eles tinham muito preconceito com os colares.  Havia uma cunhada dele que dizia que quando eu entrei na casa dela o meu  colar tinha  espatifado e as coisas tinham quebrado. E, isso nunca aconteceu. Ela me associava a uma macaumbeira, com as religiões de matriz africana e  porque eu usava meu cabelo com tranças rastafary. Foi um período muito difícil  para mim.

Mesmo depois que “a negrinha”, mulher de Francesco,  teve a oportunidade de viajar e conhecer a Itália (coisa que alguns deles nunca puderam fazer),  quando voltei, eu era maior motivo de orgulho da família, porque tinha conhecido a Itália. Com o tempo foram sumindo as palavras, mas a resistência e os preconceitos eu percebia que continuavam camuflados.

MJ: – Hoje,  enquanto Coordenadora Estadual de Formação do MNU e Educadora Popular, que transita nos chamados “espaços de poder” que são tipicamente masculinos, principalmnete na política, você sente que há resistência ao seu perfil ?

Maria Santiago: – Quanto a isso a gente tem duas questões muito bem definidas: Primeiro é questão de ser mulher e ocupar os espaços de poder. Isso é uma dificuldade para todas as mulheres. Agora, em se tratando da mulher negra isso é pior.

Por exemplo, eu que sempre estive na Política, as pessoas olham para mim e costumam dizer: “ah, ela sabe falar de política e tal”, mas nunca me vê como um profissional, como uma  socióloga, uma pessoa que tem capacidade de fazer várias outras coisas. É difícil ter de estar todo o tempo provando para as pessoas do que você é capaz.

Além de ser uma das grandes dificuldades, isso é colocado como um  diferencial para você estar ocupando esses espaços de poder.  As vezes o que te dá a possibilidade de ocupar um espaço de poder é um belo de um currículo e  de modo geral as pessoas não vêm isso e você acaba ficando sempre nos bastidores da política. Essa é a realidade dos espaços de poder.

Assim, para finalizar, não  posso deixa de fazer aqui uma referência a ativista pelos direitos dos negros e das mulheres, a americana Angela Davis:

 “Quando a mulher negra se movimenta, toda a estrutura da sociedade se movimenta com ela.”

*A Lei Nº 1.390,  de 3 de julho de 1951, que leva o nome do seu autor (Deputado federal Afonso Arinos de Melo Franco), é um marco na trajetória das lutas da população negra no enfrentamento ao racismo, à discriminação e na conquista de Direitos individuais e coletivos.(Fonte: https://www.gov.br/palmares)

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Histórias de vida

Marcas Que Nunca Vão Passar

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Por Renato Menezes

(Alerta de gatilho: este texto aborda abuso sexual)

Era 30 de abril de 2011, às 17h48, quando a vida de Ariane* virou de cabeça para baixo, de uma forma que ela jamais imaginou que aconteceria em toda a sua existência. Acompanhada de sua filha mais velha, Sofia*, então com 6 anos de idade, ela chegou à Delegacia Especializada em Crimes Contra à Mulher, localizada no 2º distrito de Rio Branco (AC), para fazer uma denúncia. “Ele mexeu com a minha filha”, disse aos prantos para o delegado que a recebeu, acusando o padrasto da menina como o principal responsável.

Ariane conheceu seu cônjuge em meados de 2006 e engataram um relacionamento. No final do ano, ela descobriu que estava grávida de sua segunda filha, Luana*, que acabou nascendo um dia antes de seu aniversário de 22 anos. A mais nova integrante da família fez com que ela fosse morar com ele na casa da sogra, acompanhada da filha mais velha, Sofia, fruto de um relacionamento com seu primo, que acabou não prosperando.

Depois de um tempo, cansada de passar por humilhações e enfrentar maus olhares da sogra, os quatro resolveram morar de aluguel em um quarteirão localizado em um bairro vizinho. Lá, eles viviam uma vida humilde, mas aparentemente harmoniosa. Bom, pelo menos até o momento em que o então marido começou a humilhar e a bater em Ariane pelo menor “motivo” que fosse, desde ciúmes banais até à janta não feita. Eram socos, tapas na cara e até cárcere privado por alguns dias ela enfrentou, proibindo-a de ir à casa dos pais. Entre idas-e-voltas que, tristemente, costumam ser comuns em relacionamentos abusivos, eles ficaram sem condições de custear o aluguel e passaram a morar em um pequeno apartamento nos fundos da casa dos pais de Ariane.

Passado um tempo, ela arrumou um emprego em uma loja de presentes e decoração, onde às vezes trabalhava até mais que o permitido por lei, porque acreditava que, fazendo isso, dificilmente perderia o trabalho que necessitava tanto. A vida passou a ser muito corrida, era das 13h às 22h trabalhando, enquanto achava que as filhas estavam sendo bem cuidadas pelo padrasto e pai. 

No entanto, depois que Ariane passou a ficar mais tempo fora de casa, começou a perceber que estava acontecendo algo de estranho com a filha mais velha. Achando que era coisa de criança, acabou acreditando ser um comportamento típico para a idade de Sofia. Só que em meados de dezembro de 2010, ao chegar do trabalho, viu que a situação estava além do tolerável. “Quando eu cheguei do trabalho, tarde da noite, ela estava deitada na cama, sozinha, coberta e assim que ela ouviu minha voz, me abraçou profundamente. E eu não entendia o porquê daquilo”, falou.

E esse estranhamento não foi percebido apenas por Ariane. A avó de Sofia também começou a ficar com “uma pulga atrás da orelha”, pois era acostumada a ver a neta brincando com as outras crianças e, de repente, tinha perdido o ânimo. “Eu falava pra ela: minha filha, o que é que tá acontecendo? Por que você não quer ir brincar com os meninos? E ela só falava que não queria”, disse a avó, que disse nunca ter desconfiado de absolutamente nada, mesmo achando estranho.

No dia 30 de abril de 2011, Sofia reclamou de dor ao fazer xixi. Por conta disso, urinou na roupa duas vezes. “Coração de mãe sente muito. Eu senti que tinha alguma coisa de errado, minha mãe me falando que estava achando estranho o jeito dela, às vezes chorando pelos cantos. Mas eu não sabia, não sabia mesmo. Eu perguntava o que estava acontecendo e ela não me falava, só chorava. Ela só dizia ‘mãe, minha baratinha tá doendo’. Quando eu tirei a roupa dela para ver, (a vagina) estava cheia de bolha e eu achei que era algo relacionado ao xixi”.

Naquele exato momento, ela arrumou a filha e foi até à Unidade de Pronto Atendimento (UPA) do Tucumã. No entanto, a UPA estava sem Pediatra, o que a fez ser transferida para o Pronto Socorro de Rio Branco às 12h46, de acordo com o prontuário clínico. Ao relatar o que tinha visto na vagina da filha, até então sem entender nada, logo foi encaminhada para a ala de emergência pediátrica, onde uma equipe de profissionais lhe fez uma enxurrada de perguntas. “No decorrer disso tudo, eles deduziram que era Herpes genital, uma infecção sexualmente transmissível”. Naquele momento, todas as peças do quebra-cabeça tinham se encaixado e a ficha estava começando a cair. O comportamento estranho da filha, a raiva que ela tinha do padrasto, os abraços de medo… Então, ela perguntou para a filha se alguém tinha acariciado as partes íntimas dela.

Com base nos questionamentos feitos a Ariane, a equipe pediátrica colocou a criança como suspeita de ter sido abusada sexualmente pelo padrasto há alguns meses, solicitou exame de sorologia para Herpes, atendimento com assistente social e encaminharam-nas imediatamente à Delegacia da Mulher, onde registraram a denúncia. A partir do depoimento de Sofia, que falou que ele chegou a colocar o dedo em suas partes íntimas umas três vezes, mostrou filmes pornográficos e as partes íntimas dele para ela, solicitaram exames de conjunção carnal, bem como testes laboratoriais de HIV/Aids, Hepatites A, B e C e outros.

“Esse dia foi um dia de inferno na minha vida”, disse Ariane.

Diante de toda aquela situação que enfrentava junto com a filha, ela se viu em um poço de tristeza, ódio e impotência, tanto por ter confiado demais no ex-cônjuge, como por não ter protegido sua filha como gostaria. Ariane trabalhava demais para colocar o sustento na mesa. Era uma rotina intensa ganhando pouco, saindo ao meio-dia e voltando às 22h e achando que as filhas estavam sendo bem cuidadas. “Eu nunca me senti tão suja na vida. Quando eu me vi dentro de toda essa situação eu pensei em tanta besteira…”

Em meio às idas à assistente social, psicóloga, maternidade e laboratórios, o único exame que deu positivo foi para Herpes. “Graças a Deus, ele não chegou a introduzir nada na minha filha, não chegou a tirar a virgindade dela, mas para a Justiça, aquilo (o exame) não era prova concreta de que a minha filha tinha sido molestada”. 

De acordo com o relatório sentencial, Ariane chegou a contar em um dos depoimentos à Justiça que havia aparecido umas marcas semelhantes às da vagina na bochecha de Sofia aos seis meses de idade, o que acabou tendo grande influência nos autos judiciais. Contudo, ela afirmou para o processo e para essa entrevista que aquilo tinha sido uma reação alérgica desencadeada a partir de um beijo que a avó paterna tinha dado nela. “Onde ela beijou, ficou a marca do batom ‘meio vinho’ que ela usava, e foi onde deu uma alergia, devido à pele de recém-nascido ser muito sensível. Na época eu levei a Sofia no hospital, não me falaram nada de Herpes. Eu não tinha por quê inventar uma coisa dessas agora”.

Ariane disse que o acusado não fez exame para Herpes e que não acredita que a filha contraiu o vírus antes dos abusos, porque as bolhas foram notadas depois que Sofia mudou o comportamento e passou a ficar mais retraída. “Minha filha era uma criança, ela não ia contar uma história horrível dessas do nada, ninguém da minha família nunca passou por isso”. De acordo com ela, o réu não chegou a fazer o exame justamente porque colocaram em alto grau de relevância o ocorrido com a menina aos seis meses.

A sentença foi dada no dia 17 de outubro de 2013 e inocentou o ex-marido, embasada no argumento de que a palavra da vítima, apesar de sempre se sobressair à do réu, não era clara o bastante. A pouca idade de Sofia na época justificava o nervosismo da vítima no depoimento judicial. O advogado do acusado também alegou que a criança podia ter contraído Herpes na escola, que é uma doença muito comum e de fácil transmissão.

“Como não tinham provas mais firmes de que ele havia introduzido alguma coisa na vagina da minha filha, eles acabaram arquivando o caso. O que eles queriam era um exame carnal, algo mais concreto. E a gente não tinha mais nada o que fazer porque ela foi ouvida, e eles talvez pensaram que era coisa de criança, algo do tipo. Isso me revolta muito até hoje, porque ele ficou como o inocente na história”, desabafou Ariane. Ela acredita que o estupro propriamente dito não aconteceu porque moravam, praticamente, na mesma casa de seus pais, e corria o risco de Sofia fazer algum escândalo e todo mundo acabar escutando.

Ariane tem certeza que de inocente ele não tem nada. Primeiro, porque ela jamais vai duvidar da palavra da filha frente a um homem que já bateu, xingou e a maltratou em diversas ocasiões. Segundo, porque ele fugiu para a casa da mãe assim que soube que elas tinham ido ao hospital por tal motivo.

“Quando eu acompanhei a Ariane na UPA e depois, no Pronto Socorro, os médicos que viram a situação não deixaram a gente sair de lá até que chegasse a assistência social, porque já imaginavam o que era. Se eu não me engano, minha outra irmã, na tentativa de não piorar a situação mais do que já tava, ligou escondida para ele e disse para ele sumir de lá (apartamento onde moravam nos fundos da casa dos pais de Ariane), pois se essa história chegasse primeiro nos ouvidos do meu pai, ele seria capaz de matá-lo com o terçado que tinha”, disse a irmã de Ariane, complementando que hoje enxerga a ligação como um livramento de Deus, pois tinha certeza que iria acontecer uma tragédia muito maior, com gente morta e presa. “Meu pai é um homem trabalhador, muito simples e batalhador desde sempre. Ele não merecia sujar as mãos dele com o sangue de um *&%$# (palavrão)”.

O acusado, após a sentença, ainda passou os anos subsequentes perseguindo e rodeando a família, inclusive gerando vários processos: pedido de guarda da filha biológica, baixa no valor da pensão, acusação de calúnia e difamação por parte do pai de Ariane, que acabou se alterando em várias discussões e xingou-o de palavras de baixo calão ao vê-lo parado em frente à sua residência.

“A gente tinha uma medida protetiva que impedia  ele de circular por perto da nossa casa. Mesmo assim desrespeitava, porque queria ver a filha nos dias que não eram os dele, mas eu não deixava de jeito nenhum. Ele até hoje nunca pagou pensão para a Luana, mesmo eu tendo ido na justiça diversas vezes. Parece que ele tinha prazer de desestabilizar a gente”, irrita-se Ariane.  

Ao relembrar toda a situação caótica, Ariane diz que se revolta até hoje com o arquivamento do processo, pois ficou parecendo que ela e a filha estavam mentindo. 

Ela contou que é impossível esquecer o que ela e as filhas passaram com tão pouca idade. “Em uma das inúmeras discussões, tempos depois da sentença, ele olhou para mim e esbravejou, com um ódio enorme, que eu nunca mais ia ser feliz na minha vida. Claro que eu não internalizo isso, mas às vezes quando eu estou muito triste, fico realmente pensativa se ele jogou alguma praga em mim”.

Atualmente, ela continua com a guarda de suas duas meninas em sua casa própria e disse que desde meados de 2019 ele não procurou mais pela filha biológica. “E eu espero que continue assim pro resto da vida. Graças a Deus minha filha não sente nenhum pingo de falta dele e não faz mais questão de manter o mínimo de contato”. Hoje, Luana tem 13 anos.

Sobre Sofia, que está com 17 anos, Ariane disse que hoje ela é bem mais aberta para falar sobre as coisas, mas que ainda tem prejuízos psicológicos e gatilhos pessoais disso tudo. “Hoje ela é uma pessoa totalmente diferente, mas claro que com algumas sequelas. Quando ela fica muito calada, eu já fico muito preocupada e já sento para conversar… são marcas que eu sei que nunca vão passar”.

Se você conhece ou sabe de alguma criança ou adolescente que está enfrentando situações de abuso ou exploração sexual, não hesite em denunciar ligando para o 180. A ligação é gratuita, anônima, sigilosa e você pode contribuir para que estas vítimas sejam assistidas e os envolvidos, devidamente responsabilizados.

*Nomes fictícios para preservar a identidade das vítimas

Obs.: O nome da pessoa que foi acusada não é citado pois a lei o julgou como inocente e o processo foi arquivado por falta de provas contundentes. 

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