Distante dos típicos gêneros musicais presentes na cultura acreana, a produção de música local mostra indícios para o experimental e se aproxima de novos gêneros.
Por Matheus Miranda e Kenno Oliveira
Para a música chegar ao seu formato final, há uma engenharia de produção: os processos de mixagem, edição, recriação e tratamentos sonoros são realizados pelo produtor musical, responsável pela montagem técnica. No Acre, a produção musical segue um movimento que alimenta a cultura do estado, com ritmos amplamente consumidos pelos jovens, como o Hip Hop, Trap, Techno, Funk e Pop.
Para ser produtor, além da formação acadêmica, existem outros métodos, como vias alternativas. Seja um desejo estimulado pela família e amigos ou um hobbie que vai se desenvolvendo na vida e esse foi o caso do jovem Fitzgerald Leite de Oliveira, 27 anos, produtor musical e acreano.
Atuando profissionalmente como produtor musical desde 2020, Fitz, como é conhecido, é um artista e produtor que desde muito novo vivia em meio à música, fazendo covers para a Internet e cantando em bares, além de compor suas próprias canções. Foto: Cedida.
Em parceria com amigos, lançou duas faixas autorais a partir de 2019, ano em que começou sua dedicação à música. Desde então, seus projetos estão voltados para os gêneros Trap e Hip Hop.
“Esses dois primeiros projetos, produzidos com pessoas daqui do Estado, me impulsionaram e abriram a minha mente para a possibilidade de produção. Vi que mesmo com poucos recursos, havia essa possibilidade”, diz Fitz, que conta com mais de 20 projetos publicados e um montante de 51,2 mil streams, somente no Spotify.
O estudante de História Pedro Souza Mesquita, 19 anos, é outro jovem produtor musical do Acre que teve o maior contato com o setor no início do período pandêmico da Covid-19.
. “Nesse meio-tempo eu conheci minha melhor amiga, que me apresentou vários nichos de estilos musicais, e eu acabei começando a escutar muitas músicas diferentes. E foi aí que comecei a entender como uma música era formada”, explica ele.
Com projetos em andamento, o produtor Pedro Mesquita abraça um novo movimento da música eletrônica, onde a distorção dos sons faz parte da estética sonora. Foto: Cedida.
Pedro Mesquita relata o seu primeiro momento com a produção musical e diz que ficou fascinado pela malha técnica que há em uma música. Somente após se atentar aos processos criativos dos materiais que consumia, viu a possibilidade de atuação. Era o que ele precisava experienciar, segundo o estudante.
“Procurava muitos vídeos na internet, testava os instrumentos virtuais, os efeitos sonoros, sozinho. Eu ia experimentando tudo. Daqui a pouco, vai fazer quatro anos que produzo música sozinho em casa pelo meu tablet, celular, notebook.”, explica o produtor.
Atualmente, o jovem conta com oito faixas autorais publicadas na sua conta do SoundCloud. Com muitas referências do Pop e Trance (vertente europeia da música eletrônica), destaca ainda as suas três maiores referências na indústria fonográfica, a colombiana Arca, a islandesa Björk e a escocesa SOPHIE. Ambas produtoras musicais que partem do segmento experimental moderno da música eletrônica.
A produtora SOPHIE é citada como referência de Pedro Mesquita. Vanguardista do movimento musical Hyperpop, ela foi uma das responsáveis por reformular a estética sonora da música pop e eletrônica. Foto: Reprodução/Internet.
Diogo José de Souza Santos, 17 anos, é outro produtor rio-branquense que começou usando aplicativos de produção musical no celular, inicialmente como brincadeira, igual a muitos profissionais iniciaram.
“Minha família sempre teve uma ligação muito forte com música, minha mãe é cantora, meu irmão instrumentista. Com isso, baixei um aplicativo de produção musical e comecei brincar com os instrumentos, sempre tendo como inspiração artistas experimentais que saiam da linha de produção musical convencional”, comenta Diogo Santos.
Com uma produção que mescla instrumentos “orgânicos” com sons sintetizados, Diogo José se inspira em nomes conhecidos do cenário experimental da música brasileira e internacional. Foto: Cedida.
“Em questão de artistas nacionais, gosto muito da Letícia Novaes (Letrux) e Kiko Dunicci, a banda Boogarins e produtores de funk como D. Silvestre e DJ Brunin XM. Já em âmbito internacional tenho como referência principalmente Björk e outros artistas como SOPHIE, M83, Aphex Twin, Tame Impala”, diz o produtor.
Luz verde para um novo cenário musical local
Em pesquisa realizada pela Federação Internacional da Indústria Fonográfica (IFPI), em 2021, o Brasil foi o país latino com o maior mercado musical, e um dos mais robustos do mundo.
A música movimenta a economia, gera empregos e modula a cultura aos encaixes geracionais de cada tempo e lugar e é constantemente conciliada através de diferentes linhas estéticas de expressão e representação humana.
O seu consumo rompe as barreiras do ouvir e propicia novas experiências coletivas além de possibilitar oportunidades de um futuro diferente para aqueles que buscam um aprofundamento técnico e profissional.
Com a facilidade promovida pelas plataformas de streaming, é possível o encontro de arsenais de projetos musicais concentrados em plataformas como o SoundCloud e Spotify, que são redes sociais que possibilitam a fuga das burocracias geridas pelas grandes gravadoras. Basta que os artistas disponibilizem os seus projetos sonoros para que os ouvintes possam consumi-los.
Os produtores Fitz e Pedro relatam que as maiores dificuldades estão centradas no alto valor dos produtos e na falta de estruturas setoriais da indústria musical na totalidade, no estado. Os equipamentos, por vezes, possuem valores de compra inacessíveis e, por isso, fazer música no Acre é caro e difícil.
“Outro problema muito importante é a falta de distribuidoras de música e DAWs gratuitas (DAW – Digital Audio Workstation – é uma estação de trabalho de áudio digital). A distribuidora tem a função de lançar suas músicas em todas as plataformas de streaming, enquanto as DAWs são as plataformas usadas para criar e produzir músicas”, diz Pedro Mesquita.
A plataforma de streaming Soundcloud é um espaço onde artistas independentes divulgam o seu trabalho devido a facilidade e gratuidade da ferramenta. Imagem: Reprodução/Internet
Ao fazer um balanço geral, Fitzgerald se mostra esperançoso, para ele, a cena musical no Acre é ampla e conta com artistas acima da média, são muitos cantores, produtores e DJs diversos compondo esse movimento, capaz de girar a economia. “Não falta muito para uma gravadora, selo e marcas olharem para gente. Claro que oportunidades precisam ser criadas”, diz.
O acreano de 27 anos fala sobre a insurgência de novos produtores, pois sempre acaba conhecendo um novo artista em Rio Branco e comenta sobre o efervescente público que há na cidade, além de pontuar o movimento migratório dos artistas locais para as grandes cidades do país.
“Muita coisa não chega aqui porque aqui é o Acre, (…) geralmente quando elas [gravadoras] assinam com os artistas daqui, o artista precisa ir morar numa “cidade-eixo”, onde tudo acontece”. E acrescenta:, “Aqui de fato tem muita gente que valoriza, já pude ver o quanto a rapaziada tinha carência, o quanto é especial fazer parte. Aqui tem um apreço por essa cultura, tem um público para fomentar”.
Ao ser perguntado sobre a cena local, Fitz retoma alguns nomes de produtores acreanos que estão compondo esse movimento: GR Beats, Victor Young e Offgui. Porém, além desses mencionados, há também os artistas TBIG, Sara, Real MD, Off Clã, GrBeat’z, Thug Dog, Antheos, HANNA, Black Mago, Duda Modesto ocupando coletivamente esse espaço,não esquecendo o grupo musical acreano Os Descordantes, responsáveis pelos álbuns ‘Espera a Chuva Passar’(2014) e ‘Quietude’(2017).
Conhecer para não esquecer
Por anos a MPB, Rock e Forró estavam à frente das produções musicais urbanas e nos seringais do Acre, mas a chegada da nova geração de músicos e produtores só tem a engrandecer a música regional, uma vez que a presença desses novos artistas fortalece a formação temporal e histórica de uma cultura essencialmente acreana, assim como foi nos tempos de João Donato e Tião Natureza.
A lista de nomes interessantes no cenário musical acreano é longa. Desde artistas emergentes, como Duda Modesto e a banda Excomungado, até os mais consolidados, como a banda Os Descordantes. Há um papel fundamental do público em conhecer tanto a velha guarda como os novos membros, e é preciso consumir com mais impacto aquilo que se produz no Acre.
Entre o vai e vem das águas do rio Acre, Antônio Viana encontrou na catraia mais que um sustento: encontrou um novo rumo para a vida. Há 25 anos, depois de perder o comércio, ver portas se fecharem e a tristeza quase vencer, foi no balanço das águas, com o remo nas mãos e a tradição da família no coração, que ele se reergueu. Hoje, mesmo com pontes, carros e aplicativos de transporte ocupando o espaço de antes, Antônio segue firme: “Eu amo o que faço. É honesto, é tradição. Não tenho vergonha de dizer para ninguém que sou catraieiro.”
O ano era 2000 quando a vida de Antônio parecia encalhada. O comércio que sustentava a família havia quebrado, as dívidas se acumulavam e a situação quase o empurrou para a depressão. Foi então que um amigo lhe estendeu a mão e o convidou para trabalhar como catraieiro. O serviço era duro, das cinco da manhã às seis da tarde, por apenas oito reais ao dia. Às vezes o pagamento atrasava, outras vezes nem vinha. Mas a vida, aos poucos, voltou a se movimentar. “Eu passei um tempo difícil, quase peguei depressão. Mas foi aqui, na catraia, que eu achei um rumo de novo. Peguei gosto pelo trabalho e nunca mais larguei”, conta.
Ser catraieiro, para Antônio, é mais que uma profissão, é herança. Seu tio e até parentes distantes que foram figuras históricas da família, como o poeta e pintor Hélio Melo, também viveram do remo. A catraia foi, durante décadas, o elo que ligava margens, pessoas, mercadorias e sonhos. Antes das pontes, era nas pequenas embarcações que a cidade respirava os famosos portos. “Antigamente o porto era cheio de movimento, vinha peixe, banana, melancia, jerimum. Os ribeirinhos desciam com os batelões cheios. Hoje, o que a gente vê são só umas duas, três canoas”, afirma.
Foto: Autores
As pontes chegaram, os carros e as motos tomaram espaço, os aplicativos de transporte mudaram a rotina da cidade e a catraia perdeu seu público. O que antes era a principal forma de atravessar o Acre hoje é quase peça de museu, viva apenas nas margens onde o tempo ainda passa mais devagar. “Tem gente que diz que prefere pagar um Uber do que pagar três reais para atravessar. Mas aqui, se você chegar sem um centavo, eu levo do mesmo jeito. Quero ver se o Uber faz isso”, diz Antônio, com o orgulho de quem sabe o valor que seu trabalho carrega, mesmo quando a sociedade parece esquecer.
Mesmo com os dias de baixa, com o corpo já cansado e a saúde exigindo cuidados, Antônio insiste em permanecer. Para ele, não é apenas sobre ganhar dinheiro, é sobre significado, sobre amor àquilo que construiu sua história. “Tem gente que tem vergonha do que faz. Eu, não. Eu digo com orgulho: sou catraieiro. Tudo o que eu tenho, construí aqui, com o remo na mão e a cabeça erguida.”
Foto: Autores
Ao olhar o rio, Antônio vê um tempo que já não existe, mas que insiste em permanecer, mesmo que só na memória de quem viveu. Vê as corridas de catraieiros no 7 de setembro, os passageiros leais, a amizade que atravessa as margens junto com as embarcações. Vê também o risco de tudo isso desaparecer, engolido pelo silêncio e pela pressa de uma cidade que olha pouco para o próprio passado.
“A catraia é tradição. Podem fazer dez, cem pontes aqui, que ainda vai ter gente atravessando com a gente. O pessoal gosta, mesmo os poucos que restaram. E enquanto Deus me der força, eu continuo aqui.”
Foto: Autores
O remo corta a água devagar, levando mais um passageiro ao outro lado. Para quem olha de fora, pode parecer só uma travessia, para Antônio, é a reafirmação de uma vida inteira dedicada ao rio, ao trabalho honesto, à história de um Acre que começou sobre as águas e que, apesar de tudo, ainda respira nelas.
Música e identidade: jovens acreanos se constroem através dos ritmos
Do forró e reggae de fronteira ao trap, funk e MPB, a juventude do Acre encontra na música uma forma de expressão, pertencimento e resistência. Foto: cedida
A música que escolhemos ouvir não é apenas uma questão de gosto. Ela carrega nossas histórias, desejos, pertencimentos e até nossas contradições. No Acre, a juventude tem construído sua identidade a partir de uma combinação singular de ritmos, que vão desde gêneros tradicionais até influências contemporâneas e internacionais.
Os jovens acreanos transitam entre o forró, o brega romântico e o sertanejo universitário, estilos que, historicamente, marcaram a cena local, e novos gêneros como o funk, o trap e até o K-pop refletem tanto suas raízes regionais quanto suas conexões com fenômenos culturais globais.
Outro estilo marcante é o chamado “reggae de fronteira”, típico das regiões próximas ao Peru e à Bolívia. Embora menos visível nos meios digitais, esse gênero ainda ressoa em festas e encontros culturais, compondo a memória afetiva de muitos jovens. Essa convivência entre o tradicional e o moderno mostra como a identidade musical juvenil no Acre é múltipla, viva e em constante transformação.
A música, nesse contexto, se transforma em ferramenta de expressão pessoal e coletiva, reafirmando a identidade desses jovens em múltiplos espaços, do bairro às plataformas globais. Paula Amanda, jornalista, cantora e já jurada de festivais de música em Rio Branco, destaca que espaços como o Mercado Velho, a Expoacre e os festivais locais ainda têm papel fundamental na formação cultural.
“A gente percebe a predominância dos jovens nesses espaços. É um lugar que influencia, sim, na identidade, porque eles estão tendo acesso de ouvir aquele repertório, ouvir aquele estilo musical e de conhecer outras pessoas que também consomem aquele estilo. Isso é de grande importância dentro dessa construção de identidade, porque eles têm alguém para se espelhar, para ter como referência”, afirma Paula Amanda.
Paula Amanda é jornalista e cantora. Foto: cedida
Ela reforça ainda que cada geração encontra na música um reflexo do seu tempo. “A geração antes de nós tinha um gênero musical que gostava e hoje os adolescentes também têm um estilo, uma identidade, um jeito de se vestir e algo para ouvir. Cada geração tem seu espaço no mundo para consumir o que gosta.”
A forma como essa música é consumida também revela muito sobre os hábitos e dinâmicas culturais dessa juventude. Segundo dados da pesquisa Cultura nas Capitais, realizada pela JLeiva Cultura & Esporte com 600 pessoas em Rio Branco entre 19 de fevereiro e 17 de maio de 2025, o celular é hoje o principal meio de acesso à música, sendo utilizado por 85% dos entrevistados. Em seguida, aparecem o som portátil (75%), o carro (41%), o rádio (33%), o computador (27%), o CD ou DVD (16%) e, ainda, o vinil (3%).
Além dos dispositivos, o uso de plataformas digitais é expressivo: 68% escutam música pelo YouTube, 44% usam o Spotify e 34% recorrem ao TikTok. Esses dados indicam que os jovens não apenas ouvem música, mas a consomem de maneira interativa. Eles compartilham faixas, criam conteúdos, remixam sons e participam ativamente das tendências que surgem nas redes sociais.
Plataformas digitais e novos sons
Abigail Sunamita, cantora, jornalista e assessora de comunicação, explica que os aplicativos mudaram completamente o acesso. “Antigamente, pra você ouvir uma música, era pela rádio, CD ou fita. Hoje, com um simples clique no Spotify ou no YouTube, a pessoa consegue acessar aquela música, colocar na playlist e o mundo inteiro pode ouvir. Isso é de grande importância porque os jovens têm o celular na mão e o acesso é imediato”, explica.
Abigail fala sobre suas experiências na música.Foto: cedida
Sobre os estilos em alta, Sunamita destaca a influência das trends digitais. “Os jovens acreanos estão sendo muito bombardeados pelas trends do TikTok. Essas músicas do auge, de gêneros diversos, muitas vezes resgatadas de tempos antigos, acabam voltando. Mas um gênero que eu percebo muito intenso na vida dos jovens é o funk, o trap e até a MPB, que tem tido um resgate muito forte”, comenta.
Rap como resistência e pertencimento
Além do entretenimento, a música também é ferramenta de resistência e de voz para os jovens, especialmente nas periferias. Kaemizê, rapper e beatmaker de Rio Branco, conta que começou ainda na escola. “A música entrou na minha vida por volta de 2014, quando ouvi ‘Linhas Tortas’, do Gabriel, o Pensador. A partir dali, senti que podia fazer rap. Foi uma grande inspiração”, explica o rapper.
Para ele, o rap cumpre uma função social importante. “Através da música eu li meu primeiro livro. O rap me trouxe essa responsabilidade de cantar algo que eu vivia, mas de forma consciente para quem está ouvindo. Isso me faz refletir até hoje sobre a mensagem que passo”, relata.
Kaemizêreforça papel social do hip-hop. Foto: cedida
O rapper também lembra que o estilo musical influencia diretamente no comportamento e na moda. “Hoje a moda streetwear faz parte da identidade do hip hop. Quando você vai numa escola fazer apresentação e o moleque te vê com uma calça larga, um tênis, isso impacta na vida de quem vê”, conclui Kaemizê.
Música Huni Kuin: ancestralidade e resistência na juventude indígena
Para os jovens indígenas do Acre, como Yubé-Warderson Rodrigues Domingos Kaxinawá, estudante de música da Universidade Federal do Acre (Ufac) e membro do povo Huni Kuin, a música é mais do que arte: é uma ponte para a ancestralidade, um espaço de resistência e uma ferramenta para ocupar espaços na sociedade.
Ele explica como a música indígena, especialmente a Huni Kuin, contribui para a construção da identidade dos jovens e dialoga com outros estilos musicais sem perder sua essência. “A música Huni Kuin ajuda a gente a ser reconhecido, respeitado e a ocupar espaços na arte e na música”, afirma Yubé-Warderson.
Ele destaca que os 17 povos indígenas do Acre possuem tradições musicais diversas, cada uma com sua força cultural. “Não é só o Huni Kuin. Temos referências como o Mapu, que está na mídia, gravando com artistas famosos e participando de novelas, mas há outros povos e artistas que também fortalecem nossa identidade através da música”, comenta.
Yubé-Wardersondestaca importância da música para os jovens. Foto: cedida
Para ele, a música indígena carrega uma espiritualidade única, conectada aos antepassados e à floresta. “Nossas músicas falam dos elementos da natureza, pedem cura, força e paz. Não é como outras músicas que falam, por exemplo, da beleza de uma pessoa. É algo sagrado, com uma história e uma ancestralidade por trás”, destaca.
Como estudante de música na Ufac, Yubé-Warderson reflete sobre o aprendizado formal e a riqueza da música indígena. “Na universidade, aprendemos sobre ritmo, melodia, o que é considerado música no contexto ocidental. Mas, para nós, a música indígena é diferente. Ela está nos rituais, nas dietas, nos batismos, nos cantos dos anciãos e especialistas das aldeias. Nossa inspiração vem dos mais velhos, da nossa origem, não apenas de quem está na mídia”, enfatiza o estudante.
Sobre a integração da música indígena com outros estilos, ele acredita que a adaptação é natural e não compromete a força cultural. “No mundo atual, tudo se transforma, até a música indígena. Podemos usar instrumentos ocidentais, mas a essência permanece. As letras continuam espirituais. É uma criatividade que fortalece nossa resistência, porque mostramos quem somos em novos espaços, sem perder nossa história”, esclarecer.
Yubé-Warderson também destaca a importância de valorizar os artistas que vivem nas aldeias, muitas vezes invisibilizados pela mídia. “Nossa maior inspiração vem dos anciãos, dos nossos pais e tios, que cantam nas comunidades. Eles são a base da nossa música, mesmo que não apareçam na mídia. É de lá, do nosso território, que tiramos força para levar nossa cultura adiante”, destaca.
Desafios da cena musical acreana
Spartakus MC, rapper, historiador e membro do Centro Acreano de Hip-Hop, complementa a análise ao falar sobre os obstáculos de produzir música no Acre.
“A primeira dificuldade sempre foi a falta de acesso à tecnologia: estúdios, softwares, computadores. Isso era surreal há 15 ou 20 anos. Hoje melhorou, mas os equipamentos de qualidade ainda são muito caros. A gente consegue fazer muito com muito pouco”, alega o historiador.
Ele também aponta a carência de incentivo público. “Os apoios vêm por meio de editais, e nem todos conseguem chegar. O poder público incentiva pouco, e até o próprio público consome pouco o que é local”, conclui. Para ele, muitas vezes o que vem de fora é mais valorizado. E, com isso, nem todos reconhecem o valor e a qualidade da música e dos grupos locais que acompanham gerações de acreanos.
Ao manter viva a culinária típica do Acre, cozinheiro conquista turistas e moradores com sua famosa rabada no tucupi.
No Mercado do Bosque, um prato típico do Acre ganhou status de tradição: a rabada. Preparada há mais de três décadas por Antônio Felinto Alves,, eleviu seu nome atrelado à rabada, além de ser também o Toinho do Tacacá.
A iguaria se tornou referência gastronômica para acreanos e turistas. Seu Antônio iniciou sua trajetória aprendendo com Dora, uma cozinheira tradicional também muito conhecida pelos acreanos. Com o tempo, decidiu seguir carreira solo e consolidar seu próprio negócio. Hoje, acumula 35 anos de experiência e 18 certificados na área gastronômica.
“Quanto mais a gente se aprofunda nos temperos, no jeito de preparar, melhor fica. O segredo da rabada perfeita é cozinhar com carinho e amor, não apenas vender por vender”, afirma. Mesmo com décadas de tradição, Toinho também se adaptou às modernidades. O iFood tornou-se parte fundamental do negócio. “Nos tempos de friagem, chegamos a 90 ou 100 pedidos por dia. Nosso ponto forte é no aplicativo”, explica.
A fama atravessa fronteiras. Segundo ele, os turistas que chegam ao Acre procuram diretamente por seus pratos. “O pessoal, quando vem aqui, me fala que vai levar rabada para Brasília, Goiânia, Santa Catarina. Nosso sabor viaja junto com eles”, relata com orgulho.
Para o comerciante, o segredo do sucesso é manter a fé e a dedicação:“Quando o pessoal diz que está ruim, eu não concordo. Se você tem saúde e acorda enxergando, já é motivo para agradecer a Deus. O resto a gente corre atrás.”