A presença feminina na produção audiovisual brasileira tem como precursoras nomes como os de Cléo de Verberena (1904-1972), Gilda de Abreu (1904-1979) e Carmen Santos (1904-1952). De acordo com dados apresentados no site Mulheres do Cinema Brasileiro, os primeiros trabalhos realizados na área por mulheres na América Latina ocorreram em 1910.
Em outubro de 2022, durante a 46ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, representantes de produtoras assinaram uma carta se comprometendo em ampliar a participação feminina no setor audiovisual. O compromisso incluiu um diagnóstico sobre gênero e raça em áreas-chave e nas produções, que vão desde o roteiro, direção, produção, até os cargos técnicos. Porém, é importante ressaltar que a presença feminina nas produções audiovisuais tem sido notória e marcante ao longo dos anos, antes mesmo do compromisso assinado na Mostra Internacional, no ano passado.
No Acre, esse crescimento também é visível. Exemplo disso foi uma maior participação das mulheres na 3ª edição do FestCine Mulher, que aconteceu entre os dias 03 e 05 de julho. O evento, que foi realizado no teatro Hélio de Melo, superou as expectativas de trabalhos inscritos.
Um levantamento da Associação Acreana de Cinema (Asacine) revela que enquanto em 2021 o festival recebeu 15 produções audiovisuais assinadas por elas, este ano a ação contabilizou 45 projetos, um número três vezes maior do que na primeira edição.
Organizado pela Asacine, que também é pioneira na realização de ações audiovisuais, o FestCine Mulher 2023 contou com financiamento do Fundo Municipal de Cultura, sendo coordenado pelos cineastas Enilson Amorim e Adalberto Queiroz. O evento trouxe como temática central “O cinema da mulher é onde ela quiser”.
“O FestCine tem essa filosofia que é de trazer a mulher para o protagonismo das suas ações. E a cada ano, a participação e o trabalho dessas mulheres têm crescido”, pontua Enilson Amorim.
A cineasta Nonata Queiroz, que sempre participa dos eventos audiovisuais como produtora, nesta edição colaborou diretamente na organização do evento. Ela aponta que o festival vem crescendo tanto na quantidade de produções, como na qualidade das obras.
“Esse ano optei por ficar diretamente na organização. Tivemos gratas surpresas. Foi uma edição em que as produções deram uma qualidade muito grande. Fico muito feliz em ver o crescimento do segmento entre as mulheres. O festival é isso, é ser mais uma porta para nossas cineastas do Acre”, destaca Nonata Queiroz.
Ouça mais sobre o histórico do FestCine Mulher com o presidente da Associação Acreana de Cinema, Enilson Amorim:
Escritora e produtora do documentário “Mulheres lavadeiras”, Kelen Gleysse – Foto: Marcio Levi
Kelen Gleysse, que é escritora e assinou a produção do documentário “Mulheres Lavadeiras”, contou que sua participação em edições anteriores despertou seu interesse pelo cinema. “Durante esse processo fui me interessando cada vez mais pelo audiovisual e tentando me aprimorar, me desenvolver enquanto fazedora de cultura. É importante para quem quer seguir carreira no audiovisual ter um incentivo e o festival auxilia nisso”.
A cineasta Fátima Cordeiro apresentou o documentário “Set Terapêutico”. Ela conta que as atividades desenvolvidas durante o festival auxiliaram na qualificação dos trabalhos produzidos. “A cada dia, a cada ano, os trabalhos estão melhorando em relação à qualidade das produtoras. Isso se deve ao fato de oportunidades que nos incentivam a amadurecer as nossas ideias e roteiros”.
Estreante no segmento, a jovem Marcelandia Nogueira, exibiu um documentário sobre a vida profissional da jornalista e poeta Nilda Dantas, que também é referência no meio cultural acreano, fazendo parte da Academia Acreana de Letras.
“Me senti encorajada em produzir um documentário sobre a Nilda Dantas quando soube que era um festival somente para as mulheres. Isso não significa que não possamos participar de festivais abertos a todos. Mas para pessoas que estão iniciando, assim como eu, me fez sentir mais segura e confiante, além de adquirir conhecimento e experiências com as oficinas e com a convivência com outras mulheres produtoras”, comenta Marcelandia Nogueira.
Cineasta estreante no 3º FestCine Mulher, Marcelandia Nogueira, durante entrevista – Foto: Marcio Levi
Homenagens
Além das exibições dos curtas-metragens, o festival homenageou dois importantes nomes do jornalismo e cinema acreano, Wânia Pinheiro, com mais de 30 anos de carreira profissional, e Mazé Óliver, primeira mulher a presidir a Associação Acreana de Cinema.
Jornalista Silvania Pinheiro recebeu a homenagem em nome de sua irmã Wânaia Pinheiro das mãos do presidente da Asacine, Enilson Amorim – Foto: Marcio Levi
Wânia Pinheiro, iniciou sua carreira como jornalista ainda muito jovem no jornal O Rio Branco, escrevendo sobre cultura e outros temas. Anos depois se tornou uma das pioneiras no jornalismo online do Acre com site Contilnet. A profissional, por motivo de trabalho, não esteve presente para receber a homenagem, sendo representada por sua irmã, a também jornalista Silvania Pinheiro.
Mazé Óliver, que também é escritora e imortal da Academia Acreana de Letras, se emocionou ao falar do reconhecimento que recebeu. “Fico feliz pelo reconhecimento em relação a minha contribuição para o cinema do Acre e por saber que a cada dia nota-se a chegada de mais e mais de mulheres com interesse na arte. O festival é mais uma ferramenta para essas produtoras”.
Mazé Oliver recebeu a homenagem das mãos do presidente de honra da Asacine, Adalberto Queiroz – Foto: Marcio Levi
Ao manter viva a culinária típica do Acre, cozinheiro conquista turistas e moradores com sua famosa rabada no tucupi.
No Mercado do Bosque, um prato típico do Acre ganhou status de tradição: a rabada. Preparada há mais de três décadas por Antônio Felinto Alves,, eleviu seu nome atrelado à rabada, além de ser também o Toinho do Tacacá.
A iguaria se tornou referência gastronômica para acreanos e turistas. Seu Antônio iniciou sua trajetória aprendendo com Dora, uma cozinheira tradicional também muito conhecida pelos acreanos. Com o tempo, decidiu seguir carreira solo e consolidar seu próprio negócio. Hoje, acumula 35 anos de experiência e 18 certificados na área gastronômica.
“Quanto mais a gente se aprofunda nos temperos, no jeito de preparar, melhor fica. O segredo da rabada perfeita é cozinhar com carinho e amor, não apenas vender por vender”, afirma. Mesmo com décadas de tradição, Toinho também se adaptou às modernidades. O iFood tornou-se parte fundamental do negócio. “Nos tempos de friagem, chegamos a 90 ou 100 pedidos por dia. Nosso ponto forte é no aplicativo”, explica.
A fama atravessa fronteiras. Segundo ele, os turistas que chegam ao Acre procuram diretamente por seus pratos. “O pessoal, quando vem aqui, me fala que vai levar rabada para Brasília, Goiânia, Santa Catarina. Nosso sabor viaja junto com eles”, relata com orgulho.
Para o comerciante, o segredo do sucesso é manter a fé e a dedicação:“Quando o pessoal diz que está ruim, eu não concordo. Se você tem saúde e acorda enxergando, já é motivo para agradecer a Deus. O resto a gente corre atrás.”
A dor em palavra: Gabe Alódio prepara “A Casa de Vidro”
Após a estreia visceral com Fogo em Minha Pele, autora acreana lança novo romance que mistura silêncio, fragilidade e arquitetura emocional. Foto: Rafaela Rodrigues
O segundo livro de um autor, na maioria dos casos, revela muito mais do que o primeiro.
Se a estreia é a urgência de se apresentar ao mundo, a obra seguinte já nasce sob a consciência de que o público, e a própria autora, esperam algo. É nesse momento que Gabe L. Alódio, escritora acreana de 29 anos, se encontra com “A Casa de Vidro”, romance que será lançado em setembro e lançado em Rio Branco no dia 16 de outubro, às 19h, no Cine Teatro Recreio.
O título não é literal. Trata-se de uma metáfora clara, assumida pela autora, para a fragilidade e a exposição do ego. A casa é moderna, cercada por vidro, mas cada detalhe arquitetônico foi mentalmente desenhado antes da primeira frase. Ela descreve: “Sei onde a luz atravessa os cômodos, onde a vista se abre e onde qualquer pedra provocaria a primeira rachadura. Vejo a Casa de Vidro como uma metáfora para a própria escrita, transparente na linguagem, mas vulnerável na exposição dos temas abordados”.
Da intensidade ao silêncio
Em Fogo em Minha Pele (2024), livro de estreia, Gabe apresentou uma poesia narrativa marcada pela intensidade física e emocional, algo que remete à lírica confessional e a um certo intimismo da tradição modernista.
Já em A Casa de Vidro, essa energia se desloca para o silêncio e para a construção de atmosfera. A autora se aproxima de estratégias de escritores como Marguerite Duras ou Joan Didion, que sabem que a ausência pode ser mais expressiva que a presença.
A protagonista, Sophia, vive isolada com o marido numa casa que funciona como personagem. A narrativa gira em torno da tensão entre manter e perder o controle. Como descreve a própria Gabe, é como equilibrar crises carregando uma bandeja cheia de xícaras empilhadas.
Publicado em 2024, Fogo em Minha Pele apresentou a escrita visceral e confessional de Gabe, marcada por desejo, corpo e memória. Foto: divulgação
Referências cruzadas
O material visual que a autora preparou para orientar a capa é revelador. A arquitetura modernista da Casa Samambaia, de Lota de Macedo Soares, convive com as aranhas de Louise Bourgeois, símbolos de criação e aprisionamento. Há também Maria Callas, figura que sintetiza glória e abandono, e a presença de Dionísio, que remete à ligação entre vinho, prazer e destruição. É uma curadoria imagética que mostra a amplitude de referências da autora, em diálogo com artes visuais, música e mitologia.
Entre o fogo e o vidro
Se o primeiro livro era fogo, ardente e direto, marcado por desejo e paixão, o segundo é vidro: calculado, transparente, mas pronto para quebrar e cortar fundo. Essa mudança revela maturidade narrativa, sem perder a visceralidade que caracteriza a autora.
O desafio agora será ver como A Casa de Vidro dialoga com o leitor. Como diz Gabe: ˜Escrever é fácil, viver é difícil”. Talvez este novo livro seja justamente um gesto de habitar esse difícil, transformando-o mais uma vez em palavra.
A cada segunda-feira, o campus da Universidade Federal do Acre (Ufac) vira palco para a Batalha da Ufac. Criada por um grupo de idealizadores da cena local, entre eles o estudante de Psicologia Davi Nogueira, a batalha é um espaço aberto para jovens expressarem suas histórias e críticas sociais por meio do rap.
O formato das batalhas de rap no Brasil surgiu no início dos anos 2000, inspirado por movimentos internacionais, e se consolidou em grandes centros como Rio de Janeiro e São Paulo.
Em Rio Branco, os eventos vem ganhando força desde a Batalha do Palácio, considerada a mais antiga da cidade, que era realizada às sextas-feiras na praça do Palácio Rio Branco.
Hoje o cenário local conta com eventos como a Batalha da Pista, do Santa Cruz e, principalmente, a Batalha da Ufac, que acontece no Teatro de Arena, conhecido como Coliseu, ao lado do Centro de Convivência.
Davi Nogueira destaca que o objetivo da batalha na universidade é democratizar o acesso à arte e trazer a comunidade para dentro do campus.
“Muita gente achava que não podia entrar aqui. O Coliseu da Ufac é o lugar ideal, com estrutura e visibilidade para um evento cultural”, explica.
Para os participantes, o evento é muito mais que uma disputa de rimas. Apache Shaft, MC que frequenta a batalha, conta que o encontro representa um espaço seguro para trocar experiências, fazer amizades e fortalecer a cultura local. “É meu abrigo nas segundas-feiras. Quanto mais rap, mais cultura, menos crime”, afirma.
Entre o público, o humorista e influenciador Rafael Barbosa valoriza o clima acolhedor da batalha e ressalta a necessidade de maior apoio para o evento crescer. “Aqui tem muita poesia e sentimento, mas faltam som adequado e divulgação do poder público”, sugere.
Momento em que os artistas fazem as batalhas. Foto: Felipe Salgado
Mais do que um show de talentos, a Batalha da Ufac é um importante instrumento de transformação social. Ao abrir as portas da universidade para a periferia, o evento reforça a ideia de que a cultura hip hop pode mudar vidas e fortalecer a autoestima de jovens, muitas vezes marginalizados.
Realizada de forma independente, a batalha conta com apoios voluntários e busca parceiros para ampliar sua estrutura. Na primeira edição, o evento lotou o Coliseu e conquistou mais de mil seguidores nas redes sociais antes mesmo de acontecer: um marco para o rap acreano.