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Quem cuida de quem cuida? 

A realidade invisível dos cuidadores de idosos no Acre

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Por Raquel de Paula, Elis Caetano e Tales Gabriel

O envelhecimento da população já é uma realidade que impacta a rotina das famílias e a estrutura social brasileira. No Acre, segundo dados do Censo Demográfico 2022 do IBGE, entre 2010 e 2022 o número de pessoas com 65 anos ou mais no estado cresceu 64,9%, passando de 31.706 (4,3% da população) para 52.297 idosos, que hoje representam 6,3% dos acreanos. 

No mesmo período, a proporção de crianças até 14 anos recuou de 33,7% para 26,6%,com isso, o índice de envelhecimento, que mede o número de idosos para cada 100 crianças, chegou a 23,8 em 2022, quase o dobro do registrado em 2010.

Esse crescimento no número de idosos, embora menos acelerado que em outras regiões do país, indica um aumento na demanda por cuidados e uma redução no número de jovens disponíveis para desempenhar essa função, o que amplia a sobrecarga de quem exerce essa atividade.

Nesse cenário, está a história de Juliette Silva, cuidadora formada em um curso de três meses, que deixou Rio Branco há dois anos e se mudou para Goiânia em busca de melhores condições de trabalho. 

“A minha rotina diária como cuidadora hoje é uma carga horária 12/36 diurno, trabalho autônomo para uma agência de cuidadores aqui em Goiânia. Vim em busca de ganhar um valor melhor, pois em Rio Branco a profissão é mais desvalorizada”, afirma. 

Suas atividades diárias incluem administrar medicações via oral, dar banho, cuidar da higiene, trocar fraldas, fornecer alimentação e garantir o banho de sol. Mesmo com formação técnica, ela avalia que “mudaria nossa vida a valorização do nosso trabalho. Que pudéssemos ter nossos direitos trabalhistas reconhecidos como profissionais que somos. Infelizmente, nossa profissão é registrada em carteira como uma função doméstica. Isso é muito injusto.”

Juliette considera o cuidado com idosos uma missão, mas destaca o custo emocional envolvido, que afeta diretamente a saúde física e mental de quem cuida. “Nossa profissão é linda, vai além de uma profissão. Eu costumo dizer que é uma missão. Mas, infelizmente, existem muitos cuidadores que são explorados por famílias, que desviam as funções e sobrecarregam o cuidador, pedindo para fazer outras tarefas além de cuidar do idoso.”.

O relato de Juliette reflete a rotina de muitos cuidadores, marcada por jornadas extensas, múltiplas responsabilidades, baixa segurança trabalhista e vulnerabilidade emocional. Grande parte atua como autônomo ou é formalmente enquadrada como empregado doméstico, o que reduz direitos como jornada regulamentada, descanso remunerado, FGTS e contribuição para aposentadoria.

Embora o Estatuto da Pessoa Idosa estabeleça direitos como assistência à saúde e à dignidade, o cuidador, figura essencial nesse processo, ainda carece de políticas públicas específicas. O Ministério da Saúde oferece cursos e capacitações por meio da UNA-SUS, mas a abrangência dessas ações para cuidadores familiares ou autônomos, especialmente no interior do Acre, é limitada.

Sobrecarga

A ausência de uma rede de apoio estruturada tem reflexos diretos na saúde física e emocional de quem cuida. A psicóloga e psicanalista Sara Saraiva destaca que os impactos sobre a saúde mental dos cuidadores já estão implícitos na própria pergunta que norteia este trabalho: “Quem cuida de quem cuida?”. Segundo ela, é comum que esses profissionais, e também familiares que assumem a função, acabem esquecendo de cuidar de si mesmos.

“Surge aquela sensação de: Se eu não fizer, quem vai fazer? Mas também é preciso pensar: E quem faz por mim?”, afirma.

Essa dedicação exclusiva, explica Saraiva, pode gerar estresse e um sentimento de culpa excessiva por não se permitir descansar, por sentir-se cansado ou, até mesmo, por não querer cuidar em determinados momentos.

“Muitos acabam se perdendo de si e passam a viver quase que integralmente a vida da pessoa assistida”, acrescenta.

De acordo com a psicanalista, essa sobrecarga emocional e física, quando acumulada, pode desencadear crises de estresse intenso, quadros de ansiedade e até depressão. Para ela, prevenir o adoecimento exige a atuação conjunta da família, da sociedade e do poder público.

“No caso de cuidadores familiares, é fundamental dividir tarefas e responsabilidades. Também é necessário oferecer suporte psicológico e acompanhamento dentro da rede pública de saúde. A prevenção começa com a conscientização: entender que, embora cuide do outro, essa pessoa também precisa de cuidado, acolhimento e de olhar para si, lembrando que sua vida não se resume àquele que ela assiste”, conclui.

Rede de apoio

Além de profissionais autônomos, o Acre também conta com iniciativas coletivas que tentam suprir a carência de apoio. É o caso do Anjos do Cuidado, grupo fundado por Benedita do Anjos Silva, que hoje reúne mais de 200 cuidadoras e técnicos. Ela conta que a ideia nasceu de forma espontânea e cresceu rapidamente.

“Eu criei esse grupo porque, depois que me formei como técnica, fui trabalhar em uma família e, com o tempo, as pessoas foram conhecendo meu trabalho e me chamando para cuidar de outros pacientes. Chegou um momento em que eu não conseguia dar conta sozinha, então comecei a convidar colegas”, explica. 

No início, era um grupo de WhatsApp com três ou quatro pessoas, atualmente são 232 profissionais prestando serviços em hospitais e domicílios. São atendidos pacientes que precisam de ajuda para se locomover, acompanhar consultas ou até viajar. “Tudo começou pequeno, mas virou uma rede de apoio muito importante”, afirma a técnica.

Para Benedita dos Anjos, um dos maiores desafios é a falta de planejamento das famílias.“Muitos só pensam em contratar um cuidador quando o idoso já está debilitado ou quando a família já está emocionalmente sobrecarregada. Se houvesse essa contratação preventiva, o cuidado seria melhor para todos”.

Apesar da rotina intensa e da pouca valorização profissional, cuidadores também precisam de atenção e cuidado, como mostram as iniciativas que apostam em solidariedade e compreensão.

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As alternativas para demandas afetivas

Humanização de animais e objetos podem representar uma busca por conexões emocionais em tempos de solidão

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Por Pedro Amorim e Ana Paula Melo

Em um mundo cada vez mais conectado pela tecnologia, mas marcado pela solidão, muitas pessoas têm encontrado conforto em animais de estimação e objetos, tratando-os como membros da família ou até como filhos.

No Brasil, a Associação Brasileira da Indústria de Produtos para Animais de Estimação (Abinpet) estima que existam mais de 55 milhões de cães, com 80% dos tutores vendo-os como parte da família.

Um estudo da DogHero mostra que 66% dos donos tratam seus pets como filhos. Esse carinho impulsiona um mercado que, segundo o Instituto Pet Brasil, movimentou R$78,2 bilhões em 2024, com a maior parte gasta em alimentação, além de serviços como saúde e estética.

Porém, a Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), por meio de um estudo, alerta que tratar animais como humanos pode causar problemas como ansiedade, comportamentos compulsivos e até obesidade nos bichos.

Outro exemplo marcante é o fenômeno dos bebês reborn, bonecas hiper-realistas adotadas para coleção ou terapia. O mercado global dessas bonecas, avaliado em US$ 1,2 bilhão em 2023 pela Pesquisa de Mercado Allied, cresce entre colecionadores e pessoas que buscam apoio emocional. 

No Brasil, reportagens da Folha de São Paulo e do g1 relatam casos curiosos, como pessoas levando essas bonecas ao Sistema Único de Saúde (SUS), além de debates sobre os benefícios terapêuticos. 

A vida em família

Para ilustrar como essa humanização se manifesta no dia a dia, conversamos com Lucas Lins, um médico de 24 anos, que trata a cachorra pug, Jurema Josefina, como uma verdadeira filha. “A Jurema é a nossa cachorrinha da raça pug, uma companheirinha que chegou pra encher a casa de amor, alegria e um toque de bagunça também”, conta Lins, rindo. 

Cadela ama piscinas e possui roupas. Foto: Lucas Lins/acervo pessoal

Desde filhote, Jurema tem uma rotina digna de princesa: roupinhas, brinquedos, cama fofinha e até festas de aniversário com bolo, vela e balões. “Fizemos tudo isso quando ela completou 1 aninho. E claro que ela usou a famosa roupinha da Minnie, toda orgulhosa”, diz, com entusiasmo.

A humanização vai além: Jurema tem até um Instagram criado especialmente para ela, embora pouco usado. O médico descreve rituais diários, como banhos com shampoo, condicionador e colônia, que geravam reclamações do pai, pela despesa. “Como todo pug, a Jurema solta muito pêlo! Teve uma vez que compramos um tira-pelos e nos assustamos com a quantidade absurda que saiu. Achamos que tinha algo errado, mas era só mais um ‘presente’ clássico da raça”, brinca ele.

Jurema também tem preferências e manias humanizadas: come de tudo, menos banana, que rejeita com uma virada de focinho. Na infância, era um “furacão” que roía móveis como um castor, mas agora é “uma moça calma e comportada”, destaca o tutor.

Jurema possui uma carteira de identidade. Imagem: cedida

A esperteza inclui escapar de coleiras como uma “ninja canina” e aventuras como fugir pela rua em dia de chuva, obrigando a família a uma caçada molhada. “Hoje a gente lembra disso rindo, mas na hora foi puro desespero”, admite Lins. E para completar, Jurema ama piscinas, e nada semanalmente, sob supervisão constante.

Histórias como a de Jurema mostram como pets se tornam “filhos substitutos”, especialmente entre jovens adultos solteiros, casais sem filhos ou idosos, o que fortalece vínculos afetivos e impulsiona o mercado pet.

Desde filhote, Jurema tem uma rotina digna de princesa. Foto: Lucas Lins/acervo pessoal

Benefícios, riscos e limites

Para entender o que motiva essa projeção de sentimentos humanos em animais ou objetos, consultamos a psicóloga e neuropsicóloga Samara Pinheiro, docente universitária e coordenadora da seção Acre do Conselho de Psicologia, com abordagem em psicanálise.

Segundo ela, o fenômeno está ligado a projeções afetivas inconscientes, baseadas em conceitos como objetos transicionais, inspirados em teorias como a de Winnicott. “As pessoas projetam algo naquele objeto, que elas gostariam muito que fosse com elas. Por exemplo, eu projeto um carinho, um amor com um animal de uma forma que eu gostaria de ser tratado ali por figuras que cuidaram de mim”, explica Pinheiro.

Esses objetos, sejam animais, bebês reborn ou IAs como o ChatGPT,  funcionam como substitutos para relações frustrantes na infância, oferecendo segurança e consolo sem medo de rejeição. 

“Desde crianças, criamos vínculos com objetos transicionais, como um cobertor ou brinquedo, que dão segurança quando o cuidador se ausenta. Na vida adulta, isso se substitui por animais, bonecos ou interações com IA, representando um espaço seguro onde a pessoa pode amar, cuidar e ser compreendida sem conflito”, enfatiza a especialista.

Entre os benefícios, ela destaca o apoio emocional, proporcionando conforto, segurança e sensação de companhia. “Pode reduzir ansiedade, depressão ou estresse, auxiliando na regulação psíquica”, destaca.

Além disso, facilita elaborações simbólicas, servindo como ponte entre o mundo interno e externo, ajudando a lidar com perdas ou transições. Para pets, há um retorno real de carinho, diferentemente de objetos inanimados. Experiências de cuidado também reforçam capacidades afetivas, como proteger e preocupar-se.

No entanto, os riscos são evidentes. “Pode levar a um empobrecimento relacional, onde as pessoas evitam relações humanas por medo de frustração e imprevisibilidade”, alerta a psicóloga. Isso pode resultar em isolamento social, fixação narcísica (onde o afeto é unilateral) e dificuldade em elaborar conflitos reais. “O animal pode dar devolutiva, mas objetos como o ChatGPT não oferecem manejo clínico genuíno”, pontua.

Perigo do isolamento

A humanização deixa de ser saudável quando perde sua função transicional e vira fuga da realidade. “Quando a pessoa se isola, evitando contatos humanos como defesa contra o sofrimento, cai em um mundo fantasioso sem conflitos, perdendo a capacidade de lidar com o real”, esclarece a psicóloga.

Pinheiro atribui o estímulo social a fatores como solidão moderna, “vínculos líquidos” e influência do mercado. “O mercado oferece alternativas para demandas afetivas, como animais tratados como filhos ou assistentes virtuais, promovendo afeição sem conflito. Redes sociais, com curtidas no Instagram, também reforçam isso”, comenta.

Sobre preencher carências emocionais, ela nota: “Sim, servem como reparação e tentativa de controle, vindos de faltas na infância como rejeição. Mas preencher não é elaborar. Se o afeto não se desloca para vínculos reais, o vazio permanece adormecido, podendo explodir em crises quando o ‘objeto’ falha”, conclui a especialista.

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Rio Acre em crise

Saerb vem implantando medidas para enfrentar os momentos mais críticos da estiagem. Foto: Mariana Moreira

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Por Maria Niélia Magalhães, Sérgio Corrêia e Gabriela Queiroz

Em meio a uma das piores secas dos últimos anos, o Rio Acre atingiu nesta semana a marca de 1,48 metro, segundo dados do site De Olho no Rio. O nível está apenas 25 centímetros acima da menor cota já registrada na história, de 1,23 metro em 2024. Além disso, o consumo de água em Rio Branco continua acima do recomendado pela Organização das Nações Unidas (ONU), o que agrava ainda mais os impactos da estiagem sobre o abastecimento da população.

De acordo com relatório da Unesco, cada pessoa deveria consumir, em média, 110 litros de água por dia. Enquanto isso,segundo o Ministério da Saúde e organizações internacionais, varia entre 150 e 200 litros por dia. Na capital do estado, a realidade é bem diferente.

Mesmo com produção suficiente para abastecer toda a população, o município opera em regime de rodízio devido ao uso excessivo, perdas no sistema e desperdício.

Nível do Rio Acre é crítico. Foto: De Olho no Rio

Segundo o diretor-técnico do Serviço de Água e Esgoto de Rio Branco (Saerb), Antônio Lima, considerando esse parâmetro e a população de aproximadamente 364 mil habitantes em Rio Branco, a produção necessária para suprir a demanda diária seria de 72.800 metros cúbicos. No entanto, a produção atual é muito superior: são cerca de 138.240 metros cúbicos por dia, o que representa 1.600 litros por segundo, .

No bairro Calafate, Humberto Barboza, 51 anos, convive há 15 anos com a incerteza do abastecimento: “quando cheguei aqui, a falta d’água era tão comum que os mais antigos já nem reclamavam mais”, conta.

Em sua casa, três caixas d’água tentam garantir o abastecimento para sua família, de três pessoas. “A gente aprendeu a se virar, mas tem períodos que fica difícil mesmo com as caixas”, relata Humberto, que já pensou em perfurar um poço artesiano. “Fiz orçamento, mas é muito caro. Aqui no Calafate teria que cavar mais de 50 metros para achar água, e o custo passa dos R$15 mil.”

Consciente da escassez, Barboza adotou hábitos rígidos de economia como nunca lavar a calçada com mangueira, só com balde. “Água para mim é coisa séria, não dá para desperdiçar. Se tivéssemos reservatórios, como grandes lagos na cidade, ninguém passaria necessidade”, conta

Devido escassez, população precisa se conscientizar. Foto: reprodução

Apesar da capacidade de produção, o fornecimento contínuo não é garantido para toda a população. O motivo, está nas perdas operacionais, desperdício e  uso indiscriminado da água. “Mesmo com essa produção, não é possível atender 100% dos habitantes, e por isso atuamos com sistema de rodízio em algumas localidades”, afirma o diretor do Saerb.

Desperdício de água é muito frequente. Foto: reprodução

Medidas contra o desperdício

Para enfrentar esse cenário, o Saerb vem implementando ações como a resolução aprovada pela Agência Reguladora do Estado do Acre (Ageac), que determinou o uso obrigatório de boias nas caixas d’água a partir de agosto de 2025. Outra medida é o recadastramento de usuários, que visa adequar tarifas conforme o tipo de consumo e volume real utilizado.

“Temos uma Lei Municipal desde 2005 que autoriza o corte no fornecimento após notificação e aplicação de multa por desperdício”, explica Antônio Lima, diretor do Saerb. E complementa: “Paralelamente, estamos priorizando a agilização das manutenções em adutoras e redes de distribuição para reduzir as perdas técnicas no sistema.”

Divulgação/Saerb

Uma campanha educativa também está em andamento. Em novembro, será lançada a ação Agente 00CAT – Zero Gato D’Água, para estimular denúncias de desperdícios e irregularidades no uso da água. O canal de atendimento via WhatsApp (68 3212-7438) está ativo para receber essas notificações.

Alerta da Defesa Civil

O Rio Acre é a principal fonte de abastecimento de Rio Branco e está enfrentando uma crise hídrica severa. Para o coordenador da Defesa Civil de Rio Branco, tenente-coronel Cláudio Falcão, o momento exige responsabilidade coletiva.

“Se não mudarmos nossos hábitos, teremos consequências ainda mais graves nos próximos anos”, alerta. Segundo ele, existe a previsão de uma cota zero do Rio Acre até 2032, caso o desmatamento continue avançando nas margens do rio.

Coronel Cláudio Falcão. Foto: Maria Niélia

Em termos científicos, a “cota zero” é o nível mínimo de um rio em que a captação de água se torna inviável para consumo, abastecimento e navegação. Isso significa que a altura da lâmina d’água está tão baixa que não é mais possível retirar água de forma segura e eficiente para uso humano, animal ou industrial.

O coronel explica que cerca de 40% das margens do rio já foram desmatadas. Isso impede a retenção de água no período chuvoso e potencializa as secas severas.

“O Rio Acre está em constante formação geológica. Pequenas represas não resolvem. Precisamos de reservatórios grandes, com planejamento a longo prazo. Mas isso só será possível com vontade política e o engajamento da população”, defende.

Reservatórios de emergência

Entre as propostas em estudo pela Defesa Civil, Prefeitura e Saerb está a construção de grandes represas para armazenar a água captada nas cheias. A ideia é criar reservatórios com cerca de 700 hectares de lâmina d’água, que garantiriam o abastecimento da capital durante os períodos críticos.

“Hoje, uma família de quatro pessoas consome, em média, 23 mil litros por mês. É mais que o dobro do necessário”, alerta Falcão. Além do consumo exagerado, práticas como queima de lixo agravam ainda mais os impactos da seca.

A Defesa Civil também observa que os extremos climáticos se intensificam. A ausência de fenômenos como La Niña ou El Niño causou chuvas inesperadas em abril. A partir de agosto, especialistas temem que o El Niño volte a ganhar força, elevando o risco de enchentes em dezembro.

“O baixo nível atual do rio é um prenúncio de cheias futuras. Precisamos estar preparados para ambos os extremos”, adverte.

Redação

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As diferenças de gênero nas mortes

Violência das ruas atinge a maioria dos homens, para muitas mulheres o lar não é sinônimo de segurança. Foto: Joédson Alves/Agência Brasil

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Por Gabriela Fintelman e Natália Lindoso 

O Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2025 revelou um dado chocante: 64,3% dos feminicídios acontecem dentro da própria casa da vítima. Já entre as mortes violentas intencionais, mais de 90% das vítimas são homens, e quase 58% desses assassinatos ocorrem em via pública. Essa diferença expõe uma realidade cruel: as mulheres morrem principalmente no lar, e os homens, nas ruas.

Para a delegada Juliana de Angelis, da Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher (DEAM), a casa, longe de ser um espaço seguro, é para muitas mulheres o local de maior risco. “A sociedade patriarcal legitima relações de dominação masculina e encara o espaço doméstico como território privado do homem, onde ele exerce controle e poder sobre a mulher”, afirma.

Juliana de Angelis. Foto: Dhárcules Pinheiro/Sejusp

Muitas mulheres vivem dependência emocional, econômica ou parental em relação ao agressor, o que cria barreiras para romper o ciclo de violência. Esse ciclo segue três fases: tensão crescente, explosão violenta e uma fase de “lua de mel” ou reconciliação, um padrão que se repete e naturaliza a violência no cotidiano.

O medo, a vergonha e a desconfiança no sistema de justiça são motivos comuns para que muitas vítimas não denunciem. Isso mantém os agressores impunes, incentivando a continuidade da violência.

Um caso emblemático em Natal (RN) ilustra esse cenário, o registro em câmeras de uma mulher agredida com mais de 60 socos. Tudo indica o perfil típico de violência de gênero no espaço doméstico: o agressor era namorado da vítima, a agressão ocorreu no elevador do condomínio, havia histórico de relacionamento conturbado e as agressões foram motivadas por ciúmes e posse. 

O Acre no padrão nacional

No Acre, a situação é preocupante. Segundo o Atlas da Violência, o estado apresenta uma das maiores taxas proporcionais de feminicídio no Brasil. A Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher (DEAM) em Rio Branco informou que mais de 70% das ocorrências registradas acontecem dentro do lar da vítima.

Os dados locais confirmam que as vítimas são, em sua maioria, mulheres jovens, pardas e negras, envolvidas em relacionamentos afetivos com os agressores. Muitas delas já relataram ameaças anteriores, reforçando o padrão de escalada da violência doméstica.

A Polícia Civil do Acre disponibiliza relatórios mensais com estatísticas que detalham esses casos, ressaltando a urgência de políticas públicas específicas para o combate à violência contra a mulher.

Faixada Deam. Foto: Neto Lucena/Secom

Raça e gênero

Interseccionalidade é um conceito que analisa como diferentes grupos sociais, como raça, gênero, classe, orientação sexual, entre outros, se cruzam e interagem, criando experiências únicas de discriminação ou privilégio.

A advogada criminalista e militante Lúcia Ribeiro destaca que as mulheres negras são as mais afetadas pela violência doméstica e pelo feminicídio no Brasil. Dados do Dossiê Feminicídio e do Ministério da Saúde mostram que mulheres negras têm duas vezes mais chance de serem assassinadas que mulheres brancas.

Entre 2003 e 2013, enquanto o número de homicídios de mulheres brancas caiu quase 10%, os homicídios de mulheres negras aumentaram mais de 54%. Além disso, a maioria das vítimas de violência obstétrica e mortalidade materna também são negras, indicando que o racismo estrutural atravessa diversas formas de violência e exclusão.

Especialistas apontam que o racismo, aliado ao sexismo, cria camadas de discriminação que dificultam o acesso das mulheres negras a direitos, serviços públicos e justiça. “O racismo é um fenômeno ideológico que justifica a hierarquização social e a exclusão das mulheres negras da cidadania plena”, afirma Ana Carolina Querino, do ONU Mulheres.

A socióloga Luiza Bairros lembra que o racismo e o sexismo estão no DNA da sociedade brasileira e que, sem a análise da interseccionalidade, políticas universais dificilmente avançam no combate à violência e à desigualdade.

Invisibilidade política

Apesar de as estatísticas mostrarem a predominância da população negra entre as vítimas, Lúcia Ribeiro alerta para a invisibilidade política dessa realidade. Para transformar o cenário, é fundamental aumentar a presença de pessoas negras em espaços de gestão pública e privada e criar planos de enfrentamento que considerem as múltiplas vulnerabilidades.

Lúcia Ribeiro. Foto: cedida

Nilza Iraci, do Instituto Geledés, destaca que “o racismo institucional e a desigualdade de gênero produzem a falta de acesso ou acesso de menor qualidade aos serviços e direitos para a população negra, perpetuando desigualdades estruturais”.

A violência letal contra homens e mulheres revela que a segurança pública precisa ser pensada de forma segmentada, considerando as diferentes dinâmicas que expõem cada grupo aos riscos.

No caso das mulheres, a compreensão do racismo estrutural, da dominação patriarcal e da interseccionalidade é fundamental para elaborar políticas públicas eficazes que realmente protejam as vítimas e punam os agressores.

Canais de ajuda

O primeiro passo em direção ao pedido de ajuda é desafiador, mas também necessário. Romper com o ciclo da violência é um ato de coragem que pode trazer de volta a segurança para dentro de casa. Você não está sozinha.  

As vítimas podem procurar ajuda na Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher (DEAM) pelo telefone (68) 3221-4799.

Também podem entrar em contato com a Central de atendimento à Mulher pelo Disque 180 ou com a Polícia Militar do Acre (PM – AC) através do 190.

Outras opções de atendimento incluem o Centro de Atendimento à Vítima (CAV), no telefone (68) 9999-34701, a Secretaria de Estado da Mulher (Semulher), pelo número (68) 99605-0657 e a Casa Rosa Mulher no (68) 3221-0826.

Redação

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