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O preço da identidade: a luta diária de mulheres trans no combate à violência no Acre

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Espetáculo Faces Distopicas

Por: Wellington Vidal e Danniely Avlis

Em uma madrugada escura e silenciosa, enquanto trabalhava em um ponto de prostituição, Fernanda Machado da Silva, uma travesti de 27 anos, lutava para sobreviver da violência da qual havia sido vítima. Ela foi abordada por dois homens que acusaram-na de ter furtado um celular. Sem poder se defender e mesmo negando a acusação, a jovem foi vítima de uma violência brutal, espancada a pauladas, sozinha em meio a escuridão da noite, sua vida se esvaiu.


A história de Fernanda, conhecida por participar ativamente de debates sobre a violência contra a comunidade LGBTQIAPN+, reflete uma dura realidade social. Antes de ser assassinada, ela havia participado de uma campanha publicitária do Ministério Público do Acre (MPAC), ao lado da mãe, Raimunda Nonata.


Segundo o Dossiê Assassinatos e Violências contra Travestis e Transexuais Brasileiras, da Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra), o Acre ocupa o 23º lugar no ranking de assassinatos de pessoas trans. Em 2022, 19 pessoas trans foram agredidas por dia no Brasil, segundo o Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan), do Ministério da Saúde

Fonte: Bases de dados de agressão do Sinan

Fonte: Bases de dados de agressão do Sinan

Conforme o estudo, 64% dos casos ocorrem com mulheres trans, e 60% das travestis agredidas são negras. Em 2023, houve um aumento de 4,6% nos assassinatos de travestis e mulheres trans — 136 das 145 vítimas registradas pertenciam a essa população. Estes números evidenciam um padrão: ser travesti, mulher trans e negra aumenta exponencialmente o risco de morte no Brasil.


Dahlia Pagu, travesti, psicóloga e responsável pela Divisão de Diversidade de Orientação Sexual e Identidade de Gênero da Secretaria de Estado da Mulher do Acre (Semulher), explica que os dados sobre violência contra mulheres trans e travestis no estado são difíceis de contabilizar, sendo as principais informações provenientes dos boletins da Antra.


Pelo 16º ano consecutivo, o Brasil é o país que mais mata pessoas trans no mundo. Os casos subnotificados evidenciam a dificuldade em noticiar e caracterizar corretamente os crimes como transfeminicídios. Além da brutalidade dos assassinatos, muitas vítimas sofrem outra violência ao serem noticiadas com o nome de batismo, o chamado nome morto, uma identidade que não reflete quem realmente são.


Dahlia também comenta sobre os desafios no enfrentamento desse tipo de violência: “O acesso ao cuidado, ao atendimento e ao amparo das mais diversas redes no que tange à escuta sensível da população trans ainda é limitado. Estamos caminhando quanto a isso, mas é preciso avançar mais, pois temos sede de vida, e vida com qualidade”, declara.


A atriz trans Brenn Souza reforça as dificuldades vivenciadas na região. De acordo com ela, trata-se de uma questão política, social e cultural que permeia a construção social do Acre. “Acredito que, acima de tudo, é um processo de construção social no território em que nos encontramos e na atual conjuntura do país e do mundo, que insiste em apagar a história e a existência de pessoas trans”, afirma.


“A violência permeia o corpo de pessoas trans em toda a sua existência”


Seja verbal, física, psicológica, sexual ou familiar, a violência está presente no cotidiano de pessoas trans que vivem à margem de uma sociedade cercada por preconceitos. Brenn compartilha parte de sua experiência pessoal.


“Já sofri violência verbal, que é a mais comum no dia a dia. É sair na rua e ouvir um erro proposital de pronome ou de nome, vindo até de pessoas conhecidas. O olhar também pode ser violento. Tenho amigas que já sofreram agressões e até foram assassinadas. A violência está presente em nossas vidas e redes de afeto. Nossos corpos vivem em constante processo de receber violência por parte da sociedade”.


Dahlia reforça que também vivencia a violência diária por ser travesti, mesmo com privilégios que não a imunizam. “Relatar violências é revivê-las, e isso não é confortável. É sofrido saber que, por mais que não desejemos, nossas trajetórias acabam sendo marcadas por essas dores. Precisamos trabalhar para modificar essa cultura que age contra corpos trans”, conclui.

Dahlia Pagu é responsável pela Divisão de Diversidade de Orientação Sexual e Identidade de Gênero da Semulher. Foto: Kauã Cabral/ Semulher


Um local de acolhimento e combate contra a violência


No Acre, a Semulher atua como ponto estratégico para acolhimento, suporte e enfrentamento das violências direcionadas a mulheres, incluindo mulheres trans e travestis. Reimplantada oficialmente em 1º de março de 2023, a instituição, tem entre suas competências, promover políticas públicas de igualdade de gênero, assistência social, proteção e educação para eliminar discriminações.


Para qualificar este trabalho, recentemente, no último dia 25 de julho, a Semulher lançou a segunda edição da cartilha Sou A Travesti, Existo!, que vem sendo distribuída em centros comerciais e espaços públicos em Rio Branco, Brasiléia e Cruzeiro do Sul.


A cartilha aborda identidade de gênero, cidadania, enfrentamento à transfobia e direitos fundamentais. A iniciativa inclui distribuição em locais como o Mercado Municipal Elias Mansour e o Shopping Aquiry, com o objetivo de sensibilizar servidores, comerciantes e a comunidade em geral para a existência e o respeito às mulheres trans e travestis.


No lançamento da cartilha, a secretária da Mulher, Márdhia El-Shawwa Pereira, destacou que o documento é educativo e um instrumento de empoderamento que evidencia que a expectativa de vida de pessoas trans no Brasil gira em torno de 35 anos. Ela reitera ainda que essas mulheres precisam ser reconhecidas, protegidas e respeitadas. “A cartilha tem um caráter transformador e visa sensibilizar diferentes setores sociais para os prejuízos causados por discriminações que, muitas vezes, escalam para violência”, afirma.


Para Dahlia Pagu, a cartilha reforça o compromisso ético da instituição em cuidar dessa população com seus afetos, dores, sonhos e histórias e afirma que tais políticas são centrais não só para informar, mas para demonstrar que mulheres trans e travestis não estão só, que há respaldo institucional e social para sua existência.


De acordo com a representante do Conselho Estadual dos Direitos da Mulher (Cedim), Antônia Rodrigues, o principal objetivo da cartilha é, justamente, a inclusão. “É um programa importante e é um trabalho bonito que a Semulher vem fazendo. Isto porque todas as mulheres vão saber que estão sendo resguardadas e que não estão sozinhas, que podem contar com a Secretaria da Mulher e com o governo do Estado”, diz.


A ideia é que a secretaria não atue só como símbolo institucional, mas como ponte entre indivíduos em situação de vulnerabilidade e as redes de atendimento (jurídico, psicológico, social). A cartilha Sou a Travesti, Existo! passa a integrar essa estratégia, fortalecendo o discurso institucional de que mulheres trans e travestis não estão sozinhas e que há respaldo público e educativo para sua existência.

Luzes do Arco-Íris: O cinema como forma de denúncia

Auditório do Cine Teatro Recreio durante a exibição do documentário Luzes do Arco- Iris. Foto: Reprodução de redes sociais

Por meio da Lei Paulo Gustavo, com incentivo do Governo do Acre e promoção da Fundação Elias Mansour (FEM), o caso de Fernanda inspirou o curta-metragem Luzes do Arco-Íris, dirigido por Ivan de Castela e produzido pelo Instituto Social, Cultural e Esportivo Malucos na Roça. O filme estreou no último dia 5 de fevereiro, no Cine Teatro Recreio.

Cartaz do espetáculo Luzes do Arco-íris. Foto: Divulgação

“A obra tem como proposta, além da denúncia, promover momentos de fala, discussão e entendimento da vida das travestis em Rio Branco. O objetivo maior é construir uma obra cinematográfica que discuta essas questões a partir do lugar de fala das próprias travestis, entrevistadas no documentário, junto à reprodução da cena da morte da Fernanda”, explica o diretor.

Faces distópicas

Atriz Brenn Souza no espetáculo Faces Distópicas. Foto: cedida

Em meio à pandemia, quando Fernanda foi brutalmente assassinada, na noite de 25 de junho de 2020, Brenn, que na época estava morando fora do Acre, se vê em profunda revolta, raiva e sede de justiça pela morte da amiga. É a partir disso que ela escreve e dá vida ao espetáculo Faces Distópicas, como forma de eternizar a memória de Fernanda.


“Diante desse acontecimento eu sinto a necessidade de escrever e dar vida a esse espetáculo, estando nele como atriz, dramaturga e co-diretora, para justamente manter viva a memória de Fernanda, para que as pessoas lembrem-se de quem foi Fernanda, através de uma narrativa que brinca com a realidade e ficção, retratando especificamente as faces da distopia social para com os corpos trans/travestis. A sociedade que sempre nos aponta, nos coloca como margem, como pessoas que merecem ser mortas na guilhotina ou até linchadas em praça pública”, declara a atriz.

Um futuro de respeito e uma vida após os 35 anos

Segundo a Antra, a expectativa de vida de pessoas trans no Brasil é de apenas 35 anos. A esperança é que essa realidade mude e que a sociedade caminhe rumo ao respeito e à dignidade.


“Que possamos ter dignidade de vida, cuidado, atenção, afeto e segurança. Nossas histórias não precisam ser marcadas puramente por violências. Que possamos relatar conquistas, e não apenas sangue em nosso caminhar. Espero ver travestis, mulheres trans e pessoas trans ocupando os espaços que desejarem, sem que suas vidas sejam marcadas pela baixa expectativa”, enfatiza Dahlia.


O futuro depende da construção de uma sociedade que respeite a existência e garanta direitos básicos como segurança, trabalho e dignidade. “Queremos viver, não apenas sobreviver. Queremos contar nossas histórias sem que elas sejam marcadas por sangue e dor. Que possamos ocupar todos os espaços sem medo”, conclui Brenn.

Redação

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Da teoria à prática: o que muda quando o estudante vira professor

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Por Jhenyfer Souza e Gabriel Vitorino

Conciliar a vida acadêmica com a docência, lidar com baixos salários e ainda enfrentar a falta de reconhecimento são desafios comuns para quem escolhe a carreira de professor em Rio Branco. Apesar disso, a procura por profissionais cresce e abre espaço para trajetórias que começam ainda durante a graduação. É o caso de Izabele Alves, de 21 anos, que cursa o sétimo período da licenciatura em Letras Inglês na Universidade Federal do Acre (Ufac) e já ministra aulas online. 

Ela decidiu o curso por conta da afinidade com o idioma e pela admiração que tinha pelos professores. No entanto, a estudante reconhece que a visão inicial que tinha sobre o mercado de trabalho mudou ao longo da formação.

“Quando eu entrei na faculdade, eu tinha uma visão bem estereotipada do trabalho do professor. A partir do momento que comecei a procurar emprego como professora de Inglês, percebi que existe grande procura em Rio Branco”, conta Izabele Alves. Com essa experiência ela percebeu que há portas abertas na área, pois muitas pessoas querem fazer curso ou contratar um professor particular.

A estudante destaca ainda que o ensino remoto facilita a conciliação entre trabalho e graduação, mas admite que há períodos em que a carga se torna pesada. Outro ponto de atenção é a baixa remuneração, especialmente quando há vínculo com escolas particulares. Segundo ela, o acúmulo de funções é frequente. 

“O professor de inglês acaba precisando assumir outras disciplinas ou preparar materiais pedagógicos. Isso acontece muito e o salário nem sempre compensa”, explica.

O cenário apontado pela graduanda dialoga com dados do Censo Escolar, que revelam a fragilidade da carreira docente no Acre. Mais de 69% dos professores da rede básica atuam com contratos temporários, chegando a 75% na rede estadual. Além disso, mesmo com nível superior, o salário-base de um professor licenciado no estado gira em torno de R$ 2,6 mil para 40 horas semanais, segundo o levantamento.

Esses números contrastam com a alta demanda da profissão. Em 2025, por exemplo, o governo abriu um processo seletivo com mais de 18 mil vagas temporárias para professores em todo o estado, sinalizando que o mercado está aquecido, mas ainda preso à instabilidade dos contratos.

Experiência  

A realidade vivida por Izabele Alves dialoga com a de Renata da Silva, 30 anos, professora formada em Letras Inglês pela Ufac. Diferente da estudante, Renata começou a trabalhar durante o segundo período da graduação, experiência que tornou a transição para a vida profissional menos abrupta. Apesar disso, ela também reconhece as dificuldades da profissão. Para a professora, o maior choque está na diferença entre teoria e prática. 

“Na faculdade, tudo é muito didático, até utópico. A teoria diz que o aluno vai aprender conforme o período estipulado, mas sabemos que não é assim, especialmente no Acre, onde o contato com o inglês fora da sala de aula ainda é bem restrito”, explica ela.

Foto: Jhenyfer Souza

Renata Silva ressalta que a área segue desvalorizada, tanto pela baixa remuneração quanto pelas condições de trabalho. Segundo ela, o aprendizado do inglês exige mais do que livro e professor. 

“Deveriam haver ambientes mais imersivos e ferramentas adequadas, mas muitas vezes isso não é acessível. A valorização peca e não só em questão de salário”.

Outro ponto levantado pela profissional é a concorrência com pessoas que dominam o idioma, mas não possuem formação específica. Para ela, a vivência universitária traz diferenciais que vão além da gramática e da conversação.

“A formação em Letras nos prepara para lidar com alunos neurodivergentes, com diferentes contextos familiares, além de oferecer base em fonética, linguística aplicada, educação especial. Isso faz diferença no trabalho em sala de aula”, afirma.

Apesar das dificuldades, Renata segue motivada pela interação com os alunos e pela dimensão cultural que o ensino da língua possibilita. “Ensinar inglês vai além da gramática, envolve pontos de vista, debates, diferenças. Isso enriquece a gente também”, diz.

O contraste entre as experiências de Izabele e Renata revela uma realidade marcada por dificuldades, mas também por reconhecimento e oportunidades. Esse debate é essencial quando o assunto é o mercado de trabalho, já que boa parte dos estudantes acabam sendo muito otimistas quanto às oportunidades que terão. Aqueles que já são profissionais e possuem anos de experiência percebem, cedo ou tarde, a fragilidade de sua posição no mercado.

A segurança e a estabilidade são muitas vezes varridas pela visão que as grandes e pequenas empresas têm de lucro, valorizando profissionais mais novos na área, com rotatividade maior, favorecendo o acúmulo de experiências à estabilidade financeira e a segurança no ambiente de trabalho. Com isso, muitos profissionais que se encontram no mercado há mais tempo acabam tendo dificuldade em se manterem neste contexto.

Ao se pensar na realidade do mercado de trabalho e em como as novas gerações criam expectativas profissionais, o debate acaba sendo mais profundo quando se envolve adaptação às novas referências e tecnologias que passam a interferir nas práticas, no cenário da sociedade da informação.

Vale refletir se o mercado de fato é receptivo e possui muitas oportunidades, ou se ele vê o estudante universitário como mão de obra barata de fácil acesso, mas com prazo de validade.

Redação

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O futuro da escrita na era digital

Entre teclados e telas, especialistas destacam que a escrita à mão ainda fortalece memória, criatividade e identidade cultural. Foto: Gabriela Queiroz

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Por Maria Niélia Magalhães, Sérgio Corrêia e Gabriela Queiroz

Das cartas que cruzaram continentes aos aplicativos de mensagens instantâneas, a transição da escrita manual para a digital reflete mais do que uma evolução tecnológica — revela uma transformação profunda em como nos comunicamos, aprendemos e até mesmo como processamos informações. Enquanto especialistas debatem os impactos cognitivos e culturais dessa mudança, neurologistas, educadores e alunos avaliam os prós e contras de cada meio.

“Quando o aluno escreve à mão, ele pensa melhor no que está registrando, organiza o que é mais importante”, afirma a professora Cyndi de Oliveira Moura, 29 anos, formada em Letras pela Universidade Federal do Acre – Ufac e docente de Língua Portuguesa no ensino fundamental. Ela observa no dia a dia os efeitos da escrita manual: “alunos que anotam no caderno conseguem relembrar mais facilmente aquilo que foi explicado em sala.”

Ela destaca que a caligrafia também está ligada à criatividade, pois exige atenção e paciência. Mas nota que os estudantes atuais enfrentam dificuldades: “Eles são impacientes e querem escrever tão rápido quanto pensam. A escrita exige paciência e reflexão, mas o uso excessivo das telas acelera demais o pensamento.”

Apesar disso, a professora não vê a tecnologia como inimiga, e sim como ferramenta que precisa ser equilibrada com a escrita manual: “Os recursos digitais ampliam possibilidades, mas sem criticidade se limitam a cópias rápidas e informações superficiais. O ideal é equilibrar os dois mundos: o papel ajuda a refletir, enquanto a tecnologia prepara para o século XXI.”

Foto: Gabriela Queiroz

O advento da tecnologia digital transformou profundamente a maneira como registramos e comunicamos ideias. Se por um lado a digitação se tornou predominante pela sua praticidade e velocidade, por outro, a escrita manual resiste como prática fundamental – não por nostalgia, mas por seu impacto comprovado na cognição e no desenvolvimento cerebral. 

A voz do estudante

Para Letícia Kelly, aluna do 2º ano do ensino médio de uma escola pública em Rio Branco, a escrita à mão continua sendo indispensável no seu processo de aprendizagem. “Eu prefiro escrever no caderno, porque fazer anotações melhora minha memória. Quando escrevo no celular, não consigo guardar tanto na mente”, afirma.

Elaborar pequenos textos e mapas mentais no papel facilita a memorização de detalhes importantes, segundo Kelly. “Infelizmente, as pessoas estão abandonando a escrita à mão, e isso é muito ruim, pois terão uma memória mais curta. Eu não consigo parar de escrever à mão, porque me ajuda a memorizar as coisas”, completa a estudante.

Atividade da aluna do 2º ano do Ensino Médio, Letícia Kelly. Foto: Maria Niélia

Não se trata de idealizar o passado ou desconsiderar os avanços tecnológicos. Afinal, todos nós aproveitamos a agilidade das mensagens instantâneas para nos conectar com quem está longe. No entanto, especialistas alertam: a caligrafia ativa regiões do cérebro relacionadas à memória e à criatividade de um modo que o teclado não consegue replicar.

Cenário Internacional

Pesquisas recentes confirmam que a escrita manual continua exercendo um papel fundamental no aprendizado. Um estudo norueguês, citado pela DW Brasil na reportagem Escrever à mão ajuda no aprendizado, aponta estudo, mostrou que escrever manualmente aumenta a atividade cerebral justamente nas regiões ligadas à memória e ao processamento motor e visual, favorecendo uma compreensão mais profunda e duradoura do conteúdo. 

Já a BBC Brasil, em Como escrita à mão beneficia o cérebro e ganha nova chance em escolas, destaca a visão da neurocientista Claudia Aguirre, que afirma que escrever em cursivo, especialmente em comparação com digitar, ativa caminhos neurais específicos que otimizam o aprendizado e o desenvolvimento da linguagem.

A Finlândia, país reconhecido por seu sistema educacional inovador, retirou a caligrafia do currículo obrigatório em 2016, priorizando o ensino de digitação (The Guardian, 2015). Nos Estados Unidos, discussões semelhantes ganharam força nos últimos anos. Essas mudanças, no entanto, não ocorrem sem controvérsias.

À medida que escolas e estudantes se adaptam às demandas de um mundo digital, pesquisadores seguem investigando como equilibrar tradição e inovação. Por um lado, alguns educadores defendem a adaptação aos novos tempos, por outro, especialistas em neurociência e desenvolvimento cognitivo alertam para as perdas associadas à diminuição da escrita manual.

O melhor de ambos

Enquanto isso, a ciência segue confirmando: escrever à mão é muito mais que um gesto cultural – é uma ferramenta poderosa para moldar o cérebro e expandir as fronteiras do pensamento. A pergunta que permanece não é apenas sobre qual método de escrita é mais eficiente, mas como podemos integrar o melhor de ambos para promover uma aprendizagem mais rica e significativa. 

Não se trata, portanto, de uma disputa entre o antigo e o moderno, mas de reconhecer que ambas as formas de escrita — a manual e a digital — podem coexistir e se complementar. Como bem ilustram a professora Cyndi e a estudante Letícia, escrever à mão continua a ser um exercício de paciência, reflexão capaz de transformar informação em conhecimento.

No fim, o que importa é lembrar: escrever não é apenas registrar palavras — é processar ideias, construir sentidos e, acima de tudo, permanecer humano em um mundo em constante transformação.

Redação

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Você sabia que o e-Título foi idealizado por uma acriana?

Rosana Magalhães, hoje aposentada, trabalhou na Justiça Eleitoral desde 1994. Foto: Arquivo do TRE/AC

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Por Francisca Samiele e Amanda Silva

Talvez pouca gente saiba, mas uma das ferramentas digitais mais importantes da Justiça Eleitoral no Brasil foi criada por uma mulher acriana. O e-Título, versão digital do título de eleitor, que ajudou a modernizar a forma como milhões de brasileiros votam, foi idealizado por Rosana Magalhães, na época, secretária de tecnologia do Tribunal Regional Eleitoral do Acre (TRE-AC).

Considerando que até 1932 as mulheres sequer tinham direito ao voto no Brasil, é irônico pensar que tenha sido justamente uma mulher a idealizar essa tecnologia, considerada essencial para o exercício da democracia ter se tornado tão prático.

O aplicativo e-Título foi lançado em dezembro de 2017. Foto: Internet

A idealizadora do e-Título

Rosana Magalhães, hoje aposentada, trabalhou na Justiça Eleitoral desde 1994 e acompanhou a evolução do sistema de votação, do papel à urna eletrônica. Como analista de sistemas, ela percebeu que o título de papel era um documento que dificultava o acesso a alguns serviços da Justiça Eleitoral e a atualização de dados para muitas pessoas.

“Ele (título) não tinha foto e não tinha dados atualizados como estado civil, grau de escolaridade, nome em caso de mudança após casamento. Era um documento estático. […] Era um papel que molhava e não tinha muita durabilidade”, explicou Rosana Magalhães. A servidora comenta que foi observando essas limitações que surgiu a ideia do e-Título, um documento digital que pudesse atualizar automaticamente informações do eleitor e simplificar processos como emissão de certidão de quitação eleitoral.

Rosana Magalhães em divulgação de campanha no Acre para o e-Título. Foto: Arquivo do TRE/AC

“E outra coisa que observei durante toda essa minha experiência de vida na Justiça Eleitoral é a dificuldade que as pessoas tinham em atualizar seus dados e, quando perdiam o título de eleitor, ficavam numa fila enorme perto da eleição”, relembra.

O e-Título foi lançado em dezembro de 2017 e o projeto foi desenvolvido junto ao TRE-AC após aprovação do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). A primeira versão, desenvolvida em cerca de 40 dias, foi disponibilizada nas lojas de aplicativos e preparada para uso nacional, sendo adotado pelos estados de forma gradual. 

O e-Título é acessível para pessoas com deficiência visual, baixa visibilidade ou daltônicas e também é permite acessar vários serviços, tais como:

• Apresentação de justificativa eleitoral no dia das Eleições e após o pleito;
• Consulta ao histórico de justificativas eleitorais;
• Consulta ao local de votação;
• Emissão de certidão de quitação e de crimes eleitorais;
• Geração do Título Eleitoral em formato PDF para impressão;
• Cadastrar mesária ou mesário voluntários;
• Emissão de declaração de trabalhos eleitorais;
• Geração de código de autenticação para sistemas parceiros;
• Consulta a débitos eleitorais;
• Pagamento de eventuais débitos eleitorais por Pix ou por meio da emissão de boleto.

Veja como o título de eleitor evoluiu ao longo dos anos:

Reações às mudanças

O e-Título trouxe mudanças significativas para os eleitores. Alguns se adaptaram muito bem, mas também tem quem ainda prefere o documento à moda antiga.

Para a  assistente administrativa Janara Cristina Dutra Nogueira, 37 anos, a mudança é bem-vinda. “Para mim, a maior vantagem é a praticidade. Não preciso mais andar com o título de papel, ele fica no celular. Também dá para ver meu local de votação, regularizar situação eleitoral e até justificar voto se eu estiver fora”, explica.

A pedagoga Katiane Lima, também considera a mudança um bom progresso. “O aplicativo trouxe praticidade, oferecendo acesso rápido e fácil às informações, sem necessidade de buscar documentos físicos. A transição de papel para digital trouxe mudanças de mentalidade e aprendizado necessário para usar novas tecnologias”.

Mas nem todos os usuários que passaram pela transição do papel ao digital se adaptaram completamente, como é o caso da funcionária pública Iêda Fernandes, de 69 anos. “Tenho algumas dificuldades com a tecnologia… Já utilizei em alguns momentos, mas não me senti tão segura. Para utilizar como ferramenta principal, devo aprender mais sobre as funcionalidades. Preciso me tornar mais tecnológica”.

A  aposentada Junisseia Souza de Lima enfatiza sua preferência pelo título em papel: “sabe por que eu não gosto de botar no telefone as coisas? Porque às vezes a gente é roubada, basta puxar o telefone para olhar e o ‘cabra’ vem e toma. A gente não fica tranquila andando com telefone, eu não fico. Então, com a cédula de votação, é melhor papel, eu gosto. Eu não gosto de sair preocupada com o telefone, então, para evitar isso, prefiro o de papel.”

Já a professora de português Gleiciany Florêncio de Araújo, de 34 anos, sugere algumas atualizações: “Para mim, uma grande melhoria no aplicativo seria se ele também pudesse ser usado offline, porque algumas vezes o sinal da internet é fraco e não dá para entrar no aplicativo”.

Progresso

A idealizadora do projeto ressalta que o e-Título continua evoluindo e pode, futuramente, incluir funcionalidades como coleta de biometria pelo próprio aplicativo.

Lançamento do e-Título, em Brasília, 2017. Foto: Arquivo do TSE

O e-Título trouxe benefícios para os eleitores e para a Justiça Eleitoral. Agora, muitas situações podem ser resolvidas diretamente pelo aplicativo, o que diminui filas e tempo de espera. O uso digital reduz custos com impressão de títulos e certidões, e o aplicativo pode ser usado por eleitores em qualquer lugar do Brasil ou no exterior.

“O principal impacto para a sociedade, para a justiça eleitoral e para a sociedade também é a economia que teve de muitos milhões para emissão de título eleitoral, já que não há mais necessidade de imprimir”, afirma Rosana Magalhães. E ela repete uma frase que Caetano Veloso disse no dia do lançamento do e-Título: “É incrível a força que as coisas parecem ter quando elas precisam acontecer.”

Conheça um pouco da trajetória das mulheres na luta por seus direitos políticos AQUI.

Redação

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