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Muito além dos números: o luto na pandemia

Publicado há
4 anos atrásem
por
Redação
Por Marcus V. Almeida e Pâmela Celina
O que fazer quando um país normaliza mais de 500 mil mortes por uma doença que já possui vacina? Desde março de 2020, lidamos com a morte e o luto de uma maneira macabra. Choramos por conhecidos, parentes ou famosos, mas ignoramos milhares de anônimos que morrem diariamente. O processo de nos despedir de quem amamos foi reduzido ao mínimo devido aos protocolos de contenção de contaminação e a ideia de morte e luto passou por uma transformação.
O processo de luto para quem perdeu um ente querido envolve diversas etapas que ajudam na forma de lidar com a morte. Pode parecer simples, mas esse processo é bastante complexo e proporciona diversos estudos acadêmicos e científicos que apontam os impactos psicológicos nas pessoas que não puderam se despedir de acordo com seus costumes.
A Covid-19 eliminou o ritual de despedida que existe na cultura brasileira, com velório, cortejo e enterro. Desta forma, as pessoas ficam com a sensação que “não se despediram como deveriam” e perderam também o apoio mais próximo de parentes e amigos. Com o distanciamento social, as famílias e equipes de saúde passaram a vivenciar a morte com mais impacto.
O avanço da pandemia, com situações de muitos casos de infecção e óbito em familiares e amigos, gera uma sequência de lutos e maiores dificuldades de superação, fazendo até mesmo aqueles que não tiveram perdas de pessoas próximas vivenciarem sentimento de instabilidade social e sofrimento.
Temos que lembrar que a experiência de uma pessoa não serve para todas, cada um vivencia o luto de uma forma diferente e existem variadas formas de superar. O luto envolve etapas que podem gerar sentimentos de mudança da forma de viver ou a busca de motivação para continuar.
Para entender melhor como a pandemia da Covid-19 transformou a essencial vivência do luto, conversamos com a psicóloga Khauana Leite, que explicou um pouco sobre as principais mudanças que aconteceram na forma de lidar com a perda. Formada pela Universidade Federal do Acre (Ufac), ela faz mestrado em Psicologia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). No ano de 2020, ela atuou como voluntária no atendimento de pacientes encaminhados pelo TeleCovid e também no Acolha um profissional de saúde, projeto direcionado ao atendimento psicológico emergencial de profissionais que atuam na linha de frente contra a Covid-19 em Rio Branco.
O que é o luto?
Khauana: O luto é um processo emocional natural vivenciado a partir de uma experiência de perda/rompimento de vínculo (que não se restringe ao falecimento de uma pessoa, mas também ao fim de relacionamentos afetivos, perda de animais de estimação ou a perda de emprego, por exemplo). A partir da perda ocorre o “fim” da forma estabelecida cotidiana de viver e surge a necessidade de uma nova significação para a própria vida de quem está vivendo o luto. Esse processo ocorre conforme o tempo e a cultura em que cada pessoa está inserida. É comum que aconteça em países latino-americanos um ritual de despedida, como o velório e o enterro, para que as pessoas que possuem vínculo com a/o falecida/o possam usufruir de uma rede de apoio e também seguir para fases de aceitação e rearranjo da vida sem a presença física daquela pessoa que se foi.
Como o processo de luto acontece?
Khauana: Bom, é importante frisar que o luto, assim como as demais experiências que compõem a existência humana, não deve ser generalizado. Apesar de ter teorias que descrevem as fases do luto, elas não seguem uma cronologia e cada pessoa vivencia de maneira única. O processo de luto interrompe o fluxo cotidiano e também exige que novas experiências sejam construídas por aqueles que permaneceram.
Uma autora que geralmente tomo como base para compreender e atender pessoas enlutadas é a Elisabeth Kübler-Ross (psiquiatra suíço-americana). Ela descreve o luto em cinco estágios: isolamento e negação da perda; raiva quando se percebe que não é mais possível negar; barganha, estágio de promessas divinas para permanência do ente que está em fase terminal ou crença de um possível retorno; depressão, rebaixamento do humor, é marcado por solidão e saudade; e por último, o estágio de aceitação da perda e reorganização da vida sem a pessoa querida.
Como a pandemia transformou esse processo?
Khauana: A pandemia por Covid-19 quebrou o ritual de despedida extremamente importante para a vivência do luto. Já existem estudos que descrevem que essa ruptura contribui para impactos psicológicos naqueles que ficaram, ao passo que não puderam se despedir dos seus entes.
Em função das medidas de distanciamento social as pessoas que estão hospitalizadas mantêm o contato com os familiares apenas pelo celular, após a entrada no ambiente hospitalar não há mais contato presencial com o ente. Esse processo afeta diretamente pacientes hospitalizados, os familiares e a equipe de saúde que se depara com a iminência da morte de forma potencializada. Dentro de todo esse cenário fica muito difícil realizar rituais funerários de despedida em consonância com a cultura e religião das pessoas envolvidas, dificultando a experiência do luto.
Além disso, há situações em que famílias apresentam múltiplos casos de infecção e óbito, mobilizando uma sequência de lutos, trazendo ainda mais desafios para se adaptar e lidar com as perdas. E todo esse cenário crônico de enlutamento não acontece apenas com familiares e equipe de saúde, mas na sociedade como um todo, mesmo pessoas que não tiveram perdas concretas, amigas/os ou familiares, podem viver o sofrimento e ter um sentimento de instabilidade social.
Quais seriam as consequências e impactos da pandemia nesse processo?
Khauana: A pandemia de Covid-19 implica diretamente na experiência do luto, principalmente no antecipatório, ou seja, na preparação emocional diante da iminência da perda. Este é afetado nesse período, pois em alguns casos o quadro clínico da/o paciente pode agravar rapidamente e ela/e vir a óbito. Além disso, o local e as condições em que a pessoa morre também oferecem implicações para esse processo, ao passo que se o ente estiver isolado haverá impossibilidade da despedida, o que contribui para vivência de um luto complicado.
As pesquisas têm apontado que há frequência do sentimento de culpa, familiares e amigas/os podem acreditar e sentir que foram os responsáveis por infectar a pessoa falecida. Nesse sentido, o que se sabe cientificamente até o momento, a partir das pesquisas realizadas, é que os impactos psicológicos podem variar entre ansiedade, síndromes de pânico, luto antecipatório afetado e o desenvolvimento de um luto complicado devido à impossibilidade de um ritual de despedida.
Cuidados funerários
Além dos números de mortes ou da descrição técnico-científica da doença, informações que recebemos diariamente desde o início da pandemia, é interessante conhecer melhor quem está tendo que lidar diretamente com os que tiveram uma perda por essa doença. Para isso, buscamos entender como a pandemia afetou o ambiente e a rotina de quem trabalha em uma funerária.
Nonata Viana começou a trabalhar em funerárias por necessidade, mas atualmente não trocaria de emprego por nada. “Hoje em dia, se por um acaso eu tiver que sair da funerária, eu vou procurar outra funerária, porque eu amo o que faço”. Por trabalhar na preparação dos corpos para o velório, Nonata sempre manipulou produtos químicos, o que tornou o uso de EPIs rotina diária no ambiente de trabalho, mesmo antes da pandemia. Mas isso não significa que não houve alterações nos cuidados. “Depois dessa pandemia, claro que a gente se equipa melhor. Além de usar máscara, luva, avental, touca e bota, a gente tem que colocar o macacão e aquela outra máscara mais avançada”, conta.
Ela relata que a principal mudança na rotina de trabalho ocorreu quando começaram os enterros em que a causa da morte foi por complicações da Covid-19. “Quando na declaração vem escrito Covid-19, a gente não pode mexer no corpo. Ele sai do hospital direto para o cemitério”. Segundo ela, os familiares contestam a ausência de velório. Quando isso ocorre, a funerária entra em contato com a vigilância sanitária para conversar e depois explica aos familiares os motivos da proibição desses atos para as vítimas da Covid-19.
O contato com as famílias é delicado, pois o abalo da perda influencia o modo como vão lidar e a forma com que se dirigem a eles. O convívio tão próximo com a morte permite que se pense mais antes de falar com quem perdeu um ente querido. Nonata ressalta que, dependendo do que é dito, às vezes podem acontecer interpretações equivocadas.
Mesmo com todos os cuidados e o uso de EPIs não isentaram Nonata de pegar a Covid-19 e, infelizmente, perder entes queridos para essa doença. Ela relata que houve casos de Covid na funerária, incluído ela mesma, e casos de colegas de trabalho em outras empresas que chegaram a óbito devido a complicações da doença.
“Lidar com a perda é bem complicado. É difícil você ver um colega de trabalho morrer por essa doença, uma coisa que você está lidando ali. Você tá convivendo com isso e, mesmo preparada, com os equipamentos de proteção, você está correndo risco, não é? Então, a gente fica bem apreensivo, com medo. Mas é o nosso trabalho e temos que ter fé”, fala. A pandemia potencializou um medo generalizado: perder aqueles que amamos.
A conversa com Nonata mostra que lidar diretamente com a morte requer dedicação e uma coragem que muitos não têm. As falas demonstram que seu trabalho é mais do que somente lidar com corpos sem vida.
Sobre a Covid-19
A Covid-19 é uma infecção respiratória causada pelo SARS-CoV-2, da família dos coronavírus, cujo primeiro caso foi relatado no final de 2019. A doença é transmitida pelo ar, atingindo as vias respiratórias e podendo afetar diversos sistemas do corpo. Com alta transmissibilidade e de distribuição global, a enfermidade tem deixado muitas sequelas físicas e psicológicas em todos.
Até o final de julho de 2021, no Acre foram registrados mais de 87 mil casos de infecções, dos quais aproximadamente 1800 chegaram a óbitos por complicações de Covid-19. Com o avanço das vacinações no Estado (pouco mais de 40% da população recebeu a primeira dose), diversos mutirões estão sendo feitos para acelerar o processo de imunização (atinge atualmente cerca de 14% da população com doses completas). Vale ressaltar que mesmo após ser vacinado é possível transmitir a doença a outras pessoas. Por isso, a recomendação é manter o uso de máscaras faciais, o distanciamento social e a higienização frequente das mãos. São muitos esforços e profissionais empenhados em trazer esperanças e diminuir os óbitos por Covid-19 na população acreana.
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Cresce o número de acidentes e lesões nas ruas de Rio Branco no 1º Trimestre de 2025

Publicado há
3 semanas atrásem
13 de junho de 2025por
Redação
Número de mortes cai 41%, mas ocorrências aumentam e imprudência ainda preocupa autoridades e população
Por Ana Flávia Santos, Gabriela Fintelman, Luísy Xavier, Patrícia Pinheiro e Pedro Amorim
No primeiro trimestre de 2025, Rio Branco registrou 676 acidentes de trânsito, com um aumento de 3% em relação ao mesmo período de 2024, quando foram contabilizadas 656 ocorrências. Os dados são da Coordenadoria de Engenharia e Estatística de Trânsito do Departamento Estadual de Trânsito (Detran/AC) e apontam para um cenário ainda preocupante na capital acreana.
Desse total, 261 resultaram em vítimas não fatais, com 310 pessoas lesionadas. Por outro lado, o número de vítimas fatais apresentou uma queda significativa: foram sete vítimas fatais de janeiro a março deste ano, contra 12 no mesmo período do ano passado — uma redução de aproximadamente 41,7%.
Embora o recuo nas mortes seja um sinal positivo, o cenário ainda está longe de ser considerado seguro nas vias da capital. Mesmo quando os acidentes não resultam em fatalidades, os efeitos são visíveis, como os engarrafamentos, pessoas feridas, danos materiais e prejuízos emocionais.
Perfil de vítimas no trânsito
Segundo dados do Detran divulgados em 2016 e que permanecem como a base mais recente disponível —, homens representavam 69,6% das vítimas de acidentes em Rio Branco, enquanto as mulheres correspondiam a 30,16%. A faixa etária mais atingida era de 18 a 29 anos, com predominância de condutores (74,11%), seguidos por passageiros (17,46%) e pedestres (8,42%).
As motocicletas estavam envolvidas em 55,09% dos acidentes com vítimas, enquanto os automóveis lideravam os acidentes sem vítimas, com 64,45%.
A maioria dos casos envolvia colisões (79,9%) e atropelamentos (9,75%), com maior incidência nos horários de pico: entre 5h30 e 7h, 11h e 12h, e 18h e 19h.
Em uma entrevista para o jornal Folha Nobre em janeiro deste ano, a coordenadora de Educação do Detran, Cléia Machado, destacou que o grupo mais vulnerável no trânsito são primeiramente os pedestres e em segundo os ciclistas. Embora os dados mais recentes disponíveis sejam de 2016, não há evidências de mudanças significativas no perfil das vítimas.
“Os pedestres e ciclistas são os mais vulneráveis no trânsito, por isso precisam ter atitudes que protejam a vida. Aqui no Parque Ipê, por exemplo, os pedestres devem utilizar as vias para pedestres, assim como o ciclista deve transitar na ciclovia e sempre utilizar os equipamentos de segurança”, afirma.
Imprudência lidera causas de acidentes na capital
De acordo com o Detran, cerca de 90% dos acidentes registrados na capital são causados por imprudência no trânsito. Além disso, em âmbito nacional, estudos realizados pelo Ministério dos Transportes indicam que a imprudência dos motoristas é responsável por 53,7% deles no Brasil.
Entre os comportamentos de risco mais comuns estão excesso de velocidade, avanço de sinal vermelho e ultrapassagens perigosas. O advogado de trânsito Sandro Oliveira alerta que o problema não se resume à falta de conhecimento: “A falta de educação está diretamente ligada aos acidentes. Muitos motoristas agem como se estivessem certos, mesmo quando claramente estão errados”, comenta.
Outro fator preocupante é o crescimento da frota de veículos em Rio Branco. Entre 2020 e 2024, o número de automóveis registrados saltou de 186.723 para 217.962 — um aumento de 16,75%. A expansão, sem melhorias proporcionais na infraestrutura, contribui para congestionamentos, cruzamentos perigosos e aumento nos índices de acidentes.
As vias mais perigosas da capital
Segundo o Batalhão de Policiamento de Trânsito (BPTran), os cruzamentos são os locais com maior incidência de acidentes, principalmente nos horários de pico e em vias de grande fluxo. Entre janeiro e março de 2025, as dez vias com maior número de ocorrências somaram 148. A Avenida Ceará lidera o ranking com 30 ocorrências no trimestre.
Além de fatores comportamentais, a ausência de sinalização adequada em trechos movimentados da capital também contribui para o risco nas vias. Para o advogado, o papel do poder público é fundamental nesse cenário.
“Cabe ao poder público garantir a sinalização horizontal e vertical conforme determina o artigo 80 do CTB [Código de Trânsito Brasileiro]. Sem isso, a responsabilidade pela segurança nas vias fica comprometida”, pontua.
Vozes das ruas: o olhar de quem vive o trânsito
Para além dos dados e estatísticas, as experiências cotidianas de quem enfrenta o trânsito todos os dias oferecem uma visão concreta e urgente da realidade. “Os principais desafios são nas ruas, com muitos motoqueiros imprudentes”, relata Jeferson Bessa, motorista de aplicativo.

Ele também aponta a precariedade da malha viária como um agravante: “Há várias ruas em Rio Branco que precisam de atenção do governo porque estão com muitos buracos, alguns sendo quase impossíveis de passar de moto, principalmente quando chove”, enfatiza.
Essa dificuldade também foi vivida por João Gustavo Rocha, vendedor externo da empresa Acrepan, que teve prejuízo após cair em um buraco encoberto pela água da chuva. “Era uma rua bem esburacada e todos os buracos estavam com água. Não dava pra ver o quão fundo eles eram. Acabei batendo em um buraco no carro da empresa e quebrou um pouco do para-choque. A empresa ficou no prejuízo” relata.
Bairro Sobral, Rio Branco – AC. Foto: Hélio Vitalino
Ele também avalia que a desinformação sobre regras e deveres no trânsito ainda é um entrave. “A maioria dos motoristas não está bem-informada. Falta conscientização da população, e mais investimento do governo em educação para o trânsito. Muitas autoescolas também não oferecem uma formação de qualidade”, conclui.
Como prevenir acidentes e contribuir para um trânsito mais seguro
Diante dos números alarmantes e dos relatos de quem vivencia diariamente os desafios nas vias de Rio Branco, a prevenção se torna indispensável. Confira algumas orientações que podem ajudar a salvar vidas durante a rotina de trânsito.
- Respeite os limites de velocidade e a sinalização;
- Nunca dirija sob efeito de álcool ou outras substâncias;
- Use sempre o cinto de segurança e capacete, no caso de motociclistas;
- Evite o uso do celular ao volante;
- Mantenha a manutenção do veículo em dia, especialmente pneus e freios;
- Esteja atento às condições da pista, principalmente em dias de chuva.
Além da responsabilidade individual, o papel da população também é fundamental na fiscalização cidadã. Irregularidades no trânsito, buracos em vias públicas e comportamentos de risco podem – e devem – ser denunciados.
Canais de Denúncia e Contato:
- RBTrans (Superintendência Municipal de Transportes e Trânsito): (68) 3212-7040
- Detran/AC: (68) 3229-5500, site: www.detran.ac.gov.br
- Ouvidoria da Prefeitura de Rio Branco: 0800 647 1311
- Polícia Militar (em caso de emergência ou flagrante de infração): 190, site: www.pm.ac.gov.br
As orientações seguem recomendações da Secretaria Nacional de Trânsito (Senatran) e do Observatório Nacional de Segurança Viária (ONSV), que reforçam a importância da educação, fiscalização e boas práticas para a redução de acidentes. Somente com a união entre poder público, condutores e pedestres será possível transformar Rio Branco em uma cidade mais segura para todos.
Notícias
Empreendedorismo, arte e ativismo: narrativas de resistência de mulheres periféricas no primeiro podcast original A Catraia
Os 3 episódios do programa mergulham nas experiências de mulheres periféricas na capital acreana, explorando como o ativismo, a arte e o empreendedorismo social se entrelaçam como formas concretas de existir e transformar a realidade.

Publicado há
4 semanas atrásem
6 de junho de 2025por
Redação
Produção explora como mulheres de Rio Branco constroem caminhos de autonomia e dignidade, utilizando o empreendedorismo e a arte para resistir à exclusão
Por: Victor Manoel
A realidade social e econômica apresenta desafios únicos em Rio Branco, especialmente para grupos minorizados que enfrentam barreiras estruturais no acesso a direitos básicos, inclusive no mercado formal. Nesse contexto, o empreendedorismo surge não apenas como um meio de subsistência, mas como uma poderosa ferramenta de resistência, emancipação política e busca por autonomia e dignidade.
É essa força e criatividade que impulsionam o podcast “Trabalhar e Resistir”, projeto do curso de Jornalismo da Ufac, realizado no âmbito do jornal laboratório A Catraia, que busca ouvir essas narrativas de luta e superação. Os 3 episódios do programa mergulham nas experiências de mulheres periféricas na capital acreana, explorando como o ativismo, a arte e o empreendedorismo social se entrelaçam como formas concretas de existir e transformar a realidade.
Uma das vozes do podcast é da Luar Maria, atriz e estudante, que compartilha a dura realidade enfrentada pela população trans no Acre. Ela aponta a falta de seriedade e compreensão por parte de algumas gestões públicas em relação às necessidades dessa população e destaca a precariedade do acesso à saúde e a ligação entre empregabilidade e saúde. Luar ressalta que a luta por direitos e a busca por meios de subsistência andam juntas. Para ela, falta “seriedade no sentido de realmente tocar o que o recorte das secretarias está faltando”, e é preciso acreditar que essas políticas são cruciais para entender e avançar.
O podcast também apresenta Vands, artivista e empreendedora de ilustrações da periferia. Ela vê sua arte não apenas como expressão, mas como uma ferramenta de ativismo e uma forma de gerar renda, conectando seu trabalho a questões de justiça social, ambiental e direitos humanos. Transformar sua arte em empreendimento foi um passo natural, mas cheio de desafios práticos no contexto periférico. Vands define seu “artivismo” como a união da arte com o ativismo e considera “resistência”, pois fala de questões importantes e é criada “em um contexto em que (…) o capitalismo incentiva muito a gente a consumir sem pensar”.
Para oferecer um panorama mais amplo, o podcast incluiu a perspectiva institucional com Julci Ferreira, analista do Sebrae Acre e gestora de projetos como o Plural, focado em grupos sub-representados e pessoas em situação de vulnerabilidade. Julci explica a abordagem do Sebrae para o empreendedorismo inclusivo, buscando integrar esses grupos e dar a eles “luz e autoridade para se verem como empreendedores”. Ela afirma que “a ideia do Sebrae não é número, não é abrir CNPJ. A ideia do Sebrae é cada vez mais desenvolver ideias de negócio”.
Ouça “Trabalhar e Resistir: Vozes Periféricas do Empreendedorismo no Acre” no Spotify: https://open.spotify.com/show/6un2SKAou6c8OfkehlAv5Q?si=0572cdc289e345c3
Histórias de vida
Mulheres que fazem acontecer: a força do trabalho manual no empreendedorismo acreano
Elas não apenas produzem: elas plantam, moldam, carregam, vendem e resistem. Em um cenário onde empreender não é só uma escolha, mas uma forma de sobrevivência, mulheres do Acre estão transformando o que têm — terra, cimento, fruta, memória — em renda, autonomia e permanência. Muitas fazem isso com as próprias mãos. Outras, com apoio da família. Mas todas compartilham algo em comum: a decisão de permanecer criando.

Publicado há
4 semanas atrásem
5 de junho de 2025por
Redação
Por Thaynar Moura
Elas não apenas produzem: elas plantam, moldam, carregam, vendem e resistem. Em um cenário onde empreender não é só uma escolha, mas uma forma de sobrevivência, mulheres do Acre estão transformando o que têm — terra, cimento, fruta, memória — em renda, autonomia e permanência. Muitas fazem isso com as próprias mãos. Outras, com apoio da família. Mas todas compartilham algo em comum: a decisão de permanecer criando.
Da colheita ao pote: Lucilene e a trajetória de um doce feito com raízes
Lucilene Nonata, de 58 anos, vive com o marido em um sítio no interior do Acre. Foi ali que, há cerca de duas décadas, ela decidiu começar a fazer doces com frutas do próprio quintal. “Meus filhos estavam entrando na adolescência e eu queria fazer algo meu, que também ajudasse na renda da casa”, conta.
A escolha pelo doce não foi aleatória: os pais de Lucilene já faziam compotas com frutas temporãs, e o marido, cearense, também gostava de preparar receitas simples. “Foi natural. Começamos com o que a gente tinha: cupuaçu, mamão, banana. O leite vinha do vizinho.”
Hoje, mesmo com o pomar envelhecido e parte da matéria-prima comprada de produtores vizinhos, o processo segue artesanal. Tudo é feito por Lucilene e o esposo, desde a limpeza até o ponto do doce. A venda acontece em feiras e comércios locais, e o contato com o público é parte do valor do produto. “As pessoas perguntam se é a gente mesmo que faz. Criamos laços. Muitos viram amigos.”
A formalização veio com apoio do Sebrae, que orientou desde o registro como MEI até a criação dos rótulos e da tabela nutricional. “O Sebrae foi nosso primeiro e melhor parceiro. Nos abriu portas e deu acesso a linhas de crédito, cursos e assistência técnica”, relata.

Apesar dos avanços, o desafio é constante: o alto custo dos insumos e a concorrência com produtos industrializados. “É difícil competir. Nosso estado não é rico. Mas a gente vai atravessar essa fase também”, afirma Lucilene. E para outras mulheres que pensam em empreender, ela é direta: “Somos guerreiras. Se cada dia traz um leão, que venham os leões.”
Concreto, família e criação: a arte que resiste com Elizabete e Maria Eliane
Elizabete Monteiro tem 25 anos e voltou ao Acre em 2025, depois de concluir a graduação em Curitiba. Junto com a mãe, Maria Eliane, de 61, criou o negócio “Arte em Concreto”, voltado à produção manual de peças decorativas feitas a partir de cimento, areia, pedrita e moldes reaproveitados.
“O gosto pelo artesanal sempre veio da minha mãe. Quando ela ia passar um tempo comigo, ficava procurando o que fazer com as mãos”, lembra Elizabete. A dupla começou estudando técnicas no YouTube e fazendo testes em casa, até descobrir formas de agregar valor às peças — como a inclusão de plantas e o uso criativo do concreto na decoração.
O trabalho é familiar. Elizabete e a mãe cuidam da produção. O pai ajuda nas feiras. A irmã apoia na divulgação digital. “É algo muito em família, e cada um colabora do seu jeito”, afirma.
Entre os maiores desafios, Elizabete destaca o início do processo. “É preciso vencer o medo de começar. Mostrar o que você faz e lidar com o marketing exige constância.”Atualmente, participa da associação “Elas Fazem Acontecer”, formada por mulheres empreendedoras que organizam feiras e dão suporte às expositoras. “Faz diferença. A gente se sente parte de algo.”
A empresa começou a vender peças há cerca de um mês, e uma das metas de Elizabete é investir mais na divulgação pelo Instagram. “Hoje, se você quer saber de algo de uma loja, já vai direto no Instagram. Quero turbinar as postagens.”
Para ela, o mercado de decoração artesanal está crescendo. “As pessoas querem peças com identidade, que sejam únicas.” E para outras mulheres que sonham empreender: “Persistam. Se você ama o que faz, o retorno vem. Mas é preciso estar atenta às novidades e criar com propósito.”
Arte, dedicação e persistência: de uma conversa entre amigas ao ateliê em casa – o sonho de Adriana
Adriana Balica, 32 anos, é proprietária da FazerArt Personalizados, um ateliê montado na própria casa, onde ela cuida de tudo: do atendimento à criação das artes e à embalagem personalizada. “A FazerArt nasceu numa conversa entre amigas, juntando minha paixão pelo trabalho manual. Hoje, faço tudo sozinha,” conta.
Para Adriana, empreender é uma jornada que exige atenção constante. “Empreender é uma tarefa extremamente difícil, pois temos que dominar um pouquinho de cada coisa e estar sempre atenta a todos os detalhes. Há dias e dias, há altos e baixos, assim como a nossa vida”, reflete.

Assim como as outras mulheres desta reportagem, Balica destaca o apoio do Sebrae. “O Sebrae sempre esteve de portas abertas pra ajudar, tirar dúvidas, oferecer cursos, palestras e concursos. Sempre que posso, participo.”
E sobre tecnologia? Ela brinca: “Não uso nenhuma tecnologia avançada, eu acho, kkk.”
Para quem pensa em empreender, Adriana tem um conselho: “Lute! Lute pelos seus sonhos. Deus não coloca sonho no nosso coração que a gente não possa alcançar. É difícil, cansativo, cheio de desafios, mas vale a pena! ”
Onde termina o produto, começa a história
As histórias de Lucilene, Elizabete e Adriana, não são exceções. Elas representam milhares de mulheres no Brasil e no Acre que vivem daquilo que fazem, cultivam ou aprendem. Os dados mais recentes reforçam o que as histórias contam: empreender, para muitas mulheres, é uma decisão moldada pela necessidade, mas sustentada pela criatividade e pelo trabalho diário. Que trabalham com o corpo, com a memória e com o tempo.
No Acre, o número de mulheres à frente de negócios oscilou nos últimos três anos. Segundo dados do DataSebrae, em 2022, eram 23.564 empreendedoras no estado. Em 2023, esse número caiu para 20.453, representando 23,7% do total de donos de negócios. No entanto, em 2024, houve uma leve recuperação: 21.350 mulheres atuavam como donas de negócio no estado no 4º trimestre, o que representa 25,1% dos empreendedores locais.

Esse avanço percentual, frente aos 23,7% registrados no ano anterior, revela uma retomada gradual da presença feminina no mercado.
Em números nacionais, 42% dos empregadores ou trabalhadoras por conta própria no Brasil são mulheres — um universo de 10,4 milhões de empreendedoras que movimentam a economia com pequenos negócios, muitas vezes construídos no quintal, na sala de casa ou em uma feira.
O aumento na participação percentual indica que as mulheres seguem ocupando espaço, criando soluções e sustentando seus negócios com o que têm – seja terra, concreto ou papel.

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