Cotidiano
O chefe está na calçada
Publicado há
4 anos atrásem
por
Redação
Bazar Chefe, comércio tradicional no Centro de Rio Branco, vende de tudo um pouco para uma clientela fiel conquistada ao longo de mais de 50 anos
Por Camila Gomes e Maria Fernanda Arival
“O chefe ‘tá’ na calçada”, diz o jornalista Washington Aquino todas as manhãs no telejornal que apresenta. Durante os últimos 50 anos, seu Tancredo Lima, mais conhecido como Seu Chefe, está à frente do seu comércio, o Bazar Chefe, localizado bem no Centro da cidade de Rio Branco, vendendo, proseando, administrando e também fazendo novos clientes.
Aos 15 anos, Seu Chefe e sua esposa, Maria José, se casaram e resolveram abrir o próprio empreendimento. Conseguiram um pequeno espaço na beira do rio onde, naquela época, só havia barrancos e pequenas casas de madeira. Hoje o lugar é conhecido como Mercado Velho e se tornou uma das principais atrações turísticas da capital acreana. O casal vendia vassouras de palha, que encomendavam com um amigo de Belém, no Pará; tabaco, produzido aqui mesmo, no Acre, e cigarros. Desde o primeiro dia nomearam a simples loja de Bazar Chefe.

Aos 67 anos, Seu Tancredo conta que o nome Chefe vem desde os oito anos de idade. Seu pai o apelidou assim pois já era uma criança responsável por muitas tarefas e, enquanto o pai estava fora, ele era o homem da casa. Por ser muito obediente e dar conta dos serviços que o pai designava era considerado um pequeno grande chefe na época.
De tudo um pouco
Quando pensaram em abrir o próprio negócio, o nome já estava pronto: “bazar” por ser um lugar onde se vende diversos tipos de produtos e mercadorias e “chefe” por ser o apelido que o pai lhe deu quando criança. Ao longo dos anos, Seu Chefe foi percebendo que a clientela era diversa e ele prestava bastante atenção no que as pessoas procuravam no mercado. Foi aí que começou a trazer para seu estabelecimento de tudo um pouco.
Na tradicional loja, a população de Rio Branco encontra os mais variados objetos e utensílios, desde lamparina, ferro à brasa, botas de borrachas, rádio com antenas, peças para panelas de pressão e, até mesmo, raquetes elétricas para matar os carapanãs – nome regional dos mosquitos. A gama variada de produtos é uma das principais características da loja. Cordas, pulverizadores de veneno, tábuas, vassouras, funis e muitos outros objetos fizeram a fama do estabelecimento que, para quem perguntar onde encontrar qualquer um desses artefatos tradicionais, a resposta será: “vai no Bazar Chefe, ‘maninha’, lá tu encontra”.
Os anos foram passando, o número de clientes crescendo e Seu Chefe construindo seu legado. Teve dois filhos: Cleudo José, hoje com 46 anos, e Cleide Sandra, com 41. Com a esposa, Maria José, passou 42 anos em sua vida, mas infelizmente há sete anos ela faleceu por complicações renais.
“Meus filhos foram criados aqui. Minha esposa amava o comércio, adorava trabalhar, estava aqui no Bazar Chefe todos os dias. Gostava de vender, limpar, conversar com os clientes, ela gostava muito de tudo isso aqui. A Maria José foi a única mulher que amei na vida, era minha companheira de verdade. A última vez que nos falamos foi quando os médicos já haviam dito que não tinha mais jeito, então a olhei de longe, ela sorriu levantando o polegar dando um “legal” e eu entendi aquilo como nossas últimas palavras. O Bazar só existe hoje porque tive o apoio dela, desde o começo”, recorda.

Entre os orgulhos de Seu Chefe estão a amizade construída com muitos clientes durante tantos anos de labuta e o público diversificado que conquistou. “Durante todos esses anos conquistamos uma clientela mista, do povão mesmo. Aqui na loja vem do pedreiro ao desembargador, gente dos municípios, colônia, nosso público é diversificado”, conta.
Fora das redes sociais
Ao começar o negócio, Seu Chefe não imaginava crescer e ganhar todo esse reconhecimento com o Bazar. Hoje, o comércio não faz uso de nenhuma rede social para promover a loja. Cleudo José, filho mais velho do Seu Chefe, explica que até já tentaram introduzir a loja no mundo virtual, mas não é algo que deu retorno. “Meu pai tem a clientela há mais de 50 anos e é uma clientela fiel, o comércio tem um nome na praça. Ele é bem atualizado, mas não tanto para trilhar nesse caminho das redes sociais, ele prefere da forma tradicional mesmo”, diz.
Cleudo José acrescenta que o pai tem a propaganda do comércio em apenas um lugar, que é no programa do jornalista Washington Aquino, que alcança até hoje não só as pessoas da zona urbana, como também da zona rural. “Tem muita gente que vem de outros municípios dizendo que ouviu sobre o Bazar Chefe no programa e pedem até pra tirar foto com o pai, então, ele vê que assim continua dando resultados e prefere que continue nesse formato. Se fossemos um comércio que começou há dez anos, por exemplo, realmente seria crucial o uso da internet, das redes sociais e tudo que esse mundo virtual oferece, mas são 50 anos de história e um nome conhecido no Estado”, comenta o filho do Seu Chefe.

Negócio de família
Cleudo José, filho mais velho de seu Chefe, conta que começou a ajudar no Bazar desde pequeno, tanto ele quanto a irmã sempre o ajudaram a cuidar da loja. Após começar a faculdade de Educação Física, curso que não concluiu, percebeu que queria mesmo era estar ali no comércio, no meio das vendas e dos negócios da família.
Já a irmã, Cleide Sandra, concluiu o curso de Psicologia. Sempre esteve no Bazar Chefe, observando os pais trabalhando, fazendo clientes e crescendo no mercado, e com o passar do tempo começou a trabalhar também. Como seu único contrato foi ali, Sandra quis experimentar algo novo e sua paixão era a Psicologia, foi aí que entrou na faculdade, concluiu o curso, mas percebeu que amava mesmo era estar ali no comércio. Então decidiu se especializar, cursou Administração de Empresas e aos 41 anos é responsável por outra loja da família.
“A loja fica aqui na frente do Bazar Chefe, também vende todo tipo de coisa. Eu continuo amando a Psicologia, mas meu coração é aqui no comércio, com os clientes, vendendo mesmo. Ver meus pais trabalhando juntos me fez ter gosto por isso, um dava suporte para o outro. É vocação e prática, não adianta chegar aqui e ter um currículo cheio de especializações e cursos, mas não ter amor por isso. Até hoje aprendo com meu pai, o comércio é uma caixinha de surpresas e eu gosto de descobrir algo novo todos os dias”.
Para a filha caçula, a internet é uma mão na roda, muito necessária nos dias de hoje, mas eles vendem e fazem clientes diariamente sem o uso do mundo virtual. Os anos de experiência e nome no mercado fazem do Bazar Chefe uma empresa diferente, com legado, histórias e fama que passa de geração em geração no estado do Acre.
Dona Dorisneide, mais conhecida como Neide, é funcionária do Bazar há 12 anos e afirma que mesmo com o mundo mergulhado na internet, no Bazar Chefe não tem disso. Para ela, o Bazar Chefe é realmente um comércio diferente e a utilização da internet para promover a loja não seria algo que faria tanta diferença. “Aqui é tudo no modo tradicional: o cliente chega, pergunta o preço, realizamos a venda e pronto, lá se vai mais uma pessoa satisfeita”, destaca.

A vendedora Neide relembra a dificuldade que enfrentou assim que começou a trabalhar no Bazar Chefe. “Assim que cheguei aqui, com 30 anos de idade, estranhei bastante, porque tinha de tudo pra vender e tive uma certa dificuldade em memorizar o preço de cada objeto, mas depois de um mês eu já estava acostumada e sabia o preço de cada produto”.
A boa relação com os clientes é um dos motivos que faz Neide gostar muito de trabalhar no Bazar Chefe. “Também tenho meus clientes, alguns de outros municípios. Eles me ligam pra saber se chegou alguma mercadoria específica ou se tem algum produto que eles estão precisando. Se tem, eu já deixo separado para virem buscar, tem outros que já chegam aqui perguntando: “cadê a Neide?”. Eu gosto de trabalhar aqui, conheço tudo: mercadoria nova, preços, é o que eu sei fazer de melhor, vender”.
Pandemia
Como em grande parte do comércio, a pandemia de Covid 19 foi um desafio para Seu Chefe e o Bazar. “Foi um momento que deixou o comércio ‘baqueado’ e quando veio o lockdown foi uma grande preocupação, tivemos altos e baixos durante esse período, mas hoje estamos nos recuperando”, diz.

A paixão pelo comércio faz com que Seu Chefe peça para encerrar esta matéria com uma mensagem aos jovens.“Vejo muitos jovens desistindo do comércio muito rápido. É complicado mesmo, mas o comércio é um bom negócio. Hoje em dia é mais difícil, tudo é mais complicado e requer atenção, tem que ser esperto, ter uma cabeça estruturada, não é fácil, mas perseverando e persistindo, dará bons frutos. Tem que usar muito da internet hoje, aproveitar o que dá retorno e fazer dar certo”, finaliza.
*Esta reportagem foi produzida no primeiro semestre letivo de 2021.
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Cotidiano
Da teoria à prática: o que muda quando o estudante vira professor
Publicado há
3 semanas atrásem
31 de outubro de 2025por
Redação
Por Jhenyfer Souza e Gabriel Vitorino
Conciliar a vida acadêmica com a docência, lidar com baixos salários e ainda enfrentar a falta de reconhecimento são desafios comuns para quem escolhe a carreira de professor em Rio Branco. Apesar disso, a procura por profissionais cresce e abre espaço para trajetórias que começam ainda durante a graduação. É o caso de Izabele Alves, de 21 anos, que cursa o sétimo período da licenciatura em Letras Inglês na Universidade Federal do Acre (Ufac) e já ministra aulas online.
Ela decidiu o curso por conta da afinidade com o idioma e pela admiração que tinha pelos professores. No entanto, a estudante reconhece que a visão inicial que tinha sobre o mercado de trabalho mudou ao longo da formação.
“Quando eu entrei na faculdade, eu tinha uma visão bem estereotipada do trabalho do professor. A partir do momento que comecei a procurar emprego como professora de Inglês, percebi que existe grande procura em Rio Branco”, conta Izabele Alves. Com essa experiência ela percebeu que há portas abertas na área, pois muitas pessoas querem fazer curso ou contratar um professor particular.
A estudante destaca ainda que o ensino remoto facilita a conciliação entre trabalho e graduação, mas admite que há períodos em que a carga se torna pesada. Outro ponto de atenção é a baixa remuneração, especialmente quando há vínculo com escolas particulares. Segundo ela, o acúmulo de funções é frequente.
“O professor de inglês acaba precisando assumir outras disciplinas ou preparar materiais pedagógicos. Isso acontece muito e o salário nem sempre compensa”, explica.
O cenário apontado pela graduanda dialoga com dados do Censo Escolar, que revelam a fragilidade da carreira docente no Acre. Mais de 69% dos professores da rede básica atuam com contratos temporários, chegando a 75% na rede estadual. Além disso, mesmo com nível superior, o salário-base de um professor licenciado no estado gira em torno de R$ 2,6 mil para 40 horas semanais, segundo o levantamento.
Esses números contrastam com a alta demanda da profissão. Em 2025, por exemplo, o governo abriu um processo seletivo com mais de 18 mil vagas temporárias para professores em todo o estado, sinalizando que o mercado está aquecido, mas ainda preso à instabilidade dos contratos.
Experiência
A realidade vivida por Izabele Alves dialoga com a de Renata da Silva, 30 anos, professora formada em Letras Inglês pela Ufac. Diferente da estudante, Renata começou a trabalhar durante o segundo período da graduação, experiência que tornou a transição para a vida profissional menos abrupta. Apesar disso, ela também reconhece as dificuldades da profissão. Para a professora, o maior choque está na diferença entre teoria e prática.
“Na faculdade, tudo é muito didático, até utópico. A teoria diz que o aluno vai aprender conforme o período estipulado, mas sabemos que não é assim, especialmente no Acre, onde o contato com o inglês fora da sala de aula ainda é bem restrito”, explica ela.

Renata Silva ressalta que a área segue desvalorizada, tanto pela baixa remuneração quanto pelas condições de trabalho. Segundo ela, o aprendizado do inglês exige mais do que livro e professor.
“Deveriam haver ambientes mais imersivos e ferramentas adequadas, mas muitas vezes isso não é acessível. A valorização peca e não só em questão de salário”.
Outro ponto levantado pela profissional é a concorrência com pessoas que dominam o idioma, mas não possuem formação específica. Para ela, a vivência universitária traz diferenciais que vão além da gramática e da conversação.
“A formação em Letras nos prepara para lidar com alunos neurodivergentes, com diferentes contextos familiares, além de oferecer base em fonética, linguística aplicada, educação especial. Isso faz diferença no trabalho em sala de aula”, afirma.
Apesar das dificuldades, Renata segue motivada pela interação com os alunos e pela dimensão cultural que o ensino da língua possibilita. “Ensinar inglês vai além da gramática, envolve pontos de vista, debates, diferenças. Isso enriquece a gente também”, diz.
O contraste entre as experiências de Izabele e Renata revela uma realidade marcada por dificuldades, mas também por reconhecimento e oportunidades. Esse debate é essencial quando o assunto é o mercado de trabalho, já que boa parte dos estudantes acabam sendo muito otimistas quanto às oportunidades que terão. Aqueles que já são profissionais e possuem anos de experiência percebem, cedo ou tarde, a fragilidade de sua posição no mercado.
A segurança e a estabilidade são muitas vezes varridas pela visão que as grandes e pequenas empresas têm de lucro, valorizando profissionais mais novos na área, com rotatividade maior, favorecendo o acúmulo de experiências à estabilidade financeira e a segurança no ambiente de trabalho. Com isso, muitos profissionais que se encontram no mercado há mais tempo acabam tendo dificuldade em se manterem neste contexto.
Ao se pensar na realidade do mercado de trabalho e em como as novas gerações criam expectativas profissionais, o debate acaba sendo mais profundo quando se envolve adaptação às novas referências e tecnologias que passam a interferir nas práticas, no cenário da sociedade da informação.
Vale refletir se o mercado de fato é receptivo e possui muitas oportunidades, ou se ele vê o estudante universitário como mão de obra barata de fácil acesso, mas com prazo de validade.
Cotidiano
O futuro da escrita na era digital
Entre teclados e telas, especialistas destacam que a escrita à mão ainda fortalece memória, criatividade e identidade cultural. Foto: Gabriela Queiroz
Publicado há
3 semanas atrásem
29 de outubro de 2025por
Redação
Por Maria Niélia Magalhães, Sérgio Corrêia e Gabriela Queiroz
Das cartas que cruzaram continentes aos aplicativos de mensagens instantâneas, a transição da escrita manual para a digital reflete mais do que uma evolução tecnológica — revela uma transformação profunda em como nos comunicamos, aprendemos e até mesmo como processamos informações. Enquanto especialistas debatem os impactos cognitivos e culturais dessa mudança, neurologistas, educadores e alunos avaliam os prós e contras de cada meio.
“Quando o aluno escreve à mão, ele pensa melhor no que está registrando, organiza o que é mais importante”, afirma a professora Cyndi de Oliveira Moura, 29 anos, formada em Letras pela Universidade Federal do Acre – Ufac e docente de Língua Portuguesa no ensino fundamental. Ela observa no dia a dia os efeitos da escrita manual: “alunos que anotam no caderno conseguem relembrar mais facilmente aquilo que foi explicado em sala.”
Ela destaca que a caligrafia também está ligada à criatividade, pois exige atenção e paciência. Mas nota que os estudantes atuais enfrentam dificuldades: “Eles são impacientes e querem escrever tão rápido quanto pensam. A escrita exige paciência e reflexão, mas o uso excessivo das telas acelera demais o pensamento.”
Apesar disso, a professora não vê a tecnologia como inimiga, e sim como ferramenta que precisa ser equilibrada com a escrita manual: “Os recursos digitais ampliam possibilidades, mas sem criticidade se limitam a cópias rápidas e informações superficiais. O ideal é equilibrar os dois mundos: o papel ajuda a refletir, enquanto a tecnologia prepara para o século XXI.”

Foto: Gabriela Queiroz
O advento da tecnologia digital transformou profundamente a maneira como registramos e comunicamos ideias. Se por um lado a digitação se tornou predominante pela sua praticidade e velocidade, por outro, a escrita manual resiste como prática fundamental – não por nostalgia, mas por seu impacto comprovado na cognição e no desenvolvimento cerebral.
A voz do estudante
Para Letícia Kelly, aluna do 2º ano do ensino médio de uma escola pública em Rio Branco, a escrita à mão continua sendo indispensável no seu processo de aprendizagem. “Eu prefiro escrever no caderno, porque fazer anotações melhora minha memória. Quando escrevo no celular, não consigo guardar tanto na mente”, afirma.
Elaborar pequenos textos e mapas mentais no papel facilita a memorização de detalhes importantes, segundo Kelly. “Infelizmente, as pessoas estão abandonando a escrita à mão, e isso é muito ruim, pois terão uma memória mais curta. Eu não consigo parar de escrever à mão, porque me ajuda a memorizar as coisas”, completa a estudante.

Atividade da aluna do 2º ano do Ensino Médio, Letícia Kelly. Foto: Maria Niélia
Não se trata de idealizar o passado ou desconsiderar os avanços tecnológicos. Afinal, todos nós aproveitamos a agilidade das mensagens instantâneas para nos conectar com quem está longe. No entanto, especialistas alertam: a caligrafia ativa regiões do cérebro relacionadas à memória e à criatividade de um modo que o teclado não consegue replicar.
Cenário Internacional
Pesquisas recentes confirmam que a escrita manual continua exercendo um papel fundamental no aprendizado. Um estudo norueguês, citado pela DW Brasil na reportagem Escrever à mão ajuda no aprendizado, aponta estudo, mostrou que escrever manualmente aumenta a atividade cerebral justamente nas regiões ligadas à memória e ao processamento motor e visual, favorecendo uma compreensão mais profunda e duradoura do conteúdo.
Já a BBC Brasil, em Como escrita à mão beneficia o cérebro e ganha nova chance em escolas, destaca a visão da neurocientista Claudia Aguirre, que afirma que escrever em cursivo, especialmente em comparação com digitar, ativa caminhos neurais específicos que otimizam o aprendizado e o desenvolvimento da linguagem.
A Finlândia, país reconhecido por seu sistema educacional inovador, retirou a caligrafia do currículo obrigatório em 2016, priorizando o ensino de digitação (The Guardian, 2015). Nos Estados Unidos, discussões semelhantes ganharam força nos últimos anos. Essas mudanças, no entanto, não ocorrem sem controvérsias.
À medida que escolas e estudantes se adaptam às demandas de um mundo digital, pesquisadores seguem investigando como equilibrar tradição e inovação. Por um lado, alguns educadores defendem a adaptação aos novos tempos, por outro, especialistas em neurociência e desenvolvimento cognitivo alertam para as perdas associadas à diminuição da escrita manual.
O melhor de ambos
Enquanto isso, a ciência segue confirmando: escrever à mão é muito mais que um gesto cultural – é uma ferramenta poderosa para moldar o cérebro e expandir as fronteiras do pensamento. A pergunta que permanece não é apenas sobre qual método de escrita é mais eficiente, mas como podemos integrar o melhor de ambos para promover uma aprendizagem mais rica e significativa.
Não se trata, portanto, de uma disputa entre o antigo e o moderno, mas de reconhecer que ambas as formas de escrita — a manual e a digital — podem coexistir e se complementar. Como bem ilustram a professora Cyndi e a estudante Letícia, escrever à mão continua a ser um exercício de paciência, reflexão capaz de transformar informação em conhecimento.
No fim, o que importa é lembrar: escrever não é apenas registrar palavras — é processar ideias, construir sentidos e, acima de tudo, permanecer humano em um mundo em constante transformação.
Cotidiano
Você sabia que o e-Título foi idealizado por uma acriana?
Rosana Magalhães, hoje aposentada, trabalhou na Justiça Eleitoral desde 1994. Foto: Arquivo do TRE/AC
Publicado há
4 semanas atrásem
24 de outubro de 2025por
Redação
Por Francisca Samiele e Amanda Silva
Talvez pouca gente saiba, mas uma das ferramentas digitais mais importantes da Justiça Eleitoral no Brasil foi criada por uma mulher acriana. O e-Título, versão digital do título de eleitor, que ajudou a modernizar a forma como milhões de brasileiros votam, foi idealizado por Rosana Magalhães, na época, secretária de tecnologia do Tribunal Regional Eleitoral do Acre (TRE-AC).
Considerando que até 1932 as mulheres sequer tinham direito ao voto no Brasil, é irônico pensar que tenha sido justamente uma mulher a idealizar essa tecnologia, considerada essencial para o exercício da democracia ter se tornado tão prático.

A idealizadora do e-Título
Rosana Magalhães, hoje aposentada, trabalhou na Justiça Eleitoral desde 1994 e acompanhou a evolução do sistema de votação, do papel à urna eletrônica. Como analista de sistemas, ela percebeu que o título de papel era um documento que dificultava o acesso a alguns serviços da Justiça Eleitoral e a atualização de dados para muitas pessoas.
“Ele (título) não tinha foto e não tinha dados atualizados como estado civil, grau de escolaridade, nome em caso de mudança após casamento. Era um documento estático. […] Era um papel que molhava e não tinha muita durabilidade”, explicou Rosana Magalhães. A servidora comenta que foi observando essas limitações que surgiu a ideia do e-Título, um documento digital que pudesse atualizar automaticamente informações do eleitor e simplificar processos como emissão de certidão de quitação eleitoral.

“E outra coisa que observei durante toda essa minha experiência de vida na Justiça Eleitoral é a dificuldade que as pessoas tinham em atualizar seus dados e, quando perdiam o título de eleitor, ficavam numa fila enorme perto da eleição”, relembra.
O e-Título foi lançado em dezembro de 2017 e o projeto foi desenvolvido junto ao TRE-AC após aprovação do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). A primeira versão, desenvolvida em cerca de 40 dias, foi disponibilizada nas lojas de aplicativos e preparada para uso nacional, sendo adotado pelos estados de forma gradual.
O e-Título é acessível para pessoas com deficiência visual, baixa visibilidade ou daltônicas e também é permite acessar vários serviços, tais como:
• Apresentação de justificativa eleitoral no dia das Eleições e após o pleito;
• Consulta ao histórico de justificativas eleitorais;
• Consulta ao local de votação;
• Emissão de certidão de quitação e de crimes eleitorais;
• Geração do Título Eleitoral em formato PDF para impressão;
• Cadastrar mesária ou mesário voluntários;
• Emissão de declaração de trabalhos eleitorais;
• Geração de código de autenticação para sistemas parceiros;
• Consulta a débitos eleitorais;
• Pagamento de eventuais débitos eleitorais por Pix ou por meio da emissão de boleto.
Veja como o título de eleitor evoluiu ao longo dos anos:




Reações às mudanças
O e-Título trouxe mudanças significativas para os eleitores. Alguns se adaptaram muito bem, mas também tem quem ainda prefere o documento à moda antiga.
Para a assistente administrativa Janara Cristina Dutra Nogueira, 37 anos, a mudança é bem-vinda. “Para mim, a maior vantagem é a praticidade. Não preciso mais andar com o título de papel, ele fica no celular. Também dá para ver meu local de votação, regularizar situação eleitoral e até justificar voto se eu estiver fora”, explica.
A pedagoga Katiane Lima, também considera a mudança um bom progresso. “O aplicativo trouxe praticidade, oferecendo acesso rápido e fácil às informações, sem necessidade de buscar documentos físicos. A transição de papel para digital trouxe mudanças de mentalidade e aprendizado necessário para usar novas tecnologias”.
Mas nem todos os usuários que passaram pela transição do papel ao digital se adaptaram completamente, como é o caso da funcionária pública Iêda Fernandes, de 69 anos. “Tenho algumas dificuldades com a tecnologia… Já utilizei em alguns momentos, mas não me senti tão segura. Para utilizar como ferramenta principal, devo aprender mais sobre as funcionalidades. Preciso me tornar mais tecnológica”.
A aposentada Junisseia Souza de Lima enfatiza sua preferência pelo título em papel: “sabe por que eu não gosto de botar no telefone as coisas? Porque às vezes a gente é roubada, basta puxar o telefone para olhar e o ‘cabra’ vem e toma. A gente não fica tranquila andando com telefone, eu não fico. Então, com a cédula de votação, é melhor papel, eu gosto. Eu não gosto de sair preocupada com o telefone, então, para evitar isso, prefiro o de papel.”
Já a professora de português Gleiciany Florêncio de Araújo, de 34 anos, sugere algumas atualizações: “Para mim, uma grande melhoria no aplicativo seria se ele também pudesse ser usado offline, porque algumas vezes o sinal da internet é fraco e não dá para entrar no aplicativo”.
Progresso
A idealizadora do projeto ressalta que o e-Título continua evoluindo e pode, futuramente, incluir funcionalidades como coleta de biometria pelo próprio aplicativo.

O e-Título trouxe benefícios para os eleitores e para a Justiça Eleitoral. Agora, muitas situações podem ser resolvidas diretamente pelo aplicativo, o que diminui filas e tempo de espera. O uso digital reduz custos com impressão de títulos e certidões, e o aplicativo pode ser usado por eleitores em qualquer lugar do Brasil ou no exterior.
“O principal impacto para a sociedade, para a justiça eleitoral e para a sociedade também é a economia que teve de muitos milhões para emissão de título eleitoral, já que não há mais necessidade de imprimir”, afirma Rosana Magalhães. E ela repete uma frase que Caetano Veloso disse no dia do lançamento do e-Título: “É incrível a força que as coisas parecem ter quando elas precisam acontecer.”
Conheça um pouco da trajetória das mulheres na luta por seus direitos políticos AQUI.
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