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Fernanda no Oscar, “Noites Alienígenas” em Gramado: como o cinema acreano se formou como resistência

Essa história se passa entre Rio de Janeiro e São Paulo, grandes centros urbanos brasileiros, mas histórias de opressão e perseguição provindas desse período histórico se multiplicam por todas as partes do país. No Acre, o poder do governo militar também afetou a produção artística e cinematográfica de grupos locais.

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A partir da repercussão da presença de “Ainda Estou Aqui” no Oscars 2025, vamos nos perguntar: “existia cinema no Acre durante os períodos de opressão do Acre?”

Por Beatriz Mendonça e Victor Manoel

Para além de uma forma de arte e entretenimento, o cinema é uma forma de memória coletiva de um povo. Um exemplo recente e de destaque, é o filme Ainda Estou Aqui, lançado em 2024 e dirigido por Walter Moreira Salles Jr, que ganhou reconhecimento nacional e internacional. O longa-metragem já ganhou diversos prêmios e já está na corrida do Oscar, concorrendo nas categorias de Melhor Filme Internacional, Melhor Atriz de Drama e até mesmo como Melhor Filme. 

Foto: Trecho do filme “Ainda Estou Aqui”, dirigido por Walter Salles/Créditos: Globo Filmes e Sony Pictures

Ambientado na década de 70, a trama é baseada no livro homônimo de Marcelo Rubens Paiva que conta a história real de sua família quando seu pai, Rubens Paiva, engenheiro e ex-deputado, foi sequestrado e morto pela ditadura militar brasileira. O filme é protagonizado por Eunice Paiva, advogada e esposa de Rubens, que também chegou a ser presa e perseguida pelos militares, e teve que continuar cuidando de sua família sozinha e buscar respostas para o desaparecimento de seu marido. 

Toda repercussão trouxe de volta discussões como a importância de reconhecer os atos de repressão feitos pelo governo militar e de ações, como a Comissão da Verdade, que trouxe respostas para as famílias de desaparecidos da época. Olhar para o passado é também uma forma de aprender com os erros para eles não serem repetidos no futuro.

Foto: Jovens da ECAJA/Créditos: A Gazeta do Acre

Essa história se passa entre Rio de Janeiro e São Paulo, grandes centros urbanos brasileiros, mas histórias de opressão e perseguição provindas desse período histórico se multiplicam por todas as partes do país. No Acre, o poder do governo militar também afetou a produção artística e cinematográfica de grupos locais. 

“O cinema acreano, por assim dizer, o cinema que nasce no Acre, tem sua certidão de nascimento registrada na ata de fundação de 1972, período que coincide com o auge do regime militar, durante o governo Médici, um dos momentos mais repressivos da ditadura” explica o professor Professor de História da Universidade Federal do Acre (Ufac), Hélio Moreira da Costa Junior. “No Acre, o cinema sofreu uma censura indireta. O caso mais emblemático foi o do filme Fracassou Meu Casamento, que foi apreendido pela Polícia Federal por não possuir certificado de censura”.

O Tempo e o Vento

Foto: 1ª câmera do cinema acreano, uma super 8mm da marca “Yashica”; atualmente de propriedade de Antonio Evangelista (Tonivan)/Créditos: Reprodução/Hélio Moreira da Costa Junior

Com o golpe militar de 1964, o novo governo militar do Acre buscou estimular a vinda de empresários para a região para a exploração dos recursos naturais. O plano era implantar grandes fazendas de criação de gado, ou seja, uma pecuarização da cultura. Para isso, os meios de comunicação de massa passaram a carregar uma um forte discurso de divulgação do estado. 

Nos anos subsequentes, a chegada dos chamados “paulistas” ou “sulistas”, trouxe um cenário de conflitos na região, principalmente, por posse de terras e preservação ambiental. Além disso, as exibições de filmes aconteciam de maneira fortuita e discreta, sempre sob vigilância, devido ao receio de apreensões pela Polícia Federal. A totalidade dos filmes produzidos localmente não possuía certificado de censura, o que dificultava a sua exibição.

Foto: Foto de divulgação do filme “A Luta em Busca do Amor”/Créditos: Adalberto Queiroz/Arquivo Pessoal

Um grupo de jovens que se reuniam por grupos da Igreja Católica, viam a realidade das lutas e embates que a população sofria, e por isso, queriam mostrar a situação de opressão através do cinema.

O professor Moreira disserta sobre: “Apesar disso, alguns filmes eram anunciados nos jornais, especialmente na coluna de Chico Pop. Produções como A Rozinha Aí do Sertão, Fracassou Meu Casamento e A Luta em Busca do Amor chegaram a ser divulgadas. No entanto, as exibições aconteciam principalmente em escolas, sempre com alguém de vigia na entrada, atento à possível chegada surpresa da Polícia Federal”.

O grupo inicialmente era composto por quatro jovens: Antônio Evangelista de Araújo, Raimundo Ferreira, Ozenira Brito e João Batista de Assunção Marques, que no seu tempo livre, começaram a criar novelas radiofônicas. Já em 1973, eles criaram efetivamente o Grupo ECAJA FILMES, que significa Estúdio Cinematográfico Amador de Jovens Acreanos. 

Plateia comparecendo à noite de abertura do Festival de Cinema Pachamama, em dezembro de 2024/Créditos: Hannah Lydia

Apesar da paixão pela arte, os jovens enfrentavam dificuldades, já que tinham poucos recursos financeiros e produzir cinema no Acre não era barato. Um empecilho era também a própria censura da ditadura, que chegou a apreender o primeiro filme produzido por eles. Em entrevista ao historiador para a dissertação  “Acre (anos) de Cinema”: uma história quadro-a-quadro de jovens cineastas acreanos (1972-1982)”, João Batista relatou o ocorrido: 

Então fizemos o filme. Aí fomos exibir em Brasiléia, no dia 03 de julho de 1973, era aniversário de Brasiléia. […] Quando chegamos lá, aí exibimos o filme e muita gente, a cidade toda tava assistindo. Era coisa de cinco, seis mil pessoas. Quer dizer colocamos uma tela bem alta em cima de uma mesa, colocamos o banco lá […] aí toda a população assistindo foi uma maravilha […] daí outro dia pegamos o carro de volta e a Polícia Federal fez uma abordagem na estrada e perguntou de quem era o filme e tudo. Nós dissemos, ‘o filme é nosso. – cadê o certificado de censura?- Cadê o registro não sei do quê? – Cadê isso?- Cadê aquilo?’ Não tinha nada. O resultado: prenderam o filme que ficou dez anos no Departamento de Polícia Federal preso.”

Um Deserto Particular

Como explicado pelo historiador, não houve uma censura direta que impedisse a realização dos filmes, mas um clima de censura que limitava a exibição. O único filme que foi alvo direto da repressão foi “Fracassou Meu Casamento”, o primeiro filme do ECAJA. Após esse episódio, os membros passaram a ser mais cautelosos com suas produções.

“Outros grupos de cinema no estado também adotaram precauções em relação ao que era exibido, embora festivais de cinema fossem promovidos pelo Sesc. Assim, a censura ao cinema no Acre foi mais indireta do que explícita. No entanto, em outras formas de expressão artística, como o teatro, a repressão foi mais severa. As peças teatrais, por exemplo, precisavam ser submetidas previamente à avaliação dos censores antes de serem autorizadas para exibição. Já o cinema, por ser uma produção mais amadora e sem um sistema formal de distribuição, não sofria o mesmo nível de vigilância direta sobre sua produção”, exemplifica Moreira.

Trecho do filme “Noites Alienígenas”, dirigido por Sérgio de Carvalho/Créditos: Saci Filmes e Vitrine Filmes

O professor finaliza reafirmando que, por meio de cineastas como Sérgio de Carvalho – que em 2022, recebeu 5 prêmios no Festival de Gramado pelo filme “Noites Alienígenas” -, Silvio Margarido, Rose Farias e tantos outros que estão produzindo graças a leis de incentivo cultural como a Paulo Gustavo, o cinema acreano continua acontecendo:

“O cinema, ele é uma memória. É uma das formas de memória afetiva, essa memória visual”, finaliza.

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Dia da mulher: professoras da Ufac revelam desafios e avanços no ambiente acadêmico nos últimos anos

Conheça a vida e a história das docentes que percorrem os corredores da universidade

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Conheça a vida e a história das docentes que percorrem os corredores da universidade

Por Beatriz Mendonça e Victor Manoel

O papel das mulheres na sociedade, por séculos, foi diminuído ao trabalho doméstico. A realidade começou a mudar por volta do século XVIII, em função da Revolução Industrial, em que as mulheres começaram a trabalhar fora de casa, porém em situação precária e com salários menores em relação ao dos homens. Os séculos seguintes são marcados por mais transformações, como a difusão dos movimentos sociais e feministas, além da ocorrência das duas Guerras Mundiais, que levaram ainda mais mulheres ao mercado de trabalho. 

A inserção do sexo feminino no mercado foi um pontapé para a emancipação feminina que seria observada nas décadas seguintes, com a conquista de direitos inéditos, como de voto, de possuir independência financeira, de salários mais justos e até mesmo de estudar. No ambiente universitário, apesar dos muitos obstáculos, elas ocupam um espaço cada vez mais importante. 

“Escolher a docência universitária foi uma decisão motivada pelo desejo de transformar vidas por meio da educação. Sempre acreditei que o ensino superior tem um papel fundamental na construção de uma sociedade mais justa e igualitária”, quem fala é a doutora em Ciências pela Universidade de São Paulo (USP), graduada em Direito, em Administração e em Comunicação Social com habilitação em Jornalismo e professora do curso de bacharelado em Jornalismo da Universidade Federal do Acre (Ufac), Luci Teston.

Foto: Luci Teston é professora e coordenadora de diversos projetos dentro do campus. Créditos: Diário do Acre

Teston revela que ao entrar no ambiente acadêmico, apesar das oportunidades, percebeu os desafios estruturais para as mulheres neste meio.

“Além disto, as políticas públicas dos últimos 15 anos trouxeram tanto avanços quanto retrocessos, afetando diretamente o ensino, a pesquisa e a extensão. Mesmo com um número crescente de professoras e pesquisadoras, a equidade de gênero ainda não foi plenamente alcançada”, afirma a docente.

Conquista de espaços

De acordo com o Censo Escolar de 2022, realizado pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), as mulheres são maioria na educação infantil, sendo 97,2% nas creches e 94,2% na pré-escola, e elas continuam liderando até o ensino médio com 57,5%. Porém, quando se fala da docência na educação superior, os homens que lideram com 52,98%.

“A presença feminina em cargos de liderança acadêmica tende a ser menor, o financiamento para pesquisas lideradas por mulheres ainda é limitado e o impacto da maternidade na carreira continua sendo um fator importante”, reflete Luci Teston sobre a presença feminina em cargos superiores.

Foto: campus de Rio Branco da Universidade Federal do Acre. Créditos: Reprodução

No livro “Mulher na Educação: a paixão pelo possível”, a autora Jane Soares de Almeida salienta que a história de mulheres como professoras no Brasil ocorreu tanto devido às lutas feministas quanto pela saída dos homens dessa área pelos baixos salários. Além disso, para as moças solteiras que precisavam de um meio de sustento, essa era uma alternativa por ser uma representação da função das mulheres da época, instruir e educar crianças. 

Fazer a diferença

A profissão ainda reflete muito das noções de identidade de gênero, e os números que apontam as mulheres como maioria em educação infantil mas minoria na docência em universidades espelham o estereótipo inicial das mulheres como responsáveis pelo cuidado das crianças.

“O financiamento para pesquisas lideradas por mulheres ainda é limitado e o impacto da maternidade na carreira continua sendo um fator importante”

Luci teston

“Apesar dos desafios, sigo acreditando no poder da educação como ferramenta de transformação. Para que a universidade continue cumprindo seu papel social, é necessário que haja investimento contínuo no ensino, na pesquisa e na extensão, além de um compromisso consistente com a equidade de gênero. Somente assim poderemos garantir que a universidade seja um espaço verdadeiramente inclusivo e capaz de formar cidadãos críticos e comprometidos com a sociedade”, finaliza Luci Teston.

A professora do curso de Biologia da Ufac, Eliete Sousa, trabalha desde 2017 na instituição e relata: “Eu decidi cursar Biologia para ser bióloga, nunca quis ser professora. Durante a graduação passei a ter contato com as professoras do curso e fui me interessando”. 

Após terminar sua graduação e fazer mestrado e doutorado, ela ainda atuou como professora em faculdades privadas por quatro anos. Por ter sido um período difícil, diz como é gratificante poder trabalhar sendo concursada pela Ufac, onde além de trabalhar com o ensino também pode desenvolver projetos na área da pesquisa.

Foto: Eliete Souza, professora desde 2017 no campus. Créditos: Cedida

Para Eliete, sua trajetória até a docência foi simples, seu maior desafio mesmo foi conciliar a carreira com as tarefas domésticas. Apesar da ajuda do parceiro, as maiores responsabilidades, principalmente com os filhos, ficavam nas mãos dela. Uma realidade que é possível ser observada na maioria das mulheres que estão no mercado de trabalho hoje em dia. 

Relembrar e celebrar

No dia das mulheres, é importante olhar para as diversas perspectivas que existem dentro desse universo do gênero feminino. Ao considerar a jornada das mulheres que se tornaram professoras na Universidade Federal, é possível fazer pontos de conexão com a jornada e vivência de milhares de outras que conquistaram seu espaço no mercado de trabalho, tanto em profissões populares como em outras áreas que geralmente são dominadas pelos homens. 

“Apesar dos desafios, sigo acreditando no poder da educação como ferramenta de transformação”

Luci Teston

É necessário celebrar suas vitórias, mas também relembrar desafios, considerar antecedentes das adversidades que são vividas até hoje, observar o contexto social que cada cenário se insere. Enfim, olhar o caminho que foi percorrido mas também contemplar os próximos passos a serem dados.

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Mês da Mulher: fazedoras de cultura no Acre ainda lutam por visibilidade

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Em março, buscamos refletir sobre quem são as mulheres que fazem a arte acontecer no estado

Por Ana Paula e Natália Lindoso

Da literatura  à direção de curta-metragem, composição de músicas autorais e criação de um método de dança que traz a cultura regional no despertar do corpo, as mulheres estão fortemente engajadas nas atividades e no fazer cultural no Acre. Neste mês dedicado a elas, buscamos refletir sobre as lutas e conquistas das mulheres nos espaços  culturais acreanos.

Não é de hoje que as desigualdades enfrentadas pelas mulheres na sociedade são evidenciadas em diversos espaços. Apesar de representarem 52% da população no Brasil, uma pesquisa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), realizada em 2022, demonstrou que as mulheres recebiam cerca de 17% a menos que os homens, revelando uma disparidade salarial. 

Na cultura, as mulheres representam 43,7% de assalariados do setor, com salários inferiores em diversas funções, de acordo com dados da pesquisa do Sistema de Informações e Indicadores Culturais (SIIC), de 2022. Apesar do quadro ainda desolador, é possível ver um futuro esperançoso no meio, os editais de incentivo e fomento à cultura são ferramentas de mudança.

No Acre, a Fundação de Cultura Elias Mansour (FEM), demonstrou que os incentivos mais recentes mostram o impacto positivo das mulheres na cultura do estado. No edital Arte e Patrimônio 001/2024, 21 mulheres foram selecionadas para receber recursos, com outras 12 alcançando a pontuação mínima. O fomento à cultura também se faz presente em outras iniciativas, como o edital Mestres da Cultura, com dez mulheres contempladas, e o edital Povos Originários, que contou com 16 mulheres entre os contemplados.

Histórias de Mulheres 

A professora de biologia e designer de moda, Denise Arruda, participou de projetos culturais envolvendo a produção de figurinos, com ênfase na moda sustentável e na valorização da costura, além de ter participado de obras de cinema e teatro. Um de seus feitos mais recentes foi a direção do curta-metragem “Minha Mãe Mentiu”, que retrata as vivências de mães acreanas a partir da história da mãe de Denise. Para ela, a escolha pelo cinema foi impulsionada pela paixão pela expressão artística.

Denise Arruda dirigiu o curta-metragem “Minha Mãe Mentiu”/Imagem: cedida

“Para mim, o teatro é uma forma poderosa de comunicar ideias, emoções e reflexões sobre a vida. A arte tem a capacidade de provocar mudanças e despertar o pensamento crítico, e eu me sinto realizada ao poder contribuir para isso através das minhas produções”, disse. 

Para Denise Arruda, a cultura acreana é uma forte fonte de inspiração em seus trabalhos:

“Em minhas produções, como o curta-metragem “Minha Mãe Mentiu”, busco refletir as nuances e as histórias que fazem parte da nossa identidade local. Além disso, em desfiles e feiras, sempre incorporo elementos da cultura regional, valorizando nossas tradições e promovendo a riqueza do Acre” contou. 

A artista Roberta Marisa é escritora e ilustradora, fazendo arte desde a adolescência, ela começou no teatro, se interessou pela literatura da terra através da dramaturgia e fez performances com vários poemas de outros autores. Nas artes, ela começou a pintar sem pretensões, presenteando amigos, até começar a circular suas ilustrações. 

Imagem: reprodução/redes sociais

“Fui me aprofundando mais até criar uma exposição sobre os rios numa imersão que fiz ao Croa, chamada Rios Invisíveis, e com ela ganhei meu primeiro prêmio de artes visuais do Banco da Amazônia, e não parei. Até hoje ilustro meus livros e de outros artistas”, disse. 

A cantora e compositora Kelen Mendes iniciou sua caminhada artística desde cedo. Atrelada ao senso de comunidade e ao contexto em que viveu, ela começou a cantar e se reconhecer ainda na década de 90, mesmo período em que iniciou sua carreira acadêmica na Universidade Federal do Acre (Ufac).

Imagem: cedida

“Aos 19 anos, eu entrei na faculdade e aí na UFAC eu comecei, fiz parte de um grupo chamado Grupo Curió, que era um grupo com várias pessoas tocando violão e cantando música popular brasileira. E depois eu cantei num barzinho que ficava no Tucumã, eu saía da faculdade pra cantar nesse bar. E daí eu comecei, não parei mais”, disse. 

“Multiartista”, é como se define a produtora cultural e dançarina Camila Cabeça. Natural do Pará, formada em artes cênicas pela Ufac, e professora de Teatro, a artista é responsável por criar um método de dança que envolve o Carimbó e a cultura acreana. Para ela, a vinda para o Acre foi fundamental no seu processo como multiartista.

Imagem: cedida

“Então, quando eu crio um método, quando eu crio um espetáculo, quando eu crio um festival, isso é fruto de ter vindo sim para o Acre. E o Acre é fundamental para esse meu grande boom de vinda para cá, foi o Acre que transformou essa minha vontade de ser e estar na cultura, ser artista”, explicou Camila Cabeça. 

Desafios em comum

A produção cultural no Acre tem um papel fundamental na identidade do estado e na valorização de suas expressões artísticas. Entretanto, as mulheres que atuam nesse cenário enfrentam desafios que vão desde a invisibilização até dificuldades estruturais para expandirem seus trabalhos.  

A escritora Roberta Marisa destaca a marginalização e a subestimação das mulheres no meio artístico e literário. Para ela, essas barreiras dificultam o crescimento da produção cultural regional.

“Enfrentamos desafios mais intensos, somos muitas vezes inferiorizadas, subestimadas até marginalizadas nesse mercado e acredito que isso dificulta muito o aumento da produção regional”, disse a escritora.

Já a artista Denise tem uma percepção diferente e vê o Acre como um ambiente de apoio para as mulheres nas artes. 

“Felizmente, não enfrentei preconceitos por ser mulher em minha trajetória. Sinto que, no Acre, há um ambiente de apoio e incentivo para as mulheres que atuam nas artes. Isso é fundamental para que possamos continuar a desenvolver nossos projetos e expressar nossas vozes”, pontuou Denise.

Apesar do incentivo local citado por Denise, a circulação da produção artística ainda é um grande obstáculo. A cantora Kelen destaca que o isolamento geográfico do Acre limita a difusão da cultura para outras regiões.

“Por ser mais mulheres até facilita um pouco. Porém, no Acre, nós temos uma sequela marcada pela exclusão através da falta de circulação. Não podemos circular com os nossos shows, porque as passagens aéreas são caríssimas, a ligação terrestre não é real, principalmente na própria Amazônia, na própria região norte”, afirmou a cantora.

Além das dificuldades logísticas, há também desafios relacionados à postura e ao posicionamento das mulheres na cultura. Para a dançarina Camila Cabeça, mulheres que se impõem e expressam suas opiniões enfrentam resistência. 

“Ser uma mulher de posicionamento é ser uma mulher de posicionamento, é ser uma mulher que nem todo mundo vai se agradar, que mulheres que se posicionam normalmente não agradam as outras, os outros, principalmente o patriarcado”, disse Camila Cabeça. 

Perspectivas

Apesar das dificuldades ainda presentes, as mulheres fazedoras de cultura mantêm uma visão otimista sobre o futuro. Kelen Mendes destaca que, embora o mercado ainda represente um desafio, a presença feminina é cada vez mais necessária e que é necessário ser otimista. 

“Então, é difícil ainda para as mulheres, mas eu acredito que a tendência é mais mulheres estarem lutando por seu lugar no mercado, ou, tirando a parte da luta, se efetivar no mercado onde é necessário a participação das mulheres também. Não podemos ficar sempre à margem. Então, eu preciso ser otimista”, disse. 

Para Camila Cabeça os avanços já conquistados e o papel das políticas públicas na transformação do cenário cultural são importantes. 

Com a política pública nacional, a gente consegue melhorar e vislumbrar um futuro de amplitude dessa cultura, dessa política. O Gilberto Gil tem uma fala muito importante, ‘que a cultura não tem que ser ordinária, ela é extraordinária’. Ela é ordinária igual a feijão com arroz. O dia que a gente entender que o mesmo valor tem que ter para a cultura, que a pessoa consome cultura tal como ela consome arroz com feijão, tudo vai mudar”, destacou. 

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Carnaval impulsiona economia criativa e trabalhadores culturais

Para a maioria dos brasileiros o carnaval é sinônimo de festas, cores e brilho, mas para uma parcela da população esse é o período de buscar renda.

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Carnaval é um período que impulsiona o comércio local e a infraestrutura da cidade. Foto: Mariana Moreira 

Por Emily Cristina, Mariana Moreira e Franciele Julião

Para a maioria dos brasileiros o carnaval é sinônimo de festas, cores e brilho, mas para uma parcela da população esse é o período de buscar renda. O comércio de produtos relacionados a festa se tornou tão importante que movimenta até  mesmo cidades como Rio Branco, onde o carnaval não tem ainda um grande potencial econômico. Nos eventos promovidas pelo governo do estado e a prefeitura muitas famílias conseguem levar dinheiro para casa.

Mas qual é o real impacto do Carnaval em suas vidas? Como se preparam para atender a demanda? E quais são os desafios que enfrentam como a variação de preços? Para a empreendedora Camila Araújo, proprietária do Ateliê Criações, um dos principais desafios está nos preços e o receio de não vender as peças. 

“O aumento no valor dos materiais impacta diretamente o preço das fantasias, que precisam ser ajustadas para acompanhar esses custos. Além disso, por serem peças muito características e cheias de brilho, há sempre o receio de não vender todas dentro do período do carnaval, o que pode resultar na necessidade de armazenar até o ano seguinte”, comentou.

A artesã conta que em 2022 começou a criar fantasias apenas para amigos próximos, sem imaginar que isso poderia se tornar um negócio. No ano seguinte, decidiu investir na venda e a resposta foi positiva. O sucesso das peças abriu caminho para o crescimento do seu ateliê, transformando a paixão pela costura em uma fonte de renda promissora.

A atividade que a artesã desenvolve se enquadra dentro de um ramo chamado economia criativa, um setor econômico que usa a criatividade, o conhecimento e a inovação para gerar valor. É parte importante para a economia global e brasileira e bastante explorado e aproveitado durante o período carnavalesco. 

O analista do Sebrae no Acre, Aldemar Maciel, afirma que o setor é fundamental para o desenvolvimento da cultura no estado, e que vem evoluindo cada vez mais ao longo dos anos. 

“A economia criativa é um conceito que engloba diversas atividades econômicas que possuem a cultura como base, envolvendo segmentos como a música, o artesanato, o turismo, as empresas de comunicação, design e gastronomia”, afirma.

Maciel comenta também sobre a importância da valorização dessa indústria para o crescimento de uma região. “A ONU escreveu um relatório e nele ela diz para os países em desenvolvimento ou países que querem crescer apostarem e investirem na Economia Criativa, ela é capaz de desenvolver uma economia com inclusão e uma série de coisas que são boas”, explica.

A presidente da Associação Comercial, Industrial, de Serviços e Agrícola do Acre (Acisa), Patrícia Dossa, afirma que o carnaval é um período que impulsiona o comércio local e a infraestrutura da cidade. “Além desse impacto imediato que o Carnaval proporciona, fortalece também a economia criativa, as melhorias da infraestrutura da cidade, que muitas vezes são feitas para a festa de Carnaval, mas que ficam para sempre na nossa cidade, incentivam o turismo e mais oportunidade de empreendedorismo”. 

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