Cotidiano
População de Rio Branco diminui frequência no uso de cortinados; entenda
Moradores da capital acreana abandonam o mosquiteiro, popularmente conhecido como cortinado, e aderem ao uso de inseticidas
Publicado há
2 anos atrásem
por
Redação
Por Rebeca Martins e William Liberato
Adriana da Costa Silva, quando criança, adorava aniversários, pois era a oportunidade perfeita de levar balões para casa e enfeitar seu cortinado, como é popularmente conhecido o mosquiteiro no Acre. “Eu pegava o balão e botava no buraco do meio (do cortinado). Era uma alegria, ninguém podia estourar”, recorda, hoje, a servidora pública. Ela, como outros rio-branquenses, deixou de lado o uso dos mosquiteiros.
Em 1997, com a chegada no bairro novo, o Santa Inês, no segundo distrito de Rio Branco, Adriana abandonou de vez o uso do mosquiteiro. “A gente começou a ter preguiça de colocar e viu que a necessidade era pouca. O pai comprava muito veneno, acabávamos utilizando mais veneno do que o cortinado”. Os momentos inesquecíveis, com seu cortinado rosa, ficaram no passado, guardado em suas lembranças.

Hoje, a criança encantada com o balão pendurado no meio do cortinado é uma mulher atarefada e prática. Adriana da Costa Silva, de 37 anos, tem uma rotina cheia. Além do seu intenso trabalho no Departamento Estadual de Trânsito (Detran), ainda precisa cuidar de seus dois filhos — um deles bebê —, fazer comida, limpar a casa e estudar para os concursos. Com uma vida tão corrida, ela adotou o inseticida como o seu principal aliado contra os mosquitos.
O que explica essa mudança de comportamento?

Ao relembrar sua infância, o professor de História José Dourado de Souza, Diretor do Centro de Filosofias Humanas da Universidade Federal do Acre, apontou hipóteses para o abandono dos cortinados no cotidiano dos rio-branquenses. “Lembro de quando eu era ainda criança no seringal. A gente usava, obrigatoriamente, tinha que usar, senão as carapanãs, os bichos carregavam. Todos nós usávamos mosquiteiro. Eu vim para cá (Rio Branco) com 12 anos. Aqui também se usava, mas já era um período que começaram a surgir alguns produtos, os inseticidas”.
O professor também acredita que esse processo de abandono dos cortinados permanecerá, devido às facilidades oferecidas pelos inseticidas modernos. “Acho que eles (rio-branquenses) estão abandonando, em razão dessas novas tecnologias de combate aos insetos. Aqui, dentro da cidade, eu acho que esta tendência (dos cortinados) é diminuir e (aumentar) o uso de produtos industrializados para combater o inseto. Hoje, você bota lá (na tomada) e pronto. Já resolve o problema.”
A popularidade e praticidade dos inseticidas pode ser exemplificada na facilidade a qual encontramos esses produtos. Numa rápida busca pelo principal supermercado de Rio Branco, é possível encontrar variados venenos de diferentes formatos, fórmulas, cheiros e valores. O inseticida, no qual o professor José Dourado se refere, é popular por sua praticidade e pela proteção oferecida contra o mosquito Aedes Aegypti, responsável pela transmissão da Dengue, Zika e Chikungunya.
Fator socioeconômico
Enquanto os inseticidas ganham as prateleiras e o coração dos acreanos, os cortinados tornam-se escassos, caros e só são encontrados em lojas específicas, como o Bazar Chefe, estabelecimento popular por vender de tudo, e lojas de produtos e roupas infanto-juvenis. Para melhor ilustrar essa disparidade, observe a diferença do valor dos produtos, um inseticida, da marca Buzz, de 400ml, custa R$ 10,69 no mais popular supermercado; enquanto o mosquiteiro de casal, da marca Durma Bem, está R$ 77,20 no maior e-commerce do Brasil.
A estrutura dos domicílios e os serviços de saneamento básico, como tratamento de esgoto, água encanada e coleta de lixo, pode ser outro fator nessa mudança de comportamento dos rio-branquenses. Segundo o professor Dourado, “as pessoas que vivem numa situação precária, numa residência precária, é mais difícil combater os insetos, porque eles (os mosquitos) entram, não tem janela apropriada, nas casas há buracos, brechas”. Ou seja, pessoas em situação de pobreza são mais vulneráveis às doenças transmitidas por mosquitos.
É o que aponta um estudo norte-americano, realizado em 2010, que analisa a incidência de casos de dengue na cidade de Brownsville, no sul do Texas; e no município Matamoros, no norte de Tamaulipas, no México. Os dados apontam que as cidades vizinhas apresentam uma elevada disparidade, com a cidade mexicana tendo sete vezes mais casos do que os 4% registrados na cidade estadunidense. Segundo Jaime Torres, “a forma de armazenar a água, de tratar (ou não) os resíduos e o uso do ar-condicionado, são determinantes para que esses insetos criem, vivam, se reproduzam e alimentem em um ou outro lugar”, afirmou o diretor do departamento de Medicina Tropical da Universidade Central da Venezuela, XVIII Conferência Internacional de Doenças Infecciosas, realizada em março de 2018, na cidade de Buenos Aires.

Em Rio Branco, os índices de saneamento básico não são nada satisfatórios, é o que demonstra o ranking do saneamento 2023, do Instituto Trata Brasil, com a capital acreana ocupando a posição 94, entre as 100 cidades analisadas. Atualmente, 60,73% da população rio-branquense tem acesso à água e apenas 22,67% têm coleta de esgoto. Esse quadro atual deixa a população das regiões periféricas vulneráveis às picadas e doenças transmitidas pelo mosquito. A realidade força os cidadãos a gastarem parte de sua renda com inseticidas.
Antes, Malária; agora, Dengue
No início da década de 1940, por exemplo, momento em que a incidência da Malária era maior, cerca de 6 milhões de pessoas foram atingidas, o que correspondia a pelo menos, 20% da população do Brasil. No estado do Acre, não era diferente. Conforme o Acre, diário oficial da época, em 1947, quase 900 pessoas contraíram a doença só na cidade de Rio Branco. Na época, os seringueiros eram um dos grupos mais afetados, pois estavam em contato direto com a floresta. Os inseticidas não faziam parte da realidade dessa população, que para se proteger contava com fumacês e mosquiteiros.
Hugo Carneiro, governador do território do Acre, entre 1927 a 1930, criou políticas de prevenção contra a malária. Entre elas, a curricularização de práticas de higiene no ensino primário. Dentre as orientações, também estava o uso de mosquiteiros.
Atualmente, a incidência de Malária está diminuindo no Acre. Segundo o boletim da Secretaria de Estado de Saúde do Acre (Sesacre), em 2023, estima-se que 1,5 mil cidadãos foram acometidos pela doença entre janeiro e março. As estimativas apontam uma queda nos números, tendo em vista que no mesmo período de 2022, foram contabilizados 2,1 mil casos. As cidades com mais diagnósticos foram: Cruzeiro do Sul, Mâncio Lima e Rodrigues Alves, todas do Vale do Juruá.
O professor Marcelo Urbano Ferreira, coordenador de pesquisas no Acre, do Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade de São Paulo (USP), em entrevista ao jornal da USP, em 2021, comentou que o quadro de Malária urbana, hoje contido nos grandes centros da Amazônia, como Rio Branco, pode aumentar. “Os moradores das cidades frequentemente transitam em localidades rurais de alta transmissão, onde podem infectar-se. Assim, temos mosquitos e parasitos presentes na periferia das cidades, potencialmente se espalhando em áreas de população mais adensada. São elementos que propiciam surtos de Malária em áreas urbanas.”
No momento, as políticas públicas estão sendo eficazes no controle da Malária no Acre, mas o mesmo não ocorre com a Dengue. Segundo o boletim epidemiológico da Sesacre, nos três primeiros meses de 2023, mais de 3 mil casos suspeitos foram diagnosticados. Rio Branco obteve mais de 1 mil notificações da doença, outro fator de atenção, é o aumento no número de casos de Zika, a capital registrou 243 casos entre janeiro e março. Em 2022, no mesmo período, nenhum caso havia sido registrado na cidade.

Cortinado, por favor
Mesmo com inseticidas disponíveis como opção atualmente, em Rio Branco, há pessoas que ainda preferem o uso dos cortinados. Esse é o caso de Rute de Oliveira dos Santos do Nascimento, de 42 anos. Ela conta que durante toda a infância, quando morava no interior do estado, para se proteger de insetos e até morcegos, ela e sua família utilizavam o mosquiteiro, hábito que ainda mantém até hoje.
“É desde a infância. Quando eu morava com meus pais, os colonos tinham o hábito de usar, principalmente devido aos morcegos, eles ferravam a pessoa. Lembro da minha mãe não pisando direito porque o morcego tinha roído o pé dela. Era uma regra muito recomendada à noite. E a questão das carapanãs também”, disse.
Rute aponta também possíveis motivos para o abandono dos mosquiteiros pela população, e reforça que a desigualdade social impacta nessa mudança de comportamento. “As casas forradas, que tem ar-condicionado, eu acredito que não há necessidade de usar o mosquiteiro, porque o ambiente não é aconchegante para esses mosquitos. Acredito que se parou de usar o cortinado porque incomoda e é algo a mais para arrumar, para enrolar, guardar, lavar e colocar”, finaliza Rute.
Nas lembranças
Da geração Z, posterior a de Adriana e Rute. Paulo Victor Alves de Oliveira, de 21 anos, guarda nas lembranças o cortinado da vizinha, responsável por seus cuidados quando criança. “Era só eu e minha mãe. Grande parte do dia a minha mãe ficava trabalhando e eu ia para escola. No tempo que eu não estava com ela, normalmente ficava com uma vizinha. A casa dela era de madeira, era um terreno mais aberto e com muito mais vegetação. Lembro que sempre existia esse cuidado de colocar o mosquiteiro e ver se ele estava certo. Sempre escutava os mosquitos quando acordava no meio da noite, assim, fora do mosquiteiro”.
O jovem, hoje, estudante de biologia da Universidade Federal do Acre (Ufac) abandonou, assim como Adriana, o cortinado. “Queremos as coisas muito mais fáceis. Lembro que sempre se tinha o cuidado de levantar e amarrar o mosquiteiro e quando fosse dormir o cuidado de não deixar um espaço, um buraco. Na minha concepção, as pessoas (jovens) querem as coisas na hora. O mosquiteiro traz uma dificuldade, por conta da montagem e desmontagem”.
O cortinado, presente por muitas gerações no dia-a-dia dos rio-branquenses na hora de dormir, sofre relutância para se manter como opção na proteção contra os mosquitos. Hoje, com o acentuado processo de urbanização, a popularização dos inseticidas e o controle da Malária, o mosquiteiro parece não atender às necessidades da população, se tornou obsoleto, ficando nas memórias de quem usou durante a infância ou até depois, na vida adulta.
Você pode gostar
-
Aquífero do Segundo Distrito de Rio Branco: riqueza invisível sob ameaça urbana
-
Curativo 100% biodegradável leva estudantes do Ifac à COP30
-
Fotojornalismo é tema da Mostra de Comunicação Visual
-
Mulheres tatuadoras no Acre e as histórias eternizadas na pele
-
Rabada do Toinho: 35 anos de história
-
Uma matéria sobre uma outra matéria
Cotidiano
Aquífero do Segundo Distrito de Rio Branco: riqueza invisível sob ameaça urbana
Estudos recentes apontam que o aquífero ocupa uma área de 122,46 km². Foto: cedida
Publicado há
21 horas atrásem
13 de outubro de 2025por
Redação
Por Júlio Queiroz e Karina Paiva
No subsolo do Segundo Distrito de Rio Branco está uma das maiores reservas estratégicas de água da capital acreana: o Aquífero Rio Branco. Pesquisadores da Universidade Federal do Acre (Ufac), como Evandro José Linhares Ferreira, Alexsande de Oliveira Franco, Frank Arcos e Jessiane Pereira, têm alertado sobre a importância desse manancial subterrâneo, e destacando que ele possui alta vulnerabilidade à contaminação em razão da ocupação urbana desordenada e da falta de saneamento básico.

Estudos recentes apontam que o aquífero ocupa uma área de 122,46 km², abrangendo os seguintes bairros: Loteamento Praia do Amapá, Taquari, Comara, 6 de Agosto, Santa Inês, Loteamento Santa Helena, Loteamento Santo Afonso, Belo Jardim 1 e 2, Cidade Nova, Santa Terezinha, Residencial Rosa Linda, Vila da Amizade, Vila Acre, Mauri Sergio, Areal, Vila do Dner e Quinze, e possui capacidade de abastecer mais de 3,2 milhões de pessoas com 200 litros de água por dia.
Ainda assim, apenas cerca de 7% de sua descarga natural é utilizada atualmente para o consumo humano. Para os pesquisadores da Ufac, a ausência de políticas públicas efetivas coloca em risco a qualidade da água, já que análises laboratoriais têm identificado contaminação por nitratos, coliformes e metais como ferro e manganês.
O poder público municipal, por sua vez, tem divulgado avanços em projetos de captação subterrânea, mas sem execução plena. Em 2012, a imprensa local noticiou a realização de estudos preliminares, e em 2019 a Prefeitura anunciou que avançava em planos para aproveitar o potencial hídrico do aquífero. Já em 2014, o Governo do Estado divulgou que a Companhia de Pesquisa de Recursos Minerais (CPRM) continuaria o plano de exploração, mas até hoje a utilização em larga escala não saiu do papel.
Esse contraste entre a urgência apontada pelos pesquisadores e a morosidade administrativa revela o desafio de transformar ciência em política pública.
Potencial e desafios
De acordo com o modelo de gestão elaborado pela CPRM em 2010, a recarga anual do Aquífero Rio Branco é de aproximadamente 587 mm/ano, com rápida recuperação dos poços (em até uma hora). Isso torna o manancial um recurso estratégico, capaz de complementar o abastecimento em períodos de estiagem do Rio Acre.
Pesquisadores x Poder Público
Enquanto pesquisadores da Ufac defendem o monitoramento constante e o uso controlado do aquífero, a Prefeitura de Rio Branco e o governo do Acre têm enfatizado a continuidade dos estudos, mas sem definir prazos concretos para exploração sustentável.
Essa divergência evidencia a necessidade de integração entre ciência e gestão pública, de forma a garantir segurança hídrica para as futuras gerações.

Foto: cedida
A CPRM é uma empresa pública vinculada ao Ministério de Minas e Energia, responsável por produzir e divulgar informações geológicas, hidrológicas e ambientais do território brasileiro.
No caso do Aquífero Rio Branco, a CPRM foi a instituição que realizou estudos técnicos de mapeamento, testes de bombeamento e modelagem hidrogeológica, servindo de base para o Plano de Manejo do Aquífero citado.
Em resumo: a CPRM é quem faz a “radiografia do subsolo” e fornece dados científicos para que estados e municípios consigam planejar a exploração sustentável da água subterrânea.
Outro entendimento
O diretor-presidente do Saerb, Enoque Pereira de Lima, explicou que não há comprovação da existência de um aquífero em Rio Branco, mas sim um lençol freático raso capaz de atender demandas residenciais e comerciais em pequena escala.
Segundo ele, estudos realizados até 400 metros de profundidade não identificaram aquífero, apenas pontos de água confinada de difícil recarga, com capacidade de renovação anual de cerca de 20%. Para verificar a viabilidade, o Saerb pretende perfurar três poços profundos — dois no Segundo Distrito e um no Panorama — avaliando volume, qualidade da água e resistência do solo, podendo expandir as perfurações caso os resultados sejam positivos.
Sobre o abastecimento, Enoque destacou que a cidade depende integralmente do Rio Acre, cuja turbidez e sazonalidade dificultam o tratamento, sobrecarregando o sistema no período seco.
A produção atual das duas ETAs é de até 1.600 litros por segundo, mas falhas em bombas, motores e adutoras causam intermitência em determinados bairros, especialmente no Segundo Distrito, totalmente dependente da ETA 2.
O dirigente ressaltou ainda o alto desperdício doméstico e a falta de conscientização dos moradores como fatores que agravam a escassez, reforçando que, em situações críticas, a prioridade é garantir água para hospitais e unidades de saúde.
Invisível aos olhos dos moradores, o Aquífero Rio Branco pode ser a chave para garantir segurança hídrica à capital acreana. Mas, se por um lado representa abundância, por outro traz o alerta: sem gestão integrada e responsável, esse tesouro subterrâneo pode se transformar em mais uma vítima da urbanização desordenada.
Cotidiano
Curativo 100% biodegradável leva estudantes do Ifac à COP30
Publicado há
4 dias atrásem
10 de outubro de 2025por
Redação
Por Fernanda Maia, Gabriel Vitorino e Jhenyfer Souza
No Instituto Federal do Acre (Ifac) em Sena Madureira, estudantes desenvolveram um curativo biodegradável feito a partir da taboca, espécie de bambu abundante na região amazônica.
O projeto será apresentado na prévia da Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP30), que acontece este ano em Belém (PA), em novembro, e pretende mostrar ao mundo uma alternativa sustentável para a proteção das feridas.
A ideia surgiu a partir de estudos feitos durante o doutorado do professor Marcelo Ramon, graduado em Química pela Universidade Federal de Alagoas – Ufal. Doutor em Biodiversidade e Biotecnologia com ênfase em Nanobiotecnologia pela Rede de Biodiversidade e Biotecnologia da Amazônia Legal. Ele percebeu que a substância extraída da taboca, carboximetilcelulose (CMC), podia formar uma película semelhante ao plástico. O material, que parecia inviável por ser solúvel em água, se tornou a chave para um curativo capaz de se dissolver em contato com sangue ou secreções.
Além disso, apesar de ser considerada uma praga por produtores rurais devido aos espinhos, a taboca foi escolhida por apresentar vantagens ecológicas. O professor destaca que o Acre detém a maior concentração ‘tabocal’.
‘’A taboca cresce muito rápido, até 20 centímetros por dia. Em cinco anos, você já tem uma floresta recomposta. Tem taboca na África e Ásia, mas nada se compara ao que temos na Amazônia. E dentro da Amazônia, o Acre é o estado que mais concentra essa espécie”, explicou.
Curativo
O curativo foi reforçado com nanogotículas extraídas de óleos de copaíba e andiroba, que são conhecidos por suas propriedades antibacterianas e anti-inflamatórias.
Segundo Ramon, essa combinação ajuda na cicatrização e cria um produto sustentável, diferente dos curativos tradicionais, feitos à base de petróleo e nocivos ao meio ambiente. “Enquanto o band-aid serve apenas como barreira, o nosso curativo atua diretamente na regeneração do tecido exposto”, explica.
Veja abaixo o passo a passo de produção do curativo:
- Coleta da taboca na floresta amazônica;
- Transformação da fibra vegetal em carboximetilcelulose (CMC), um pó fino que forma um gel em contato com a água;
- Adição de nanopartículas de prata (com ação bactericida) e nanoemulsões de óleos essenciais de copaíba e andiroba, que têm propriedades anti-inflamatórias e cicatrizantes;
- Desidratação do gel em estufas, que forma uma película sólida e transparente;
- Aplicação na pele, e nesta etapa o curativo se transforma novamente em gel e é absorvido pela ferida.
Expectativas
A criação do produto também contou com a ajuda de estudantes do Ifac de Sena Madureira e, para eles, o projeto vai além da pesquisa em laboratório.
João Augusto Nascimento, que entrou no IfacC ainda no ensino médio, afirma que a experiência mudou sua forma de ver a ciência. “Mostra que a pesquisa pode nascer dentro da escola pública e gerar soluções reais a partir da Amazônia”, afirma.
Já a aluna Jordana Batista, outra integrante do grupo de pesquisa, destaca o orgulho em representar o projeto na conferência. “Ver nosso trabalho chegar à COP30 mostra que a região tem potencial para inspirar outros estudantes que se interessam por ciência’’.
Apesar do avanço, a produção em larga escala ainda depende de investimentos e de equipamentos industriais. Hoje, o grupo trabalha em nível laboratorial, mas vê na COP30 a chance de atrair investidores e parcerias.
A expectativa é de que o curativo ganhe visibilidade internacional e mostre que ciência, sustentabilidade e saúde podem caminhar juntas a partir do Acre.
Cotidiano
Mulheres tatuadoras no Acre e as histórias eternizadas na pele
Em Rio Branco, no Acre, esse processo já marca a cena local, com cada vez mais mulheres assumindo as máquinas, os estúdios e o protagonismo.
Publicado há
6 dias atrásem
8 de outubro de 2025por
Redação
Por Luanna Lins e Inayme Lobo
Desde muito antes de se tornar moda, a tatuagem já carregava significado em diferentes culturas. Entre povos indígenas, marcar a pele é rito de passagem, pertencimento. Em alguns países da Ásia, até hoje, ela ainda é envolta em restrições. E, quando a tatuagem moderna se espalhou, foi quase sempre dominada por homens.
Esse cenário começou a mudar quando algumas mulheres decidiram romper essa barreira. Entre as maiores inspirações estão Maud Wagner, artista circense considerada a primeira tatuadora dos Estados Unidos, no início do século XX, e Jessie Knight, que se destacou na Inglaterra a partir de 1921.
No Brasil, o mercado da tatuagem veio ganhar visibilidade a partir da segunda metade do século XX, também marcado pela predominância masculina. Nomes como Re Martelli – reconhecida como uma das primeiras tatuadoras do país – abriram caminho, tornando-se referência para outras que vieram a conquistar esse espaço.
Em Rio Branco, no Acre, esse processo já marca a cena local, com cada vez mais mulheres assumindo as máquinas, os estúdios e o protagonismo. Três delas, em especial, fazem parte dessa nova geração de tatuadoras: Ana Beatriz Tavares (20 anos), Gabriella Leão (21 anos), e Thayla Isla (26 anos). Cada uma com sua trajetória, mas unidas pela certeza de que a tatuagem é mais do que um desenho na pele, é identidade.
Experimentar, arriscar, confiar
Ana Tavares ainda era adolescente quando decidiu que a tatuagem seria sua profissão. No terceiro ano do ensino médio, ganhou um kit de tatuagem do pai e começou a improvisar peles artificiais para treinar em casa. “Eu chamei alguns colegas da minha turma pra poder fazer os primeiros treinos. Aí teve uma pessoa que aceitou e a partir disso eu comecei a tatuar”, lembra.
Aos 20 anos, Ana já possui um extenso portfólio e vem conquistando cada vez mais clientes. Foto: Inayme Lobo/A Catraia
NoO começo foi autodidata. Sem cursos presenciais disponíveis em Rio Branco, recorreu à internet. “Pesquisei cursos na internet, comecei a fazer, estudava por lá. Até o ano passado, quando participei de um workshop aqui na cidade, com um profissional da área. Então, a maior parte eu aprendi sozinha”.
Hoje, ela trabalha principalmente com o fine line e o blackwork, mas também defende as tatuagens coloridas, mesmo com pouca procura. “Muitas pessoas pensam que a cor não vai ficar tão legal depois que cicatrizar, talvez por conta do tom da pele. Mas isso é mito. As tatuagens coloridas têm contraste diferente, mas não deixam de ter a mesma qualidade”.
O que diferencia seu trabalho, segundo ela, é o incentivo ao autoral. “Normalmente, quem vem comigo, traz tatuagens já prontas, com referências da internet. Mas eu sempre indico fazer uma coisa diferente, que vai ser só pra pessoa, que ninguém vai poder copiar”.
Tavares trabalha principalmente com os estilos fine line e o blackwork. Foto: cedida
Ainda este ano, Ana abriu seu primeiro estúdio próprio, após um período tatuando em casa e em um estúdio colaborativo. Para ela, o maior desafio não vem necessariamente do fato de ser mulher, mas da competitividade no meio. “Acredito que haja ainda uma rivalidade entre os tatuadores daqui. A ideia é que é um lugar pequeno, então o público é pouco e se divide.” Ao mesmo tempo, ela reconhece que ser mulher influencia nas clientes que conquistou. “Eu confio muito no meu trabalho. Sei que dá certo porque também recebo muitas outras mulheres que querem tatuar comigo”.
No coletivo, ninguém tatua sozinha
A trajetória de Gabriella Leão (Gab Tattoo) tem um tom quase profético. “Na escola, eu falava, de forma muito despretensiosa: “ah, eu vou virar tatuadora mesmo”. Eu não sabia de nada, não tinha ido atrás de nada. E eu sempre falava isso, sabe? De uma forma espontânea. Manifestei literalmente tudo”, conta, rindo.
Gabriella encontrou na coletividade dos estúdios um espaço para crescer. Foto: cedida
Foram os amigos que abriram a porta definitiva. Ela já desenhava desde criança, influenciada pela irmã mais velha, mas foi ao conhecer Gabriel (Amaterasu), hoje colega de estúdio, que ganhou o empurrão inicial. “Ele me deu dicas de máquina, de material, de onde comprar tudo isso. Foi o pontapé que eu tava precisando”.
Depois de um mês treinando sozinha em peles artificiais, Gabriella conseguiu uma vaga de aprendiz. E ali entendeu que a vivência valia mais do que qualquer curso. “Apesar de eu estar consumindo muito conteúdo, vendo cursos gratuitos na internet, o que de fato me fez aprender foi estar ali cercada de profissionais, sempre ter o tatuador ao lado para auxiliar. Isso realmente me ajudou”.
Hoje, com um ano e sete meses de carreira, já passou por três estúdios, todos colaborativos. “Eu sempre gostei muito, porque dá pra ter uma troca de conhecimento e experiência constante. A gente tá sempre aprendendo e, consequentemente, evoluindo juntos. Eu gosto muito dessa ideia de trabalhar em equipe”.
Conhecida por Gab Tattoo, a tatuadora se destaca pelo estilo irreverente. Foto: cedida
Em relação a estilos, Gabriella não se limita, mas tem dois favoritos: o old school e o black work. “Pra mim são tatuagens que não têm erro. Tanto no quesito resultado quanto na aplicação, é muito satisfatório fazer”.
Ser mulher, para ela, também faz diferença na clientela. “Recebo muita tatuagem mais delicada, mesmo meu nicho não sendo focado nisso. Principalmente vindo de outras mulheres, em regiões mais íntimas. Acredito que, por eu ser mulher, elas se sentem mais confortáveis”.
Nesse meio, Gabriella conta que já passou por situações em que sua capacidade foi colocada em dúvida apenas por ser mulher. “Eu já passei por situações desagradáveis, como não ter voz dentro de um estúdio, duvidarem da minha capacidade sem conhecerem meu trabalho… Mas nunca deixei isso me abalar. Felizmente, o cenário da tatuagem tá mudando. Cada dia que passa vãoai surgindo mais mulheres tatuando por aqui. Eu fico feliz demais!”, resume a tatuadora.
Entre a tradição e a reinvenção
Thayla Isla (La Isla Tattoo) tinha 22 anos quando tatuou a própria pele pela primeira vez. Foi em 2021, experiência que abriu um caminho inesperado. “Desde sempre eu tive gosto por desenhar e pintar. Era um momento pessoal, no qual eu me ocupava e me encontrava. Em 2021, fiz minha primeira tatuagem e, a partir dali, passei a conhecer mais profundamente essa arte e a desenvolver uma paixão por esse universo”.
Isla atua em estúdio próprio, com clientela diversificada. Foto: cedida
O empurrão veio do colega Lean Costa, artista plástico e tatuador, que se tornou também mentor. “Ele me inspirou, me orientou e me deu todo o suporte necessário para seguir nessa caminhada que hoje é a minha vida”.
Autodidata, Isla se consolidou no old school e no tradicional americano, além de se destacar com flash tattoos em eventos. “Meu público hoje é bastante variado: atendo desde jovens até pessoas mais velhas, tanto homens quanto mulheres. Muitos clientes já chegam com o desenho pronto, mas sempre ofereço minha opinião profissional para sugerir ajustes ou melhorias desde que o cliente esteja de acordo”.
A tatuadora é especialista em old school e tradicional americano. Foto: cedida
Assim como Ana e Gabriella, também começou de forma improvisada. “As primeiras tatuagens foram feitas na casa de amigos, onde eu adaptava o espaço para trabalhar. Aos poucos, fui reunindo recursos para comprar os móveis e montar meu próprio estúdio”.
No mercado local, Isla afirma ter encontrado acolhimento. “No ramo da tatuagem no Acre, acredito que o espaço é aberto para todos. Eu, particularmente, nunca enfrentei rejeição ou cancelamento por ser mulher, pelo contrário, sempre recebi incentivo dos colegas e também muita procura de outras mulheres”, explica.
Um espaço que não para de crescer
Apesar das diferenças de trajetórias, as três tatuadoras compartilham pontos em comum. Todas vieram do desenho, todas aprenderam de forma autodidata e todas enfrentaram o desafio de conquistar credibilidade em um mercado majoritariamente masculino. Entre elas, há uma certeza: o número de mulheres tatuando está crescendo. No Acre, os estúdios de tatuagem não são mais apenas território masculino.
Na experiência delas, muitas clientes relatam que se sentem mais à vontade ao tatuar com mulheres, sobretudo em sessões que exigem expor partes do corpo. Mas o crescimento dessa procura não se explica apenas pelo conforto e acolhimento: ele também reflete a qualidade do trabalho de Ana, Gabriella, Isla, e tantas outras tatuadoras que consolidaram estilos próprios e conquistaram reconhecimento por meio de técnica e experiência.
No fim, quem procura uma tatuagem possui diferentes motivações. Há quem busque a estética, um desenho que harmonize com o corpo. Outros enxergam mais significado: homenagens, lembranças, momentos especiais. E há também quem veja na tatuagem uma forma de expressão, identidade ou simplesmente de eternizar na pele aquilo que lhe representa. Seja qual for a razão, cada tatuagem é única – assim como as histórias de quem as faz e de quem as recebe.

Aquífero do Segundo Distrito de Rio Branco: riqueza invisível sob ameaça urbana

Curativo 100% biodegradável leva estudantes do Ifac à COP30

Fotojornalismo é tema da Mostra de Comunicação Visual

Mulheres tatuadoras no Acre e as histórias eternizadas na pele

Rabada do Toinho: 35 anos de história

A dor em palavra: Gabe Alódio prepara “A Casa de Vidro”

Florestas do futuro

Mulheres tatuadoras no Acre e as histórias eternizadas na pele

Malabarismo entre estudo e trabalho

Uma matéria sobre uma outra matéria
Mais Lidas
-
Olhares3 anos atrás
Mulheres mais velhas no relacionamento: ainda é um tabu?
-
Saúde4 anos atrás
Os riscos do cigarro eletrônico
-
Notícias3 anos atrás
Festa de Ibejí, erê ou Cosme e Damião: quem tem medo de criança?
-
Cultura4 anos atrás
Um vício chamado leitura
-
Notícias4 anos atrás
Curso de Jornalismo da Ufac comemora 20 anos
-
Cotidiano3 anos atrás
Popularização da venda de conteúdo adulto no Acre
-
Notícias4 anos atrás
Muito além dos números: o luto na pandemia
-
Ufac4 anos atrás
Aulas presenciais na Ufac só devem retornar após imunização completa de professores e alunos