Cotidiano
6 anos sem padre Paolino
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3 anos atrásem
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Redação 
																								
												
												
											Por Pamela Caetano, Márcio Levi e Ediogley Levi
Vaticano autoriza processo que pode levar a beatificação do religioso
Baldassari era conhecido e respeitado pela defesa que fazia dos mais necessitados – Foto Uol
Padre Paolino Maria Baldassari morria, no Hospital de Urgência e Emergência de Rio Branco (Huerb), no dia 8 de abril de 2016, vítima de falência múltipla dos órgãos, depois de passar 11 dias internado, aos 90 anos de idade. Nessa data, o Acre perdia um dos maiores líderes religiosos do último século.
Sua partida comoveu pessoas de diversos segmentos da sociedade. Autoridades e populares compareceram para dar seu último adeus ao religioso, na Igreja Matriz Nossa Senhora da Conceição, localizada no município de Sena Madureira, a cerca de 154 km da capital Rio Branco. A pedido do padre em vida, seu corpo foi sepultado nas dependências da Igreja.
O religioso era muito reverenciado na região, dezenas de pessoas passavam diariamente pela sede da Igreja para ter contato com o padre. Além dos ensinamentos espirituais, Baldassari sempre ajudava os fiéis com receitas de remédios naturais, extraídos da floresta, ensinamentos que adquiriu durante suas viagens missionárias pelos rios da região, em contato com os povos indígenas e ribeirinhos. Nascido na Itália, o padre já estava em Sena Madureira há quase meio século.
Seis anos após sua morte, o legado do “missionário da floresta”, como era carinhosamente chamado pela comunidade, permanece vivo. Diariamente, fiéis visitam seu túmulo para realizar suas preces e em busca de medicamentos naturais à disposição em um espaço reservado na sede da igreja.
Desde sua morte, algumas medidas por parte do poder público foram realizadas no intuito de manter viva a memória e os ensinamentos de Padre Paolino. Recentemente, um memorial que leva seu nome foi entregue pela prefeitura do município à administração da igreja. Segundo o prefeito do município, Mazinho Serafim, o memorial é apenas uma das ações concretas em homenagem ao líder religioso.
Local reúne livros, quadros, fotografias, presentes recebidos entre outras curiosidades da vida do religioso – Foto Ascom/PMSM
“Entregamos o Memorial Padre Paolino para a administração da igreja há cerca de dois meses. Lá é possível conhecer melhor a história desse homem incrível que foi o padre Paolino. Além disso, sancionamos a lei que criou a maior comenda do município, a medalha que leva o nome dele. Ele foi um homem que só fazia o bem, era um santo, vamos sempre buscar fazer o possível para que sua memória e legado esteja sempre presente”, comentou o prefeito.
Governador do Estado Gladson Cameli foi a primeira pessoa a receber a honraria – Foto Neto Lucena
Para o jornalista Jota Guimarães, profissional que acompanhou de perto o trabalho do religioso por mais de 30 anos, Padre Paolino era alguém que pensava sempre além do seu tempo, e a educação era um dos pilares de sua vida.
“Paolino deixou um legado indiscutível para a população da região. Ele construiu mais de sessenta escolas, e por bom tempo ele pagava o salário dos professores, para implantar nos locais mais distantes o processo de alfabetização. Boa parte dessas escolas, após fundadas e já funcionando acabaram sendo transferidas para o poder público e hoje fazem parte da rede de ensino. Ele foi quem mais combateu o analfabetismo na região do Purus. Em Sena Madureira, independente do credo religioso, é possível identificar em quadros de fotografias a presença do padre em um momento feliz da família. Sua história de vida nos remete ao pensamento de que fazer o bem é a verdadeira essência de viver bem”, disse o jornalista.
Paolino pode ser beatificado pelo Vaticano
Recentemente uma informação chamou atenção da comunidade católica e dos meios de comunicação locais: o processo de beatificação de Padre Paolino. No entanto, para que o procedimento seja firmado, alguns critérios devem ser apresentados. Um deles é a constatação de dois milagres realizados com o auxílio do padre, a respeito de situações comprovadas em que a ciência já teria descartado um resultado positivo.
Para buscar identificar algum milagre com ajuda do religioso, a direção da Igreja Nossa Senhora da Conceição, do município de Sena Madureira, encarregada de atender às exigências do Vaticano, deu início em 21 de maio de 2022, à primeira fase do processo na prática.
Houve um evento, realizado no auditório da Escola Messias Rodrigues, marcado com inúmeras homenagens ao padre e prestigiado por centenas de pessoas da comunidade católica. E teve como ponto de partida a formação de um grupo de pessoas que ficaram à frente das buscas e análises dos milagres.
Frei Ivan Siqueira, que acompanha os trabalhos, falou o que significa o momento do processo. “Essa fase é muito importante porque será fomentada a devoção do povo. Serão distribuídos folhetos com a imagem do Padre Paolino e suas orações. É uma forma de identificar suas obras”, comentou o frei.
Folheto será distribuído para a comunidade em geral – Foto Ascom
Ainda segundo Ivan Siqueira, o grupo formado pela igreja tem entre seus integrantes, padres canonistas e pessoas da sociedade civil, e o processo não tem tempo determinado para terminar. “Uma vez que surgir notícias de algum milagre, inicia-se a fase de estudos para saber se de fato o relatado ocorreu. Isso leva muito tempo”, finalizou o Frei Ivan Siqueira.
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Cotidiano
O futuro da escrita na era digital
Entre teclados e telas, especialistas destacam que a escrita à mão ainda fortalece memória, criatividade e identidade cultural. Foto: Gabriela Queiroz
Publicado há
2 dias atrásem
29 de outubro de 2025por
Redação 
														Por Maria Niélia Magalhães, Sérgio Corrêia e Gabriela Queiroz
Das cartas que cruzaram continentes aos aplicativos de mensagens instantâneas, a transição da escrita manual para a digital reflete mais do que uma evolução tecnológica — revela uma transformação profunda em como nos comunicamos, aprendemos e até mesmo como processamos informações. Enquanto especialistas debatem os impactos cognitivos e culturais dessa mudança, neurologistas, educadores e alunos avaliam os prós e contras de cada meio.
“Quando o aluno escreve à mão, ele pensa melhor no que está registrando, organiza o que é mais importante”, afirma a professora Cyndi de Oliveira Moura, 29 anos, formada em Letras pela Universidade Federal do Acre – Ufac e docente de Língua Portuguesa no ensino fundamental. Ela observa no dia a dia os efeitos da escrita manual: “alunos que anotam no caderno conseguem relembrar mais facilmente aquilo que foi explicado em sala.”
Ela destaca que a caligrafia também está ligada à criatividade, pois exige atenção e paciência. Mas nota que os estudantes atuais enfrentam dificuldades: “Eles são impacientes e querem escrever tão rápido quanto pensam. A escrita exige paciência e reflexão, mas o uso excessivo das telas acelera demais o pensamento.”
Apesar disso, a professora não vê a tecnologia como inimiga, e sim como ferramenta que precisa ser equilibrada com a escrita manual: “Os recursos digitais ampliam possibilidades, mas sem criticidade se limitam a cópias rápidas e informações superficiais. O ideal é equilibrar os dois mundos: o papel ajuda a refletir, enquanto a tecnologia prepara para o século XXI.”

Foto: Gabriela Queiroz
O advento da tecnologia digital transformou profundamente a maneira como registramos e comunicamos ideias. Se por um lado a digitação se tornou predominante pela sua praticidade e velocidade, por outro, a escrita manual resiste como prática fundamental – não por nostalgia, mas por seu impacto comprovado na cognição e no desenvolvimento cerebral.
A voz do estudante
Para Letícia Kelly, aluna do 2º ano do ensino médio de uma escola pública em Rio Branco, a escrita à mão continua sendo indispensável no seu processo de aprendizagem. “Eu prefiro escrever no caderno, porque fazer anotações melhora minha memória. Quando escrevo no celular, não consigo guardar tanto na mente”, afirma.
Elaborar pequenos textos e mapas mentais no papel facilita a memorização de detalhes importantes, segundo Kelly. “Infelizmente, as pessoas estão abandonando a escrita à mão, e isso é muito ruim, pois terão uma memória mais curta. Eu não consigo parar de escrever à mão, porque me ajuda a memorizar as coisas”, completa a estudante.

Atividade da aluna do 2º ano do Ensino Médio, Letícia Kelly. Foto: Maria Niélia
Não se trata de idealizar o passado ou desconsiderar os avanços tecnológicos. Afinal, todos nós aproveitamos a agilidade das mensagens instantâneas para nos conectar com quem está longe. No entanto, especialistas alertam: a caligrafia ativa regiões do cérebro relacionadas à memória e à criatividade de um modo que o teclado não consegue replicar.
Cenário Internacional
Pesquisas recentes confirmam que a escrita manual continua exercendo um papel fundamental no aprendizado. Um estudo norueguês, citado pela DW Brasil na reportagem Escrever à mão ajuda no aprendizado, aponta estudo, mostrou que escrever manualmente aumenta a atividade cerebral justamente nas regiões ligadas à memória e ao processamento motor e visual, favorecendo uma compreensão mais profunda e duradoura do conteúdo.
Já a BBC Brasil, em Como escrita à mão beneficia o cérebro e ganha nova chance em escolas, destaca a visão da neurocientista Claudia Aguirre, que afirma que escrever em cursivo, especialmente em comparação com digitar, ativa caminhos neurais específicos que otimizam o aprendizado e o desenvolvimento da linguagem.
A Finlândia, país reconhecido por seu sistema educacional inovador, retirou a caligrafia do currículo obrigatório em 2016, priorizando o ensino de digitação (The Guardian, 2015). Nos Estados Unidos, discussões semelhantes ganharam força nos últimos anos. Essas mudanças, no entanto, não ocorrem sem controvérsias.
À medida que escolas e estudantes se adaptam às demandas de um mundo digital, pesquisadores seguem investigando como equilibrar tradição e inovação. Por um lado, alguns educadores defendem a adaptação aos novos tempos, por outro, especialistas em neurociência e desenvolvimento cognitivo alertam para as perdas associadas à diminuição da escrita manual.
O melhor de ambos
Enquanto isso, a ciência segue confirmando: escrever à mão é muito mais que um gesto cultural – é uma ferramenta poderosa para moldar o cérebro e expandir as fronteiras do pensamento. A pergunta que permanece não é apenas sobre qual método de escrita é mais eficiente, mas como podemos integrar o melhor de ambos para promover uma aprendizagem mais rica e significativa.
Não se trata, portanto, de uma disputa entre o antigo e o moderno, mas de reconhecer que ambas as formas de escrita — a manual e a digital — podem coexistir e se complementar. Como bem ilustram a professora Cyndi e a estudante Letícia, escrever à mão continua a ser um exercício de paciência, reflexão capaz de transformar informação em conhecimento.
No fim, o que importa é lembrar: escrever não é apenas registrar palavras — é processar ideias, construir sentidos e, acima de tudo, permanecer humano em um mundo em constante transformação.
Cotidiano
Você sabia que o e-Título foi idealizado por uma acriana?
Rosana Magalhães, hoje aposentada, trabalhou na Justiça Eleitoral desde 1994. Foto: Arquivo do TRE/AC
Publicado há
1 semana atrásem
24 de outubro de 2025por
Redação 
														Por Francisca Samiele e Amanda Silva
Talvez pouca gente saiba, mas uma das ferramentas digitais mais importantes da Justiça Eleitoral no Brasil foi criada por uma mulher acriana. O e-Título, versão digital do título de eleitor, que ajudou a modernizar a forma como milhões de brasileiros votam, foi idealizado por Rosana Magalhães, na época, secretária de tecnologia do Tribunal Regional Eleitoral do Acre (TRE-AC).
Considerando que até 1932 as mulheres sequer tinham direito ao voto no Brasil, é irônico pensar que tenha sido justamente uma mulher a idealizar essa tecnologia, considerada essencial para o exercício da democracia ter se tornado tão prático.

A idealizadora do e-Título
Rosana Magalhães, hoje aposentada, trabalhou na Justiça Eleitoral desde 1994 e acompanhou a evolução do sistema de votação, do papel à urna eletrônica. Como analista de sistemas, ela percebeu que o título de papel era um documento que dificultava o acesso a alguns serviços da Justiça Eleitoral e a atualização de dados para muitas pessoas.
“Ele (título) não tinha foto e não tinha dados atualizados como estado civil, grau de escolaridade, nome em caso de mudança após casamento. Era um documento estático. […] Era um papel que molhava e não tinha muita durabilidade”, explicou Rosana Magalhães. A servidora comenta que foi observando essas limitações que surgiu a ideia do e-Título, um documento digital que pudesse atualizar automaticamente informações do eleitor e simplificar processos como emissão de certidão de quitação eleitoral.

“E outra coisa que observei durante toda essa minha experiência de vida na Justiça Eleitoral é a dificuldade que as pessoas tinham em atualizar seus dados e, quando perdiam o título de eleitor, ficavam numa fila enorme perto da eleição”, relembra.
O e-Título foi lançado em dezembro de 2017 e o projeto foi desenvolvido junto ao TRE-AC após aprovação do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). A primeira versão, desenvolvida em cerca de 40 dias, foi disponibilizada nas lojas de aplicativos e preparada para uso nacional, sendo adotado pelos estados de forma gradual.
O e-Título é acessível para pessoas com deficiência visual, baixa visibilidade ou daltônicas e também é permite acessar vários serviços, tais como:
• Apresentação de justificativa eleitoral no dia das Eleições e após o pleito;
• Consulta ao histórico de justificativas eleitorais;
• Consulta ao local de votação;
• Emissão de certidão de quitação e de crimes eleitorais;
• Geração do Título Eleitoral em formato PDF para impressão;
• Cadastrar mesária ou mesário voluntários;
• Emissão de declaração de trabalhos eleitorais;
• Geração de código de autenticação para sistemas parceiros;
• Consulta a débitos eleitorais;
• Pagamento de eventuais débitos eleitorais por Pix ou por meio da emissão de boleto.
Veja como o título de eleitor evoluiu ao longo dos anos:




Reações às mudanças
O e-Título trouxe mudanças significativas para os eleitores. Alguns se adaptaram muito bem, mas também tem quem ainda prefere o documento à moda antiga.
Para a assistente administrativa Janara Cristina Dutra Nogueira, 37 anos, a mudança é bem-vinda. “Para mim, a maior vantagem é a praticidade. Não preciso mais andar com o título de papel, ele fica no celular. Também dá para ver meu local de votação, regularizar situação eleitoral e até justificar voto se eu estiver fora”, explica.
A pedagoga Katiane Lima, também considera a mudança um bom progresso. “O aplicativo trouxe praticidade, oferecendo acesso rápido e fácil às informações, sem necessidade de buscar documentos físicos. A transição de papel para digital trouxe mudanças de mentalidade e aprendizado necessário para usar novas tecnologias”.
Mas nem todos os usuários que passaram pela transição do papel ao digital se adaptaram completamente, como é o caso da funcionária pública Iêda Fernandes, de 69 anos. “Tenho algumas dificuldades com a tecnologia… Já utilizei em alguns momentos, mas não me senti tão segura. Para utilizar como ferramenta principal, devo aprender mais sobre as funcionalidades. Preciso me tornar mais tecnológica”.
A aposentada Junisseia Souza de Lima enfatiza sua preferência pelo título em papel: “sabe por que eu não gosto de botar no telefone as coisas? Porque às vezes a gente é roubada, basta puxar o telefone para olhar e o ‘cabra’ vem e toma. A gente não fica tranquila andando com telefone, eu não fico. Então, com a cédula de votação, é melhor papel, eu gosto. Eu não gosto de sair preocupada com o telefone, então, para evitar isso, prefiro o de papel.”
Já a professora de português Gleiciany Florêncio de Araújo, de 34 anos, sugere algumas atualizações: “Para mim, uma grande melhoria no aplicativo seria se ele também pudesse ser usado offline, porque algumas vezes o sinal da internet é fraco e não dá para entrar no aplicativo”.
Progresso
A idealizadora do projeto ressalta que o e-Título continua evoluindo e pode, futuramente, incluir funcionalidades como coleta de biometria pelo próprio aplicativo.

O e-Título trouxe benefícios para os eleitores e para a Justiça Eleitoral. Agora, muitas situações podem ser resolvidas diretamente pelo aplicativo, o que diminui filas e tempo de espera. O uso digital reduz custos com impressão de títulos e certidões, e o aplicativo pode ser usado por eleitores em qualquer lugar do Brasil ou no exterior.
“O principal impacto para a sociedade, para a justiça eleitoral e para a sociedade também é a economia que teve de muitos milhões para emissão de título eleitoral, já que não há mais necessidade de imprimir”, afirma Rosana Magalhães. E ela repete uma frase que Caetano Veloso disse no dia do lançamento do e-Título: “É incrível a força que as coisas parecem ter quando elas precisam acontecer.”
Conheça um pouco da trajetória das mulheres na luta por seus direitos políticos AQUI.
Cotidiano
Tradição ou conservadorismo: quem paga a conta no primeiro encontro?
O debate “milenar” revela mais sobre as estruturas da sociedade do que você imagina
Publicado há
1 semana atrásem
22 de outubro de 2025por
Redação 
														Por Gabriela Fintelman e Natália Lindoso
Se você é um usuário de redes sociais como o Instagram e o X (Twitter), certamente já viu ou participou de debates acalorados sobre quem paga as despesas do primeiro encontro. A discussão volta e meia reaparece e assombra os corredores da internet, revelando como ainda estamos presos a certos papéis de gênero, com expectativas e tradições que insistem em resistir ao tempo.
Para muitas pessoas heterossexuais (que se atraem sexualmente pelo sexo oposto), sejam elas solteiras ou não, muitas vezes é algo natural que o homem tome a iniciativa. “É o mínimo que o homem pode fazer”, diz o diretor de audiovisual Laércio Oliveira, de 35 anos. Esse pensamento divide opiniões e resulta, muitas vezes, em debate nas redes.
O editor de vídeo Ilgner Fernandes acha que depende da intenção de quem está fazendo o convite. “Se ele quiser um relacionamento no futuro, eu acho que ele vai pensar em pagar a conta. Mas hoje em dia, com o empoderamento das mulheres e o movimento feminista, a situação está meio querendo se equilibrar, cada um está pagando a sua conta”, relata.

Henrique Damasceno, de 22 anos, bissexual e solteiro, afirma que a sua forma de lidar com a questão fianceira no primeiro encontro muda de acordo com o gênero da pessoa com quem ele está saindo. “Na questão de sair com um homem, quem convida paga o jantar, já com uma mulher muda muito. É sempre bom ser cavalheiro com a moça que está afim. Então, convidar e pagar a conta no primeiro encontro é muito importante”, disse.
A jornalista Camila Holsbach, casada há 18 anos com o também jornalista Márcio Bleiner, relata diferenças entre primeiros encontros e relacionamento sério. “Ele que pagava todas as contas no início do nosso namoro. Hoje já é uma coisa mais fluída. Por exemplo, na maioria das contas, tanto em casa quanto nas saídas, é ele quem banca. Mas se um dia do mês eu estiver afim de comer e a grana para ele está curta ou tem outras coisas que ele tem que pagar, eu pago sem problema”, diz.

A operadora de áudio Lília Moreira, de 26 anos, não vê problema em dividir a conta: “eu não me importo em dividir a conta, mas eu acho que é um cavalheirismo. Se ele convidou, então, acho que o correto seria ele pagar a conta”, avalia.
Embora não se sinta pressionado e ache que a mulher pode pagar ou dividir a conta, o repórter João Cardoso assume que até gosta de pagar em um primeiro encontro. “Eu acho que isso depende muito da iniciativa da pessoa, afinal de contas quando eu saí com a pessoa que eu estou, fui eu que chamei. Então, se eu estava chamando, eu tinha que pagar”, explica.

Padrões impostos
Nos dias atuais, com a complexidade das relações contemporâneas, que se estende para fora de um padrão tradicional, é necessário que haja espaço para novas maneiras de pensar. A pesquisadora Lisânia Ghisi, Mestre em Letras, estuda e desenvolve pesquisas sobre questões de gênero e afirma que essa binariedade que define os papéis de homens e mulheres é quase que uma lógica universalizante.
“A nossa sociedade foi constituída de discursos que carregam dualismos. Ou seja, um mundo dividido em dois: entre certo e errado, bonito e feio, homem e mulher, quem paga e quem não paga. O binarismo heteronormativo que está impregnado no nosso cotidiano”, explica Ghisi.
A pesquisadora ainda ressalta que esse padrão imposto socialmente também atinge os outros modelos de relacionamento que divergem da heteronormatividade. Ou seja, a partir da lógica histórica e cultural, relacionamentos homossexuais também podem ser afetados por essa perspectiva do “quem deve pagar a conta”. “Afinal, dentro de uma sociedade heteronormativa, quaisquer relações vão sempre partir do binarismo masculino e feminino. Consequentemente, cada pessoa terá ali, um papel ou dever a ser seguido dentro desse encontro”, acrescentou.

Conservadorismo virou tendência
A discussão sobre pagar a conta em primeiros encontros ganhou força em 2022 na Internet, quando o ator global Caio Castro viralizou ao dizer em um podcast que se sente incomodado de ter a obrigação de pagar a conta no primeiro encontro. Essa declaração gerou discussão nas redes e o artista foi duramente criticado por muitos internautas. Os desdobramentos mostraram que o conservadorismo está vivíssimo entre os jovens.
O pensamento conservador ganha força nas redes sociais através de jovens e adolescentes que reforçam padrões comportamentais tradicionais. Termos como “esposa troféu” e “macho alfa” circulam junto com uma lista de comportamentos a serem seguidos.
Lisânia Ghisi destaca que as supostas obrigações existem tanto para homens como para mulheres e o debate da “dinâmica de encontros”, no entanto, é bem mais antigo. “Há séculos, papéis de gênero são definidos, disseminados e ordenados dentro da sociedade. Assim, quando a gente diz que o homem ‘deve’ pagar a conta, seria semelhante quando alguém diz que é obrigação da mulher lavar a louça, por exemplo”.
Ghisi explica que por trás dessa ideia do “dever”, existem questões socioculturais que acompanham e influenciam diretamente a compreensão sobre o mundo das pessoas. Esse contexto histórico, social e cultural traz a ideia de que o homem fica destinado aos custos financeiros, pois trabalha e detém os recursos, enquanto a mulher espera o convite.
“Essa noção sobre papéis de gênero não abarca só encontros, as diversas dinâmicas que compõem nosso cotidiano estão entranhadas de divisões socioculturais binárias. Ou você acha que é ‘normal’, numa festinha de escola, por exemplo, os meninos ficarem responsáveis por pagar os refrigerantes, enquanto para as meninas a obrigação é de providenciar a comida, quando não a ornamentação do espaço”, diz.
Quem tá liso não namora
O pensamento conservador traz com ele a capitalização do romance. A ideia de que o homem deve sempre pagar a conta, ou que apenas uma das partes deva arcar com isso, levanta a hipótese de que quem não têm abundância de recursos financeiros não deva viver uma relação amorosa.
Bordões como “tá liso dorme” ou “se não tem dinheiro para levar a namorada para sair, não tem que namorar, tem que procurar emprego” denunciam que, além de gênero, a classe social também define quem é você no campo das relações. O amor vale muito, mas não precisa custar caro.
A discussão sobre “quem paga a conta?”, é um reflexo de desigualdades maiores presentes nas relações afetivas e sociais. A estrutura social e capitalista, com a qual a sociedade se organiza, reflete nas relações amorosas. Para a socióloga Marisol Brandt, isso também é um legado do patriarcado, que coloca o homem na posição de provedor, e a mulher na posição de quem cuida.
Para Brandt, a cultura que se constituiu sobre quem paga espelha a base da sociedade brasileira. “Essa discussão também reflete a desigualdade econômica e social. A gente não pode desvincular desse ponto. Eu penso que existe um fator histórico, que é a forma como a sociedade brasileira se organizou ao longo do tempo, profundamente desigual”, explica.

Foto: cedida
A estudante de Letras Português, Brenda Feitosa, de 22 anos, é pansexual (pessoas que não determinam com quem se relacionam por gênero) e acredita que mesmo em relações sem um homem, podem existir preconceitos, “se na teoria o homem tem que pagar a conta, sem o homem fica complicado. Mas tem outros preconceitos, digamos assim, outros estereótipos, como a pessoa mais velha, a pessoa que tem mais dinheiro, por exemplo”, diz.
Isso revela que a discussão vai além da escolha individual e está diretamente conectada a construções sociais mais amplas. Para a socióloga, essas expectativas são reflexo de uma desigualdade histórica e estrutural, marcada por um legado patriarcal e patrimonial que ainda influencia as relações afetivas atuais.
“As desigualdades econômicas e socioeconômicas podem influenciar sobre quem tem maior poder aquisitivo e também, nesse sentido, sobre quem paga. Por outro lado, também a expectativa da sociedade, a expectativa cultural pode variar de acordo com a classe social e com a raça. A expectativa sobre quem paga é sociocultural”, resume.

As definições de “primeiro encontro” foram atualizadas
Não se assuste com o barulho, esse é o som do tabu sendo quebrado. E se, ao invés de vivermos como nossos pais, vivêssemos como nossos irmãos? Aquele irmão “ovelha negra” que tem coragem de questionar, e não tem medo de remar contra a maré.
O médico Lucas Lins, de 25 anos, é homossexual e se encontra em um relaciomento sério com outro homem. Para ele, a definição de “quem paga a conta?” deve ser natural, e não é algo tão complexo quanto muitas pessoas acabam interpretando.
“Pessoalmente, não me sinto pressionado em relação a esse tema. Por exemplo, se eu convido meu namorado para sairmos, não espero que ele arque com os custos; eu pago com tranquilidade, sem qualquer problema”, relata.
Para a psicóloga Madge Porto, existe uma ideia de que não se deve discutir sobre dinheiro nas relações afetivas, o que causa um certo constrangimento. Esse ideal impregnado na sociedade é encarado como uma “quebra” do romantismo, entretanto, é necessário que cada um se posicione acerca do que espera em uma relação.
“Estamos em um momento em que há a colocação de duas referências de modelos de relacionamento, modelos conservadores e tradicionais e modelos igualitários. Cada pessoa precisa ter noção de que tipo de relacionamento pretende e que é mais positivo e saudável para apresentar o seu desejo”.

A psicóloga ressalta que, nos primeiros encontros, muitas pessoas acabam tentando adotar estratégias para agradar o outro, mesmo que isso signifique se submeter a situações desconfortáveis. No entanto, ela explica que esse esforço é temporário, já que, com o tempo, a forma como cada indivíduo realmente vive e se posiciona na vida inevitavelmente aparece.
“Que pagar ou não pagar não seja o mais importante, mas sim o que cada um está disponível para construir junto com o outro”, finaliza.
Dividir as despesas não é mesquinho, é esforço mútuo. Aceitar que paguem a sua parte não é vergonha, é saber aceitar um gesto de generosidade. Se prender a uma só “fórmula” não é só atraso, mas também limitante.
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