A crise gerada pela disseminação da Covid-19 trouxe prejuízos para o comércio em geral, mas alguns setores tiveram um crescimento: o mercado livreiro foi um deles. Esse ramo teve um aumento considerável nas vendas durante o período de 2020 e 2021, se comparado a anos anteriores. As pessoas passaram a ler mais durante a pandemia, como uma forma de ocupar o tempo e também como uma válvula de escape para fugir um pouco da realidade. Isso fez com que o setor livreiro ficasse mais ativo, tendo em vista que as pessoas se viram obrigadas a permanecer em casa para conter o avanço da doença.
Segundo Marcos da Veiga Pereira, presidente do Snel (Sindicato Nacional dos Editores de Livros), o aumento foi de 26% de vendas em volume e de 23,7% em valor. As compras, que antes eram feitas em sua maioria presencialmente, passaram a ser realizadas pela internet. O hábito de comprar on-line ganhou força, salvando as vendas das editoras, mas forçou as livrarias a uma competição com gigantes virtuais, pondo em risco sua sobrevivência. Empresas como a Amazon aproveitaram a oportunidade para lançar descontos ostensivos, causando uma concorrência desleal com livrarias físicas. Esses pequenos negócios tiveram que se reinventar para não decretarem falência.
A empresária Rebeca Souza, proprietária da “Livraria Evangélica Leia a Bíblia”, localizada em Cruzeiro do Sul, afirma que antes da pandemia as vendas eram mais fáceis, pois o cliente se dirigia até a loja, olhava os livros, escolhia um, passava no caixa e ia embora. “Já nesse novo modelo, às vezes é preciso trocar 10 mensagens com uma pessoa para conseguir fechar a venda de apenas um livro”, afirma. Ela diz que é preciso se adaptar, pois as estratégias mudaram, as redes sociais viraram expositores de produtos e as vendas passaram a ser feitas por WhatsApp e delivery (entrega em domicílio). Apesar das vantagens do ambiente virtual, a empresária admite que vender on-line requer mais cuidado e atenção com os compradores.
“A leitura é uma grande paixão, cultivo esse hábito desde criança, e neste momento, mais do que nunca, visto que a leitura possui inúmeros benefícios para a saúde mental, abre portas à reflexão, é essencial na construção da memória e também um suporte de autoconhecimento”, relata Rita Vicente, universitária e moradora de Cruzeiro do Sul.
Para ela, os livros foram ótimos companheiros de quarentena, pois são poderosos aliados para a nossa saúde mental e felicidade, funcionando também como alívio, uma válvula de escape da realidade, já que nos permite desbravar os desafios enfrentados pelos personagens nas narrativas. “Outro ponto que me acalma é o fato de que a leitura faz com que o leitor sinta que ele não está sozinho na vivência de suas adversidades”, pontua.
Rita não foi a única que encontrou refúgio nos livros durante os dias de confinamento. O estudante Esdras Soares, de Mâncio Lima, também aproveitou o período remoto para colocar a leitura em dia. “Levo meu relacionamento com a leitura muito a sério. Mesmo antes da quarentena eu já lia bastante, mas esse hábito se intensificou nos últimos meses. Neste período, tenho mergulhado ainda mais no mundo da literatura já que passo bastante tempo em casa”, destaca o jovem leitor. Esdras afirma que aproveitou as promoções online para comprar alguns exemplares novos com o dinheiro que vinha economizando. “Algumas vezes fico triste ao pensar que o hábito de ler não é muito valorizado em nosso país, e o alto preço dos livros é um dos fatores que impossibilitam as pessoas de terem acesso ao conhecimento. No entanto, aos poucos estamos vendo esse cenário mudar, visto que nos últimos anos o brasileiro tem tido a oportunidade de comprar livros com um valor mais acessível, o que contribui para o fortalecimento da leitura”.
Ao manter viva a culinária típica do Acre, cozinheiro conquista turistas e moradores com sua famosa rabada no tucupi.
No Mercado do Bosque, um prato típico do Acre ganhou status de tradição: a rabada. Preparada há mais de três décadas por Antônio Felinto Alves,, eleviu seu nome atrelado à rabada, além de ser também o Toinho do Tacacá.
A iguaria se tornou referência gastronômica para acreanos e turistas. Seu Antônio iniciou sua trajetória aprendendo com Dora, uma cozinheira tradicional também muito conhecida pelos acreanos. Com o tempo, decidiu seguir carreira solo e consolidar seu próprio negócio. Hoje, acumula 35 anos de experiência e 18 certificados na área gastronômica.
“Quanto mais a gente se aprofunda nos temperos, no jeito de preparar, melhor fica. O segredo da rabada perfeita é cozinhar com carinho e amor, não apenas vender por vender”, afirma. Mesmo com décadas de tradição, Toinho também se adaptou às modernidades. O iFood tornou-se parte fundamental do negócio. “Nos tempos de friagem, chegamos a 90 ou 100 pedidos por dia. Nosso ponto forte é no aplicativo”, explica.
A fama atravessa fronteiras. Segundo ele, os turistas que chegam ao Acre procuram diretamente por seus pratos. “O pessoal, quando vem aqui, me fala que vai levar rabada para Brasília, Goiânia, Santa Catarina. Nosso sabor viaja junto com eles”, relata com orgulho.
Para o comerciante, o segredo do sucesso é manter a fé e a dedicação:“Quando o pessoal diz que está ruim, eu não concordo. Se você tem saúde e acorda enxergando, já é motivo para agradecer a Deus. O resto a gente corre atrás.”
A dor em palavra: Gabe Alódio prepara “A Casa de Vidro”
Após a estreia visceral com Fogo em Minha Pele, autora acreana lança novo romance que mistura silêncio, fragilidade e arquitetura emocional. Foto: Rafaela Rodrigues
O segundo livro de um autor, na maioria dos casos, revela muito mais do que o primeiro.
Se a estreia é a urgência de se apresentar ao mundo, a obra seguinte já nasce sob a consciência de que o público, e a própria autora, esperam algo. É nesse momento que Gabe L. Alódio, escritora acreana de 29 anos, se encontra com “A Casa de Vidro”, romance que será lançado em setembro e lançado em Rio Branco no dia 16 de outubro, às 19h, no Cine Teatro Recreio.
O título não é literal. Trata-se de uma metáfora clara, assumida pela autora, para a fragilidade e a exposição do ego. A casa é moderna, cercada por vidro, mas cada detalhe arquitetônico foi mentalmente desenhado antes da primeira frase. Ela descreve: “Sei onde a luz atravessa os cômodos, onde a vista se abre e onde qualquer pedra provocaria a primeira rachadura. Vejo a Casa de Vidro como uma metáfora para a própria escrita, transparente na linguagem, mas vulnerável na exposição dos temas abordados”.
Da intensidade ao silêncio
Em Fogo em Minha Pele (2024), livro de estreia, Gabe apresentou uma poesia narrativa marcada pela intensidade física e emocional, algo que remete à lírica confessional e a um certo intimismo da tradição modernista.
Já em A Casa de Vidro, essa energia se desloca para o silêncio e para a construção de atmosfera. A autora se aproxima de estratégias de escritores como Marguerite Duras ou Joan Didion, que sabem que a ausência pode ser mais expressiva que a presença.
A protagonista, Sophia, vive isolada com o marido numa casa que funciona como personagem. A narrativa gira em torno da tensão entre manter e perder o controle. Como descreve a própria Gabe, é como equilibrar crises carregando uma bandeja cheia de xícaras empilhadas.
Publicado em 2024, Fogo em Minha Pele apresentou a escrita visceral e confessional de Gabe, marcada por desejo, corpo e memória. Foto: divulgação
Referências cruzadas
O material visual que a autora preparou para orientar a capa é revelador. A arquitetura modernista da Casa Samambaia, de Lota de Macedo Soares, convive com as aranhas de Louise Bourgeois, símbolos de criação e aprisionamento. Há também Maria Callas, figura que sintetiza glória e abandono, e a presença de Dionísio, que remete à ligação entre vinho, prazer e destruição. É uma curadoria imagética que mostra a amplitude de referências da autora, em diálogo com artes visuais, música e mitologia.
Entre o fogo e o vidro
Se o primeiro livro era fogo, ardente e direto, marcado por desejo e paixão, o segundo é vidro: calculado, transparente, mas pronto para quebrar e cortar fundo. Essa mudança revela maturidade narrativa, sem perder a visceralidade que caracteriza a autora.
O desafio agora será ver como A Casa de Vidro dialoga com o leitor. Como diz Gabe: ˜Escrever é fácil, viver é difícil”. Talvez este novo livro seja justamente um gesto de habitar esse difícil, transformando-o mais uma vez em palavra.
A cada segunda-feira, o campus da Universidade Federal do Acre (Ufac) vira palco para a Batalha da Ufac. Criada por um grupo de idealizadores da cena local, entre eles o estudante de Psicologia Davi Nogueira, a batalha é um espaço aberto para jovens expressarem suas histórias e críticas sociais por meio do rap.
O formato das batalhas de rap no Brasil surgiu no início dos anos 2000, inspirado por movimentos internacionais, e se consolidou em grandes centros como Rio de Janeiro e São Paulo.
Em Rio Branco, os eventos vem ganhando força desde a Batalha do Palácio, considerada a mais antiga da cidade, que era realizada às sextas-feiras na praça do Palácio Rio Branco.
Hoje o cenário local conta com eventos como a Batalha da Pista, do Santa Cruz e, principalmente, a Batalha da Ufac, que acontece no Teatro de Arena, conhecido como Coliseu, ao lado do Centro de Convivência.
Davi Nogueira destaca que o objetivo da batalha na universidade é democratizar o acesso à arte e trazer a comunidade para dentro do campus.
“Muita gente achava que não podia entrar aqui. O Coliseu da Ufac é o lugar ideal, com estrutura e visibilidade para um evento cultural”, explica.
Para os participantes, o evento é muito mais que uma disputa de rimas. Apache Shaft, MC que frequenta a batalha, conta que o encontro representa um espaço seguro para trocar experiências, fazer amizades e fortalecer a cultura local. “É meu abrigo nas segundas-feiras. Quanto mais rap, mais cultura, menos crime”, afirma.
Entre o público, o humorista e influenciador Rafael Barbosa valoriza o clima acolhedor da batalha e ressalta a necessidade de maior apoio para o evento crescer. “Aqui tem muita poesia e sentimento, mas faltam som adequado e divulgação do poder público”, sugere.
Momento em que os artistas fazem as batalhas. Foto: Felipe Salgado
Mais do que um show de talentos, a Batalha da Ufac é um importante instrumento de transformação social. Ao abrir as portas da universidade para a periferia, o evento reforça a ideia de que a cultura hip hop pode mudar vidas e fortalecer a autoestima de jovens, muitas vezes marginalizados.
Realizada de forma independente, a batalha conta com apoios voluntários e busca parceiros para ampliar sua estrutura. Na primeira edição, o evento lotou o Coliseu e conquistou mais de mil seguidores nas redes sociais antes mesmo de acontecer: um marco para o rap acreano.