Cotidiano
Táxi compartilhado: o transporte da pandemia
Publicado há
4 anos atrásem
por
Redação
Foto: Reprodução/Jornal O Nortão
Por Ycla Araújo
Os meios de transporte públicos ficaram comprometidos com o início da pandemia, em março de 2020, atrapalhando a vida de alguns trabalhadores que não deixaram de exercer suas funções. Para muitos, o risco de perder o emprego por conta dos atrasos dos ônibus era algo constante no dia-a-dia e o cansaço de acordar cada vez mais cedo para não perder a hora virou rotina.
No bairro Cidade do Povo, um dos residenciais mais distantes do Centro, um problema que os moradores ainda enfrentam é a demora e atrasos da frota dos coletivos públicos. Outra questão é a falta de segurança. Com assaltos e sequestros aos ônibus, a população passou a zelar cada vez mais pelo próprio bem-estar.
CARROS COMPARTILHADOS
Uma solução adotada em alguns bairros foi o “táxi compartilhado” ou “carro compartilhado”, que faz viagens do bairro ao Centro, ou vice-versa. Apesar do preço mais alto do que os ônibus, muitos fazem questão de pagar e consideram extremamente eficiente, levando em conta a demora dos coletivos. A ideia foi adaptada dos que já rodavam fazendo esse serviço entre municípios e inspirada em outros Estados brasileiros. O objetivo é ter um meio de transporte barato, seguro e confortável.
Quem trouxe a proposta de alternativa do transporte para a cidade foram os taxistas José Júnior e Esperidião Teixeira, em julho de 2019. Porém, apenas com o início da pandemia que as corridas e a aprovação do público teve crescimento. Atualmente, segundo levantamento do Sindicato dos Taxistas e Condutores Autônomos do Acre, cerca de 7 mil pessoas fazem uso deste serviço diariamente em toda Rio Branco e a perspectiva é de crescer cada vez mais.
Segundo Esperidião Teixeira, presidente do Sindicato dos Taxistas, eles juntaram no início 150 taxistas, abrindo seis linhas principais de rota, hoje ampliadas para oito. “Temos a proposta de criar um aplicativo, que facilite e atenda melhor tanto o motorista como o passageiro. Pretendemos melhorar muito, só nos falta a regulamentação da prefeitura”, relata.
A solução também veio em boa hora para os motoristas, que vinham enfrentando dificuldades desde a chegada do Uber e outros aplicativos na cidade. “A nossa situação melhorou e muito. Antes fazíamos uma média de quarenta reais, hoje voltamos com duzentos reais. Não sobra muito, mas é o suficiente pra pagar as contas, manutenção do carro e gasolina”, diz José Júnior, motorista.

VALORES E CRISES
As linhas Cidade do Povo e Vila Acre sofreram um ajuste recentemente, considerando que são os bairros mais distantes do Centro. Inicialmente, o valor cobrado era de cinco reais, porém, com os atuais aumentos no combustível, a categoria se viu obrigada a aumentar o preço para seis reais. Os demais bairros sofrerão o reajuste a partir de outubro. “Quando nós iniciamos a gasolina estava R$ 4,75, ainda dava um lucro de 25 centavos. No preço de hoje não dá mais. Por R$ 6,00 ainda não é o suficiente, mas dá de levar e a população entendeu. Fizemos uma pesquisa antes para entender e todos acolheram”, diz Junior.
Uma crise que o Sindicato enfrenta é a perseguição das empresas de ônibus, do RBTrans e a demora da regulamentação por parte da prefeitura. A luta atual é que eles possam ser reconhecidos legalmente perante o município e a população em geral. “A prefeitura no início foi contra, por achar que iríamos disputar com os ônibus. Mas cabe à população escolher a forma de transporte melhor para ela. A ideia não é competir com o transporte público ou outras categorias, é ser apenas mais uma opção. Um meio seguro, prático e rápido”, informa o presidente do Sindicato.
No fim de julho, foi realizada uma reunião com o prefeito da cidade, Tião Bocalom, para resolver a questão da regularização, juntamente com a RBTrans e o Sindicato dos Taxistas. O momento é de grande expectativa para os mais de 150 motoristas. “Após uma reunião feliz, podemos regularizar não somente os taxistas que trabalham com o serviço de lotação, mas também outras categorias”, informa Anízio Alcântara, representante da RBTrans.
No início de julho, a frota de ônibus aumentou na capital. Atualmente estão em circulação 60 ônibus, um número bem maior se comparado ao início da pandemia. O momento traz um pouco de desânimo aos motoristas, que perceberam uma certa queda de pedidos, mas eles seguem confiantes, já que muitos passageiros se acostumaram ao conforto e praticidade do transporte compartilhado.
COMUNICAÇÃO
Os motoristas criaram praticidade com os grupos no WhatsApp para atender a população. Atualmente são oito bairros com o serviço de transporte compartilhado, cada bairro tem em média dez grupos com 250 pessoas. Para atender todo mundo de forma justa, os motoristas decoram quem pediu primeiro, seguindo a ordem de chegada. A comunicação entre os vários motoristas é através do aplicativo Zello, que funciona como um rádio. Cada bairro tem sua linha, sem interferir nas demais.
O presidente do Sindicato, Esperidião Teixeira, conta que a intenção é ter um contato de amizade com o passageiro, onde ele se sinta seguro e confortável no ambiente. “Em um ônibus muitas vezes você entra e não recebe nem um ‘bom dia’. Mas o taxista vai está próximo de você, ao seu lado, você cria uma relação. Já tivemos casos de levar mulheres em trabalho de parto e fazemos entrega de sacolão quando sabemos que tem alguém com necessidades”, explica ele.
MULHERES MOTORISTAS
Atualmente existem oito mulheres taxistas vinculadas ao Sindicato. Muitas começaram por influência dos amigos ou do marido. O presidente do Sindicato reforça que buscam ser atentos para casos de machismo contra as profissionais. Ele conta que no início só tinha um banheiro, que era usado pelos homens. Quando entrou a primeira mulher e ela perguntou onde era o banheiro feminino é que ele percebeu que iriam precisar e logo mandou fazer um para as mulheres também. “Estamos nos adaptando. A regra aqui é clara: a convivência é igual, independente do sexo, eles não estão nem doidos em distratar uma mulher.”
Elissandra Santiago relembra que pensou em fazer o curso de taxista para ter uma segunda opção de emprego, caso algo acontecesse. “Eu e meu marido pensamos em fazer o curso de táxi no caso de ele adoecer, poder trabalhar com outra coisa mais prática. Eu já tinha o curso e meu carro, então, comecei como motorista auxiliar e gostei.”
Sobre a aceitação com colegas de trabalho e clientes, ela conta que nunca passou problemas com os colegas de profissão e que muitos passageiros se sentem até mais seguros em ter como motorista uma mulher. Para ela, os colegas de trabalho também consideram que a mulher é mais atenciosa no trânsito.
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Cotidiano
O preço da identidade: a luta diária de mulheres trans no combate à violência no Acre
Publicado há
23 horas atrásem
20 de outubro de 2025por
Redação
Por: Wellington Vidal e Danniely Avlis
Em uma madrugada escura e silenciosa, enquanto trabalhava em um ponto de prostituição, Fernanda Machado da Silva, uma travesti de 27 anos, lutava para sobreviver da violência da qual havia sido vítima. Ela foi abordada por dois homens que acusaram-na de ter furtado um celular. Sem poder se defender e mesmo negando a acusação, a jovem foi vítima de uma violência brutal, espancada a pauladas, sozinha em meio a escuridão da noite, sua vida se esvaiu.
A história de Fernanda, conhecida por participar ativamente de debates sobre a violência contra a comunidade LGBTQIAPN+, reflete uma dura realidade social. Antes de ser assassinada, ela havia participado de uma campanha publicitária do Ministério Público do Acre (MPAC), ao lado da mãe, Raimunda Nonata.
Segundo o Dossiê Assassinatos e Violências contra Travestis e Transexuais Brasileiras, da Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra), o Acre ocupa o 23º lugar no ranking de assassinatos de pessoas trans. Em 2022, 19 pessoas trans foram agredidas por dia no Brasil, segundo o Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan), do Ministério da Saúde

Fonte: Bases de dados de agressão do Sinan

Fonte: Bases de dados de agressão do Sinan
Conforme o estudo, 64% dos casos ocorrem com mulheres trans, e 60% das travestis agredidas são negras. Em 2023, houve um aumento de 4,6% nos assassinatos de travestis e mulheres trans — 136 das 145 vítimas registradas pertenciam a essa população. Estes números evidenciam um padrão: ser travesti, mulher trans e negra aumenta exponencialmente o risco de morte no Brasil.
Dahlia Pagu, travesti, psicóloga e responsável pela Divisão de Diversidade de Orientação Sexual e Identidade de Gênero da Secretaria de Estado da Mulher do Acre (Semulher), explica que os dados sobre violência contra mulheres trans e travestis no estado são difíceis de contabilizar, sendo as principais informações provenientes dos boletins da Antra.
Pelo 16º ano consecutivo, o Brasil é o país que mais mata pessoas trans no mundo. Os casos subnotificados evidenciam a dificuldade em noticiar e caracterizar corretamente os crimes como transfeminicídios. Além da brutalidade dos assassinatos, muitas vítimas sofrem outra violência ao serem noticiadas com o nome de batismo, o chamado nome morto, uma identidade que não reflete quem realmente são.
Dahlia também comenta sobre os desafios no enfrentamento desse tipo de violência: “O acesso ao cuidado, ao atendimento e ao amparo das mais diversas redes no que tange à escuta sensível da população trans ainda é limitado. Estamos caminhando quanto a isso, mas é preciso avançar mais, pois temos sede de vida, e vida com qualidade”, declara.
A atriz trans Brenn Souza reforça as dificuldades vivenciadas na região. De acordo com ela, trata-se de uma questão política, social e cultural que permeia a construção social do Acre. “Acredito que, acima de tudo, é um processo de construção social no território em que nos encontramos e na atual conjuntura do país e do mundo, que insiste em apagar a história e a existência de pessoas trans”, afirma.
“A violência permeia o corpo de pessoas trans em toda a sua existência”
Seja verbal, física, psicológica, sexual ou familiar, a violência está presente no cotidiano de pessoas trans que vivem à margem de uma sociedade cercada por preconceitos. Brenn compartilha parte de sua experiência pessoal.
“Já sofri violência verbal, que é a mais comum no dia a dia. É sair na rua e ouvir um erro proposital de pronome ou de nome, vindo até de pessoas conhecidas. O olhar também pode ser violento. Tenho amigas que já sofreram agressões e até foram assassinadas. A violência está presente em nossas vidas e redes de afeto. Nossos corpos vivem em constante processo de receber violência por parte da sociedade”.
Dahlia reforça que também vivencia a violência diária por ser travesti, mesmo com privilégios que não a imunizam. “Relatar violências é revivê-las, e isso não é confortável. É sofrido saber que, por mais que não desejemos, nossas trajetórias acabam sendo marcadas por essas dores. Precisamos trabalhar para modificar essa cultura que age contra corpos trans”, conclui.

Dahlia Pagu é responsável pela Divisão de Diversidade de Orientação Sexual e Identidade de Gênero da Semulher. Foto: Kauã Cabral/ Semulher
Um local de acolhimento e combate contra a violência
No Acre, a Semulher atua como ponto estratégico para acolhimento, suporte e enfrentamento das violências direcionadas a mulheres, incluindo mulheres trans e travestis. Reimplantada oficialmente em 1º de março de 2023, a instituição, tem entre suas competências, promover políticas públicas de igualdade de gênero, assistência social, proteção e educação para eliminar discriminações.
Para qualificar este trabalho, recentemente, no último dia 25 de julho, a Semulher lançou a segunda edição da cartilha Sou A Travesti, Existo!, que vem sendo distribuída em centros comerciais e espaços públicos em Rio Branco, Brasiléia e Cruzeiro do Sul.
A cartilha aborda identidade de gênero, cidadania, enfrentamento à transfobia e direitos fundamentais. A iniciativa inclui distribuição em locais como o Mercado Municipal Elias Mansour e o Shopping Aquiry, com o objetivo de sensibilizar servidores, comerciantes e a comunidade em geral para a existência e o respeito às mulheres trans e travestis.
No lançamento da cartilha, a secretária da Mulher, Márdhia El-Shawwa Pereira, destacou que o documento é educativo e um instrumento de empoderamento que evidencia que a expectativa de vida de pessoas trans no Brasil gira em torno de 35 anos. Ela reitera ainda que essas mulheres precisam ser reconhecidas, protegidas e respeitadas. “A cartilha tem um caráter transformador e visa sensibilizar diferentes setores sociais para os prejuízos causados por discriminações que, muitas vezes, escalam para violência”, afirma.
Para Dahlia Pagu, a cartilha reforça o compromisso ético da instituição em cuidar dessa população com seus afetos, dores, sonhos e histórias e afirma que tais políticas são centrais não só para informar, mas para demonstrar que mulheres trans e travestis não estão só, que há respaldo institucional e social para sua existência.
De acordo com a representante do Conselho Estadual dos Direitos da Mulher (Cedim), Antônia Rodrigues, o principal objetivo da cartilha é, justamente, a inclusão. “É um programa importante e é um trabalho bonito que a Semulher vem fazendo. Isto porque todas as mulheres vão saber que estão sendo resguardadas e que não estão sozinhas, que podem contar com a Secretaria da Mulher e com o governo do Estado”, diz.
A ideia é que a secretaria não atue só como símbolo institucional, mas como ponte entre indivíduos em situação de vulnerabilidade e as redes de atendimento (jurídico, psicológico, social). A cartilha Sou a Travesti, Existo! passa a integrar essa estratégia, fortalecendo o discurso institucional de que mulheres trans e travestis não estão sozinhas e que há respaldo público e educativo para sua existência.
Luzes do Arco-Íris: O cinema como forma de denúncia

Auditório do Cine Teatro Recreio durante a exibição do documentário Luzes do Arco- Iris. Foto: Reprodução de redes sociais
Por meio da Lei Paulo Gustavo, com incentivo do Governo do Acre e promoção da Fundação Elias Mansour (FEM), o caso de Fernanda inspirou o curta-metragem Luzes do Arco-Íris, dirigido por Ivan de Castela e produzido pelo Instituto Social, Cultural e Esportivo Malucos na Roça. O filme estreou no último dia 5 de fevereiro, no Cine Teatro Recreio.

Cartaz do espetáculo Luzes do Arco-íris. Foto: Divulgação
“A obra tem como proposta, além da denúncia, promover momentos de fala, discussão e entendimento da vida das travestis em Rio Branco. O objetivo maior é construir uma obra cinematográfica que discuta essas questões a partir do lugar de fala das próprias travestis, entrevistadas no documentário, junto à reprodução da cena da morte da Fernanda”, explica o diretor.
Faces distópicas

Atriz Brenn Souza no espetáculo Faces Distópicas. Foto: cedida
Em meio à pandemia, quando Fernanda foi brutalmente assassinada, na noite de 25 de junho de 2020, Brenn, que na época estava morando fora do Acre, se vê em profunda revolta, raiva e sede de justiça pela morte da amiga. É a partir disso que ela escreve e dá vida ao espetáculo Faces Distópicas, como forma de eternizar a memória de Fernanda.
“Diante desse acontecimento eu sinto a necessidade de escrever e dar vida a esse espetáculo, estando nele como atriz, dramaturga e co-diretora, para justamente manter viva a memória de Fernanda, para que as pessoas lembrem-se de quem foi Fernanda, através de uma narrativa que brinca com a realidade e ficção, retratando especificamente as faces da distopia social para com os corpos trans/travestis. A sociedade que sempre nos aponta, nos coloca como margem, como pessoas que merecem ser mortas na guilhotina ou até linchadas em praça pública”, declara a atriz.
Um futuro de respeito e uma vida após os 35 anos
Segundo a Antra, a expectativa de vida de pessoas trans no Brasil é de apenas 35 anos. A esperança é que essa realidade mude e que a sociedade caminhe rumo ao respeito e à dignidade.
“Que possamos ter dignidade de vida, cuidado, atenção, afeto e segurança. Nossas histórias não precisam ser marcadas puramente por violências. Que possamos relatar conquistas, e não apenas sangue em nosso caminhar. Espero ver travestis, mulheres trans e pessoas trans ocupando os espaços que desejarem, sem que suas vidas sejam marcadas pela baixa expectativa”, enfatiza Dahlia.
O futuro depende da construção de uma sociedade que respeite a existência e garanta direitos básicos como segurança, trabalho e dignidade. “Queremos viver, não apenas sobreviver. Queremos contar nossas histórias sem que elas sejam marcadas por sangue e dor. Que possamos ocupar todos os espaços sem medo”, conclui Brenn.
Cotidiano
Aquífero do Segundo Distrito de Rio Branco: riqueza invisível sob ameaça urbana
Estudos recentes apontam que o aquífero ocupa uma área de 122,46 km². Foto: cedida
Publicado há
1 semana atrásem
13 de outubro de 2025por
Redação
Por Júlio Queiroz e Karina Paiva
No subsolo do Segundo Distrito de Rio Branco está uma das maiores reservas estratégicas de água da capital acreana: o Aquífero Rio Branco. Pesquisadores da Universidade Federal do Acre (Ufac), como Evandro José Linhares Ferreira, Alexsande de Oliveira Franco, Frank Arcos e Jessiane Pereira, têm alertado sobre a importância desse manancial subterrâneo, e destacando que ele possui alta vulnerabilidade à contaminação em razão da ocupação urbana desordenada e da falta de saneamento básico.

Estudos recentes apontam que o aquífero ocupa uma área de 122,46 km², abrangendo os seguintes bairros: Loteamento Praia do Amapá, Taquari, Comara, 6 de Agosto, Santa Inês, Loteamento Santa Helena, Loteamento Santo Afonso, Belo Jardim 1 e 2, Cidade Nova, Santa Terezinha, Residencial Rosa Linda, Vila da Amizade, Vila Acre, Mauri Sergio, Areal, Vila do Dner e Quinze, e possui capacidade de abastecer mais de 3,2 milhões de pessoas com 200 litros de água por dia.
Ainda assim, apenas cerca de 7% de sua descarga natural é utilizada atualmente para o consumo humano. Para os pesquisadores da Ufac, a ausência de políticas públicas efetivas coloca em risco a qualidade da água, já que análises laboratoriais têm identificado contaminação por nitratos, coliformes e metais como ferro e manganês.
O poder público municipal, por sua vez, tem divulgado avanços em projetos de captação subterrânea, mas sem execução plena. Em 2012, a imprensa local noticiou a realização de estudos preliminares, e em 2019 a Prefeitura anunciou que avançava em planos para aproveitar o potencial hídrico do aquífero. Já em 2014, o Governo do Estado divulgou que a Companhia de Pesquisa de Recursos Minerais (CPRM) continuaria o plano de exploração, mas até hoje a utilização em larga escala não saiu do papel.
Esse contraste entre a urgência apontada pelos pesquisadores e a morosidade administrativa revela o desafio de transformar ciência em política pública.
Potencial e desafios
De acordo com o modelo de gestão elaborado pela CPRM em 2010, a recarga anual do Aquífero Rio Branco é de aproximadamente 587 mm/ano, com rápida recuperação dos poços (em até uma hora). Isso torna o manancial um recurso estratégico, capaz de complementar o abastecimento em períodos de estiagem do Rio Acre.
Pesquisadores x Poder Público
Enquanto pesquisadores da Ufac defendem o monitoramento constante e o uso controlado do aquífero, a Prefeitura de Rio Branco e o governo do Acre têm enfatizado a continuidade dos estudos, mas sem definir prazos concretos para exploração sustentável.
Essa divergência evidencia a necessidade de integração entre ciência e gestão pública, de forma a garantir segurança hídrica para as futuras gerações.

Foto: cedida
A CPRM é uma empresa pública vinculada ao Ministério de Minas e Energia, responsável por produzir e divulgar informações geológicas, hidrológicas e ambientais do território brasileiro.
No caso do Aquífero Rio Branco, a CPRM foi a instituição que realizou estudos técnicos de mapeamento, testes de bombeamento e modelagem hidrogeológica, servindo de base para o Plano de Manejo do Aquífero citado.
Em resumo: a CPRM é quem faz a “radiografia do subsolo” e fornece dados científicos para que estados e municípios consigam planejar a exploração sustentável da água subterrânea.
Outro entendimento
O diretor-presidente do Saerb, Enoque Pereira de Lima, explicou que não há comprovação da existência de um aquífero em Rio Branco, mas sim um lençol freático raso capaz de atender demandas residenciais e comerciais em pequena escala.
Segundo ele, estudos realizados até 400 metros de profundidade não identificaram aquífero, apenas pontos de água confinada de difícil recarga, com capacidade de renovação anual de cerca de 20%. Para verificar a viabilidade, o Saerb pretende perfurar três poços profundos — dois no Segundo Distrito e um no Panorama — avaliando volume, qualidade da água e resistência do solo, podendo expandir as perfurações caso os resultados sejam positivos.
Sobre o abastecimento, Enoque destacou que a cidade depende integralmente do Rio Acre, cuja turbidez e sazonalidade dificultam o tratamento, sobrecarregando o sistema no período seco.
A produção atual das duas ETAs é de até 1.600 litros por segundo, mas falhas em bombas, motores e adutoras causam intermitência em determinados bairros, especialmente no Segundo Distrito, totalmente dependente da ETA 2.
O dirigente ressaltou ainda o alto desperdício doméstico e a falta de conscientização dos moradores como fatores que agravam a escassez, reforçando que, em situações críticas, a prioridade é garantir água para hospitais e unidades de saúde.
Invisível aos olhos dos moradores, o Aquífero Rio Branco pode ser a chave para garantir segurança hídrica à capital acreana. Mas, se por um lado representa abundância, por outro traz o alerta: sem gestão integrada e responsável, esse tesouro subterrâneo pode se transformar em mais uma vítima da urbanização desordenada.
Cotidiano
Curativo 100% biodegradável leva estudantes do Ifac à COP30
Publicado há
2 semanas atrásem
10 de outubro de 2025por
Redação
Por Fernanda Maia, Gabriel Vitorino e Jhenyfer Souza
No Instituto Federal do Acre (Ifac) em Sena Madureira, estudantes desenvolveram um curativo biodegradável feito a partir da taboca, espécie de bambu abundante na região amazônica.
O projeto será apresentado na prévia da Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP30), que acontece este ano em Belém (PA), em novembro, e pretende mostrar ao mundo uma alternativa sustentável para a proteção das feridas.
A ideia surgiu a partir de estudos feitos durante o doutorado do professor Marcelo Ramon, graduado em Química pela Universidade Federal de Alagoas – Ufal. Doutor em Biodiversidade e Biotecnologia com ênfase em Nanobiotecnologia pela Rede de Biodiversidade e Biotecnologia da Amazônia Legal. Ele percebeu que a substância extraída da taboca, carboximetilcelulose (CMC), podia formar uma película semelhante ao plástico. O material, que parecia inviável por ser solúvel em água, se tornou a chave para um curativo capaz de se dissolver em contato com sangue ou secreções.
Além disso, apesar de ser considerada uma praga por produtores rurais devido aos espinhos, a taboca foi escolhida por apresentar vantagens ecológicas. O professor destaca que o Acre detém a maior concentração ‘tabocal’.
‘’A taboca cresce muito rápido, até 20 centímetros por dia. Em cinco anos, você já tem uma floresta recomposta. Tem taboca na África e Ásia, mas nada se compara ao que temos na Amazônia. E dentro da Amazônia, o Acre é o estado que mais concentra essa espécie”, explicou.
Curativo
O curativo foi reforçado com nanogotículas extraídas de óleos de copaíba e andiroba, que são conhecidos por suas propriedades antibacterianas e anti-inflamatórias.
Segundo Ramon, essa combinação ajuda na cicatrização e cria um produto sustentável, diferente dos curativos tradicionais, feitos à base de petróleo e nocivos ao meio ambiente. “Enquanto o band-aid serve apenas como barreira, o nosso curativo atua diretamente na regeneração do tecido exposto”, explica.
Veja abaixo o passo a passo de produção do curativo:
- Coleta da taboca na floresta amazônica;
- Transformação da fibra vegetal em carboximetilcelulose (CMC), um pó fino que forma um gel em contato com a água;
- Adição de nanopartículas de prata (com ação bactericida) e nanoemulsões de óleos essenciais de copaíba e andiroba, que têm propriedades anti-inflamatórias e cicatrizantes;
- Desidratação do gel em estufas, que forma uma película sólida e transparente;
- Aplicação na pele, e nesta etapa o curativo se transforma novamente em gel e é absorvido pela ferida.
Expectativas
A criação do produto também contou com a ajuda de estudantes do Ifac de Sena Madureira e, para eles, o projeto vai além da pesquisa em laboratório.
João Augusto Nascimento, que entrou no IfacC ainda no ensino médio, afirma que a experiência mudou sua forma de ver a ciência. “Mostra que a pesquisa pode nascer dentro da escola pública e gerar soluções reais a partir da Amazônia”, afirma.
Já a aluna Jordana Batista, outra integrante do grupo de pesquisa, destaca o orgulho em representar o projeto na conferência. “Ver nosso trabalho chegar à COP30 mostra que a região tem potencial para inspirar outros estudantes que se interessam por ciência’’.
Apesar do avanço, a produção em larga escala ainda depende de investimentos e de equipamentos industriais. Hoje, o grupo trabalha em nível laboratorial, mas vê na COP30 a chance de atrair investidores e parcerias.
A expectativa é de que o curativo ganhe visibilidade internacional e mostre que ciência, sustentabilidade e saúde podem caminhar juntas a partir do Acre.

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