Com o intuito de restaurar o memorial do teatro acreano a Federação de Teatro do Acre (Fetac) está desenvolvendo o projeto “Revitaliza Fetac”. A iniciativa pretende realizar o resgate de arquivos desde cartas a documentos que serviram para a democratização artística e teatral da cultura do estado.
De acordo com historiadora e coordenadora do projeto, Flávia Burlamaqui, o resgate dos documentos teve início pois o antigo espaço onde ficava localizado o memorial está mal conservado e estava afetando a preservação dos arquivos memoriais.
“Nós transportamos todo o material para uma sala do Casarão que foi cedida pelo governo do Estado para a Federação. Nós fizemos uma triagem inicial de forma a verificar quais eram as necessidades e prioridades”, explicou.
A historiadora acrescenta que uma das prioridades iniciais era trabalhar com documentos internos como arquivos de manifestações, cartas e jornais que já estavam entrando em deterioração. “Fizemos a higienização, digitalização e condicionamento desses jornais”, ressalta.
A segunda etapa do projeto está sendo a revitalização de outros documentos como cartas e ofícios da movimentação da instituição durante os anos de 1970 a 1980.
FETAC – A Fetac busca resgatar e preservar este acervo para incentivar e manter o resistência da cultura teatral e outros recortes da cultura acreana. A instituição é aberta para tratar sobre assuntos que envolvem a politica e a democracia por meio da arte e de debates com artista.
Durante o período de pandemia de Covid-19, a federação vem se reinventando, então o desenvolvimento deste projeto foi articulado na separação dos materiais e dos arquivos para que não colocassem em vulnerabilidade os técnicos de limpeza.
A Fetac também lançou uma revista que faz parte do projeto Revitaliza que mostra todo o processo de separação das atividades e da digitalização dos documentos externos e internos do memorial.
Por Fernanda Maia, Gabriel Vitorino e JhenyferSouza
O cotidiano dos estudantes de Jornalismo da Universidade Federal do Acre (Ufac) é marcado por uma realidade presente não só no estado do Acre, mas em todo o cenário nacional: a necessidade de conciliar formação acadêmica e experiência prática em um mercado de trabalho cada vez mais exigente e competitivo.
Segundo dados da Relação Anual de Informações Sociais (RAIS) do Ministério do Trabalho e Emprego, aproximadamente 35% dos estudantes de Comunicação Social, das áreas de Publicidade ou Jornalismo, já realizam estágios e possuem vínculos empregatícios formais antes de se formar, seja com carteira de trabalho ou como pessoa jurídica.
A formação acadêmica em Jornalismo oferece os fundamentos teóricos e o pensamento crítico necessário para o exercício da profissão. Enquanto nas salas de aula, os estudantes compreendem o papel social da imprensa e aprendem sobre apuração, redação jornalística e ética profissional de forma predominantemente teórica, no mercado de trabalho eles têm que lidar diretamente com a prática da profissão.
Os estágios ou empregos, que possuem regras fixas e impõem prazos curtos para entrega de matérias e demandas, permitem que os futuros jornalistas entendam as demandas do trabalho e tenham noção da realidade da profissão em que estão inseridos. Segundo uma pesquisa do Perfil do Jornalista Brasileiro (Fenaj, 2021), 62% dos profissionais afirmam que o estágio foi decisivo e essencial para suas formações como profissionais.
Para muitos, essa rotina dividida entre aulas, trabalhos acadêmicos, estágios e empregos é enriquecedora, constrói boas experiências e aprendizados, mas também é vista como um desafio. Algumas vezes esse acúmulo acaba testando limites físicos e emocionais durante os quatros anos da faculdade.
No Acre, onde a imprensa é concentrada em poucos veículos midiáticos, estudantes de Comunicação destacam que a desvalorização da profissão, a pressão por qualificação, exigência de serem multitarefas e a concorrência com influenciadores digitais são vistos como alguns dos obstáculos enfrentados no cotidiano de quem busca estudar e construir uma carreira no jornalismo local.
Em entrevista, Ludymila Maia, 22 anos, assessora de comunicação da OCA, destacou a importância desse trabalho duplo, mas também as dificuldades encontradas: “Conciliar o trabalho e os estudos é de fato uma dificuldade, porque em certos momentos a gente acaba tendo que priorizar um e deixando o outro em segundo plano”.
Ela explica que algumas demandas fogem dos horários agendados e acabam tomando um tempo de foco nos estudos ou em sala de aula. “Sempre deixei a faculdade como primeiro plano, mas teve momentos que eu tive que trazer essa prioridade para o trabalho, por diversas questões”, disse.
Ela destacou que o conhecimento adquirido na universidade e a experiência prática do mercado de trabalho são enriquecedores, mas que existe uma falta de sincronia entre os dois muitas vezes, devido à dificuldade de realizar algumas das questões práticas nas salas de aula.
“Eu sinto que a gente ainda está um pouco defasado em questões práticas dentro da universidade e essas partes práticas eu só fui aprender mesmo quando eu cheguei a trabalhar profissionalmente dentro de uma redação, dentro de uma assessoria.” No entanto, apesar das dificuldades encontradas em sua rotina, Maia afirma que em nenhum momento pensou em desistir do curso.
“Nunca cogitei trancar ou desistir, mesmo com esses momentos de dificuldade. Eu acho que o jornalismo deve ser levado muito a sério, e a questão acadêmica é essencial para a nossa construção profissional”, relatou Maia.
Sobrecarga
Para jornalistas que conciliam o estudo com o seu trabalho, as multitarefas, e o acúmulo de funções, junto com a cobrança de prazos curtos, uma das dificuldades apontadas é a a sobrecarga.
Isabelle Magalhães, 20 anos, estagiária no site A Gazeta do Acre, contou que possui tempo para os estudos, mas que já se sentiu sobrecarregada ao perceber a intensidade do trabalho jornalístico. Mas sua paixão pelo curso a manteve na formação acadêmica, mesmo percebendo a contradição entre jornadas exaustivas e certa desvalorização da profissão.
“Acredito que todo estudante, em algum momento da vida acadêmica, já pensou em trancar o curso e comigo não foi diferente. Já considerei essa possibilidade, tanto pela sobrecarga quanto pela percepção de como o trabalho do jornalista é intenso e, muitas vezes, pouco valorizado. Isso pode ser bastante desmotivador”, comentou.
Enquanto na universidade os prazos permitem que apurações e textos sejam feitos com mais calma e dedicação, nas redações jornalísticas a pressão por entregar demandas em prazos curtos está presente na rotina. Profissionalmente este é um fator determinante e apurações precisam ser feitas rapidamente, mas com boa qualidade, o que muitas vezes causa insegurança nos iniciantes.
Isabelle Magalhães percebe essa diferença entre a faculdade e o mercado de trabalho: “A rotina dentro da redação, muitas vezes, não permite que eu desenvolva uma matéria com o mesmo nível de aprofundamento e elaboração que um trabalho da faculdade exige”, disse.
Gisele Almeida, de 25 anos, é editora-chefe do site Agazeta.net, formada em Jornalismo pela Ufac e hoje mestranda em Letras, e vive uma rotina ainda mais intensa. Ela realiza plantões, faz coberturas de última hora para seu trabalho e precisa conciliar essas funções com suas leituras de mestrado. Ela admite que também já pensou em desistir dos estudos por conta do trabalho mas, apesar das dificuldades, ela ressalta que esse tipo de conhecimento a enriquece profissionalmente.
“Eu falei para o meu orientador: Eu vou desistir, talvez eu nem seja para isso, talvez o mestrado nem é algo para mim”, por constatar o quanto é difícil, mas afirma que vai persistir até o final. “Quando eu coloquei isso na minha cabeça. de terminar, acho que isso me deu mais força. O programa é muito bom, tem excelentes professores, são conteúdos riquíssimos, então, é uma coisa que tá valendo muita pena para mim como pessoa e como profissional”, desabafou.
Amor pela profissão
A desregulamentação da profissão, o avanço de influenciadores nas mídias e o excesso de fake news são temas que impactam diretamente a rotina desses profissionais e preocupam tanto os estudantes quanto os jornalistas que já exercem a sua profissão. Algumas funções antes exercidas por jornalistas acabam sendo saturadas por pessoas que não tem compromisso e responsabilidade com conteúdos que produzem e profissionais da área ficam desvalorizados.
Com esperança de que a área da Comunicação continue se expandindo, Maia também se preocupa com a manutenção da boa qualidade oferecida. “A gente vê hoje em dia que todo mundo acha que se pegou um celular e uma lapela na mão, automaticamente você se torna jornalista ou comunicador. E pra mim não é assim que funciona”, criticou.
A estudante-assessora defende a volta da obrigatoriedade do diploma para ser jornalista, pois para ela a formação garante a qualidade das apurações e a responsabilidade ética ao publicar informações.
“Eu acho que jornalistas e comunicadores devem partir de dentro da academia, de dentro de faculdades de jornalismo, de propaganda e publicidade. Isso é muito importante. Não é à toa que hoje em dia não existe a obrigatoriedade do diploma pra você ser considerado jornalista e eu acho que isso é praticamente um crime pra nossa área”, comentou.
Assim como ela, Gisele Almeida compartilha do mesmo pensamento, e acredita que jornalistas merecem mais reconhecimento, inclusive financeiro, levando em consideração as sobrecargas que tem no trabalho.
“O que eu espero da profissão é a obrigatoriedade do diploma, pois eu acho que jornalista tem que ter diploma e ponto, para mim isso é extremamente importante. E que a gente seja mais valorizado financeiramente, o nosso salário é muito ruim, péssimo. E também que a gente não tenha tanta sobrecarga de trabalho. O jornalista acaba trabalhando em feriados, acaba trabalhando no sábado e domingo”, disse.
Apesar das críticas às dificuldades em conciliar o mercado de trabalho com os estudos acadêmicos na rotina dos jornalistas, as estudantes reconhecem a importância da Ufac em suas formações, e valorizam o aprendizado recebido por meio de aulas, estágios e trabalhos acadêmicos.
“A vontade de saber, aprender e conhecer é essencial para um jornalista, especialmente no mercado de trabalho. Sempre fui uma pessoa muito curiosa, e o curso de jornalismo intensificou ainda mais esse lado em mim”, afirmou Isabelle Magalhães, que recomenda humildade para aprender.
Independente da rotina, que muitas vezes pode ser difícil, os estudantes acreditam que o jornalismo ainda tem o poder de transformar a sociedade, já que, por trás das dificuldades da profissão, eles também conseguem fazer a diferença ao informar a sociedade.
“Dentro do jornalismo eu percebi uma grande paixão que eu tenho por contar histórias, por ouvir histórias, por de alguma forma ajudar um cidadão, a população que tá precisando de uma informação.E que essa informação chegue com qualidade, de uma forma simples para que todos entendam, sem grandes burocracias”, comentou Maia.
Conciliar as exigências acadêmicas e as demandas do mercado de trabalho pode muitas vezes ser desafiador, principalmente quando se trabalha com prazos curtos para a entrega de matérias, dificuldade de contatar fontes, equipes pequenas. E mantendo a responsabilidade ética e a apuração aprofundada. No entanto, toda experiência é importante e faz parte do desenvolvimento profissional do jornalista.
“Eu sou muito realista, porque não é uma profissão fácil, mas eu sempre falo, é uma profissão apaixonante, é uma profissão que você tem que ter paixão para fazer. E graças a Deus eu sou muito apaixonada pelo meu trabalho e pela pela área que eu escolhi, mas tendo consciência”, finaliza Almeida.
Você já parou para pensar na importância das árvores para a cidade? Pequenas, médias ou grandes, elas têm grandes contribuições para a qualidade de vida e para a paisagem urbana, mas é curioso perceber como, apesar de estarem por toda parte, muitas vezes passam despercebidas.
Mais do que um elemento estético, a arborização é essencial para melhorar a qualidade do ar, ajudar a controlar a temperatura e ainda trazer mais bem-estar para quem vive por aqui. Elas também se tornam pontos de referências da cidade, como afirma o arquiteto Eduardo Vieira.
Segundo o panorama do Censo de 2022, cerca de 57% da área urbana no estado do Acre não possui arborização, sendo 85% de vias pavimentadas, como avenidas e ruas, por exemplo.
A moradora do bairro Custódio Freire, Maria Auxiliadora, de 68 anos, lamenta o desmatamento e comenta que sem as árvores não conseguiremos sobreviver. “O pessoal derruba muito. Mas as árvores são muito importantes, dá frieza, sombra, e é uma riqueza, tudo é favorável. Vá embaixo de uma árvore para ver a frieza e a beleza lá embaixo. É ótimo”.
Já Maria Aparecida Santiago, moradora do mesmo bairro, conta que quando sai da cidade para sua chácara percebe o clima diferente, e que o ar que parece saudável. “É um clima muito bom. Quando você vai chegando na chácara, respira outro clima, suave”, exclama.
Cerca de 57% da área urbana do Acre não possui arborização.Foto: Francisca Samiele
Possíveis problemas
Para entender melhor os efeitos da cobertura da vegetação, o arquiteto Eduardo Vieira explica como a ausência de árvores pode causar problemas nas cidades. “Uma cidade com grandes áreas impermeáveis está mais sujeita a alagações, à reflexão e aumento do calor, bem como a criação de ambientes áridos, inadequados ao convívio humano”, afirmou.
Os efeitos mencionados pelo arquiteto já são perceptíveis na região, que nos últimos dois anos tem enfrentado situações como alagamentos intensos em períodos de chuva e a seca acentuada do Rio Acre durante os meses mais quentes.
O engenheiro florestal Paulo Trazzi explica que as árvores podem ajudar a evitar alguns eventos extremos, pois suas raízes formam uma estrutura no solo que melhora a infiltração da água e permite o controle do fluxo nos rios, canais e corpos d’água: “Evita assoreamento, perda de água no solo, também melhora a qualidade da água.”
Além de manter o ar mais fresco nas cidades, o engenheiro florestal reforça que preservar árvores nativas é fundamental para conservar a biodiversidade local.
Segundo especialista, presença de árvores na cidade pode evitar eventos climáticos extremos. Foto: Francisca Samiele
A derrubada de uma árvore, muitas vezes, é feita para abrir espaço para uma nova construção. A chefe da Divisão de Meio Ambiente e Cidades da Secretaria de Estado de Meio Ambiente (Sema), Esmilia Medeiros, fala que serão feitas novas construções na cidade de Rio Branco, em que será necessário a retirada de árvores.
Mas a entrevistada destaca que na capital “o corte de árvores em áreas públicas e privadas é regulamentado pela Secretaria Municipal de Meio Ambiente [Semeia] através da Instrução Normativa nº 001/2021 e outras resoluções.”
Esse conjunto de normas também estabelece procedimentos de autorização para retirada de vegetação, incluindo critérios para compensação ambiental por impactos causados, que podem envolver o plantio de árvores, recuperação de áreas degradadas ou outras medidas que visem mitigar os impactos ambientais.
Mesmo com normas que regulamentam a derrubada, Rio Branco ainda enfrenta desafios relacionados ao assunto. Cada árvore cortada que não é compensada por um novo plantio pode trazer consequências para o equilíbrio do meio ambiente. E para a qualidade de vida de todos nós.
É importante lembrar que desmatar sem autorização é crime. Cortar árvores sem seguir as regras pode resultar em multas e outras penalidades, conforme a Lei nº 2.422/2022.Para obter informações detalhadas sobre o processo de licenciamento, consulta de legislação e demais procedimentos, recomenda-se entrar em contato com a Semeia ou consultar o site da Prefeitura de Rio Branco.
Em um mundo cada vez mais conectado pela tecnologia, mas marcado pela solidão, muitas pessoas têm encontrado conforto em animais de estimação e objetos, tratando-os como membros da família ou até como filhos.
No Brasil, a Associação Brasileira da Indústria de Produtos para Animais de Estimação (Abinpet) estima que existam mais de 55 milhões de cães, com 80% dos tutores vendo-os como parte da família.
Um estudo da DogHero mostra que 66% dos donos tratam seus pets como filhos. Esse carinho impulsiona um mercado que, segundo o Instituto Pet Brasil, movimentou R$78,2 bilhões em 2024, com a maior parte gasta em alimentação, além de serviços como saúde e estética.
Porém, a Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), por meio de um estudo, alerta que tratar animais como humanos pode causar problemas como ansiedade, comportamentos compulsivos e até obesidade nos bichos.
Outro exemplo marcante é o fenômeno dos bebês reborn, bonecas hiper-realistas adotadas para coleção ou terapia. O mercado global dessas bonecas, avaliado em US$ 1,2 bilhão em 2023 pela Pesquisa de Mercado Allied, cresce entre colecionadores e pessoas que buscam apoio emocional.
No Brasil, reportagens da Folha de São Paulo e do g1 relatam casos curiosos, como pessoas levando essas bonecas ao Sistema Único de Saúde (SUS), além de debates sobre os benefícios terapêuticos.
A vida em família
Para ilustrar como essa humanização se manifesta no dia a dia, conversamos com Lucas Lins, um médico de 24 anos, que trata a cachorra pug, Jurema Josefina, como uma verdadeira filha. “A Jurema é a nossa cachorrinha da raça pug, uma companheirinha que chegou pra encher a casa de amor, alegria e um toque de bagunça também”, conta Lins, rindo.
Cadela ama piscinas e possui roupas. Foto: Lucas Lins/acervo pessoal
Desde filhote, Jurema tem uma rotina digna de princesa: roupinhas, brinquedos, cama fofinha e até festas de aniversário com bolo, vela e balões. “Fizemos tudo isso quando ela completou 1 aninho. E claro que ela usou a famosa roupinha da Minnie, toda orgulhosa”, diz, com entusiasmo.
A humanização vai além: Jurema tem até um Instagram criado especialmente para ela, embora pouco usado. O médico descreve rituais diários, como banhos com shampoo, condicionador e colônia, que geravam reclamações do pai, pela despesa. “Como todo pug, a Jurema solta muito pêlo! Teve uma vez que compramos um tira-pelos e nos assustamos com a quantidade absurda que saiu. Achamos que tinha algo errado, mas era só mais um ‘presente’ clássico da raça”, brinca ele.
Jurema também tem preferências e manias humanizadas: come de tudo, menos banana, que rejeita com uma virada de focinho. Na infância, era um “furacão” que roía móveis como um castor, mas agora é “uma moça calma e comportada”, destaca o tutor.
Jurema possui uma carteira de identidade. Imagem: cedida
A esperteza inclui escapar de coleiras como uma “ninja canina” e aventuras como fugir pela rua em dia de chuva, obrigando a família a uma caçada molhada. “Hoje a gente lembra disso rindo, mas na hora foi puro desespero”, admite Lins. E para completar, Jurema ama piscinas, e nada semanalmente, sob supervisão constante.
Histórias como a de Jurema mostram como pets se tornam “filhos substitutos”, especialmente entre jovens adultos solteiros, casais sem filhos ou idosos, o que fortalece vínculos afetivos e impulsiona o mercado pet.
Desde filhote, Jurema tem uma rotina digna de princesa. Foto: Lucas Lins/acervo pessoal
Benefícios, riscos e limites
Para entender o que motiva essa projeção de sentimentos humanos em animais ou objetos, consultamos a psicóloga e neuropsicóloga Samara Pinheiro, docente universitária e coordenadora da seção Acre do Conselho de Psicologia, com abordagem em psicanálise.
Segundo ela, o fenômeno está ligado a projeções afetivas inconscientes, baseadas em conceitos como objetos transicionais, inspirados em teorias como a de Winnicott. “As pessoas projetam algo naquele objeto, que elas gostariam muito que fosse com elas. Por exemplo, eu projeto um carinho, um amor com um animal de uma forma que eu gostaria de ser tratado ali por figuras que cuidaram de mim”, explica Pinheiro.
Esses objetos, sejam animais, bebês reborn ou IAs como o ChatGPT, funcionam como substitutos para relações frustrantes na infância, oferecendo segurança e consolo sem medo de rejeição.
“Desde crianças, criamos vínculos com objetos transicionais, como um cobertor ou brinquedo, que dão segurança quando o cuidador se ausenta. Na vida adulta, isso se substitui por animais, bonecos ou interações com IA, representando um espaço seguro onde a pessoa pode amar, cuidar e ser compreendida sem conflito”, enfatiza a especialista.
Entre os benefícios, ela destaca o apoio emocional, proporcionando conforto, segurança e sensação de companhia. “Pode reduzir ansiedade, depressão ou estresse, auxiliando na regulação psíquica”, destaca.
Além disso, facilita elaborações simbólicas, servindo como ponte entre o mundo interno e externo, ajudando a lidar com perdas ou transições. Para pets, há um retorno real de carinho, diferentemente de objetos inanimados. Experiências de cuidado também reforçam capacidades afetivas, como proteger e preocupar-se.
No entanto, os riscos são evidentes. “Pode levar a um empobrecimento relacional, onde as pessoas evitam relações humanas por medo de frustração e imprevisibilidade”, alerta a psicóloga. Isso pode resultar em isolamento social, fixação narcísica (onde o afeto é unilateral) e dificuldade em elaborar conflitos reais. “O animal pode dar devolutiva, mas objetos como o ChatGPT não oferecem manejo clínico genuíno”, pontua.
Perigo do isolamento
A humanização deixa de ser saudável quando perde sua função transicional e vira fuga da realidade. “Quando a pessoa se isola, evitando contatos humanos como defesa contra o sofrimento, cai em um mundo fantasioso sem conflitos, perdendo a capacidade de lidar com o real”, esclarece a psicóloga.
Pinheiro atribui o estímulo social a fatores como solidão moderna, “vínculos líquidos” e influência do mercado. “O mercado oferece alternativas para demandas afetivas, como animais tratados como filhos ou assistentes virtuais, promovendo afeição sem conflito. Redes sociais, com curtidas no Instagram, também reforçam isso”, comenta.
Sobre preencher carências emocionais, ela nota: “Sim, servem como reparação e tentativa de controle, vindos de faltas na infância como rejeição. Mas preencher não é elaborar. Se o afeto não se desloca para vínculos reais, o vazio permanece adormecido, podendo explodir em crises quando o ‘objeto’ falha”, conclui a especialista.