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Aumento dos maus-tratos aos animais na pandemia

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Conheça dados e leis deste crime ambiental que ainda precisa ser muito discutido na sociedade

Por Claudya Simone, Gercineide Maia e John Catão

O número de maus-tratos a animais se agravou consideravelmente com a pandemia ocasionada pela Covid-19. Diversos jornais do país noticiaram que as denúncias cresceram em vários estados brasileiros.

Segundo levantamento realizado pela Fiquem Sabendo, agência de dados independente, só o estado de São Paulo registrou um aumento de 81,5% nas denúncias de violência contra os animais no período de e janeiro a julho de 2020, em relação ao ano de 2019.

Em Rio Branco houve uma leve diminuição dos casos após o início da pandemia: em 2019 houve 185 registros, em 2020 tiveram 152 ocorrências. A Secretaria Municipal de Meio Ambiente (Semeia) informou que as denúncias mais frequentes foram sobre falta de alimento e água, o que também configura crime.

A necessidade de isolamento social pode ter sido um dos fatores que contribuiu com a diminuição dos números de ocorrências registradas pela Semeia. Ao mesmo tempo, foi um período em que as ONGs e associações receberam muitas chamadas.

Um caso que teve grande repercussão nacional foi o de uma cadela arrastada por um carro em movimento, em Contagem, Minas Gerais, em setembro de 2021. Seu tutor, de 53 anos, afirmou que a deixou amarrada do lado de fora  por não haver vaga no veículo. A polícia militar foi acionada, o animal foi enviado para uma Organização Não Governamental e o tutor, preso em flagrante. 

No Acre, nesse mesmo período, em Feijó, um homem, de 41 anos, foi preso em flagrante pela Polícia Civil pelo crime de maus-tratos contra animais, após denúncias anônimas. O caso repercutiu em todo o estado e foi constatada a inanição dos três cachorros, que aparentavam não serem alimentados há dias. Também após denúncias, em dezembro de 2021, três cães foram resgatados com sinais de maus-tratos durante uma operação policial na zona rural de Sena Madureira. Segundo o G1, o  resgate dos animais foi feito, mas ninguém foi preso e o dono da propriedade não foi achado no local. 

Maus-tratos é qualquer ato, direto ou indireto, comissivo ou omissivo, que intencionalmente ou por negligência, imperícia ou imprudência provoque dor ou sofrimento desnecessários aos animais (Conselho Federal de Medicina Veterinária, Resolução nº 1.236/2018, Artigo 2º). 

Um servidor do Departamento de Controle de Zoonoses da Secretaria Municipal de Saúde da Prefeitura de Rio Branco, que pediu para não ser identificado, informou, via telefone, que com a aprovação da Lei nº 2215, de 2006, mudaram-se as responsabilidades: nada de soltar ou abandonar animais nas ruas, porque, senão, o proprietário será considerado causador de maus-tratos e poderá responder a processo. Ele aponta um exemplo: “Quando ocorrem as alagações muitos animais são esquecidos nas casas”.

Leis de defesa  

As criações de associações de proteção aos animais e organizações não-governamentais contribuem para avanços das leis em defesa dos direitos e do bem-estar dos animais. No estado do Acre, existem várias instituições que defendem essa causa: Patinha Carente, Amor a Quatro Patas, Resgata Animal, dentre outras.  

Entre as leis mais recentes de defesa dos direitos e combate aos maus-tratos de animais  vigentes no estado do Acre estão a Lei nº 3.757/2021, que responsabiliza o autor de maus-tratos a animais a pagar tratamento veterinário do animal ou multa,  e a Lei n° 3.940/2022, que proíbe uma pessoa condenada por crime contra animais exerça cargo, emprego ou função pública.

De acordo com Vanessa Nascimento Facundes, presidente da ONG Patinha Carente e da Comissão de Defesa e Proteção dos Animais da Ordem dos Advogados do Brasil Seccional Acre (OAB-AC), “não mudou muita coisa, porque o poder público não tem efetivado essas leis”. 

Sobre algumas mudanças com a publicação de novas leis, o servidor municipal acrescenta que atualmente o Departamento de Controle de Zoonoses “trabalha apenas com vigilância pública e só faz resgate de animais diante do diagnóstico realizado pela Semeia”, relata.

Dificuldades de captura e resgate 


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Quando constatados maus-tratos, a maior dificuldade enfrentada para desempenhar o  trabalho  está relacionada  à logística de materiais, principalmente, para fazerem a captura, o resgate e o transporte dos  animais, conforme explicou José Aldecélio, Sargento da Polícia Militar, membro do Batalhão de Policiamento Ambiental, que tem por finalidade o policiamento na área rural no combate aos crimes contra crimes ambientais (fauna, flora, maus-tratos de animais). “Diversas são as ocorrências e não temos uma caixa adequada para fazer o transporte de cão e gato, a única coisa que temos são luvas. Muitas vezes precisamos do apoio do Corpo de Bombeiros, pois eles têm tudo o que precisamos para realizar essa ação envolvendo tanto os animais domésticos quanto os silvestres, acrescenta. 

Já para as ONGs, as maiores dificuldades  vivenciadas na atualidade, principalmente em contexto pandêmico, referem-se a terem que pagar o aluguel do abrigo, as cuidadoras, comprar ração, gastos com veterinários e abandonos na porta do abrigo.

 

Segundo Júnior Araújo, a instituição em que é voluntário não recebe nenhum auxílio da prefeitura de Rio Branco nem do estado do Acre. “O dinheiro para pagar as despesas com os cães e gatos vem dos voluntários e da população que também faz doações. Por isso, estão sempre fazendo campanha e pedindo ajuda financeira nas redes sociais”. 

Quanto à violência causada aos animais identificada em Rio Branco, especificamente, nesses tempos de pandemia da Covid-19, o ativista Araújo declara que há muito abandono, mas no abrigo há muitos animais que foram resgatados por maus-tratos com facadas, uns têm medos de pessoas até hoje, principalmente, de homem. “No momento, os resgates foram suspensos, mas temos recebido muitos pedidos de ajuda”, acrescenta.

Das Ongs existentes no estado, a Patinha Carente é a única que realiza resgate nesse momento e está bem sobrecarregada com muita demanda, com a tutela de 24 animais, inclusive alguns encontram-se internados. “Na pandemia os casos de maus-tratos aumentaram, as pessoas abandonam mesmo. É importante que a população também se conscientize”, enfatiza a presidente Facundes.

Patinha Carente resgata o cão Doguinho com ajuda do Corpo de Bombeiros do Acre, no Manoel Julião.

O número de animais aumentou no país e, consequentemente, o número de maus-tratos também durante os últimos anos e mais uma lei é aprovada de forma a endurecer penas contra esses delitos. 

Números dos pets no país

Há em torno de 139,3 milhões de animais domésticos no Brasil, incluindo cães, aves, gatos, peixes e répteis, que aquecem o mercado com produtos e serviços para animais de estimação. Os dados são da Pesquisa Nacional de Saúde (PNS), divulgada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e atualizada pela inteligência comercial do Instituto Pet Brasil, em 2018.

Estima-se que a população total de pets no país deve chegar em cerca de 101 milhões de animais até 2030, conforme pesquisa encomendada pela Comissão de Animais de Companhia (Comac), do Sindicato Nacional da Indústria de Produtos para Saúde Animal (Sindan), desenvolvida em setembro de 2020 pela Fundação Getúlio Vargas. 

Leis de proteção aos animais

Muito antes da Constituição Federal (CF) de 88, existia o Decreto nº 24.645, de 10 de julho de 1934, que estabelecia medidas de proteção aos animais e já reconhecia os maus-tratos como infração, podendo incorrer multa ou pena de prisão celular de 2 a 15 dias. 

Na Constituição brasileira, de acordo com o Capítulo VI, do Meio Ambiente, Artigo 225, inciso VII, Parágrafo 1°, cabe ao Poder Público “proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais a crueldade […]”. 

Conforme o Art. 32, da Lei nº 9.605, de 12 de fevereiro de 1998, que dispõe sobre as sanções penais e administrativas derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente, e dá outras providências, “praticar ato de abuso, maus-tratos, ferir ou mutilar animais silvestres, domésticos ou domesticados, nativos ou exóticos: Pena – detenção, de três meses a um ano, e multa”. Parágrafo 2º, a pena é aumentada de um sexto a um terço, se ocorrer morte do animal. 

Esta norma foi alterada pela Lei nº 14.064, de 29 de setembro de 2020, que   aumenta as penas cominadas ao crime de maus-tratos aos animais quando se tratar de cão ou gato de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, multa e proibição da guarda.

Em 2020, em Brasileia, houve uma condenação a um homem pela prática do crime de maus-tratos a animais domésticos. De acordo com o site do Tribunal de Justiça do Acre, o réu foi condenado à pena de um ano de reclusão e três meses e quinze dias de detenção, em regime inicialmente aberto, além do pagamento de vinte e dois dias de multa, pela prática dos crimes previstos nos artigos 32, § 2º, da Lei nº 9.605/98 e 12, da Lei nº 10.826/03. A pena foi substituída pela modalidade de prestação de serviço à comunidade, além da condenação ao pagamento de mil reais.

Em Rio Branco- Acre, a Lei nº 2.215, de 10 de novembro de 2016, que regulamenta e disciplina a criação, guarda, utilização e transporte de animais domésticos ou de estimação no município, Art. 17, afirma que é de responsabilidade dos proprietários ou detentores, a manutenção dos animais em condições adequadas de alojamento, alimentação, sanidade e bem-estar, de modo que sob hipótese nenhuma, possam lhes infringir maus-tratos. Esta mesma lei considera, em seu parágrafo 1º, as condições que definem maus-tratos: 

Texto

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O Conselho Municipal de Proteção e de Defesa dos Animais de Rio Branco foi criado em 2018 e é vinculado à Semeia. Tem por objetivo  desenvolver e colocar em prática medidas de proteção e de defesa dos animais, quer sejam eles de pequeno ou grande porte, associadas à responsabilidade social em Saúde Pública. O 1º Secretário do Conselho, Sandino Gadelha Bezerra Mendes, diz que as atividades foram suspensas durante a pandemia, sendo retomadas em julho de 2021 com atualização dos membros e agendamento das reuniões para o biênio 2022.

Foram sancionadas duas leis mais recentes no Acre. A Lei nº 3.757/2021, torna o custeio total do tratamento veterinário como responsabilidade do autor de maus-tratos a animais.  Segundo o Art. 1° desta lei estadual, toda pessoa ou entidade praticante de crime caracterizado como maus-tratos a animais, deverá arcar com os custos do tratamento veterinário até a recuperação total do animal, vítima, sendo que em caso de descumprimento, a pessoa deverá ser multada em R$ 2 mil, verba que poderá ser revertida, conforme Art. 5°, para o custeio de programas e ações de prevenção e conscientização sobre o tema e, apoio às entidades e projetos voltados para o bem-estar animal, com preferência para a cidade em que ocorreu o fato. A Lei n° 3.940/2022, também já está valendo e proíbe o exercício de cargo, emprego ou função pública por pessoa condenada pelo crime de maus-tratos contra animais. 

Em alguns estados como Santa Catarina, Rio Grande do Sul, São Paulo, Rio de Janeiro já possuem Delegacia Eletrônica de Proteção Animal (Depa), ligadas à Secretaria de Segurança Pública, que recebem as denúncias, por meio de protocolo, mantendo a identidade do cidadão em anonimato, preservada.  

Como denunciar maus tratos

No estado do Acre, o Boletim de Ocorrência pode ser realizado pelo WhatsApp e Delegacia Virtual.

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Para fazer o registro de um BO, por meio da Delegacia Virtual, o usuário deve acessar o site da Polícia Civil, ou o link e selecionar o estado do Acre.

“Além desses meios, a ocorrência pode ser realizada ainda em qualquer Unidade da Polícia Civil. Fora do horário normal de expediente, a denúncia pode ser registrada na DEAM e na Delegacia de Flagrante 24h”, informa o assessor de comunicação Sandro Brito.

Em Rio Branco-AC, as denúncias de maus-tratos aos animais também podem ser feitas através dos canais de comunicação da Secretaria Municipal de Meio Ambiente (Semeia):  telefone (68) 3228-5765 ou celular/WhatsApp (68) 99227-1126.

Caso identifique maus-tratos aos animais, se possível reúna provas como fotos, vídeos e áudios, dentre outras fontes que sirvam para facilitar o registro do boletim de ocorrência. 

Texto sobre foto de cachorro com a língua de fora

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Aquífero do Segundo Distrito de Rio Branco: riqueza invisível sob ameaça urbana

Estudos recentes apontam que o aquífero ocupa uma área de 122,46 km². Foto: cedida

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Por Júlio Queiroz e Karina Paiva

No subsolo do Segundo Distrito de Rio Branco está uma das maiores reservas estratégicas de água da capital acreana: o Aquífero Rio Branco. Pesquisadores da Universidade Federal do Acre (Ufac), como Evandro José Linhares Ferreira, Alexsande de Oliveira Franco, Frank Arcos e Jessiane Pereira, têm alertado sobre a importância desse manancial subterrâneo, e destacando que ele possui alta vulnerabilidade à contaminação em razão da ocupação urbana desordenada e da falta de saneamento básico.

Estudos recentes apontam que o aquífero ocupa uma área de 122,46 km², abrangendo os seguintes bairros: Loteamento Praia do Amapá, Taquari, Comara, 6 de Agosto, Santa Inês, Loteamento Santa Helena, Loteamento Santo Afonso, Belo Jardim 1 e 2, Cidade Nova, Santa Terezinha, Residencial Rosa Linda, Vila da Amizade, Vila Acre, Mauri Sergio, Areal, Vila do Dner e Quinze, e possui capacidade de abastecer mais de 3,2 milhões de pessoas com 200 litros de água por dia. 

Ainda assim, apenas cerca de 7% de sua descarga natural é utilizada atualmente para o consumo humano. Para os pesquisadores da Ufac, a ausência de políticas públicas efetivas coloca em risco a qualidade da água, já que análises laboratoriais têm identificado contaminação por nitratos, coliformes e metais como ferro e manganês. 

O poder público municipal, por sua vez, tem divulgado avanços em projetos de captação subterrânea, mas sem execução plena. Em 2012, a imprensa local noticiou a realização de estudos preliminares, e em 2019 a Prefeitura anunciou que avançava em planos para aproveitar o potencial hídrico do aquífero. Já em 2014, o Governo do Estado divulgou que a Companhia de Pesquisa de Recursos Minerais (CPRM) continuaria o plano de exploração, mas até hoje a utilização em larga escala não saiu do papel. 

Esse contraste entre a urgência apontada pelos pesquisadores e a morosidade administrativa revela o desafio de transformar ciência em política pública.

Potencial e desafios

 De acordo com o modelo de gestão elaborado pela CPRM em 2010, a recarga anual do Aquífero Rio Branco é de aproximadamente 587 mm/ano, com rápida recuperação dos poços (em até uma hora). Isso torna o manancial um recurso estratégico, capaz de complementar o abastecimento em períodos de estiagem do Rio Acre.

Pesquisadores x Poder Público 

Enquanto pesquisadores da Ufac defendem o monitoramento constante e o uso controlado do aquífero, a Prefeitura de Rio Branco e o governo do Acre têm enfatizado a continuidade dos estudos, mas sem definir prazos concretos para exploração sustentável. 

Essa divergência evidencia a necessidade de integração entre ciência e gestão pública, de forma a garantir segurança hídrica para as futuras gerações.

Foto: cedida

A CPRM é uma empresa pública vinculada ao Ministério de Minas e Energia, responsável por produzir e divulgar informações geológicas, hidrológicas e ambientais do território brasileiro.

No caso do Aquífero Rio Branco, a CPRM foi a instituição que realizou estudos técnicos de mapeamento, testes de bombeamento e modelagem hidrogeológica, servindo de base para o Plano de Manejo do Aquífero citado.

Em resumo: a CPRM é quem faz a “radiografia do subsolo” e fornece dados científicos para que estados e municípios consigam planejar a exploração sustentável da água subterrânea.

Outro entendimento

O diretor-presidente do Saerb, Enoque Pereira de Lima, explicou que não há comprovação da existência de um aquífero em Rio Branco, mas sim um lençol freático raso capaz de atender demandas residenciais e comerciais em pequena escala. 

Segundo ele, estudos realizados até 400 metros de profundidade não identificaram aquífero, apenas pontos de água confinada de difícil recarga, com capacidade de renovação anual de cerca de 20%. Para verificar a viabilidade, o Saerb pretende perfurar três poços profundos — dois no Segundo Distrito e um no Panorama — avaliando volume, qualidade da água e resistência do solo, podendo expandir as perfurações caso os resultados sejam positivos.

Sobre o abastecimento, Enoque destacou que a cidade depende integralmente do Rio Acre, cuja turbidez e sazonalidade dificultam o tratamento, sobrecarregando o sistema no período seco. 

A produção atual das duas ETAs é de até 1.600 litros por segundo, mas falhas em bombas, motores e adutoras causam intermitência em determinados bairros, especialmente no Segundo Distrito, totalmente dependente da ETA 2. 

O dirigente ressaltou ainda o alto desperdício doméstico e a falta de conscientização dos moradores como fatores que agravam a escassez, reforçando que, em situações críticas, a prioridade é garantir água para hospitais e unidades de saúde.

Invisível aos olhos dos moradores, o Aquífero Rio Branco pode ser a chave para garantir segurança hídrica à capital acreana. Mas, se por um lado representa abundância, por outro traz o alerta: sem gestão integrada e responsável, esse tesouro subterrâneo pode se transformar em mais uma vítima da urbanização desordenada.

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Curativo 100% biodegradável leva estudantes do Ifac à COP30

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Por Fernanda Maia, Gabriel Vitorino e Jhenyfer Souza

No Instituto Federal do Acre (Ifac) em Sena Madureira, estudantes desenvolveram um curativo biodegradável feito a partir da taboca, espécie de bambu abundante na região amazônica. 

O projeto será apresentado na prévia da Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP30), que acontece este ano em Belém (PA), em novembro, e pretende mostrar ao mundo uma alternativa sustentável para a proteção das feridas. 

A ideia surgiu a partir de estudos feitos durante o doutorado do professor Marcelo Ramon, graduado em Química pela Universidade Federal de Alagoas – Ufal. Doutor em Biodiversidade e Biotecnologia com ênfase em Nanobiotecnologia pela Rede de Biodiversidade e Biotecnologia da Amazônia Legal. Ele percebeu que a substância extraída da taboca, carboximetilcelulose (CMC), podia formar uma película semelhante ao plástico. O material, que parecia inviável por ser solúvel em água, se tornou a chave para um curativo capaz de se dissolver em contato com sangue ou secreções.

Além disso, apesar de ser considerada uma praga por produtores rurais devido aos espinhos, a taboca foi escolhida por apresentar vantagens ecológicas. O professor destaca que o Acre detém a maior concentração ‘tabocal’.

‘’A taboca cresce muito rápido, até 20 centímetros por dia. Em cinco anos, você já tem uma floresta recomposta. Tem taboca na África e Ásia, mas nada se compara ao que temos na Amazônia. E dentro da Amazônia, o Acre é o estado que mais concentra essa espécie”, explicou.

Curativo

O curativo foi reforçado com nanogotículas extraídas de óleos de copaíba e andiroba, que são conhecidos por suas propriedades antibacterianas e anti-inflamatórias. 

Segundo Ramon, essa combinação ajuda na cicatrização e cria um produto sustentável, diferente dos curativos tradicionais, feitos à base de petróleo e nocivos ao meio ambiente. “Enquanto o band-aid serve apenas como barreira, o nosso curativo atua diretamente na regeneração do tecido exposto”, explica.

Veja abaixo o passo a passo de produção do curativo:

  1. Coleta da taboca na floresta amazônica;
  2. Transformação da fibra vegetal em carboximetilcelulose (CMC), um pó fino que forma um gel em contato com a água;
  3. Adição de nanopartículas de prata (com ação bactericida) e nanoemulsões de óleos essenciais de copaíba e andiroba, que têm propriedades anti-inflamatórias e cicatrizantes;
  4. Desidratação do gel em estufas, que forma uma película sólida e transparente;
  5. Aplicação na pele, e nesta etapa o curativo se transforma novamente em gel e é absorvido pela ferida.

Expectativas

A criação do produto também contou com a ajuda de estudantes do Ifac de Sena Madureira e, para eles, o projeto vai além da pesquisa em laboratório.

João Augusto Nascimento, que entrou no IfacC ainda no ensino médio, afirma que a experiência mudou sua forma de ver a ciência. “Mostra que a pesquisa pode nascer dentro da escola pública e gerar soluções reais a partir da Amazônia”, afirma. 

Já a aluna Jordana Batista, outra integrante do grupo de pesquisa, destaca o orgulho em representar o projeto na conferência. “Ver nosso trabalho chegar à COP30 mostra que a região tem potencial para inspirar outros estudantes que se interessam por ciência’’. 

Apesar do avanço, a produção em larga escala ainda depende de investimentos e de equipamentos industriais. Hoje, o grupo trabalha em nível laboratorial, mas vê na COP30 a chance de atrair investidores e parcerias. 

A expectativa é de que o curativo ganhe visibilidade internacional e mostre que ciência, sustentabilidade e saúde podem caminhar juntas a partir do Acre.

Redação

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Mulheres tatuadoras no Acre e as histórias eternizadas na pele

Em Rio Branco, no Acre, esse processo já marca a cena local, com cada vez mais mulheres assumindo as máquinas, os estúdios e o protagonismo.

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Por Luanna Lins e Inayme Lobo

Desde muito antes de se tornar moda, a tatuagem já carregava significado em diferentes culturas. Entre povos indígenas, marcar a pele é rito de passagem, pertencimento. Em alguns países da Ásia, até hoje, ela ainda é envolta em restrições. E, quando a tatuagem moderna se espalhou, foi quase sempre dominada por homens.

Esse cenário começou a mudar quando algumas mulheres decidiram romper essa barreira. Entre as maiores inspirações estão Maud Wagner, artista circense considerada a primeira tatuadora dos Estados Unidos, no início do século XX, e Jessie Knight, que se destacou na Inglaterra a partir de 1921.

No Brasil, o mercado da tatuagem veio ganhar visibilidade a partir da segunda metade do século XX, também marcado pela predominância masculina. Nomes como Re Martelli – reconhecida como uma das primeiras tatuadoras do país – abriram caminho, tornando-se referência para outras que vieram a conquistar esse espaço.

Em Rio Branco, no Acre, esse processo já marca a cena local, com cada vez mais mulheres assumindo as máquinas, os estúdios e o protagonismo. Três delas, em especial, fazem parte dessa nova geração de tatuadoras: Ana Beatriz Tavares (20 anos), Gabriella Leão (21 anos), e Thayla Isla (26 anos). Cada uma com sua trajetória, mas unidas pela certeza de que a tatuagem é mais do que um desenho na pele, é identidade.

Experimentar, arriscar, confiar

Ana Tavares ainda era adolescente quando decidiu que a tatuagem seria sua profissão. No terceiro ano do ensino médio, ganhou um kit de tatuagem do pai e começou a improvisar peles artificiais para treinar em casa. “Eu chamei alguns colegas da minha turma pra poder fazer os primeiros treinos. Aí teve uma pessoa que aceitou e a partir disso eu comecei a tatuar”, lembra.

Aos 20 anos, Ana já possui um extenso portfólio e vem conquistando cada vez mais clientes. Foto: Inayme Lobo/A Catraia

NoO começo foi autodidata. Sem cursos presenciais disponíveis em Rio Branco, recorreu à internet. “Pesquisei cursos na internet, comecei a fazer, estudava por lá. Até o ano passado, quando participei de um workshop aqui na cidade, com um profissional da área. Então, a maior parte eu aprendi sozinha”.

Hoje, ela trabalha principalmente com o fine line e o blackwork, mas também defende as tatuagens coloridas, mesmo com pouca procura. “Muitas pessoas pensam que a cor não vai ficar tão legal depois que cicatrizar, talvez por conta do tom da pele. Mas isso é mito. As tatuagens coloridas têm contraste diferente, mas não deixam de ter a mesma qualidade”.

O que diferencia seu trabalho, segundo ela, é o incentivo ao autoral. “Normalmente, quem vem comigo, traz tatuagens já prontas, com referências da internet. Mas eu sempre indico fazer uma coisa diferente, que vai ser só pra pessoa, que ninguém vai poder copiar”.

Tavares trabalha principalmente com os estilos fine line e o blackwork. Foto: cedida

Ainda este ano, Ana abriu seu primeiro estúdio próprio, após um período tatuando em casa e em um estúdio colaborativo. Para ela, o maior desafio não vem necessariamente do fato de ser mulher, mas da competitividade no meio. “Acredito que haja ainda uma rivalidade entre os tatuadores daqui. A ideia é que é um lugar pequeno, então o público é pouco e se divide.” Ao mesmo tempo, ela reconhece que ser mulher influencia nas clientes que conquistou. “Eu confio muito no meu trabalho. Sei que dá certo porque também recebo muitas outras mulheres que querem tatuar comigo”.

No coletivo, ninguém tatua sozinha

A trajetória de Gabriella Leão (Gab Tattoo) tem um tom quase profético. “Na escola, eu falava, de forma muito despretensiosa: “ah, eu vou virar tatuadora mesmo”. Eu não sabia de nada, não tinha ido atrás de nada. E eu sempre falava isso, sabe? De uma forma espontânea. Manifestei literalmente tudo”, conta, rindo.

Gabriella encontrou na coletividade dos estúdios um espaço para crescer. Foto: cedida

Foram os amigos que abriram a porta definitiva. Ela já desenhava desde criança, influenciada pela irmã mais velha, mas foi ao conhecer Gabriel (Amaterasu), hoje colega de estúdio, que ganhou o empurrão inicial. “Ele me deu dicas de máquina, de material, de onde comprar tudo isso. Foi o pontapé que eu tava precisando”.

Depois de um mês treinando sozinha em peles artificiais, Gabriella conseguiu uma vaga de aprendiz. E ali entendeu que a vivência valia mais do que qualquer curso. “Apesar de eu estar consumindo muito conteúdo, vendo cursos gratuitos na internet, o que de fato me fez aprender foi estar ali cercada de profissionais, sempre ter o tatuador ao lado para auxiliar. Isso realmente me ajudou”.

Hoje, com um ano e sete meses de carreira, já passou por três estúdios, todos colaborativos. “Eu sempre gostei muito, porque dá pra ter uma troca de conhecimento e experiência constante. A gente tá sempre aprendendo e, consequentemente, evoluindo juntos. Eu gosto muito dessa ideia de trabalhar em equipe”.

Conhecida por Gab Tattoo, a tatuadora se destaca pelo estilo irreverente. Foto: cedida

Em relação a estilos, Gabriella não se limita, mas tem dois favoritos: o old school e o black work. “Pra mim são tatuagens que não têm erro. Tanto no quesito resultado quanto na aplicação, é muito satisfatório fazer”.

Ser mulher, para ela, também faz diferença na clientela. “Recebo muita tatuagem mais delicada, mesmo meu nicho não sendo focado nisso. Principalmente vindo de outras mulheres, em regiões mais íntimas. Acredito que, por eu ser mulher, elas se sentem mais confortáveis”.

Nesse meio, Gabriella conta que já passou por situações em que sua capacidade foi colocada em dúvida apenas por ser mulher. “Eu já passei por situações desagradáveis, como não ter voz dentro de um estúdio, duvidarem da minha capacidade sem conhecerem meu trabalho… Mas nunca deixei isso me abalar. Felizmente, o cenário da tatuagem tá mudando. Cada dia que passa vãoai surgindo mais mulheres tatuando por aqui. Eu fico feliz demais!”, resume a tatuadora.

Entre a tradição e a reinvenção

Thayla Isla (La Isla Tattoo) tinha 22 anos quando tatuou a própria pele pela primeira vez. Foi em 2021, experiência que abriu um caminho inesperado. “Desde sempre eu tive gosto por desenhar e pintar. Era um momento pessoal, no qual eu me ocupava e me encontrava. Em 2021, fiz minha primeira tatuagem e, a partir dali, passei a conhecer mais profundamente essa arte e a desenvolver uma paixão por esse universo”.

Isla atua em estúdio próprio, com clientela diversificada. Foto: cedida

O empurrão veio do colega Lean Costa, artista plástico e tatuador, que se tornou também mentor. “Ele me inspirou, me orientou e me deu todo o suporte necessário para seguir nessa caminhada que hoje é a minha vida”.

Autodidata, Isla se consolidou no old school e no tradicional americano, além de se destacar com flash tattoos em eventos. “Meu público hoje é bastante variado: atendo desde jovens até pessoas mais velhas, tanto homens quanto mulheres. Muitos clientes já chegam com o desenho pronto, mas sempre ofereço minha opinião profissional para sugerir ajustes ou melhorias desde que o cliente esteja de acordo”.

A tatuadora é especialista em old school e tradicional americano. Foto: cedida

Assim como Ana e Gabriella, também começou de forma improvisada. “As primeiras tatuagens foram feitas na casa de amigos, onde eu adaptava o espaço para trabalhar. Aos poucos, fui reunindo recursos para comprar os móveis e montar meu próprio estúdio”.

No mercado local, Isla afirma ter encontrado acolhimento. “No ramo da tatuagem no Acre, acredito que o espaço é aberto para todos. Eu, particularmente, nunca enfrentei rejeição ou cancelamento por ser mulher, pelo contrário, sempre recebi incentivo dos colegas e também muita procura de outras mulheres”, explica.

Um espaço que não para de crescer

Apesar das diferenças de trajetórias, as três tatuadoras compartilham pontos em comum. Todas vieram do desenho, todas aprenderam de forma autodidata e todas enfrentaram o desafio de conquistar credibilidade em um mercado majoritariamente masculino. Entre elas, há uma certeza: o número de mulheres tatuando está crescendo. No Acre, os estúdios de tatuagem não são mais apenas território masculino. 

Na experiência delas, muitas clientes relatam que se sentem mais à vontade ao tatuar com mulheres, sobretudo em sessões que exigem expor partes do corpo. Mas o crescimento dessa procura não se explica apenas pelo conforto e acolhimento: ele também reflete a qualidade do trabalho de Ana, Gabriella, Isla, e tantas outras tatuadoras que consolidaram estilos próprios e conquistaram reconhecimento por meio de técnica e experiência.

No fim, quem procura uma tatuagem possui diferentes motivações. Há quem busque a estética, um desenho que harmonize com o corpo. Outros enxergam mais significado: homenagens, lembranças, momentos especiais. E há também quem veja na tatuagem uma forma de expressão, identidade ou simplesmente de eternizar na pele aquilo que lhe representa. Seja qual for a razão, cada tatuagem é única – assim como as histórias de quem as faz e de quem as recebe.

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