Espaço político e social estão sendo retomados pelos indígenas
Por Emilly Souza
No Acre, os festivais, museus, artesanato, músicas e artes indígenas estão em alta. O etnoturismo tem recebido cada vez mais atenção e adeptos a uma imersão na floresta. O Festival Atsa Puyanawa e o Festival Yawa recebem todos os anos centenas de pessoas em busca de uma imersão na floresta, a procura de cura e respostas espirituais. Foi realizado também o I Fórum Indígena sobre Mudanças Climáticas e Serviços Ambientais do Estado e a criação da Secretaria Extraordinária dos Povos Indígenas.
Durante o Fórum Indígena, uma Carta de Intenções foi escrita coletivamente com propostas e reivindicações formuladas pelas lideranças de diversas terras indígenas e etnias do Acre. Visando promover políticas públicas, ações de programas e projetos voltados para os povos indígenas do Acre.
Preservar e resgatar a cultura, as tradições e os costumes dos povos originários reforça o quão rico culturalmente é o Brasil, e mais especificamente o Acre. O estado inserido no bioma amazônico é composto por 15 etnias conhecidas e outras três não contactadas, além de 37 Terras Indígenas (TI).
O apoio político é ainda um dos grandes responsáveis pelo fortalecimento da cultura indígena, mas também pelo negligenciamento de políticas públicas destinadas a esta população. É inquestionável reconhecer a influência indígena na formação do Brasil. Sendo eles os primeiros habitantes das terras brasileiras.
Pintura indígena Kene Kuin. Foto: Diego Gurgel
O assessor de Relações Institucionais e Articulação Interfederativa da Secretaria de Saúde Indígena (Sesai), Vanderson Brito Huni Kui, relata que esse apagamento da cultura indígena se deu por muitos anos, mas atualmente o cenário é outro.
“Vivemos em um período de fortalecimento e reconhecimento da cultura indígena, pois ela sempre existiu. O ocidente se negava a reconhecer os conhecimentos tradicionais. Durante muito tempo esse apagamento causava medo, os indígenas tinham medo de se autodeclarar”, explicou Vanderson Brito Huni Kui.
Segundo a pesquisa realizada pela Revista Espaço Ameríndio, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs), pelos pesquisadores Dra. Giovana Goretti Almeida, do Centro de Investigação, Desenvolvimento e Inovação em Turismo de Portugal, e o Dr. Edson Modesto de Araujo Junior, da Universidade Federal de Rondônia (UNIR), diz que “As estratégias de apropriação territorial em terras indígenas foram ampliadas, dando indícios da existência de um processo de apagamento da identidade territorial dos índios na América Latina […]. Isso ocorre porque quando se apaga ou se está no processo de apagamento de uma identidade territorial, tem-se relações de dominador e dominado, gerando conflitos territoriais, simbólico-culturais e, neste caso, também ambientais”.
Nesse contexto, podemos observar as lutas diárias cravadas pelos indígenas, pelos seus territórios e pelo seu povo. As conquistas já podem ser observadas, como as cotas raciais em universidades, políticas públicas para a saúde indígena e espaço na gestão política.
“No cenário atual nos colocamos como protagonistas das ciências, da arte, da política, porque sempre fomos uma organização social muito forte. Agora nos projetamos para fora das terras indígenas para levar recursos para dentro [das aldeias]. Atualmente conquistamos um pouco do que vínhamos lutando há anos”, enfatizou Vanderson Huni Kui.
Artesanato indígena Huni kui. Foto: José Caminha
“Hoje vemos o tamanho da proporção e do espaço que os povos indígenas ganharam no Acre. O artesanato, a tecelagem, a música, a cerâmica e as curas são muito fortes. Num contexto urbano podemos identificar que os espaços culturais têm cada vez mais a cara do povo indígena, sendo valorizados principalmente financeiramente com a venda dos seus produtos. Os festivais são grandes, recebemos gente do país e de fora do país, este ano é o ano dos festivais indígenas”, disse a secretária extraordinária dos Povos Indígenas, Francisca Arara.
O apoio político e social são a principal fonte para a ascensão da cultura indígena no Acre. Os espaços físicos dedicados ao artesanato, apresentações musicais, entre outros, são uma garantia para o fortalecimento cultural e econômico para os povos indígenas.
Ao manter viva a culinária típica do Acre, cozinheiro conquista turistas e moradores com sua famosa rabada no tucupi.
No Mercado do Bosque, um prato típico do Acre ganhou status de tradição: a rabada. Preparada há mais de três décadas por Antônio Felinto Alves,, eleviu seu nome atrelado à rabada, além de ser também o Toinho do Tacacá.
A iguaria se tornou referência gastronômica para acreanos e turistas. Seu Antônio iniciou sua trajetória aprendendo com Dora, uma cozinheira tradicional também muito conhecida pelos acreanos. Com o tempo, decidiu seguir carreira solo e consolidar seu próprio negócio. Hoje, acumula 35 anos de experiência e 18 certificados na área gastronômica.
“Quanto mais a gente se aprofunda nos temperos, no jeito de preparar, melhor fica. O segredo da rabada perfeita é cozinhar com carinho e amor, não apenas vender por vender”, afirma. Mesmo com décadas de tradição, Toinho também se adaptou às modernidades. O iFood tornou-se parte fundamental do negócio. “Nos tempos de friagem, chegamos a 90 ou 100 pedidos por dia. Nosso ponto forte é no aplicativo”, explica.
A fama atravessa fronteiras. Segundo ele, os turistas que chegam ao Acre procuram diretamente por seus pratos. “O pessoal, quando vem aqui, me fala que vai levar rabada para Brasília, Goiânia, Santa Catarina. Nosso sabor viaja junto com eles”, relata com orgulho.
Para o comerciante, o segredo do sucesso é manter a fé e a dedicação:“Quando o pessoal diz que está ruim, eu não concordo. Se você tem saúde e acorda enxergando, já é motivo para agradecer a Deus. O resto a gente corre atrás.”
A dor em palavra: Gabe Alódio prepara “A Casa de Vidro”
Após a estreia visceral com Fogo em Minha Pele, autora acreana lança novo romance que mistura silêncio, fragilidade e arquitetura emocional. Foto: Rafaela Rodrigues
O segundo livro de um autor, na maioria dos casos, revela muito mais do que o primeiro.
Se a estreia é a urgência de se apresentar ao mundo, a obra seguinte já nasce sob a consciência de que o público, e a própria autora, esperam algo. É nesse momento que Gabe L. Alódio, escritora acreana de 29 anos, se encontra com “A Casa de Vidro”, romance que será lançado em setembro e lançado em Rio Branco no dia 16 de outubro, às 19h, no Cine Teatro Recreio.
O título não é literal. Trata-se de uma metáfora clara, assumida pela autora, para a fragilidade e a exposição do ego. A casa é moderna, cercada por vidro, mas cada detalhe arquitetônico foi mentalmente desenhado antes da primeira frase. Ela descreve: “Sei onde a luz atravessa os cômodos, onde a vista se abre e onde qualquer pedra provocaria a primeira rachadura. Vejo a Casa de Vidro como uma metáfora para a própria escrita, transparente na linguagem, mas vulnerável na exposição dos temas abordados”.
Da intensidade ao silêncio
Em Fogo em Minha Pele (2024), livro de estreia, Gabe apresentou uma poesia narrativa marcada pela intensidade física e emocional, algo que remete à lírica confessional e a um certo intimismo da tradição modernista.
Já em A Casa de Vidro, essa energia se desloca para o silêncio e para a construção de atmosfera. A autora se aproxima de estratégias de escritores como Marguerite Duras ou Joan Didion, que sabem que a ausência pode ser mais expressiva que a presença.
A protagonista, Sophia, vive isolada com o marido numa casa que funciona como personagem. A narrativa gira em torno da tensão entre manter e perder o controle. Como descreve a própria Gabe, é como equilibrar crises carregando uma bandeja cheia de xícaras empilhadas.
Publicado em 2024, Fogo em Minha Pele apresentou a escrita visceral e confessional de Gabe, marcada por desejo, corpo e memória. Foto: divulgação
Referências cruzadas
O material visual que a autora preparou para orientar a capa é revelador. A arquitetura modernista da Casa Samambaia, de Lota de Macedo Soares, convive com as aranhas de Louise Bourgeois, símbolos de criação e aprisionamento. Há também Maria Callas, figura que sintetiza glória e abandono, e a presença de Dionísio, que remete à ligação entre vinho, prazer e destruição. É uma curadoria imagética que mostra a amplitude de referências da autora, em diálogo com artes visuais, música e mitologia.
Entre o fogo e o vidro
Se o primeiro livro era fogo, ardente e direto, marcado por desejo e paixão, o segundo é vidro: calculado, transparente, mas pronto para quebrar e cortar fundo. Essa mudança revela maturidade narrativa, sem perder a visceralidade que caracteriza a autora.
O desafio agora será ver como A Casa de Vidro dialoga com o leitor. Como diz Gabe: ˜Escrever é fácil, viver é difícil”. Talvez este novo livro seja justamente um gesto de habitar esse difícil, transformando-o mais uma vez em palavra.
A cada segunda-feira, o campus da Universidade Federal do Acre (Ufac) vira palco para a Batalha da Ufac. Criada por um grupo de idealizadores da cena local, entre eles o estudante de Psicologia Davi Nogueira, a batalha é um espaço aberto para jovens expressarem suas histórias e críticas sociais por meio do rap.
O formato das batalhas de rap no Brasil surgiu no início dos anos 2000, inspirado por movimentos internacionais, e se consolidou em grandes centros como Rio de Janeiro e São Paulo.
Em Rio Branco, os eventos vem ganhando força desde a Batalha do Palácio, considerada a mais antiga da cidade, que era realizada às sextas-feiras na praça do Palácio Rio Branco.
Hoje o cenário local conta com eventos como a Batalha da Pista, do Santa Cruz e, principalmente, a Batalha da Ufac, que acontece no Teatro de Arena, conhecido como Coliseu, ao lado do Centro de Convivência.
Davi Nogueira destaca que o objetivo da batalha na universidade é democratizar o acesso à arte e trazer a comunidade para dentro do campus.
“Muita gente achava que não podia entrar aqui. O Coliseu da Ufac é o lugar ideal, com estrutura e visibilidade para um evento cultural”, explica.
Para os participantes, o evento é muito mais que uma disputa de rimas. Apache Shaft, MC que frequenta a batalha, conta que o encontro representa um espaço seguro para trocar experiências, fazer amizades e fortalecer a cultura local. “É meu abrigo nas segundas-feiras. Quanto mais rap, mais cultura, menos crime”, afirma.
Entre o público, o humorista e influenciador Rafael Barbosa valoriza o clima acolhedor da batalha e ressalta a necessidade de maior apoio para o evento crescer. “Aqui tem muita poesia e sentimento, mas faltam som adequado e divulgação do poder público”, sugere.
Momento em que os artistas fazem as batalhas. Foto: Felipe Salgado
Mais do que um show de talentos, a Batalha da Ufac é um importante instrumento de transformação social. Ao abrir as portas da universidade para a periferia, o evento reforça a ideia de que a cultura hip hop pode mudar vidas e fortalecer a autoestima de jovens, muitas vezes marginalizados.
Realizada de forma independente, a batalha conta com apoios voluntários e busca parceiros para ampliar sua estrutura. Na primeira edição, o evento lotou o Coliseu e conquistou mais de mil seguidores nas redes sociais antes mesmo de acontecer: um marco para o rap acreano.