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Retratos: Serviço Delivery mantém crescimento mesmo após abertura de comércio

‘’Atualmente temos 10 entregadores para dar conta da demanda com precisão e fazer com que o pedido chegue com rapidez na casa do cliente.’’ afirma Maraya. / Foto: Ana Michele

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Foto: Ana Michele.

Conforme pesquisa realizada pela Kantar, houve um rápido crescimento no uso do serviço de delivery no Brasil, saltando de 80% em 2020 para 89% em 2022. O Instituto Foodservice Brasil (IFB) indica que o setor de delivery apresenta um crescimento em torno de 7,5% no ano de 2023.

Ana Michele, Tiago Soares

No dia 30 de janeiro de 2020, a Organização Mundial da Saúde (OMS) declara Emergência de Saúde Pública de Importância Internacional devido ao surto do novo coronavírus, uma doença causada pelo coronavírus SARS-CoV-2. Levando em consideração esse fato e os primeiros três casos confirmados de COVID-19 no estado do Acre, em 17 de março de 2020, a Prefeita do Município de Rio Branco, Socorro Neri, decreta Situação de Emergência em Saúde na cidade. Para conter a propagação da doença, várias medidas são implementadas. Além das práticas individuais de higiene, uma das principais recomendações emitidas pela OMS foi o estabelecimento do distanciamento social. As pessoas passam a evitar o contato físico e quem podia, se manteve sem sair de casa, o que consequentemente levou ao fechamento de empresas.Maraya Keury Melo Muniz é uma das pessoas que experienciou os impactos que vieram com a pandemia. Ela não só acompanhou de perto as transformações, como superou as dificuldades e cresceu com a empresa em que trabalha. Hoje, aos 20 anos, é gerente de um estabelecimento do ramo alimentício. Maraya conta que antes da pandemia, trabalhavam com dois pontos: um presencial e outro que já atendia através do “Delivery”, serviço de entrega em domicílio, onde o cliente realiza seu pedido através do celular ou computador, pagando e recebendo o produto sem sair de casa. Eles tinham um salão com mesas, cadeiras, pratos e talheres. As pessoas saiam para jantar, se reuniam com amigos e família, mas repentinamente, precisaram abrir mãos desses momentos para manter a própria saúde e das pessoas que amavam. Em consequência, o estabelecimento precisou fechar as portas, ficando apenas no atendimento delivery, que já era usado, mas não na proporção atual. Uma pesquisa encomendada pela VR Benefícios e realizada pelo Instituto Locomotiva mostra que, no Brasil, o serviço de delivery aumentou de 49% antes da pandemia para 81% após as medidas restritivas. Maraya, na época, era atendente. Ela conta que no início enfrentaram desafios para conseguir atender e se adaptar ao grande número de entregas que foram surgindo. ‘’ Não esperávamos que a quantidade de pedidos fosse aumentar de forma tão rápida.’’ relata. “É claro que a empresa busca sempre o melhor, mas não imaginávamos que cresceria tanto e de forma tão rápida. Foi como um ‘Boom’.’’ relembra Maraya.Com a rápida expansão, vieram problemas inesperados, como a dificuldade em manter os prazos de entrega no início, chegando ao ponto em que, em algumas ocasiões, não conseguir realizar as entregas a tempo. Maraya recorda de uma situação particular em que ficou claro que a capacidade de atender a todos os bairros de Rio Branco, mesmo em uma cidade não tão extensa, era uma tarefa difícil. “Foi nesse momento que optamos por limitar as entregas para determinados bairros, para podermos atender aos nossos clientes com rapidez e eficiência.’’Além de alterar as estratégias de atendimento e de entregas, foi preciso adotar medidas de higiene para garantir a segurança dos funcionários, entregadores e clientes. ‘’Foi exigido o uso de máscara para todos na cozinha, por mais que não tivessem em contato direto com os clientes.’’ O mesmo cuidado se aplicava aos entregadores. ‘’Mesmo com o capacete precisavam estar de máscara’’, relata Maraya. Além da máscara, o uso de álcool em gel era indispensável, assim como o hábito de sempre higienizar os alimentos após chegar do mercado. Outra mudança foi em relação ao pagamento. ‘’Ao invés do dinheiro, preferíamos sempre o pix ou pagamento por aproximação.’’ conta. Ela relata ainda que o atendimento começou sendo feito pelo WhatsApp. Mas para promover o serviço de entrega, optaram por utilizar outros meios, como o ‘Ifood’, uma empresa que atua no serviço de delivery de alimentos por meio de um aplicativo. “Também temos um sistema que tira pedidos online.’’ Essa forma de atendimento ajudou a alcançar e manter mais clientes, pois facilita o processo de pedidos, pagamento e acompanhamento das entregas. ‘’Temos um link onde o cliente realiza seu próprio pedido, coloca o endereço e forma de pagamento, e em seguida o pedido vai direto para a cozinha.’’ explica Maraya. Além de alterar a dinâmica de atendimento e investir na qualidade dos produtos, foi necessário também modificar a logística das rotas de entregas. ‘’Atualmente temos 10 entregadores para dar conta da demanda com precisão e fazer com que o pedido chegue com rapidez na casa do cliente.’’ afirma Maraya.

Entre Desafios e Entregas: A Jornada dos Motoboys na Pandemia

“Motoboy”, profissão que utiliza uma motocicleta para fazer entregas.”/Foto: Ana Michele

Elissandro Matos do Nascimento, assim como mais de 13 milhões de brasileiros em 2020, estava desempregado. No caso dele foi por opção. Decidiu sair do seu emprego como atendente. Foi tentar uma vaga como “motoboy”, profissão que utiliza uma motocicleta para fazer entregas.  Ao mesmo tempo que precisou se adaptar à nova ocupação, precisou se adaptar à nova rotina da pandemia e as exigências que surgiram com ela. Sua preocupação não era só entregar os pedidos no prazo, mas fazer isso de maneira segura para todos. E para garantir sua segurança e a dos clientes, passou a usar máscara constantemente, assim como álcool em gel. Com o distanciamento social imposto, ele precisou ter muito cuidado ao realizar as entregas. “Chegou um tempo em que tivemos até que usar luvas porque os clientes não queriam contato físico com a gente.” relata. Nos condomínios, que antes era preciso subir escadas para entregar na porta dos clientes, a entrada já não era mais permitida e as entregas eram feitas na portaria, medida tomada para minimizar o contato. ‘’Tinha clientes que nem abriam a porta para a gente. Tinha uma mesinha do lado de fora onde eu deixava o pedido”, conta. Essa nova dinâmica também se estendeu ao pagamento, a fim de evitar a troca direta de dinheiro. “Às vezes o dinheiro já estava em um saquinho amarrado”, explica.

 Além disso, outra dificuldade enfrentada por ele foi o aumento inesperado da demanda. Com o fechamento de estabelecimentos que antes atendiam presencialmente, o distanciamento social e a crescente preocupação com a saúde, as pessoas voltaram-se mais para as entregas em casa. “Quando comecei, fazíamos cerca de 50 a 60 entregas por dia, mas de repente, tudo mudou”, relata Elissandro. “A quantidade de pedidos aumentou de forma rápida, e passamos a fazer de 100 a 150 entregas em um dia.’’ Essa mudança repentina trouxe um desafio adicional à sua rotina já adaptada, exigindo agilidade e organização para cumprir todas as entregas com excelência.

Hoje, aos 34 anos, “Sandro”, como é chamado por seus colegas, superou esse momento desafiador e continua na mesma profissão. Há alguns dias mais estressantes que outros, dois ou mais clientes que não atendem a ligação ou demoram para pegar o pedido, mas apesar disso, ama o que faz. Uma pesquisa de Harvard realizada desde 1983, estudou mais de 700 profissões e estabeleceu as sete que mais causam insatisfação nos trabalhadores. Entregador está em primeiro lugar. Sandro não concorda. Essa pesquisa relaciona a infelicidade ao trabalho solitário. Porém, o que chamam de solidão, ele chama de liberdade. “Trabalho de motoboy é bom porque não tem ninguém no teu pé direto, falando o que tem que fazer.” afirma.

Mudanças de comportamento perduram

Mesmo com a reabertura dos estabelecimentos físicos, o delivery de alimentos continua sendo bastante usado. Conforme pesquisa realizada pela Kantar, empresa de consultoria da Inglaterra, houve um rápido crescimento no uso do serviço de delivery no Brasil, saltando de 80% em 2020 para 89% em 2022. O Instituto Foodservice Brasil (IFB) o que o setor de delivery apresenta um crescimento em torno de 7,5% no ano de 2023.

Ainda segundo a Kantar, além do hábito, essa mudança foi impulsionada pela busca por conveniência, sabor e prazer no consumo de refeições. Ela analisou que 70% dos brasileiros compram por conveniência e 55% dos que têm maior poder aquisitivo decidem experimentar novos pratos. Em uma análise mundial, ela determinou que as principais razões de realizarem compras de comida pelo delivery é por não ter que cozinhar em casa (25%) ou por preferir realizar suas refeições na comodidade do lar (15%). Após as restrições e o isolamento social, o delivery se tornou não apenas uma alternativa, mas uma escolha frequentemente preferida.

Para a pesquisadora Luci Praun, da Universidade Federal do Acre (UFAC), a pandemia favoreceu uma experimentação maior por parte das empresas, permitindo que elas testassem novas tecnologias, mercados e públicos. 

Dessa forma foi possível atingir consumidores que antes tinham uma resistência maior em relação à tecnologia, como as gerações mais velhas que por conta da pandemia e do isolamento social tiveram que fazer usos desses aparelhos cotidianamente, criando assim, novos hábitos sociais.

Cyber socialização e mudança de hábitos 

Ao tentarmos entender como a pandemia favoreceu o serviço de delivery através da mudança de costumes sociais, recorremos à professora Ana Letícia de Fiori da UFAC, pesquisadora do Laboratório do Núcleo de Antropologia Urbana (LabNAU) da USP.

Perguntamos a ela se a pandemia não potencializou, de alguma forma, o vínculo entre cibercultura e indivíduo pós-moderno, gerando alterações na forma de sociabilidade desse sujeito, ou a aceitação de práticas que antes não eram. 

Como exemplo temos a tentativa de substituir os livros didáticos por digitais, através da retirada do estado de São Paulo do PNDL (Programa Nacional de Livros Didáticos) em uma tentativa de aprofundamento de conteúdo.

A Prof. Fiori lembra que a virtualização de formas de sociabilidade, através da internet e das redes sociais gera o hábito de “estarmos em contato constante, e a acreditar que devemos estar. Temos dificuldade hoje de não consultar as redes sociais a cada instante, o que tem impacto nas nossas interações e em nossos lazeres.”

Jovens vão ao cinema e não conseguem ficar toda a sessão sem mexer no celular. O senso comum descreve isso como excesso de informação, mas na verdade de fato é excesso de estímulos.

Essas mudanças na sociabilidade criam uma geração mais caseira   mais adaptada a permanecer em casa, desde que haja um aparelho conectado à internet, a pandemia favoreceu esses costumes, complementa a Professora. 

É o que demonstra o relatório Covitel 2023, segundo ele os mais jovens, a geração Z, está bebendo menos álcool e voltando para casa antes da meia noite, se comparado aos millennials (pessoas que nasceram entre 1981 e 1985).

O setor de alimentação soube aproveitar essas mudanças através de aplicativos ou redes sociais, para não falir. O que antes era questão de sobrevivência através do empreendedorismo torna-se inovação e oportunidade e por que não, hábito social.      

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Mulheres jornalistas superam dificuldades e levantam questões importantes para a sociedade

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Um estudo realizado pela Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) mostrou que em 2021 49% das mulheres jornalistas sofreram ataques de gênero sendo desqualificadas com ofensas e xingamentos. No meio digital, o número sobe para 56,76%. Em uma área historicamente dominada por vozes masculinas, apesar das dificuldades as mulheres estão se destacando cada vez em maior número e trazendo à luz temáticas importantes para a sociedade.

Juliana Lofêgo, professora do curso de Jornalismo da Universidade Federal do Acre, diz que a presença das mulheres está influenciando na cobertura de questões sociais, culturais e políticas. Para Lofêgo, elas têm desempenhado um papel significativo em destacar questões de violência contra mulheres e assédio, garantindo que essas problemáticas não sejam esquecidas ou minimizadas pela mídia. “Com o avanço do movimento feminista e as mudanças sociais, as mulheres jornalistas têm sido influenciadas a trazer à tona essas questões, mesmo que isso não tenha sido comum no início de suas carreiras”, complementa.

Consuela Araújo é jornalista formada pela Ufac e atua na área de assessoria de imprensa, ela relata que como jornalista mulher enfrentou estereótipos de gênero e discriminação ao longo da carreira, principalmente fora do jornalismo. Já no telejornalismo, outro campo onde atuou,  diz ter sido bem acolhida por colegas e pela comunidade, entretanto considera que a busca pela igualdade de oportunidades continua sendo uma luta constante. Araújo aconselha as futuras profissionais a buscarem aprimoramento, construir uma rede de contatos sólida e manter a paixão pela verdade e pela narrativa honesta. “Acreditar na importância do jornalismo local é essencial para contribuir significativamente para a sociedade acreana”, afirma. 

Servidora concursada do Estado, a jornalista Andreia Nobre relata que um grande desafio que enfrentou na carreira profissional foi quando se tornou mãe, pois teve que conciliar a maternidade e o trabalho. Ela acredita que esse seja um desafio para as mulheres em qualquer carreira e também para as que trabalham no setor privado.

Apesar das contribuições significativas das mulheres para abordar agendas importantes a serem discutidas na sociedade, a desconfiança em relação a sua capacidade profissional ainda é uma realidade. Ana Paula Melo, estudante do terceiro período do curso de Jornalismo, trabalha como estagiária no jornal Cidade Alerta, ela diz que percebeu que há um preconceito dentro da universidade pelo fato de ser uma mulher estudante de Jornalismo.

“Já vi algumas pessoas torcerem a cara num tom de desconfiança quando falo que faço Jornalismo. Alguns já dizem que somos compradas, e, às vezes, por ser mulher, dizem que ao invés de buscar informações, buscamos fofoca. Em rodinha de amigos, embora ainda seja estagiária, já fui questionada se algum político me paga para fazer matéria sobre ele. Será se eu não tenho capacidade para escrever sobre política? São reflexões que sempre me questiono, afinal, ser mulher é ter a sua capacidade sempre questionada”. Ela acredita que o maior desafio é alcançar credibilidade equivalente a dos homens e enfatiza a importância de inserir mais mulheres em posições de liderança nos veículos de comunicação. 

Texto produzido pelos acadêmicos Ana Caroline Santiago, Adriely Gurgel, Maria Eduarda Melo, Rian Pablo de Oliveira e Júlia Andrade. A produção faz parte da disciplina Fundamentos do Jornalismo.

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Integração dos povos originários na mídia é instrumento de luta e resistência

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Formação para juventude dos povos originários acreanos em projeto da Ufac alia luta por direitos com visibilidade na mídia 

Por Sarah Helena e Tácila Matos

A maior parte das narrativas que circulam hoje sobre a história dos povos originários é contada ainda através do ponto de vista colonizador, ou seja, não partem do olhar indígena. Desta forma, estereótipos e violências são passadas à frente, sem que uma reflexão seja feita.

Em contraponto, a comunicação indígena vem se fortalecendo cada vez mais nos últimos anos, dentro de mídias como a rádio, cinema, internet, redes sociais e imprensa, a fim de transformar essa realidade. 

O acreano Tarisson Nawa, pertencente ao povo Nawa, do Vale do Juruá, jornalista da Defensoria Pública da União e doutorando em Antropologia Social, pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), diz que apenas com a Constituição Federal de 1988 o estado passa a reconhecer as formas de governo indígena e, a partir daí, surgem várias organizações representando seus povos.

Com o nascimento e estruturação dessas organizações, bem como o maior acesso a tecnologias digitais a partir dos anos 2000, o jornalista diz que a comunicação se tornou uma área chave de atuação dos povos para reconhecimento de direitos.“E aí você vai ter alguns setores de comunicação sendo formados dentro dessas organizações indígenas para fortalecer e amplificar as vozes dos povos indígenas pelos próprios povos indígenas” acrescenta.

Ele também afirma que a inclusão no sistema de cotas foi fundamental para a entrada dos povos originários no ensino superior e a comunicação se beneficiou com isso. Mas ainda é pouco, visto que existem, segundo ele, apenas cerca de 30 indígenas jornalistas formados no Brasil inteiro. 

Como indígena jornalista, Nawa expressa seu desejo de que os povos originários deixem de ser apenas personagens das notícias e passem a ser os autores e fontes especializadas nas mais diversas áreas de profissão e que a partir dessa presença, as representações negativas na mídia se transformem em positivas. “O que a gente vê hoje, é uma atuação muito forte dos comunicadores indígenas para tentar superar essa deficiência na comunicação enfrentada pelos povos indígenas do ponto de vista profissional técnico”, diz.

“A comunicação indígena ganhou o mundo”

Rasu Inu Bake Huni Kui, professor e doutorando no Programa de Pós-graduação em Linguagem Identidade (PPGLI), acrescenta que “começou lá com os jesuítas, depois veio os antropólogos, missionários, sociólogos e várias outros pesquisadores, e entraram nas comunidades e começaram a escrever sobre os povos indígenas. Nessa época poucos indígenas falavam o português (…) E o pesquisador acabava entendendo do jeito dele”.

Apesar do contexto histórico de invisibilidade e estereotipação dos povos nativos nas mídias tradicionais, os comunicadores já reconhecem os avanços por eles alcançados e o início de uma mudança maior neste cenário.

Os alunos do projeto de extensão da Ufac, Comunicadores Indígenas, mantêm uma visão otimista da trajetória dos direitos e integração na mídia. Morador da Terra indígena Nukini, no município de Mâncio Lima, Unhepa Nukini afirma que “é necessário reconhecer que a comunicação indígena ganhou o mundo. Se você reparar, o Instagram, Facebook, tudo tem indígena trabalhando na comunicação”. Samsara Nukini concorda: “hoje o que eu vejo é que nós somos uma potência mesmo, nós todos, não só os povos indígenas, mas quem protege a Floresta Amazônica, quem é em prol desse grande verde do nosso Brasil”. 

A coordenadora do projeto, professora Juliana Lofego, do Curso de Jornalismo da Universidade Federal do Acre (Ufac), pontua a centralidade do projeto: “Os indígenas são pouco representados na mídia tradicional, então, é um fortalecimento para a visibilidade fazerem comunicação a partir das vozes deles. Para terem essa consciência de que a voz deles é importante e que eles podem fazer a própria mídia”.   

O projeto propõe uma série de atividades formativas no âmbito da comunicação digital, a fim de fortalecer a juventude indígena, mais inclinada e ligada às tecnologias, para que possam usar diferentes plataformas como apoio nas lutas por direitos. 

Formação de Comunicadores Indígenas no Acre

Nos últimos anos a Comissão Pró-Indígena do Acre (CPI-Acre) tomou a iniciativa de fortalecer o cenário da comunicação indígena no estado. O projeto Curso Comunicadores Indígenas teve início em 2021, com idealização de Vera Olinda e Leilane Marinho, respectivamente, coordenadora e assessora de imprensa da CPI-Acre, e da professora Juliana Lofego, que oficializou o projeto de extensão na Ufac em 2022. 

As atividades começaram em dezembro de 2021, em meio a pandemia, com aulas básicas de noções da comunicação. A cada ano, o projeto adicionava novas oficinas, para desenvolver habilidades de redes sociais, fotografia, edição de vídeos, etc

A 4ª Oficina de Comunicadores Indígenas (2023) contou com a participação de 13 indígenas dos povos Manchineri, Huni Kuĩ, Yawanawá, Nukini e Puyanawa, das Terras Indígenas: Rio Gregório, Mamoadate, Kaxinawá do Alto Rio Jordão, Poyanawa, Nukini e Kaxinawá da Praia do Carapanã e contou com a colaboração da produtora paraense Na Cuia na assessoria às redes sociais.

A última edição, realizada em setembro de 2023, teve como objetivo a montagem de dois produtos: o Podcast Vozes da Floresta e a criação da Rede de Comunicadores Indígenas do Acre. O primeiro, com narração e trilha sonora feitas pelos próprios alunos, está disponível no Spotify e a Rede teve definição de diretrizes e confecção de perfil nas redes sociais disponibilizado na plataforma Instagram (links ao final). Além disso, também promoveu a mostra de audiovisuais indígenas do Acre, o “Cinedebate: vozes da floresta”, no bloco de Jornalismo da Ufac. 

Uhnepa Nukini foi um dos primeiros a participar do projeto, desde o ano de 2021, hoje ele já auxilia os mais novos, enquanto continua no desenvolvimento das ferramentas de comunicação. Ele fala que alguns, no início, eram tímidos, mas ao longo do tempo isso mudou. “A gente foi trabalhando isso (a timidez) aos poucos e os meninos tão se soltando, a gente vê isso, cada dia evoluindo mais dentro deles. E eles tão querendo trabalhar com comunicação, isso é bonito (…). A gente vê isso nas apresentações, no andamento dos trabalhos, no esforço de sair de territórios, que gasta quase dois dias pra chegar num município e depois pegar carro, avião, pra chegar em Rio Branco, deixando famílias lá”. 

Alunos participando da Oficina na Comissão Pró-Indígena do Acre. Foto: Sarah Helena

CPI- Acre também tem papel de estimular jovens indígenas nas lutas políticas

A jovem comunicadora, Samsara Nukini, da Aldeia Panã, Terra Indígena Nukini, chegou à CPI-Acre em maio de 2023. Além dos ensinamentos sobre comunicação e tecnologia, ela relata que somente após ingressar é que tomou conhecimento de questões políticas importantes como a tese do Marco Temporal, ação que tramitou no Congresso Nacional e no Supremo Tribunal Federal (STF) e que diz respeito às condições para demarcação de territórios indígenas. A partir disso, Samsara Nukini viu a importância das manifestações também pelas redes sociais, já que nem todos poderiam reivindicar os direitos presencialmente em Brasília. 

O projeto está se expandindo para além do planejado. “A gente volta pro território, leva as informações, e vai lá e trabalha. Hoje tem a possibilidade de criar coletivos, hoje já tem o coletivo da aldeia da Messiany, que é Huni Kuin, ela tem o coletivo das mulheres e partiu desse projeto da comunicação. Hoje, dentro do território Nukini, a gente tá dando andamento na criação do projeto de comunicação da Saga Produção Território. É um grupo que a gente tá fazendo de juventude, são 16 participantes. Hoje é metade homem, metade mulher […]”, conta o aluno Uhnepa Nikini. 

Projeto proporciona troca de conhecimentos entre indígenas e não indígenas, “É um momento de sair da nossa bolha”, diz colaboradora do projeto

A estudante do curso de Jornalismo da Ufac e colaboradora do projeto, Ludymila Maia, afirma que sua experiência com os comunicadores indígenas lhe proporcionou esclarecimento, possibilitando que enxergasse outras realidades: “é um momento de sair da nossa bolha”. 

Ela reforça o quanto a rotina de trabalho e estudos na cidade nos prende a nossa própria narrativa e impede de olhar além, de enxergar as dores e causas daqueles que vivem uma realidade diferente. Além disso, ainda critica a sociedade, que tende a “olhar com maus olhos uma coisa que eles nem entendem”. 

Sobre isso, a professora Lofego afirma  sempre ter cuidado com a escuta, de tentar entender quais são as demandas e as experiências dos diferentes povos, para enfim, trazer um conteúdo para ser aplicado nas atividades do projeto. 

Nesta questão, ela tem como inspiração a CPI-Acre, já com 40 anos de experiência na educação indígena, com formação de professores e agentes agroflorestais, bem como no trabalho chamado de “experiência de autoria”, incentiva publicações didáticas, pesquisas, relatórios e audiovisuais indígenas, com valorização da línguas maternas.  

Cine-debate com o antropólogo Terri Aquino e a turma dos comunicadores indígenas. Foto: Ila Verus

O conjunto das oficinas de comunicação apresentou aos jovens indígenas participantes outras formas de resistir, de lutar e fazer incidência política, mostrando ao mundo sua cultura, suas causas e o cotidiano de seus territórios, através da internet, redes sociais e mídias digitais. 

Além disso, também apresentou aos bolsistas, colaboradores e professores, novas perspectivas e oportunidades de expandir seus horizontes e também aprender com seus alunos. Como disse a professora Juliana Lofego: “ é um aprendizado pra gente também, de entender que eles vêem uma comunicação muito mais conectada com a natureza, e que a gente, enquanto cidadão urbano, se descolou disso”. 

A jovem comunicadora Samsara Nukini reflete sobre a importância do projeto, “pra mim foi ajudar a proteger o meu território, ajudar como liderança, como usar a tecnologia, como usar um aparelho celular, como usar redes sociais em prol do meu território, em prol da ajuda dos povos indígenas.” 

Foto: Ila Verus

Redes Sociais indígenas

Rede de Comunicadores Indígenas do Acre- @comunicadoresindigenasdoac Comissão Pró-Indígenas do Acre- @proindigenasacre 

Coletivo dos Estudantes Indígenas da Ufac- @ceiufac 

Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira- @coiabamazonia

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“Pacto Brutal” e o efeito da mídia em casos de intolerância religiosa

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Documentário relembra crime dos anos 90 pautado em preconceito ao considerar a religião dos acusados fator motivador

Por Gabrielly Martins

No cenário midiático, é possível observar como a forma de veicular notícias pode impulsionar pautas imprudentes e agravar crimes de intolerância religiosa. Uma análise crítica dessas ocorrências podem ser visualizadas no documentário “Pacto Brutal – O Assassinato de Daniella Perez”, lançado em 2022, que além de evidenciar uma tragédia pessoal, expõe o papel da mídia na reprodução deste problema.

A cobertura em cima do caso, sensacionalista, distorce os fatos ao apontar a religião de matriz africana do casal de assassinos como fator motivador. Ao destacar estereótipos e simplificar discursos, a mídia contribui para a criação de um ambiente agressivo à comunidade praticante de religiões afrodescendentes. 

O documentário é assertivo ao convidar para as entrevistas a estudiosa em religiões Rose Rodrigues, para falar sobre essas crenças, ritualísticas e a não ligação das religiões de matriz africana com o crime cometido. Ela reitera que estimular esse olhar de preconceito para o crime é, acima de tudo, tirar a responsabilidade dos autores e depositá-las na fé do outro. 

Rose Rodrigues, estudiosa em religiões, foi convidada ao documentário “Pacto Brutal – O Assassinato de Daniella Perez”. /Imagem: HBO MAX

 Preconceito e desrespeito

As manchetes do  mês dedicado à luta contra o crime de racismo e à valorização da história do povo negro, em novembro de 2023, foram marcadas por uma significativa incidência de casos de intolerância religiosa. Pedrinho, jogador do Atlético-MG e adepto do Candomblé, foi alvo de desrespeito e preconceito em comentários nas redes sociais, após uma derrota do time. A insatisfação com o resultado da partida pareceu motivar o comportamento criminoso. 

Para Laiela Santos, escritora e militante do Movimento Feminista Negro, em matéria para o site Cult, a demonização e a criminalização religiosa vem do que foi implantado na sociedade desde o período de escravização e exploração dos negros, o que gerou marginalização da cultura e fé do povo africano. O meio encontrado para sustentar esse manifesto sociocultural foi a anexação ao catolicismo, o que originou a Umbanda.

Segundo o IBGE, menos de 1% dos brasileiros praticam religiões como a Umbanda e o Candomblé, o que justifica o baixo conhecimento da população sobre essas crenças. Isso leva a um fato, o de que a população não busca informações sobre essas religiões, impedindo que a grande massa entenda os valores e costumes desses grupos, e que atos tão violentos quanto o que vitimou a atriz brasileira não condizem com a realidade.

O processo de catequização e evangelização estabelecido no Brasil pelos missionários europeus não destruiu as manifestações de resistência do povo afro-brasileiro, como os que levam a fé no Candomblé adiante desde a época da invasão dos portugueses. Isso mostra que o combate à intolerância não é uma característica particular do momento atual e reforça que a resistência deve se manter de forma primordial.

Para Cassia Iasmin Marinho, professora de História pela Universidade Federal do Acre (Ufac), pós-graduanda em Criminologia na Faculdade Venda Nova do Imigrante (Faveni) e integrante do Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros e Indígenas (Neabi/Ufac),  mesmo neste espaço de resistência e diversidade, o preconceito velado ainda é recorrente no imaginário religioso de grande parte da população. “Para algumas pessoas, é mais crível se apresentados elementos obscuros para explicar uma ação que apesar de hedionda, é humana”, explica a pesquisadora. 

A pesquisadora ainda complementa que a sociedade dos anos 90 não se diferencia tanto da atual quando se fala do preconceito contra religiões de matriz africana, e salienta que há uma absurda discriminação por serem consideradas “do demônio” por outros grupos religiósos, somente pela crença de que realizam sacrifícios e demais  inverdades. “Tudo isso está ancorado em um racismo estrutural, que crê não haver problemas em demonizar manifestações religiosas de matriz africana. Pelo contrário, acham ser o certo”, finaliza.

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