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Enfrentamento do Núcleo de Atividades de Altas Habilidades/Superdotação do Acre durante pandemia do Covid 19

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Por Gercineide Maia

Durante a pandemia do Covid 19 o Núcleo de Atividades de Altas Habilidades/Superdotação (NAAH/S) de Rio Branco-Acre se adapta para realizar o Atendimento Educacional Especializado (AEE) aos alunos da educação básica

O Núcleo de Atividades de Altas Habilidades/Superdotação do Acre (NAAS/H-AC), implementado em 2006 pelo Programa do Ministério de Educação (MEC), mesmo com o isolamento social provocado pela pandemia da Covid-19, se adapta à nova realidade e busca alternativas para realizar identificação e acompanhamento pedagógico aos alunos matriculados na educação básica.

De acordo com o Censo Escolar de 2020, há mais de 24 mil alunos matriculados com altas habilidades/superdotação na educação especial, um índice bem menor do que o estimado pela Organização Mundial de Saúde (OMS) que varia de 5% a 8% da população que poderia ser identificada, quando talentos são desperdiçados e/ou ignorados na sociedade.

Em entrevista, a técnica de enfermagem Elivânia Gonçalves, 45 anos, mãe do estudante Seillor Sanatiel, 10 anos de idade, identificado com superdotação, conta que seu filho desde pequeno já apresentava inteligência acima da média e quando procurou a Secretaria municipal de educação de Rio Branco-AC, não foi ouvida. “Na época, eu fiquei muito chateada porque eu quis me fazer ouvir, eu quis falar na escola, fui à secretaria e eles não deram atenção, disseram que iam mandar uma equipe e nunca mandaram”, declara.

Estudante Seillor Sanatiel, 10 anos de idade, em aulas remotas durante a pandemia

Gonçalves relata que poderia estar equivocada, mas sentiu muitas vezes que as pessoas não deram muita atenção pelo fato do menino ser filho de uma técnica de enfermagem pobre e negra, que pensava em saber   alguma coisa. “Eles achavam que era entusiasmo de mãe e não era, infelizmente as pessoas querem ver para crer, não pararam para me ouvir e constatar, a prova é tanto que eu queria muito que acontecesse o processo de aceleração dele na escola, mas não foi possível e só entreguei nas mãos de Deus”, relata a mãe.

“Em nenhum momento me conformei com o ocorrido e nem com a série em que meu filho foi matriculado, principalmente, quando ele começou a estudar o ensino fundamental, pois já era um autodidata, inclusive aprendeu a ler sozinho”, esclarece a técnica de enfermagem.

Segundo Gonçalves, em 2019 tudo começou a mudar quando conheceu o NAAS/H Acre, por indicação de uma professora. “Fomos bem recebidos e desde então começou o processo de investigação, um estudo que resultou em um parecer favorável em que meu filho tem superdotação”, revela com muita alegria.

Vinculado a Divisão da Educação Especial da Secretaria de Estado de Educação, Cultura e Esportes – (SEE/AC), o NAAH/S, localizado em Rio Branco-AC,  já identificou desde a sua implantação mais de 600 estudantes com altas habilidades/superdotação, no ano letivo de 2021, por exemplo, atendeu 136 estudantes, afirma Taís Galdino chefe do NAAH/S -AC.

De acordo com Taís Galdino, este núcleo tem por finalidade promover políticas de educação inclusiva e o atendimento às necessidades educacionais específicas dos alunos com altas habilidades e superdotação na educação básica do estado, sendo uma referência para a comunidade educacional e para todos os municípios, principalmente no que se refere ao serviço de Atendimento Educacional Especializado (AEE) para estes estudantes.

Para atender aos alunos com essas características, o NAAS/H-AC atualmente está organizado em sua sede própria com o Atendimento Educacional Especializado em interface com às escolas e conta com o trabalho de professores de áreas específicas como Matemática, Língua Portuguesa, Ciência da Natureza, Química, Música, Artes Visuais. Além desses profissionais, “o núcleo dispõe de docentes que integram a área pedagógica, de professores que realizam formação/capacitação, elaboram e analisam o material didático específico para atendimento e acompanhamento dos estudantes”, informa a chefe do NAAS/H-AC.

Na realidade, o NAAH/S Acre é o único setor de educação do Estado que realiza o serviço de AEE em contraturno do ensino regular específico para investigação/identificação e acompanhamento pedagógico de alunos com características de altas habilidades/superdotação (AH/SD), de forma multidisciplinar e especializada em salas de recurso multifuncional específico no atendimento dos estudantes com AH/SD no prédio do referido núcleo, sendo um trabalho em conjunto com as escolas e as famílias que encontram no NAAH/S um atendimento voltado diretamente para esses alunos público-alvo da educação especial,  assegura.

Desafios enfrentados

Tanto o ensino remoto quanto o ensino híbrido trazem grandes desafios para às escolas e para os núcleos de altas habilidades/superdotação.  “O trabalho nesse período de afastamento social se apresentou de forma desafiadora em muitos aspectos e refletiu em todas as áreas na equipe do NAAS/H-AC e, consequentemente, nos alunos e suas famílias, que precisaram adaptar-se à nova realidade”, declara Taís Galdino, chefe do núcleo.

Diante disso, a equipe do núcleo procurou amenizar os impactos do distanciamento social propondo novas estratégias de atendimento.  “Dentre essas estratégias, estão as oficinas de enriquecimento curricular de forma remota por área de interesse, o que estimulou mais a participação dos estudantes, bem como possibilitou realizar o agrupamento de estudantes por áreas afins, a troca de conhecimento e novas aprendizagens”, ressalta Galdino.

“Sob orientação da Secretaria de Estado de Educação, Cultura e Esportes (SEE), em meados de outubro de 2021, o NAAS/H passa também a realizar o   acompanhamento pedagógico de seus alunos forma híbrida”, explica.

 Segundo Jeane Machado, professora de elaboração e análise de material didático específico para o atendimento e acompanhamento dos alunos e apoio aos professores de AEE do NAAH/S, com a pandemia da covid 19, o núcleo de atividades teve que se adequar ao atendimento processo de identificação e avaliação com os alunos para esse novo formato.

“O ensino remoto é mantido para atender boa parte dos alunos que optou, por uma série de motivos, por esse atendimento através de plataformas digitais, que chega também aos municípios e o ensino no modelo híbrido que contempla uma outra parcela de alunos que são acompanhados diretamente no núcleo”, ressalta.

Marcia Helena Leão, professora do Atendimento Educacional Especializado para Altas Habilidades/Superdotação, disse que nesse período todos tiveram que adquirir novas competências para darem continuidade ao atendimento dos alunos.  “Não foi algo fácil, porém, hoje vemos a importância do atendimento, mesmo que remoto, aos nossos alunos com AH/SD”, acrescenta a professora.  

“Iniciamos com a adequação dos nossos instrumentos de triagem e avaliação, que foram transformados em material digital. Desde a indicação, matrícula e atendimento, passamos a utilizar plataformas digitais para comunicação e disponibilização dos conteúdos aos alunos”, exemplifica a professora Márcia Helena Leão.

Segundo a professora, os atendimentos individuais e em grupo são agendados com a família do aluno pelo whatsApp. “Os atendimentos em grupos de enriquecimento, por exemplo, foram ofertados por meio de oficinas de curiosidades que envolveram assuntos atuais e de interesse dos alunos. Nesses atendimentos foi possível perceber a criatividade, o envolvimento com a tarefa e habilidade acima da média dos estudantes em processo de identificação”, conclui.

O domínio dos conceitos trabalhados nos módulos e uso das tecnologias da informação e comunicação empregadas durante as oficinas de curiosidades pelas crianças durante a pandemia foi o que mais chamou a atenção da professora Geciane Martins.  “Os alunos trabalham com inovação, são muito observadores, questionadores, interagem bastante, são responsáveis, pontuais, capricham nas tarefas, querem mostrar o que produzem e ver o desenvolvimento deles me deixa muito feliz enquanto profissional”, declara a professora.

De acordo com a professora, “a pandemia ao passo que trouxe vários desafios também trouxe inovação e para o aluno que é autodidata foi muito benéfica, porque com o uso da tecnologia, eles voaram, se desenvolveram consideravelmente”.

Para Martins, é importante que os pais acompanhem o desenvolvimento de seus filhos para que eles se sintam seguros.  Durante esse processo, disse que criou um laço, um vínculo muito grande com a família de seus alunos.  “Consegui me conectar com os alunos com os pais e mães também e todos eles gostam muito de mim. Respeitando os protocolos, fui à casa deles deixar e buscar tarefas”, finaliza a professora.

Maiores dificuldades enfrentadas

A falta  de acesso aos recursos tecnológicos, da necessidade de domínio das ferramentas digitais por parte dos alunos, disponibilidade de alguns estudantes devido as atividades da escola regular; problemas familiares e de saúde, devido a esse momento, ineficiência e lentidão dos meios de comunicação (rede telefônica e internet), resistência e o desânimo de alguns alunos em receber o atendimento nesse período e realizar atividades práticas à distância, foram umas das dificuldades enfrentadas pelo NAAS/H-AC nesse período de pandemia, relata Taís Galdino, chefe do núcleo.

Para Taís Galdino, apesar de todos as dificuldades, o núcleo buscou alternativas para a eficiência no trabalho, tendo consciência de que vários fatores interferem e fogem do alcance da gestão nesse período de pandemia. Um exemplo que pode ser citado é que foi realizada a impressão do material para os alunos que não tinham acesso à internet e em alguns casos ocorreu a visita na casa do estudante com os devidos cuidados, seguindo protocolos, normas de higienização e distanciamento.

Com apenas 10 anos de idade e uma desenvoltura incrível na comunicação, Seillor Sanatiel aprova o ensino híbrido. “Eu acho que o ensino híbrido foi pelo menos a salvação, porque durante o ensino virtual a essência é perdida, a gente se sente mais desmotivado”. 

“Dentro da sala de aula, por exemplo, se uma criança que não quer fazer uma atividade na aula presencial, ela terá que fazer porque no próximo dia já terá aula de novo, só que na aula virtual a pessoa pode não mandar. No caso, a professora cuida de muitas coisas para poder ter tempo para encarregar-se de atividade específica de uma criança e isso faz com que a criança não se desenvolva”, analisa.

Referente ao que conseguiu produzir durante os estudos nesse período, Sanatiel ressalta que se sentiu bem em saber que enviou suas produções, ter aprendido e entendido o que a professora havia dado, o que lhe causou uma boa sensação. 

Além disso, acrescenta que não teve dificuldades em realizar as atividades, pois já produzia textos, poemas e agora experimenta produzir textos em inglês para melhorar as suas habilidades.

Professora Márcia Helena Leão disse que apesar das dificuldades como o acesso à tecnologia pelos alunos em processo de identificação, dentre outros fatores, o que mais chamou a sua atenção nesse período foi a capacidade de utilização das ferramentas de mídia e informática nas áreas investigadas como o inglês, música, desenho digital, dentre outros componentes curriculares.

Como ocorre a identificação, avaliação e acompanhamento

A indicação dos estudantes para o processo de investigação das características de AH/SD pode ocorrer pela autoindicação, indicação das escolas, indicação pela família e indicação de amigos/conhecidos.

O núcleo disponibiliza um link de indicação no qual podem solicitar a investigação e o acompanhamento com esses estudantes na fase escolar (educação básica). Pela escola a indicação ocorre via ofício, a família e o estudante podem também solicitar o atendimento para o processo de identificação das características na sede do núcleo.

 Formulário de Indicação para o processo de identificação em AH/SD – https://encurtador.com.br/dlrRX

Após receber a indicação a equipe do núcleo entra em contato com a família e a escola para iniciar o processo de investigação das características de AH/SD, que pode durar de seis meses a um ano ou mais.

O aluno Seillor Sanatiel, por exemplo, iniciou o processo de identificação no mês de setembro de 2019 e recebeu o parecer em agosto de 2021 na área criativa produtiva, tem domínio e amplo conhecimento em várias áreas. “Destaca-se na linguagem e comunicação, além da facilidade de aprendizagem de outras línguas, em especial, o inglês, que está aprendendo através de conversa on-line em jogos e aplicativos”, afirma a professora Márcia Helena do Atendimento Educacional Especializado do NAAS/H.

“Sanatiel quando chegou no NAAS/H já apresentava facilidade em comunicação, desenvoltura e conhecimento em várias áreas e a partir do processo de identificação ele apresentou outras características como aprendizagem rápida, facilidade de expor os conhecimentos adquiridos de forma dinâmica (divertida) e o uso da língua estrangeira (inglês)”, enfatiza.

Para o estudante Seillor, o NAAS/H-AC é uma escola só que melhor e que se tivesse que optar, escolheria estudar neste núcleo. “Em geral, ele trabalha várias habilidades que não são trabalhadas na escola em si, é mais interativo do que a escola normal e se eu fosse estudar tudo, seria melhor no NAAS/H do que na minha escola normal, sinceramente”, acrescenta.

Depois que eu descobri que tenho habilidades, eu melhorei em certas partes. No NAAS/H você passa a si valorizar e a ser valorizado, reconhece.

“É maravilhoso falar de um aluno que você identificou com altas habilidades, pois ele passou muitas vezes desapercebido na escola, e hoje você vê um potencial incrível de conhecimento que necessita apenas de incentivo, de investimento”, declara a professora Márcia Helena Leão.

O papel da família

A família exerce um papel de fundamental importância no desenvolvimento da superdotação ou talentos. “Contribui com as informações para a realização do processo de investigação das características de AH/SD, incentivando estudante a participar das atividades e acompanhamento realizado pelo núcleo, proporcionando um ambiente estimulador para o reconhecimento das dos filhos e sendo um parceiro do NAAH/S nas atividades propostas”, afirma Taís Galdino, chefe do NAAS/H-AC.

Professora Jeane Machado fala que no NAAS/H todo o processo de investigação também é feito com a família e defende o quanto é de fundamental importância que esta esteja disposta a participar.  “Se não houver essa parceria, não há como acontecer o processo de investigação e isso dificulta bastante fazer a orientação do aluno também identificado”, acrescenta.

“A família é a base para tudo, por isso é importantíssimo o seu envolvimento, pois fazemos apenas uma parte de toda uma vida futura”, declara Márcia Helena.

A professora expõe que, neste período de atendimento remoto e híbrido, foi essencial a participação da família, pois todo o planejamento e execução das atividades são realizadas por meio da consulta e autorização dos responsáveis.

Existe uma parceria do NAAS/H-AC com família que se sente orientada e acolhida. “Nós nos sentimos muito acolhidos e consideramos muito importante a participação da família nesse processo e esse núcleo de altas habilidades/superdotação se tornou referência para nós”, afirma Elivânia Gonçalves.

“A professora Márcia, por exemplo, passou a ser um membro da família e o NAAS/H-AC representa uma esperança de que o nosso filho Seillor vai conquistar algo importante, porque é através desse núcleo que eu vejo as portas se abrindo para ele, se não fosse núcleo de atividades de altas habilidades/superdotação eu não saberia nem o que fazer em relação a esse conhecimento que ele tem”, declara a mãe.

Serviços ofertados

O Núcleo de Atividades de Altas Habilidades/Superdotação do Acre (NAAS/H-AC), oferta os seguintes serviços:

  • Atendimento educacional Especializado específico aos alunos com características de AH/SD na educação básica, preferencialmente da rede pública do estado;
  • Formação específica na área das AH/SD aos profissionais da educação através de cursos, palestras, oficinas;

A título de informação, no Acre, a formação inicial e continuada para os profissionais da educação básica e comunidade na área de altas habilidades/superdotação e apoio pedagógico às escolas também é ofertado pelo Núcleo de Atividades de Altas Habilidades e Superdotação – NAAS/H, de Cruzeiro do Sul que integra o Centro Apoio à Inclusão Said Almeida Filho.

Este núcleo atende   aos municípios vizinhos como Porto Walter, Marechal Thaumaturgo, Tarauacá, Rodrigues Alves, Mâncio Lima, Feijó e Jordão, conforme o documento orientador do MEC e orientação da Secretaria de Estado de Educação, Cultura e Esportes (SEE-AC)

Após decreto governamental o Núcleo de Atividades de Altas Habilidades/Superdotação retornou as atividades de forma presencial e continua com o atendimento remoto para atender os municípios do Estado. O NAAS/H-AC funciona em dois turnos, na Estrada Alberto Torres, 825, Conjunto Mariana, Rio Branco–AC/CEP: 69.919-202/TEL: 3227-2994/E-mail: naahsacre2@gmail.com

Você também pode encontrá-lo nas Redes Sociais:

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Da teoria à prática: o que muda quando o estudante vira professor

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Por Jhenyfer Souza e Gabriel Vitorino

Conciliar a vida acadêmica com a docência, lidar com baixos salários e ainda enfrentar a falta de reconhecimento são desafios comuns para quem escolhe a carreira de professor em Rio Branco. Apesar disso, a procura por profissionais cresce e abre espaço para trajetórias que começam ainda durante a graduação. É o caso de Izabele Alves, de 21 anos, que cursa o sétimo período da licenciatura em Letras Inglês na Universidade Federal do Acre (Ufac) e já ministra aulas online. 

Ela decidiu o curso por conta da afinidade com o idioma e pela admiração que tinha pelos professores. No entanto, a estudante reconhece que a visão inicial que tinha sobre o mercado de trabalho mudou ao longo da formação.

“Quando eu entrei na faculdade, eu tinha uma visão bem estereotipada do trabalho do professor. A partir do momento que comecei a procurar emprego como professora de Inglês, percebi que existe grande procura em Rio Branco”, conta Izabele Alves. Com essa experiência ela percebeu que há portas abertas na área, pois muitas pessoas querem fazer curso ou contratar um professor particular.

A estudante destaca ainda que o ensino remoto facilita a conciliação entre trabalho e graduação, mas admite que há períodos em que a carga se torna pesada. Outro ponto de atenção é a baixa remuneração, especialmente quando há vínculo com escolas particulares. Segundo ela, o acúmulo de funções é frequente. 

“O professor de inglês acaba precisando assumir outras disciplinas ou preparar materiais pedagógicos. Isso acontece muito e o salário nem sempre compensa”, explica.

O cenário apontado pela graduanda dialoga com dados do Censo Escolar, que revelam a fragilidade da carreira docente no Acre. Mais de 69% dos professores da rede básica atuam com contratos temporários, chegando a 75% na rede estadual. Além disso, mesmo com nível superior, o salário-base de um professor licenciado no estado gira em torno de R$ 2,6 mil para 40 horas semanais, segundo o levantamento.

Esses números contrastam com a alta demanda da profissão. Em 2025, por exemplo, o governo abriu um processo seletivo com mais de 18 mil vagas temporárias para professores em todo o estado, sinalizando que o mercado está aquecido, mas ainda preso à instabilidade dos contratos.

Experiência  

A realidade vivida por Izabele Alves dialoga com a de Renata da Silva, 30 anos, professora formada em Letras Inglês pela Ufac. Diferente da estudante, Renata começou a trabalhar durante o segundo período da graduação, experiência que tornou a transição para a vida profissional menos abrupta. Apesar disso, ela também reconhece as dificuldades da profissão. Para a professora, o maior choque está na diferença entre teoria e prática. 

“Na faculdade, tudo é muito didático, até utópico. A teoria diz que o aluno vai aprender conforme o período estipulado, mas sabemos que não é assim, especialmente no Acre, onde o contato com o inglês fora da sala de aula ainda é bem restrito”, explica ela.

Foto: Jhenyfer Souza

Renata Silva ressalta que a área segue desvalorizada, tanto pela baixa remuneração quanto pelas condições de trabalho. Segundo ela, o aprendizado do inglês exige mais do que livro e professor. 

“Deveriam haver ambientes mais imersivos e ferramentas adequadas, mas muitas vezes isso não é acessível. A valorização peca e não só em questão de salário”.

Outro ponto levantado pela profissional é a concorrência com pessoas que dominam o idioma, mas não possuem formação específica. Para ela, a vivência universitária traz diferenciais que vão além da gramática e da conversação.

“A formação em Letras nos prepara para lidar com alunos neurodivergentes, com diferentes contextos familiares, além de oferecer base em fonética, linguística aplicada, educação especial. Isso faz diferença no trabalho em sala de aula”, afirma.

Apesar das dificuldades, Renata segue motivada pela interação com os alunos e pela dimensão cultural que o ensino da língua possibilita. “Ensinar inglês vai além da gramática, envolve pontos de vista, debates, diferenças. Isso enriquece a gente também”, diz.

O contraste entre as experiências de Izabele e Renata revela uma realidade marcada por dificuldades, mas também por reconhecimento e oportunidades. Esse debate é essencial quando o assunto é o mercado de trabalho, já que boa parte dos estudantes acabam sendo muito otimistas quanto às oportunidades que terão. Aqueles que já são profissionais e possuem anos de experiência percebem, cedo ou tarde, a fragilidade de sua posição no mercado.

A segurança e a estabilidade são muitas vezes varridas pela visão que as grandes e pequenas empresas têm de lucro, valorizando profissionais mais novos na área, com rotatividade maior, favorecendo o acúmulo de experiências à estabilidade financeira e a segurança no ambiente de trabalho. Com isso, muitos profissionais que se encontram no mercado há mais tempo acabam tendo dificuldade em se manterem neste contexto.

Ao se pensar na realidade do mercado de trabalho e em como as novas gerações criam expectativas profissionais, o debate acaba sendo mais profundo quando se envolve adaptação às novas referências e tecnologias que passam a interferir nas práticas, no cenário da sociedade da informação.

Vale refletir se o mercado de fato é receptivo e possui muitas oportunidades, ou se ele vê o estudante universitário como mão de obra barata de fácil acesso, mas com prazo de validade.

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O futuro da escrita na era digital

Entre teclados e telas, especialistas destacam que a escrita à mão ainda fortalece memória, criatividade e identidade cultural. Foto: Gabriela Queiroz

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Por Maria Niélia Magalhães, Sérgio Corrêia e Gabriela Queiroz

Das cartas que cruzaram continentes aos aplicativos de mensagens instantâneas, a transição da escrita manual para a digital reflete mais do que uma evolução tecnológica — revela uma transformação profunda em como nos comunicamos, aprendemos e até mesmo como processamos informações. Enquanto especialistas debatem os impactos cognitivos e culturais dessa mudança, neurologistas, educadores e alunos avaliam os prós e contras de cada meio.

“Quando o aluno escreve à mão, ele pensa melhor no que está registrando, organiza o que é mais importante”, afirma a professora Cyndi de Oliveira Moura, 29 anos, formada em Letras pela Universidade Federal do Acre – Ufac e docente de Língua Portuguesa no ensino fundamental. Ela observa no dia a dia os efeitos da escrita manual: “alunos que anotam no caderno conseguem relembrar mais facilmente aquilo que foi explicado em sala.”

Ela destaca que a caligrafia também está ligada à criatividade, pois exige atenção e paciência. Mas nota que os estudantes atuais enfrentam dificuldades: “Eles são impacientes e querem escrever tão rápido quanto pensam. A escrita exige paciência e reflexão, mas o uso excessivo das telas acelera demais o pensamento.”

Apesar disso, a professora não vê a tecnologia como inimiga, e sim como ferramenta que precisa ser equilibrada com a escrita manual: “Os recursos digitais ampliam possibilidades, mas sem criticidade se limitam a cópias rápidas e informações superficiais. O ideal é equilibrar os dois mundos: o papel ajuda a refletir, enquanto a tecnologia prepara para o século XXI.”

Foto: Gabriela Queiroz

O advento da tecnologia digital transformou profundamente a maneira como registramos e comunicamos ideias. Se por um lado a digitação se tornou predominante pela sua praticidade e velocidade, por outro, a escrita manual resiste como prática fundamental – não por nostalgia, mas por seu impacto comprovado na cognição e no desenvolvimento cerebral. 

A voz do estudante

Para Letícia Kelly, aluna do 2º ano do ensino médio de uma escola pública em Rio Branco, a escrita à mão continua sendo indispensável no seu processo de aprendizagem. “Eu prefiro escrever no caderno, porque fazer anotações melhora minha memória. Quando escrevo no celular, não consigo guardar tanto na mente”, afirma.

Elaborar pequenos textos e mapas mentais no papel facilita a memorização de detalhes importantes, segundo Kelly. “Infelizmente, as pessoas estão abandonando a escrita à mão, e isso é muito ruim, pois terão uma memória mais curta. Eu não consigo parar de escrever à mão, porque me ajuda a memorizar as coisas”, completa a estudante.

Atividade da aluna do 2º ano do Ensino Médio, Letícia Kelly. Foto: Maria Niélia

Não se trata de idealizar o passado ou desconsiderar os avanços tecnológicos. Afinal, todos nós aproveitamos a agilidade das mensagens instantâneas para nos conectar com quem está longe. No entanto, especialistas alertam: a caligrafia ativa regiões do cérebro relacionadas à memória e à criatividade de um modo que o teclado não consegue replicar.

Cenário Internacional

Pesquisas recentes confirmam que a escrita manual continua exercendo um papel fundamental no aprendizado. Um estudo norueguês, citado pela DW Brasil na reportagem Escrever à mão ajuda no aprendizado, aponta estudo, mostrou que escrever manualmente aumenta a atividade cerebral justamente nas regiões ligadas à memória e ao processamento motor e visual, favorecendo uma compreensão mais profunda e duradoura do conteúdo. 

Já a BBC Brasil, em Como escrita à mão beneficia o cérebro e ganha nova chance em escolas, destaca a visão da neurocientista Claudia Aguirre, que afirma que escrever em cursivo, especialmente em comparação com digitar, ativa caminhos neurais específicos que otimizam o aprendizado e o desenvolvimento da linguagem.

A Finlândia, país reconhecido por seu sistema educacional inovador, retirou a caligrafia do currículo obrigatório em 2016, priorizando o ensino de digitação (The Guardian, 2015). Nos Estados Unidos, discussões semelhantes ganharam força nos últimos anos. Essas mudanças, no entanto, não ocorrem sem controvérsias.

À medida que escolas e estudantes se adaptam às demandas de um mundo digital, pesquisadores seguem investigando como equilibrar tradição e inovação. Por um lado, alguns educadores defendem a adaptação aos novos tempos, por outro, especialistas em neurociência e desenvolvimento cognitivo alertam para as perdas associadas à diminuição da escrita manual.

O melhor de ambos

Enquanto isso, a ciência segue confirmando: escrever à mão é muito mais que um gesto cultural – é uma ferramenta poderosa para moldar o cérebro e expandir as fronteiras do pensamento. A pergunta que permanece não é apenas sobre qual método de escrita é mais eficiente, mas como podemos integrar o melhor de ambos para promover uma aprendizagem mais rica e significativa. 

Não se trata, portanto, de uma disputa entre o antigo e o moderno, mas de reconhecer que ambas as formas de escrita — a manual e a digital — podem coexistir e se complementar. Como bem ilustram a professora Cyndi e a estudante Letícia, escrever à mão continua a ser um exercício de paciência, reflexão capaz de transformar informação em conhecimento.

No fim, o que importa é lembrar: escrever não é apenas registrar palavras — é processar ideias, construir sentidos e, acima de tudo, permanecer humano em um mundo em constante transformação.

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Você sabia que o e-Título foi idealizado por uma acriana?

Rosana Magalhães, hoje aposentada, trabalhou na Justiça Eleitoral desde 1994. Foto: Arquivo do TRE/AC

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Por Francisca Samiele e Amanda Silva

Talvez pouca gente saiba, mas uma das ferramentas digitais mais importantes da Justiça Eleitoral no Brasil foi criada por uma mulher acriana. O e-Título, versão digital do título de eleitor, que ajudou a modernizar a forma como milhões de brasileiros votam, foi idealizado por Rosana Magalhães, na época, secretária de tecnologia do Tribunal Regional Eleitoral do Acre (TRE-AC).

Considerando que até 1932 as mulheres sequer tinham direito ao voto no Brasil, é irônico pensar que tenha sido justamente uma mulher a idealizar essa tecnologia, considerada essencial para o exercício da democracia ter se tornado tão prático.

O aplicativo e-Título foi lançado em dezembro de 2017. Foto: Internet

A idealizadora do e-Título

Rosana Magalhães, hoje aposentada, trabalhou na Justiça Eleitoral desde 1994 e acompanhou a evolução do sistema de votação, do papel à urna eletrônica. Como analista de sistemas, ela percebeu que o título de papel era um documento que dificultava o acesso a alguns serviços da Justiça Eleitoral e a atualização de dados para muitas pessoas.

“Ele (título) não tinha foto e não tinha dados atualizados como estado civil, grau de escolaridade, nome em caso de mudança após casamento. Era um documento estático. […] Era um papel que molhava e não tinha muita durabilidade”, explicou Rosana Magalhães. A servidora comenta que foi observando essas limitações que surgiu a ideia do e-Título, um documento digital que pudesse atualizar automaticamente informações do eleitor e simplificar processos como emissão de certidão de quitação eleitoral.

Rosana Magalhães em divulgação de campanha no Acre para o e-Título. Foto: Arquivo do TRE/AC

“E outra coisa que observei durante toda essa minha experiência de vida na Justiça Eleitoral é a dificuldade que as pessoas tinham em atualizar seus dados e, quando perdiam o título de eleitor, ficavam numa fila enorme perto da eleição”, relembra.

O e-Título foi lançado em dezembro de 2017 e o projeto foi desenvolvido junto ao TRE-AC após aprovação do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). A primeira versão, desenvolvida em cerca de 40 dias, foi disponibilizada nas lojas de aplicativos e preparada para uso nacional, sendo adotado pelos estados de forma gradual. 

O e-Título é acessível para pessoas com deficiência visual, baixa visibilidade ou daltônicas e também é permite acessar vários serviços, tais como:

• Apresentação de justificativa eleitoral no dia das Eleições e após o pleito;
• Consulta ao histórico de justificativas eleitorais;
• Consulta ao local de votação;
• Emissão de certidão de quitação e de crimes eleitorais;
• Geração do Título Eleitoral em formato PDF para impressão;
• Cadastrar mesária ou mesário voluntários;
• Emissão de declaração de trabalhos eleitorais;
• Geração de código de autenticação para sistemas parceiros;
• Consulta a débitos eleitorais;
• Pagamento de eventuais débitos eleitorais por Pix ou por meio da emissão de boleto.

Veja como o título de eleitor evoluiu ao longo dos anos:

Reações às mudanças

O e-Título trouxe mudanças significativas para os eleitores. Alguns se adaptaram muito bem, mas também tem quem ainda prefere o documento à moda antiga.

Para a  assistente administrativa Janara Cristina Dutra Nogueira, 37 anos, a mudança é bem-vinda. “Para mim, a maior vantagem é a praticidade. Não preciso mais andar com o título de papel, ele fica no celular. Também dá para ver meu local de votação, regularizar situação eleitoral e até justificar voto se eu estiver fora”, explica.

A pedagoga Katiane Lima, também considera a mudança um bom progresso. “O aplicativo trouxe praticidade, oferecendo acesso rápido e fácil às informações, sem necessidade de buscar documentos físicos. A transição de papel para digital trouxe mudanças de mentalidade e aprendizado necessário para usar novas tecnologias”.

Mas nem todos os usuários que passaram pela transição do papel ao digital se adaptaram completamente, como é o caso da funcionária pública Iêda Fernandes, de 69 anos. “Tenho algumas dificuldades com a tecnologia… Já utilizei em alguns momentos, mas não me senti tão segura. Para utilizar como ferramenta principal, devo aprender mais sobre as funcionalidades. Preciso me tornar mais tecnológica”.

A  aposentada Junisseia Souza de Lima enfatiza sua preferência pelo título em papel: “sabe por que eu não gosto de botar no telefone as coisas? Porque às vezes a gente é roubada, basta puxar o telefone para olhar e o ‘cabra’ vem e toma. A gente não fica tranquila andando com telefone, eu não fico. Então, com a cédula de votação, é melhor papel, eu gosto. Eu não gosto de sair preocupada com o telefone, então, para evitar isso, prefiro o de papel.”

Já a professora de português Gleiciany Florêncio de Araújo, de 34 anos, sugere algumas atualizações: “Para mim, uma grande melhoria no aplicativo seria se ele também pudesse ser usado offline, porque algumas vezes o sinal da internet é fraco e não dá para entrar no aplicativo”.

Progresso

A idealizadora do projeto ressalta que o e-Título continua evoluindo e pode, futuramente, incluir funcionalidades como coleta de biometria pelo próprio aplicativo.

Lançamento do e-Título, em Brasília, 2017. Foto: Arquivo do TSE

O e-Título trouxe benefícios para os eleitores e para a Justiça Eleitoral. Agora, muitas situações podem ser resolvidas diretamente pelo aplicativo, o que diminui filas e tempo de espera. O uso digital reduz custos com impressão de títulos e certidões, e o aplicativo pode ser usado por eleitores em qualquer lugar do Brasil ou no exterior.

“O principal impacto para a sociedade, para a justiça eleitoral e para a sociedade também é a economia que teve de muitos milhões para emissão de título eleitoral, já que não há mais necessidade de imprimir”, afirma Rosana Magalhães. E ela repete uma frase que Caetano Veloso disse no dia do lançamento do e-Título: “É incrível a força que as coisas parecem ter quando elas precisam acontecer.”

Conheça um pouco da trajetória das mulheres na luta por seus direitos políticos AQUI.

Redação

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