Cotidiano

O chefe está na calçada

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Bazar Chefe, comércio tradicional no Centro de Rio Branco, vende de tudo um pouco para uma clientela fiel conquistada ao longo de mais de 50 anos

Por Camila Gomes e Maria Fernanda Arival

“O chefe ‘tá’ na calçada”, diz o jornalista Washington Aquino todas as manhãs no telejornal que apresenta. Durante os últimos 50 anos, seu Tancredo Lima, mais conhecido como Seu Chefe, está à frente do seu comércio, o Bazar Chefe, localizado bem no Centro da cidade de Rio Branco, vendendo, proseando, administrando e também fazendo novos clientes.

Aos 15 anos, Seu Chefe e sua esposa, Maria José, se casaram e resolveram abrir o próprio empreendimento. Conseguiram um pequeno espaço na beira do rio onde, naquela época,  só havia barrancos e pequenas casas de madeira. Hoje o lugar é conhecido como Mercado Velho e se tornou uma das principais atrações turísticas da capital acreana. O  casal vendia vassouras de palha, que encomendavam com um amigo de Belém, no Pará; tabaco, produzido aqui mesmo, no Acre, e cigarros. Desde o primeiro dia nomearam a simples loja de Bazar Chefe.  

Onde tudo começou. A Loja Bazar Chefe teve início nessa porta, à beira do Rio Acre, na época. Foto: Camila Gomes

Aos 67 anos, Seu Tancredo conta que o nome Chefe vem desde os oito anos de idade. Seu pai o apelidou assim pois já era uma criança responsável por muitas tarefas e, enquanto o pai estava fora, ele era o homem da casa. Por ser muito obediente e dar conta dos serviços que o pai designava era considerado um pequeno grande chefe na época. 

De tudo um pouco

Quando pensaram em abrir o próprio negócio, o nome já estava pronto: “bazar” por  ser um lugar onde se vende diversos tipos de produtos e mercadorias e “chefe” por ser o apelido que o pai lhe deu quando criança. Ao longo dos anos, Seu Chefe foi percebendo que a clientela era diversa e ele prestava bastante atenção no que as pessoas procuravam no mercado. Foi aí que começou a trazer para seu estabelecimento de tudo um pouco. 

Na tradicional loja, a população de Rio Branco encontra os mais variados objetos e utensílios, desde lamparina, ferro à brasa, botas de borrachas, rádio com antenas, peças para panelas de pressão e, até mesmo, raquetes elétricas para matar os carapanãs – nome regional dos mosquitos. A gama variada de produtos é uma das principais características da loja. Cordas, pulverizadores de veneno, tábuas, vassouras, funis e muitos outros objetos fizeram a fama do estabelecimento que, para quem perguntar onde encontrar qualquer um desses artefatos tradicionais, a resposta será: “vai no Bazar Chefe, ‘maninha’, lá tu encontra”.

Os anos foram passando, o número de clientes crescendo e Seu Chefe construindo seu legado. Teve dois filhos: Cleudo José, hoje com 46 anos, e Cleide Sandra, com 41. Com a esposa, Maria José,  passou 42 anos em sua vida, mas infelizmente há sete anos ela faleceu por complicações renais.

“Meus filhos foram criados aqui. Minha esposa amava o comércio, adorava trabalhar, estava aqui no Bazar Chefe todos os dias. Gostava de vender, limpar, conversar com os clientes, ela gostava muito de tudo isso aqui. A Maria José foi a única mulher que amei na vida, era minha companheira de verdade. A última vez que nos falamos foi quando os médicos já haviam dito que não tinha mais jeito, então a olhei de longe, ela sorriu levantando o polegar dando um “legal” e eu entendi aquilo como nossas últimas palavras. O Bazar só existe hoje porque tive o apoio dela, desde o começo”, recorda.

Seu Chefe e os dois filhos, Cleudo José e Cleide Sandra. Foto: Camila Gomes

Entre os orgulhos de Seu Chefe estão a amizade construída com muitos clientes durante tantos anos de labuta e o público diversificado que conquistou. “Durante todos esses anos conquistamos uma clientela mista, do povão mesmo. Aqui na loja vem do pedreiro ao desembargador, gente dos municípios, colônia, nosso público é diversificado”, conta.

Fora das redes sociais

Ao começar o negócio, Seu Chefe não imaginava crescer e ganhar todo esse reconhecimento com o Bazar. Hoje, o comércio não faz uso de nenhuma rede social para promover a loja. Cleudo José, filho mais velho do Seu Chefe, explica que até já tentaram introduzir a loja no mundo virtual, mas não é algo que deu retorno. “Meu pai tem a clientela há mais de 50 anos e é uma clientela fiel, o comércio tem um nome na praça. Ele é bem atualizado, mas não tanto para trilhar nesse caminho das redes sociais, ele prefere da forma tradicional mesmo”, diz.

Cleudo José acrescenta que o pai tem a propaganda do comércio em apenas um lugar, que é no programa do jornalista Washington Aquino, que alcança até hoje não só as pessoas da zona urbana, como também da zona rural. “Tem muita gente que vem de outros municípios dizendo que ouviu sobre o Bazar Chefe no programa e pedem até pra tirar foto com o pai, então, ele vê que assim continua dando resultados e prefere que continue nesse formato. Se fossemos um comércio que começou há dez anos, por exemplo, realmente seria crucial o uso da internet, das redes sociais e tudo que esse mundo virtual oferece, mas são 50 anos de história e um nome conhecido no Estado”, comenta o filho do Seu Chefe.

Seu Chefe, proprietário. Foto: Camila Gomes

Negócio de família

Cleudo José, filho mais velho de seu Chefe, conta que começou a ajudar no Bazar desde pequeno, tanto ele quanto a irmã sempre o ajudaram a cuidar da loja.  Após começar a  faculdade de Educação Física, curso que não concluiu, percebeu que queria mesmo era estar ali no comércio, no meio das vendas e dos negócios da família.

Já a irmã, Cleide Sandra, concluiu o curso de Psicologia. Sempre esteve no Bazar Chefe, observando os pais trabalhando, fazendo clientes e crescendo no mercado, e com o passar do tempo começou a trabalhar também. Como seu único contrato foi ali, Sandra quis experimentar algo novo e sua paixão era a Psicologia, foi aí que entrou na faculdade, concluiu o curso, mas percebeu que amava mesmo era estar ali no comércio. Então decidiu se especializar, cursou Administração de Empresas e aos 41 anos é responsável por outra loja da família. 

“A loja fica aqui na frente do Bazar Chefe, também vende todo tipo de coisa. Eu continuo amando a Psicologia, mas meu coração é aqui no comércio, com os clientes, vendendo mesmo. Ver meus pais trabalhando juntos me fez ter gosto por isso, um dava suporte para o outro. É vocação e prática, não adianta chegar aqui e ter um currículo cheio de especializações e cursos, mas não ter amor por isso. Até hoje aprendo com meu pai, o comércio é uma caixinha de surpresas e eu gosto de descobrir algo novo todos os dias”.

Para a filha caçula, a internet é uma mão na roda, muito necessária nos dias de hoje, mas eles vendem e fazem clientes diariamente sem o uso do mundo virtual. Os anos de experiência e nome no mercado fazem do Bazar Chefe uma empresa diferente, com legado, histórias e fama que passa de geração em geração no estado do Acre.

Dona Dorisneide, mais conhecida como Neide, é funcionária do Bazar há 12 anos e afirma que mesmo com o mundo mergulhado na internet, no Bazar Chefe não tem disso. Para ela,  o Bazar Chefe é realmente um comércio diferente e a utilização da internet para promover a loja não seria algo que faria tanta diferença. “Aqui é tudo no modo tradicional: o cliente chega, pergunta o preço, realizamos a venda e pronto, lá se vai mais uma pessoa satisfeita”, destaca.

Dona Neide, funcionária mais antiga do estabelecimento. Foto: Camila Gomes

A vendedora Neide relembra a dificuldade que enfrentou assim que começou a trabalhar no Bazar Chefe. “Assim que cheguei aqui, com 30 anos de idade, estranhei bastante, porque tinha de tudo pra vender e tive uma certa dificuldade em memorizar o preço de cada objeto, mas depois de um mês eu já estava acostumada e sabia o preço de cada produto”. 

A boa relação com os clientes é um dos motivos que faz Neide gostar muito de trabalhar no Bazar Chefe. “Também tenho meus clientes, alguns de outros municípios.  Eles me ligam pra saber se chegou alguma mercadoria específica ou se tem algum produto que eles estão precisando. Se tem, eu já deixo separado para virem buscar, tem outros que já chegam aqui perguntando: “cadê a Neide?”. Eu gosto de trabalhar aqui, conheço tudo: mercadoria nova, preços, é o que eu sei fazer de melhor, vender”. 

Pandemia

Como em grande parte do comércio, a pandemia de Covid 19 foi um desafio para Seu Chefe e o Bazar. “Foi um momento que deixou o comércio ‘baqueado’ e quando veio o lockdown foi uma grande preocupação, tivemos altos e baixos durante esse período, mas hoje estamos nos recuperando”, diz.

Loja se tornou tradicional em Rio Branco, capital do Acre. Foto: Camila Gomes

A paixão pelo comércio faz com que Seu Chefe peça para encerrar esta matéria com uma mensagem aos jovens.“Vejo muitos jovens desistindo do comércio muito rápido. É complicado mesmo, mas o comércio é um bom negócio. Hoje em dia é mais difícil, tudo é mais complicado e requer atenção, tem que ser esperto, ter uma cabeça estruturada, não é fácil, mas perseverando e persistindo, dará bons frutos. Tem que usar muito da internet hoje, aproveitar o que dá retorno e fazer dar certo”, finaliza.

*Esta reportagem foi produzida no primeiro semestre letivo de 2021.

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