Cotidiano
As alternativas para demandas afetivas
Humanização de animais e objetos podem representar uma busca por conexões emocionais em tempos de solidão
Publicado há
2 meses atrásem
por
Redação
Por Pedro Amorim e Ana Paula Melo
Em um mundo cada vez mais conectado pela tecnologia, mas marcado pela solidão, muitas pessoas têm encontrado conforto em animais de estimação e objetos, tratando-os como membros da família ou até como filhos.
No Brasil, a Associação Brasileira da Indústria de Produtos para Animais de Estimação (Abinpet) estima que existam mais de 55 milhões de cães, com 80% dos tutores vendo-os como parte da família.
Um estudo da DogHero mostra que 66% dos donos tratam seus pets como filhos. Esse carinho impulsiona um mercado que, segundo o Instituto Pet Brasil, movimentou R$78,2 bilhões em 2024, com a maior parte gasta em alimentação, além de serviços como saúde e estética.
Porém, a Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), por meio de um estudo, alerta que tratar animais como humanos pode causar problemas como ansiedade, comportamentos compulsivos e até obesidade nos bichos.
Outro exemplo marcante é o fenômeno dos bebês reborn, bonecas hiper-realistas adotadas para coleção ou terapia. O mercado global dessas bonecas, avaliado em US$ 1,2 bilhão em 2023 pela Pesquisa de Mercado Allied, cresce entre colecionadores e pessoas que buscam apoio emocional.
No Brasil, reportagens da Folha de São Paulo e do g1 relatam casos curiosos, como pessoas levando essas bonecas ao Sistema Único de Saúde (SUS), além de debates sobre os benefícios terapêuticos.
A vida em família
Para ilustrar como essa humanização se manifesta no dia a dia, conversamos com Lucas Lins, um médico de 24 anos, que trata a cachorra pug, Jurema Josefina, como uma verdadeira filha. “A Jurema é a nossa cachorrinha da raça pug, uma companheirinha que chegou pra encher a casa de amor, alegria e um toque de bagunça também”, conta Lins, rindo.

Cadela ama piscinas e possui roupas. Foto: Lucas Lins/acervo pessoal
Desde filhote, Jurema tem uma rotina digna de princesa: roupinhas, brinquedos, cama fofinha e até festas de aniversário com bolo, vela e balões. “Fizemos tudo isso quando ela completou 1 aninho. E claro que ela usou a famosa roupinha da Minnie, toda orgulhosa”, diz, com entusiasmo.
A humanização vai além: Jurema tem até um Instagram criado especialmente para ela, embora pouco usado. O médico descreve rituais diários, como banhos com shampoo, condicionador e colônia, que geravam reclamações do pai, pela despesa. “Como todo pug, a Jurema solta muito pêlo! Teve uma vez que compramos um tira-pelos e nos assustamos com a quantidade absurda que saiu. Achamos que tinha algo errado, mas era só mais um ‘presente’ clássico da raça”, brinca ele.
Jurema também tem preferências e manias humanizadas: come de tudo, menos banana, que rejeita com uma virada de focinho. Na infância, era um “furacão” que roía móveis como um castor, mas agora é “uma moça calma e comportada”, destaca o tutor.

Jurema possui uma carteira de identidade. Imagem: cedida
A esperteza inclui escapar de coleiras como uma “ninja canina” e aventuras como fugir pela rua em dia de chuva, obrigando a família a uma caçada molhada. “Hoje a gente lembra disso rindo, mas na hora foi puro desespero”, admite Lins. E para completar, Jurema ama piscinas, e nada semanalmente, sob supervisão constante.
Histórias como a de Jurema mostram como pets se tornam “filhos substitutos”, especialmente entre jovens adultos solteiros, casais sem filhos ou idosos, o que fortalece vínculos afetivos e impulsiona o mercado pet.

Desde filhote, Jurema tem uma rotina digna de princesa. Foto: Lucas Lins/acervo pessoal
Benefícios, riscos e limites
Para entender o que motiva essa projeção de sentimentos humanos em animais ou objetos, consultamos a psicóloga e neuropsicóloga Samara Pinheiro, docente universitária e coordenadora da seção Acre do Conselho de Psicologia, com abordagem em psicanálise.
Segundo ela, o fenômeno está ligado a projeções afetivas inconscientes, baseadas em conceitos como objetos transicionais, inspirados em teorias como a de Winnicott. “As pessoas projetam algo naquele objeto, que elas gostariam muito que fosse com elas. Por exemplo, eu projeto um carinho, um amor com um animal de uma forma que eu gostaria de ser tratado ali por figuras que cuidaram de mim”, explica Pinheiro.
Esses objetos, sejam animais, bebês reborn ou IAs como o ChatGPT, funcionam como substitutos para relações frustrantes na infância, oferecendo segurança e consolo sem medo de rejeição.
“Desde crianças, criamos vínculos com objetos transicionais, como um cobertor ou brinquedo, que dão segurança quando o cuidador se ausenta. Na vida adulta, isso se substitui por animais, bonecos ou interações com IA, representando um espaço seguro onde a pessoa pode amar, cuidar e ser compreendida sem conflito”, enfatiza a especialista.
Entre os benefícios, ela destaca o apoio emocional, proporcionando conforto, segurança e sensação de companhia. “Pode reduzir ansiedade, depressão ou estresse, auxiliando na regulação psíquica”, destaca.
Além disso, facilita elaborações simbólicas, servindo como ponte entre o mundo interno e externo, ajudando a lidar com perdas ou transições. Para pets, há um retorno real de carinho, diferentemente de objetos inanimados. Experiências de cuidado também reforçam capacidades afetivas, como proteger e preocupar-se.
No entanto, os riscos são evidentes. “Pode levar a um empobrecimento relacional, onde as pessoas evitam relações humanas por medo de frustração e imprevisibilidade”, alerta a psicóloga. Isso pode resultar em isolamento social, fixação narcísica (onde o afeto é unilateral) e dificuldade em elaborar conflitos reais. “O animal pode dar devolutiva, mas objetos como o ChatGPT não oferecem manejo clínico genuíno”, pontua.
Perigo do isolamento
A humanização deixa de ser saudável quando perde sua função transicional e vira fuga da realidade. “Quando a pessoa se isola, evitando contatos humanos como defesa contra o sofrimento, cai em um mundo fantasioso sem conflitos, perdendo a capacidade de lidar com o real”, esclarece a psicóloga.
Pinheiro atribui o estímulo social a fatores como solidão moderna, “vínculos líquidos” e influência do mercado. “O mercado oferece alternativas para demandas afetivas, como animais tratados como filhos ou assistentes virtuais, promovendo afeição sem conflito. Redes sociais, com curtidas no Instagram, também reforçam isso”, comenta.
Sobre preencher carências emocionais, ela nota: “Sim, servem como reparação e tentativa de controle, vindos de faltas na infância como rejeição. Mas preencher não é elaborar. Se o afeto não se desloca para vínculos reais, o vazio permanece adormecido, podendo explodir em crises quando o ‘objeto’ falha”, conclui a especialista.
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Cotidiano
Aquífero do Segundo Distrito de Rio Branco: riqueza invisível sob ameaça urbana
Estudos recentes apontam que o aquífero ocupa uma área de 122,46 km². Foto: cedida
Publicado há
6 dias atrásem
13 de outubro de 2025por
Redação
Por Júlio Queiroz e Karina Paiva
No subsolo do Segundo Distrito de Rio Branco está uma das maiores reservas estratégicas de água da capital acreana: o Aquífero Rio Branco. Pesquisadores da Universidade Federal do Acre (Ufac), como Evandro José Linhares Ferreira, Alexsande de Oliveira Franco, Frank Arcos e Jessiane Pereira, têm alertado sobre a importância desse manancial subterrâneo, e destacando que ele possui alta vulnerabilidade à contaminação em razão da ocupação urbana desordenada e da falta de saneamento básico.

Estudos recentes apontam que o aquífero ocupa uma área de 122,46 km², abrangendo os seguintes bairros: Loteamento Praia do Amapá, Taquari, Comara, 6 de Agosto, Santa Inês, Loteamento Santa Helena, Loteamento Santo Afonso, Belo Jardim 1 e 2, Cidade Nova, Santa Terezinha, Residencial Rosa Linda, Vila da Amizade, Vila Acre, Mauri Sergio, Areal, Vila do Dner e Quinze, e possui capacidade de abastecer mais de 3,2 milhões de pessoas com 200 litros de água por dia.
Ainda assim, apenas cerca de 7% de sua descarga natural é utilizada atualmente para o consumo humano. Para os pesquisadores da Ufac, a ausência de políticas públicas efetivas coloca em risco a qualidade da água, já que análises laboratoriais têm identificado contaminação por nitratos, coliformes e metais como ferro e manganês.
O poder público municipal, por sua vez, tem divulgado avanços em projetos de captação subterrânea, mas sem execução plena. Em 2012, a imprensa local noticiou a realização de estudos preliminares, e em 2019 a Prefeitura anunciou que avançava em planos para aproveitar o potencial hídrico do aquífero. Já em 2014, o Governo do Estado divulgou que a Companhia de Pesquisa de Recursos Minerais (CPRM) continuaria o plano de exploração, mas até hoje a utilização em larga escala não saiu do papel.
Esse contraste entre a urgência apontada pelos pesquisadores e a morosidade administrativa revela o desafio de transformar ciência em política pública.
Potencial e desafios
De acordo com o modelo de gestão elaborado pela CPRM em 2010, a recarga anual do Aquífero Rio Branco é de aproximadamente 587 mm/ano, com rápida recuperação dos poços (em até uma hora). Isso torna o manancial um recurso estratégico, capaz de complementar o abastecimento em períodos de estiagem do Rio Acre.
Pesquisadores x Poder Público
Enquanto pesquisadores da Ufac defendem o monitoramento constante e o uso controlado do aquífero, a Prefeitura de Rio Branco e o governo do Acre têm enfatizado a continuidade dos estudos, mas sem definir prazos concretos para exploração sustentável.
Essa divergência evidencia a necessidade de integração entre ciência e gestão pública, de forma a garantir segurança hídrica para as futuras gerações.

Foto: cedida
A CPRM é uma empresa pública vinculada ao Ministério de Minas e Energia, responsável por produzir e divulgar informações geológicas, hidrológicas e ambientais do território brasileiro.
No caso do Aquífero Rio Branco, a CPRM foi a instituição que realizou estudos técnicos de mapeamento, testes de bombeamento e modelagem hidrogeológica, servindo de base para o Plano de Manejo do Aquífero citado.
Em resumo: a CPRM é quem faz a “radiografia do subsolo” e fornece dados científicos para que estados e municípios consigam planejar a exploração sustentável da água subterrânea.
Outro entendimento
O diretor-presidente do Saerb, Enoque Pereira de Lima, explicou que não há comprovação da existência de um aquífero em Rio Branco, mas sim um lençol freático raso capaz de atender demandas residenciais e comerciais em pequena escala.
Segundo ele, estudos realizados até 400 metros de profundidade não identificaram aquífero, apenas pontos de água confinada de difícil recarga, com capacidade de renovação anual de cerca de 20%. Para verificar a viabilidade, o Saerb pretende perfurar três poços profundos — dois no Segundo Distrito e um no Panorama — avaliando volume, qualidade da água e resistência do solo, podendo expandir as perfurações caso os resultados sejam positivos.
Sobre o abastecimento, Enoque destacou que a cidade depende integralmente do Rio Acre, cuja turbidez e sazonalidade dificultam o tratamento, sobrecarregando o sistema no período seco.
A produção atual das duas ETAs é de até 1.600 litros por segundo, mas falhas em bombas, motores e adutoras causam intermitência em determinados bairros, especialmente no Segundo Distrito, totalmente dependente da ETA 2.
O dirigente ressaltou ainda o alto desperdício doméstico e a falta de conscientização dos moradores como fatores que agravam a escassez, reforçando que, em situações críticas, a prioridade é garantir água para hospitais e unidades de saúde.
Invisível aos olhos dos moradores, o Aquífero Rio Branco pode ser a chave para garantir segurança hídrica à capital acreana. Mas, se por um lado representa abundância, por outro traz o alerta: sem gestão integrada e responsável, esse tesouro subterrâneo pode se transformar em mais uma vítima da urbanização desordenada.
Cotidiano
Curativo 100% biodegradável leva estudantes do Ifac à COP30
Publicado há
1 semana atrásem
10 de outubro de 2025por
Redação
Por Fernanda Maia, Gabriel Vitorino e Jhenyfer Souza
No Instituto Federal do Acre (Ifac) em Sena Madureira, estudantes desenvolveram um curativo biodegradável feito a partir da taboca, espécie de bambu abundante na região amazônica.
O projeto será apresentado na prévia da Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP30), que acontece este ano em Belém (PA), em novembro, e pretende mostrar ao mundo uma alternativa sustentável para a proteção das feridas.
A ideia surgiu a partir de estudos feitos durante o doutorado do professor Marcelo Ramon, graduado em Química pela Universidade Federal de Alagoas – Ufal. Doutor em Biodiversidade e Biotecnologia com ênfase em Nanobiotecnologia pela Rede de Biodiversidade e Biotecnologia da Amazônia Legal. Ele percebeu que a substância extraída da taboca, carboximetilcelulose (CMC), podia formar uma película semelhante ao plástico. O material, que parecia inviável por ser solúvel em água, se tornou a chave para um curativo capaz de se dissolver em contato com sangue ou secreções.
Além disso, apesar de ser considerada uma praga por produtores rurais devido aos espinhos, a taboca foi escolhida por apresentar vantagens ecológicas. O professor destaca que o Acre detém a maior concentração ‘tabocal’.
‘’A taboca cresce muito rápido, até 20 centímetros por dia. Em cinco anos, você já tem uma floresta recomposta. Tem taboca na África e Ásia, mas nada se compara ao que temos na Amazônia. E dentro da Amazônia, o Acre é o estado que mais concentra essa espécie”, explicou.
Curativo
O curativo foi reforçado com nanogotículas extraídas de óleos de copaíba e andiroba, que são conhecidos por suas propriedades antibacterianas e anti-inflamatórias.
Segundo Ramon, essa combinação ajuda na cicatrização e cria um produto sustentável, diferente dos curativos tradicionais, feitos à base de petróleo e nocivos ao meio ambiente. “Enquanto o band-aid serve apenas como barreira, o nosso curativo atua diretamente na regeneração do tecido exposto”, explica.
Veja abaixo o passo a passo de produção do curativo:
- Coleta da taboca na floresta amazônica;
- Transformação da fibra vegetal em carboximetilcelulose (CMC), um pó fino que forma um gel em contato com a água;
- Adição de nanopartículas de prata (com ação bactericida) e nanoemulsões de óleos essenciais de copaíba e andiroba, que têm propriedades anti-inflamatórias e cicatrizantes;
- Desidratação do gel em estufas, que forma uma película sólida e transparente;
- Aplicação na pele, e nesta etapa o curativo se transforma novamente em gel e é absorvido pela ferida.
Expectativas
A criação do produto também contou com a ajuda de estudantes do Ifac de Sena Madureira e, para eles, o projeto vai além da pesquisa em laboratório.
João Augusto Nascimento, que entrou no IfacC ainda no ensino médio, afirma que a experiência mudou sua forma de ver a ciência. “Mostra que a pesquisa pode nascer dentro da escola pública e gerar soluções reais a partir da Amazônia”, afirma.
Já a aluna Jordana Batista, outra integrante do grupo de pesquisa, destaca o orgulho em representar o projeto na conferência. “Ver nosso trabalho chegar à COP30 mostra que a região tem potencial para inspirar outros estudantes que se interessam por ciência’’.
Apesar do avanço, a produção em larga escala ainda depende de investimentos e de equipamentos industriais. Hoje, o grupo trabalha em nível laboratorial, mas vê na COP30 a chance de atrair investidores e parcerias.
A expectativa é de que o curativo ganhe visibilidade internacional e mostre que ciência, sustentabilidade e saúde podem caminhar juntas a partir do Acre.
Cotidiano
Mulheres tatuadoras no Acre e as histórias eternizadas na pele
Em Rio Branco, no Acre, esse processo já marca a cena local, com cada vez mais mulheres assumindo as máquinas, os estúdios e o protagonismo.
Publicado há
2 semanas atrásem
8 de outubro de 2025por
Redação
Por Luanna Lins e Inayme Lobo
Desde muito antes de se tornar moda, a tatuagem já carregava significado em diferentes culturas. Entre povos indígenas, marcar a pele é rito de passagem, pertencimento. Em alguns países da Ásia, até hoje, ela ainda é envolta em restrições. E, quando a tatuagem moderna se espalhou, foi quase sempre dominada por homens.
Esse cenário começou a mudar quando algumas mulheres decidiram romper essa barreira. Entre as maiores inspirações estão Maud Wagner, artista circense considerada a primeira tatuadora dos Estados Unidos, no início do século XX, e Jessie Knight, que se destacou na Inglaterra a partir de 1921.
No Brasil, o mercado da tatuagem veio ganhar visibilidade a partir da segunda metade do século XX, também marcado pela predominância masculina. Nomes como Re Martelli – reconhecida como uma das primeiras tatuadoras do país – abriram caminho, tornando-se referência para outras que vieram a conquistar esse espaço.
Em Rio Branco, no Acre, esse processo já marca a cena local, com cada vez mais mulheres assumindo as máquinas, os estúdios e o protagonismo. Três delas, em especial, fazem parte dessa nova geração de tatuadoras: Ana Beatriz Tavares (20 anos), Gabriella Leão (21 anos), e Thayla Isla (26 anos). Cada uma com sua trajetória, mas unidas pela certeza de que a tatuagem é mais do que um desenho na pele, é identidade.
Experimentar, arriscar, confiar
Ana Tavares ainda era adolescente quando decidiu que a tatuagem seria sua profissão. No terceiro ano do ensino médio, ganhou um kit de tatuagem do pai e começou a improvisar peles artificiais para treinar em casa. “Eu chamei alguns colegas da minha turma pra poder fazer os primeiros treinos. Aí teve uma pessoa que aceitou e a partir disso eu comecei a tatuar”, lembra.
Aos 20 anos, Ana já possui um extenso portfólio e vem conquistando cada vez mais clientes. Foto: Inayme Lobo/A Catraia
NoO começo foi autodidata. Sem cursos presenciais disponíveis em Rio Branco, recorreu à internet. “Pesquisei cursos na internet, comecei a fazer, estudava por lá. Até o ano passado, quando participei de um workshop aqui na cidade, com um profissional da área. Então, a maior parte eu aprendi sozinha”.
Hoje, ela trabalha principalmente com o fine line e o blackwork, mas também defende as tatuagens coloridas, mesmo com pouca procura. “Muitas pessoas pensam que a cor não vai ficar tão legal depois que cicatrizar, talvez por conta do tom da pele. Mas isso é mito. As tatuagens coloridas têm contraste diferente, mas não deixam de ter a mesma qualidade”.
O que diferencia seu trabalho, segundo ela, é o incentivo ao autoral. “Normalmente, quem vem comigo, traz tatuagens já prontas, com referências da internet. Mas eu sempre indico fazer uma coisa diferente, que vai ser só pra pessoa, que ninguém vai poder copiar”.
Tavares trabalha principalmente com os estilos fine line e o blackwork. Foto: cedida
Ainda este ano, Ana abriu seu primeiro estúdio próprio, após um período tatuando em casa e em um estúdio colaborativo. Para ela, o maior desafio não vem necessariamente do fato de ser mulher, mas da competitividade no meio. “Acredito que haja ainda uma rivalidade entre os tatuadores daqui. A ideia é que é um lugar pequeno, então o público é pouco e se divide.” Ao mesmo tempo, ela reconhece que ser mulher influencia nas clientes que conquistou. “Eu confio muito no meu trabalho. Sei que dá certo porque também recebo muitas outras mulheres que querem tatuar comigo”.
No coletivo, ninguém tatua sozinha
A trajetória de Gabriella Leão (Gab Tattoo) tem um tom quase profético. “Na escola, eu falava, de forma muito despretensiosa: “ah, eu vou virar tatuadora mesmo”. Eu não sabia de nada, não tinha ido atrás de nada. E eu sempre falava isso, sabe? De uma forma espontânea. Manifestei literalmente tudo”, conta, rindo.
Gabriella encontrou na coletividade dos estúdios um espaço para crescer. Foto: cedida
Foram os amigos que abriram a porta definitiva. Ela já desenhava desde criança, influenciada pela irmã mais velha, mas foi ao conhecer Gabriel (Amaterasu), hoje colega de estúdio, que ganhou o empurrão inicial. “Ele me deu dicas de máquina, de material, de onde comprar tudo isso. Foi o pontapé que eu tava precisando”.
Depois de um mês treinando sozinha em peles artificiais, Gabriella conseguiu uma vaga de aprendiz. E ali entendeu que a vivência valia mais do que qualquer curso. “Apesar de eu estar consumindo muito conteúdo, vendo cursos gratuitos na internet, o que de fato me fez aprender foi estar ali cercada de profissionais, sempre ter o tatuador ao lado para auxiliar. Isso realmente me ajudou”.
Hoje, com um ano e sete meses de carreira, já passou por três estúdios, todos colaborativos. “Eu sempre gostei muito, porque dá pra ter uma troca de conhecimento e experiência constante. A gente tá sempre aprendendo e, consequentemente, evoluindo juntos. Eu gosto muito dessa ideia de trabalhar em equipe”.
Conhecida por Gab Tattoo, a tatuadora se destaca pelo estilo irreverente. Foto: cedida
Em relação a estilos, Gabriella não se limita, mas tem dois favoritos: o old school e o black work. “Pra mim são tatuagens que não têm erro. Tanto no quesito resultado quanto na aplicação, é muito satisfatório fazer”.
Ser mulher, para ela, também faz diferença na clientela. “Recebo muita tatuagem mais delicada, mesmo meu nicho não sendo focado nisso. Principalmente vindo de outras mulheres, em regiões mais íntimas. Acredito que, por eu ser mulher, elas se sentem mais confortáveis”.
Nesse meio, Gabriella conta que já passou por situações em que sua capacidade foi colocada em dúvida apenas por ser mulher. “Eu já passei por situações desagradáveis, como não ter voz dentro de um estúdio, duvidarem da minha capacidade sem conhecerem meu trabalho… Mas nunca deixei isso me abalar. Felizmente, o cenário da tatuagem tá mudando. Cada dia que passa vãoai surgindo mais mulheres tatuando por aqui. Eu fico feliz demais!”, resume a tatuadora.
Entre a tradição e a reinvenção
Thayla Isla (La Isla Tattoo) tinha 22 anos quando tatuou a própria pele pela primeira vez. Foi em 2021, experiência que abriu um caminho inesperado. “Desde sempre eu tive gosto por desenhar e pintar. Era um momento pessoal, no qual eu me ocupava e me encontrava. Em 2021, fiz minha primeira tatuagem e, a partir dali, passei a conhecer mais profundamente essa arte e a desenvolver uma paixão por esse universo”.
Isla atua em estúdio próprio, com clientela diversificada. Foto: cedida
O empurrão veio do colega Lean Costa, artista plástico e tatuador, que se tornou também mentor. “Ele me inspirou, me orientou e me deu todo o suporte necessário para seguir nessa caminhada que hoje é a minha vida”.
Autodidata, Isla se consolidou no old school e no tradicional americano, além de se destacar com flash tattoos em eventos. “Meu público hoje é bastante variado: atendo desde jovens até pessoas mais velhas, tanto homens quanto mulheres. Muitos clientes já chegam com o desenho pronto, mas sempre ofereço minha opinião profissional para sugerir ajustes ou melhorias desde que o cliente esteja de acordo”.
A tatuadora é especialista em old school e tradicional americano. Foto: cedida
Assim como Ana e Gabriella, também começou de forma improvisada. “As primeiras tatuagens foram feitas na casa de amigos, onde eu adaptava o espaço para trabalhar. Aos poucos, fui reunindo recursos para comprar os móveis e montar meu próprio estúdio”.
No mercado local, Isla afirma ter encontrado acolhimento. “No ramo da tatuagem no Acre, acredito que o espaço é aberto para todos. Eu, particularmente, nunca enfrentei rejeição ou cancelamento por ser mulher, pelo contrário, sempre recebi incentivo dos colegas e também muita procura de outras mulheres”, explica.
Um espaço que não para de crescer
Apesar das diferenças de trajetórias, as três tatuadoras compartilham pontos em comum. Todas vieram do desenho, todas aprenderam de forma autodidata e todas enfrentaram o desafio de conquistar credibilidade em um mercado majoritariamente masculino. Entre elas, há uma certeza: o número de mulheres tatuando está crescendo. No Acre, os estúdios de tatuagem não são mais apenas território masculino.
Na experiência delas, muitas clientes relatam que se sentem mais à vontade ao tatuar com mulheres, sobretudo em sessões que exigem expor partes do corpo. Mas o crescimento dessa procura não se explica apenas pelo conforto e acolhimento: ele também reflete a qualidade do trabalho de Ana, Gabriella, Isla, e tantas outras tatuadoras que consolidaram estilos próprios e conquistaram reconhecimento por meio de técnica e experiência.
No fim, quem procura uma tatuagem possui diferentes motivações. Há quem busque a estética, um desenho que harmonize com o corpo. Outros enxergam mais significado: homenagens, lembranças, momentos especiais. E há também quem veja na tatuagem uma forma de expressão, identidade ou simplesmente de eternizar na pele aquilo que lhe representa. Seja qual for a razão, cada tatuagem é única – assim como as histórias de quem as faz e de quem as recebe.

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