Saúde

Amor de mãe

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Por Claudya Simone Oliveira, Gercineide Maia  e John Catão

Rodrigo nasceu com uma condição especial, o Transtorno do Espectro Autista (TEA), o que logo foi percebido pela mãe e outros familiares. Lavínia Melo, 25 anos, empreendedora, formada em Engenharia Agronômica pela UFAC, é mãe dos gêmeos Rodrigo e Murilo Barcelos, de apenas 3 anos e 2 meses. 

Para ela, ser mãe de uma criança com TEA é um aprendizado diário, ela aprende muitas coisas com seu filho ao mesmo tempo que também ensina. “O Rodrigo é uma criança extremamente metódica, então, procuram sempre mantê-lo dentro da rotina, mas em contrapartida, é um bebê muito carinhoso e brincalhão”, declara a genitora.

Melo diz que foi observando a forma de seu filho brincar que começou a perceber algumas características: muitos movimentos repetitivos, sempre rodando objetos, gostava muito de brincar sozinho e não de socializar com outras crianças, apenas com adultos. “Notei essas características e procurei ajuda profissional”, conta.

O diagnóstico

De acordo com o Ministério da Saúde, o Transtorno do Espectro Autista (TEA)¹ é um distúrbio do neurodesenvolvimento caracterizado por desenvolvimento atípico, manifestações comportamentais, déficits na comunicação e na interação social, padrões de comportamentos repetitivos e estereotipados, podendo apresentar um repertório restrito de interesses e atividades. 

A Organização Mundial da Saúde (OMS) estima que 70 milhões de pessoas no mundo vivem com alguma forma do transtorno do espectro autista e frequentemente são sujeitas à estigmatização, discriminação e violações de direitos humanos. Globalmente, o acesso aos serviços e apoio para essas pessoas ainda é inadequado.

De acordo com a Organização Panamericana de Saúde, “o TEA começa na infância e tende a persistir na adolescência e na idade adulta. Na maioria dos casos, as condições são aparentes durante os primeiros cinco anos de vida”. E uma em cada 160 crianças têm algum grau do Transtorno.

No Brasil, a estimativa é que no país existam cerca de 2 milhões de pessoas com TEA. No Acre, segundo dados da Associação Família Azul, há atualmente cerca de 10 mil autistas, incluindo crianças e adultos.

A identificação de atrasos no desenvolvimento, o diagnóstico rápido e encaminhamento para apoio de especialistas na idade mais precoce possível pode levar a melhores resultados.

Preconceito e discriminação

Em 2012 foi aprovada a Lei 12.764, que institui a Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista, que segundo seu  Art. 4º,  a pessoa não será submetida a tratamento desumano ou degradante, não será privada de sua liberdade ou do convívio familiar nem sofrerá discriminação por motivo da deficiência.  

Mesmo com os últimos avanços nas leis, muitas pessoas com TEA passam por  preconceito e discriminação e a falta de informação contribui para o aumento desse quadro. Melo relata que houve um caso dessa natureza ainda quando as crianças eram muito pequenas. 

 “A ex-babá usou palavras ofensivas direcionadas não somente aos filhos, mas para toda à família e isso nos deixou muito tristes”.  No momento, não temos sofrido nenhum tipo de preconceito e esperamos que isso não aconteça mais de forma alguma. Não se trata apenas de amor de mãe, mas de um amor que ultrapassa as barreiras do coração e que defende o direito de uma criança que precisa ser respeitada pela sociedade, acrescenta Melo.

Inclusão escolar

Atualmente, Rodrigo estuda na Escola Solar Kids, onde conta com acompanhamento qualificado, que procura dialogar com a família ao desenvolver atividades. “Sempre informamos as condições de nosso filho, que se dá muito bem com os coleguinhas de sua turma. Mas essa não é realidade de todas as escolas no país, afirma a mãe.

De acordo com Art. 7º da Lei 12.764, o gestor escolar, ou autoridade competente, que recusar a matrícula de aluno com transtorno do espectro autista, ou qualquer outro tipo de deficiência, será punido com multa de 3 (três) a 20 (vinte) salários-mínimos e segundo Parágrafo 1º dessa mesma lei, em caso de reincidência, apurada por processo administrativo, assegurado o contraditório e a e a ampla defesa, haverá a perda do cargo.

Lavínia Melo deixa uma mensagem para os pais que não aceitam o diagnóstico.  “É uma condição que não passa, mas fechar os olhos para isso, eu chamo até de egoísmo, porque o quanto antes você aceitar, mais cedo você poderá ajudar o seu filho a ter um estilo de vida ‘comum’ e independente”, finaliza. 

Não deixe que a desinformação contribuía para o aumento do preconceito e discriminação!

Falando com um especialista

O Transtorno do Espectro Autista (TEA), segundo a psicóloga, Drª Marina Almeida, é uma condição de saúde que se caracteriza por um dano em três áreas muito importantes para o desenvolvimento do ser humano, que são: as habilidades socioemocionais, a atenção compartilhada e a linguagem. “Nos dias atuais, a ciência nos fala de muitos tipos de autismo, e não apenas um, como se imaginava, o qual se manifesta de forma única em cada pessoa” informa a psicóloga. 

A pandemia e a obrigatoriedade do distanciamento social ocasionaram grandes mudanças nas rotinas das crianças com autismo e seus familiares. “Quem convive com um autista, já sabe que a rotina é muito importante para eles, independente do grau diagnosticado. E a interrupção dessa rotina se transforma em um grande desafio para a continuidade do tratamento”, acrescenta.

Marina Almeida nos fala que o diagnóstico do Transtorno do Espectro Autista (TEA) é clínico, devendo ser feito conforme os critérios impostos pela Organização Mundial da Saúde (OMS), “fazendo-se uma observação direta do comportamento do paciente, e uma entrevista com os pais e/ou cuidadores”. Esse diagnóstico requer uma avaliação completa por todos os profissionais que fazem parte da equipe, para orientar o tratamento adequado.

Conforme a psicóloga, “existem alguns sinais que podem alertar os pais e professores quanto à possibilidade do TEA, sinais esses que devemos nos ater, com muita atenção, como um comportamento atípico e um desenvolvimento diferente ao que se espera para aquela faixa etária”. Ela explica que as crianças com TEA possuem certa dificuldade em olhar no olho das pessoas, costumam andar na pontinha dos pés, geralmente apresentam atrasos ou ausência da fala. 

Segundo Marina Almeida, esses sinais geralmente se apresentam antes dos 3 anos de idade. E mesmo sendo comum aos pais notarem algumas alterações no desenvolvimento dos filhos antes dos 2 anos, eles tardam a procurar por uma ajuda especializada. Mas vale ressaltar que a atenção básica é fundamental para a identificação inicial dos sinais e sintomas de risco para o portador do TEA.

Olhar nos olhos é uma estratégia comunicacional, facilita uma melhor compreensão da fala do outro, passando também a impressão de atenção, respeito e confiança. “Mas, no caso de crianças com TEA, isso não tem a menor importância, pois dão maior atenção à fala, perdendo, dessa forma, de aprender e entender os significados das expressões faciais”, explica  a psicóloga.

“A explicação para essa dificuldade de olhar no olho parece estar relacionada à forma como o cérebro dessas crianças se organiza, eles percebem o mundo de um jeito diferente, que é só dele. E essa é uma das primeiras formas de tratamento para o TEA (Transtorno do Espectro Autista), que é o fortalecimento da comunicação através do contato olho no olho”, esclarece.

Quando a criança com TEA tem um comportamento que não é adequado, esses podem ser moldados para que diminuam ou, até mesmo, deixem de existir. Para isso, têm-se à disposição a Terapia Comportamental, que trabalha visando melhorar a inserção social da criança ao meio que está inserida, ajudando também os familiares a conviver melhor com essas questões. Muitas dúvidas ainda pairam sobre possibilidades de cura, mas esta é uma condição permanente, a criança nasce e torna-se um adulto com TEA . 

Apesar de todo avanço da Ciência com pesquisas, ainda não foi possível encontrar uma cura, mas o tratamento costuma diminuir dificuldades encontradas, favorecendo o desenvolvimento e a interação social de cada pessoa.

Associação Família Azul do Acre

O grupo surgiu após 30 mães de autistas reunirem-se todos os meses para tratar algum assunto relacionado à saúde, educação, suas angústias do dia a dia, compartilhar terapias, segundo Heloneida da Gama, presidente da Associação. A partir disso, em 2014, houve o entendimento de formalizar a associação juridicamente, para que a causa pelos direitos e necessidades dos autistas se tornassem mais eficazes.

A Associação Família Azul do Acre (Afac) tem  por  finalidade  defender  os  direitos  e  interesses  das  pessoas  com  o Transtorno do Espectro Autista – TEA, devendo, para tanto, promover, apoiar e incentivar a realização de todas as ações necessárias para esse fim, podendo ainda desenvolver programas de adaptação e inclusão social das pessoas com TEA e apoio a seus familiares.

A presidente Gama deixa claro que a Afac presta assistência social às famílias que têm filhos com autismo por meio da execução direta de projetos, palestras, acolhimentos de pessoas, orientações escolares e familiares, terapias psicossociais, treinamentos a profissionais da saúde, educação, programas ou planos de ações. “Esta associação também conta com parceiros, pessoas que se disponibilizam a ajudar, doar um sacolão ou um remédio. A maior dificuldade, acredito, é que não temos uma sede própria, um espaço para receber, acolher as famílias. Não temos um profissional da psicologia ou da assistência social que nos ajude”, destaca a presidente.

A Afac possui uma página no Instagram: @afac.familia_azul, uma página no Facebook: Autismo no Acre – AFAC. 

As Instituições que atendem no momento são:

  • CER III (Estadual), com especialidade em fonoaudiologia, fisioterapia, terapia ocupacional;
  • Centro Municipal de Autismo, especialidades em fonoaudiologia, psicologia, fisioterapia, terapia ocupacional, equoterapia, que segundo a Associação Nacional de Equoterapia – ANDE, trata-se de um método terapêutico e educacional, que utiliza o cavalo dentro de uma abordagem multidisciplinar e interdisciplinar, nas áreas de saúde, educação e equitação, buscando o desenvolvimento biopsicossocial de pessoas com deficiência e/ou necessidades especiais;
  • APAE, especialidades fisioterapia, fonoaudiologia, psicologia. 

Lei Romeo Mion

Sancionada com vetos em 2020, a Lei Nº 13.977 – conhecida como Lei Romeo Mion – estabelece a emissão de uma Carteira de Identificação da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista (TEA). Seu nome foi inspirado no adolescente Romeo, de 16 anos, que é filho do apresentador de televisão Marcos Mion e tem TEA. 

A Lei Romeo Mion cria a Carteira de Identificação da Pessoa com TEA – CipTEA em sua versão abreviada – ou seja, garante a todos aqueles com o diagnóstico de autismo um documento que possa ser apresentado para informar a condição do indivíduo. Além disso, ela altera dispositivos da Lei 12.764/2012, a Lei Berenice Piana.

Garantias e benefícios da Lei Romeo Mion

Além da documentação que facilita a identificação de uma pessoa no espectro autista, a Lei Romeo Mion ainda oferece outros benefícios aos usuários. Alguns deles são: 

  • Atenção integral;
  • Pronto atendimento e prioridade no atendimento e acesso aos serviços públicos e privados (em especial nas áreas de saúde, educação e assistência social).

Documentos necessários para emitir a carteirinha

A CipTEA pode ser emitida por órgãos estaduais, distritais e municipais que executam a Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista. Ao solicitar o documento, a família deve apresentar os seguintes dados:

  • Requerimento; 
  • Relatório médico com a indicação do código da Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas relacionados à Saúde (CID).

O requerimento deve conter dados como: 

  • Nome completo;
  • Filiação;
  • Local e data do nascimento;
  • Número da carteira de identidade;
  • Número do CPF;
  • Tipo sanguíneo;
  • Endereço residencial e telefone;
  • Foto 3×4;
  • Assinatura ou impressão digital do interessado.

Da pessoa cuidadora são exigidos: 

  • Nome completo;
  • Documento de identificação;
  • Endereço residencial;
  • Número de telefone e e-mail.

Com validade de cinco anos, a legislação ainda exige que a família mantenha os dados cadastrais atualizados e que, sempre que a carteira for renovada, o número de identificação seja mantido. Isso porque ele permite a contagem das pessoas com TEA no território nacional.

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