Cultura

MPB – a brasilidade em forma de música

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VITOR PAIVA 

A Música Popular Brasileira (MPB), gênero musical que surgiu por volta dos anos 60 em meio a um momento político conturbado na história do país, e foi se tornando, para além da música, um movimento de protesto contra a ditadura militar. 

Dentre as suas principais características estão o combate à censura instaurada pelos militares e o resgate a diversos aspectos da cultura nacional. Apesar da postura subversiva dos músicos, alguns consideravam o movimento um tanto elitista, já que, boa parte das pessoas que faziam parte da MPB, eram ligados às universidades ou intelectuais. 

(Nando Reis e Jão, em foto promocional da música Sim)

Para aqueles que não conhecem muito bem essa criação nacional, grandes artistas brasileiros fizeram parte desse movimento, como Chico Buarque e Caetano Veloso, como dois grandes expoentes desse gênero, que conta com muitos outros artistas de peso. 

Entretanto, a realidade do país, assim como seus costumes, produções culturais e formas de se consumir arte, se modificaram, e, consequentemente, a MPB também sofreu alterações, o que resultou no movimento conhecido como a Nova MPB.

Hoje, o gênero se expande de maneira muito mais horizontal, abrangendo diversos estilos e gêneros diferentes, possuindo várias facetas dentro das diversas áreas, através dos seus inúmeros artistas, indo do brega nordestino até ao rap, indo de Duda Beat a Emicida (para quem duvida, basta conferir o álbum Amarelo do cantor e procurar todas as referências). 

Os mais puristas dizem que o gênero foi desvirtuado, que perdeu suas raízes,; e sim, isso é verdade, o que vemos hoje é muito menos referente à a antiga bossa nova, e muito mais próximo a gêneros populares da atualidade, como o pop, o sertanejo, o rap e muitos outros, e, mesmo assim, não deixa de ser MPB, pois em essência, o movimento é uma grande batida de brasilidades em um grande liquidificador de criatividade. 

Outra grande mudança dentro do gênero foram as temáticas abordadas em suas letras, o que é completamente natural, já que elas refletem sentimentos intrínsecos ao seu tempo. 

Imagine você, em meio a uma ditadura, e discordando de tudo o que está acontecendo em seu país, o sentimento de revolta e protesto contra o que está sendo imposto posto é óbvio, assim como relatos pessoais do que está acontecendo. 

Já a nova onda da MPB, segue o mesmo espírito, de certa maneira, entretanto, nos tempos atuais, as discussões são mais subjetivas, internas e reflexivas, com como pode ser observado na canção Masculinidade, de Tiago Iorc. 

Essa diferença nos temas abordados não quer dizer que não existam existem inspirações, referências ou paralelos com a antiga MPB, e outros artistas nacionais. O próprio Iorc é caracterizado pela realização de diversas canções apenas com voz e violão, que é uma característica muito presente na obra de Chico Buarque, por exemplo.

Tiago Iorc em apresentação ao vivo do álbum Troco Likes

Ponto de vista técnico 

Para o professor de música Denilson Carneiro, da Escola de Música do Acre, localizada no bairro Tucumã, “definir o que é a MPB é muito difícil, dada a sua pluralidade, o que cria sonoridades muito diferentes dentro do mesmo gênero”. Além disso, ele afirma que o rótulo surgiu meramente por motivos comerciais, e que, por definição, qualquer música regional e tradicional poderia se encaixar como música popular brasileira. 

“O termo MPB, seria uma forma de rótulo inventado pela indústria fonográfica para conseguir vender o que era inclassificável. Imagina que num supermercado os produtos têm seus rótulos e você sabe o que vai encontrar dentro da embalagem, tem ali escrito arroz e você sabe que vai ter arroz dentro do saco, no caso de artistas como Gilberto Gil, Chico Buarque, Caetano Veloso, etc, você pega um disco deles e tem Rock, tem Samba, tem Bolero, Samba Reggae, Blues, Baião.”, exemplifica Denilson. 

Ele também explica o motivo do gênero, – se é que podemos chamar a MPB desta forma agora -, ter ficado de lado após a explosão dos seus grandes nomes no

país. “Com o avanço da internet, essas indústrias (fonográficas) perdem força econômica, pois não se vende mais discos como antes, e eles passam a investir menos na produção do seu casting, e, inclusive, reduzem os seus castings de artistas. Isso é relevante pro surgimento de novos nomes que tivessem a mesma proporção de fama de seus nomes e trabalhos”, disse o professor. 

Denilson ainda comenta sobre a incapacidade de se comparar artistas das duas épocas, visto que são mercados, formas de se consumir, e também de se vender, completamente diferentes. 

“Na época do Chico Buarque existiam algumas poucas rádios e canais de televisão, e na época do Tiago Iorc existe o YouTube e as plataformas de streaming, apesar do Tiago ter tido uma certa expressividade, eu considero que são contextos muito diferentes, inclusive musicais”, explica Denilson. 

Outro ponto que ele destaca, sobre a dificuldade de compará-los, são as influências que construíram o estilo musical de ambos os artistas citados, já que Iorc certamente teve influências muito distintas de Chicho, mesmo que o segundo tenha influenciado também o primeiro. 

“Os trabalhos são muito diferentes, o que tocava na época do Chico Buarque que foi influência musical pra ele, não toca na época do Tiago Iorc, e talvez o Chico seja uma influência pro Tiago, só que o Chico condensa muita coisa, e o Tiago tem outras influências musicais que na época do Chico nem existiam ainda”, finalizou ele.

Chico Buarque em show ao vivo

Liquidificador de referências 

Apesar dos apontamentos feitos pelo professor Denilson Carneiro, é impossível, na prática, não fazer essa comparação entre velhos e novos artistas, alguns têm influências claras na antiga MPB e também em outros gêneros. 

Dizer que os contextos de ambos são diferentes é uma realidade, mas no campo das ideias, pensar no “e se…”, abre um enorme leque de possibilidades., como por exemplo: Como seria o trabalho do jovem em ascensão Jão, com suas músicas que relatam um amor e suas desilusões, por vezes de maneira exagerada, se ele tivesse produzido suas músicas na década de 80? 

Certamente diversos nomes seriam levantados como forma de traçar uma proximidade lírica e sonora. E se o contrário fosse proposto? Comparar essas situações, refletir sobre as produções e seus contextos podem nos ajudar a entender de onde a música veio, onde ela está e para onde ela está indo. Já que a cada segundo que passa, devido à grande facilidade em se consumir arte na atualidade, os novos músicos, cantores e compositores, são cada vez mais um grande liquidificador de referências. 

(Marisa Monte e Silva, em clipe da música Noturna)

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