Histórias de vida

Do interior do Acre para o Maracanãzinho lotado

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Por Maria Fernanda Arival

No dia do concurso não parecia ser eu, parecia que eu estava flutuando, como em um sonho, eu não sei explicar a emoção. Foi no Maracanãzinho, tinha 30 mil pessoas e todos aqueles refletores em mim… Quando chamou: ‘Miss Acre’, fui a primeira a pisar na passarela, o coração acelera e os olhos enchem de lágrima, parece mesmo que eu estava flutuando”.

Aos 73 anos, a senhora Raimunda da Silva Farias relembra seus dias de passarela. Há 54 anos ela foi coroada Miss Acre. Hoje, Raimundinha, como é conhecida por todos, é aposentada pelo Estado do Acre, viúva, mãe de três filhos, avó de seis netos e bisavó de uma menina

Ela nasceu em Sena Madureira, interior do Acre, em 1948, e é a única mulher dentre 7 irmãos. Em 1967, ainda solteira, levava consigo o nome de batismo: Raimunda Nogueira da Silva. Quando recebeu o convite tinha apenas 18 anos e cursava o último ano do ensino médio na Escola Técnica do Acre, em Rio Branco. “Em fevereiro foram duas moças do grêmio lá na minha casa me convidar. Eu fiquei muito surpresa porque eu era uma pessoa muito pobre, muito humilde e nem participava de eventos e de festas da sociedade, só trabalhava e estudava”, diz ela, relembrando o convite.

Deitada na rede cor de rosa, ela conta que não tinha noção do que fazer, não sabia desfilar e nem tinha roupas e sapatos adequados. “Eu não sabia se aceitava. E elas falaram ‘não se preocupe, a gente vai preparar você’. Então, compraram roupas e sapatos que eu não tinha. Não sabia desfilar, fui na casa da Islene Farias (uma das integrantes do grêmio), a mãe dela me ensinou a desfilar e me ensinou etiqueta. O Miss Acre aconteceu em maio de 1967”.

Raimunda Nogueira à direita. Foto: Arquivo Pessoal.

Na época com 1,68 m de altura, 90 cm de quadril, 55 cm de cintura, loira e com os olhos verdes, a Miss Acre 67 recebeu a coroa pelas mãos da primeira-dama do Estado, Georgete Kalume, esposa do governador Jorge Kalume, e a faixa pelas mãos do presidente do Rio Branco Futebol Clube, Ary Rodrigues. “Eu desfilei de maiô e com traje de gala. Era um vestido brilhante azul petróleo no modelo tomara que caia. O grêmio do clube mandou fazer para mim e o concurso aconteceu na sede do clube. Eu fui muito aplaudida, todos gostaram da minha vitória, até hoje as pessoas dizem que eu fui a Miss mais bonita até então. No ano seguinte, quando passei a coroa, já foi em um estádio, o clube havia ficado pequeno.”

Raimundinha preparou-se pelos dois meses seguintes para ir ao Rio de Janeiro, onde aconteceu o Miss Brasil. “Eu viajei e fiquei hospedada no hotel junto com as outras participantes. Fomos em vários eventos e jantares que eram organizados somente para que nós pudéssemos aparecer”, conta Raimundinha, lembrando que era muito cansativo, levantavam cedo para se arrumar e cumprir com os compromissos.

Um dos jantares oferecido para as candidatas no Rio de Janeiro. Raimunda é a primeira, no canto esquerdo. Foto: Arquivo Pessoal.

“No dia do concurso não parecia ser eu, parecia que eu estava flutuando, como em um sonho, eu não sei explicar a emoção. Foi no Maracanãzinho, tinha 30 mil pessoas e todos aqueles refletores em mim… Quando chamou: ‘Miss Acre’, fui a primeira a pisar na passarela, o coração acelera e os olhos enchem de lágrima, parece mesmo que eu estava flutuando”, conta a ex-miss, suspirando. Com muita emoção, Raimundinha fala que ficou entre as 15 finalistas, mas a vencedora daquela edição foi a Miss São Paulo, Carmen Silva, seguida pela Miss Paraná e Miss Pará. 

“Quando voltei para Rio Branco, ainda fiquei três meses fora da minha casa. Me hospedei na casa da minha colega Lucibeth, que também fazia parte do grêmio, porque ela morava no Centro e ficava mais fácil para ir aos lugares que a agenda de miss necessitava”. A Miss Acre 67 conta que visitou vários órgãos públicos, o Palácio do Governador e a sede da Prefeitura, bem como vários municípios, para que as pessoas conhecessem a Miss. “Nas festas, a atração era a Miss Acre, desfilava com o traje típico. Não tinha televisão na época, então, eu tinha que ir para as pessoas me verem.”

No tempo que precisou ficar longe de casa, ela só se comunicava com a família por radioamador. Ao ser questionada sobre o trabalho e os estudos, Raimundinha conta que pediu férias do trabalho e teve problemas na escola. “Eu cheguei a tirar até zero porque o professor não me deu a nota que eu precisava. Eu cursava o terceiro ano do ensino médio. Quando voltei para escola virei autoridade, era miss para cá e para lá, os rapazes todos querendo namorar.” Até hoje, onde ela chega, as pessoas dizem: ‘ela já foi miss’.

Quando fez 50 anos, dona Raimunda foi convidada para uma festa realizada pela Associação do Banacre (Banco do Estado do Acre) e lá foi homenageada, desfilando com outras misses da associação. “Foi muito bacana. Só não fui feliz na minha escolha de roupas, eu tinha muita vergonha, então preferi um vestido mais simples”, conta ela, dando risadas por assumir que não usava a cor vermelha no dia a dia para não chamar atenção.

Hoje, Raimundinha relata tudo com brilho nos olhos. E sempre que revive esse período da vida, ela lembra de algo diferente. Por isso que eu, neta dela, sempre lhe peço para contar a história da época em que foi Miss Acre.

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