Ensino Remoto possibilita permanência de estudantes na Universidade durante a pandemia, mas recebe críticas de alunos e professores
Por Carlos Alexandre, Bianca Alexandre Cabanelas Disney Mendes de Oliveira
Com as aulas presenciais suspensas desde março de 2020, a Universidade Federal do Acre (Ufac), na tentativa de dar continuidade ao processo de formação dos alunos e evitar mais atrasos, deu início as aulas do Ensino Remoto Emergencial (ERE) em 26 de outubro do mesmo ano, que foram finalizadas em janeiro de 2021. Os mais de 70% dos alunos em situação de vulnerabilidade social foram contemplados com dois editais, lançados pela Ufac, que garantiram internet e equipamento digital para os estudos.
Em 25 de março deste ano, a Ufac retornou com o ensino remoto para dar continuidade as atividades acadêmicas relativas aos anos de 2020 e 2021. As aulas deste primeiro semestre devem se estender até o dia 28 de junho, enquanto no dia 12 de julho devem se iniciar as aulas referentes ao segundo semestre do ano de 2020, de acordo com o calendário da Universidade. A instituição planeja iniciar o primeiro semestre referente ao ano de 2021 em 20 de outubro e a previsão é que este seja finalizado no fim de janeiro de 2022.
Mesmo garantindo que muitos alunos consigam se formar neste período de pandemia, a decisão do Ensino Remoto não foi bem aceita por uma parte dos estudantes e professores. As principais razões são a falta de um ambiente físico propício para alunos, a falta de aulas práticas, a ausência de equipamentos corretos para estudo e a situação social em que vivemos.
A coordenadora do Curso de Bacharelado em Psicologia da Ufac, Madge Porto, leciona há seis anos no curso, mas antes disso já atuava como psicóloga na Universidade, atendendo estudantes e servidores.
A professora se coloca contra as aulas online no momento em que vivemos: “Entendendo que a situação não é sobre ter aula online e sim sobre estar vivendo uma pandemia, onde o número de pessoas adoecidas e de luto só aumenta. A população e nossos alunos estão com medo e sofrendo com a perda de familiares. Era um clima que não cabia a gente retomar aula como se nada estivesse acontecendo”, ressalta.
Para a professora, as atividades que se relacionam com a pandemia seriam de maior valor do que ter aulas regulares, pois acredita que o papel ideal para a Universidade seja o de ajudar a população nesse momento. Ela também pontua que mesmo para aqueles que têm pressa para se formar com a ajuda do ensino remoto, a situação do mercado de trabalho não é favorável: “Se não há emprego, não há como se trabalhar. Precisamos repensar esse sistema capitalista de vida. As pessoas estavam com muito mais medo de perder o emprego do que de morrer. Para mim, o foco é pensar a pandemia e formas de auxiliar a população”.
Mesmo relatando que muitos alunos sentem dificuldades de se concentrar nas aulas e realizar seus trabalhos em um ambiente que não é propício, além da falta de incentivo e fornecimento de equipamentos apropriados para os professores, Madge falou que as dificuldades do ensino remoto são muito maiores do que as estruturas físicas que deixam de ser oferecidas com ele e que é preciso pensar de modo social como esses alunos irão acessar esse ensino.
Com conhecimento de causa por seus nove anos de trabalho no Sistema Único de Saúde (SUS) e mestrado em Saúde Coletiva, ela espera que os alunos entendam a gravidade da situação que está sendo vivenciada: “Posso afirmar que não há política de saúde pública nesse governo e consequentemente não sabemos o número de pessoas que morreram por conta dessa doença. Considero este um momento muito difícil vendo o desprezo do governo diante da calamidade, vendo mortes que poderiam ser evitadas e o investimento sendo retirado da Universidade”.
A coordenadora acredita que não existe possibilidade de melhora no ensino remoto, entendendo que a impossibilidade de se relacionar com a turma e ver o andamento da disciplina não é favorável com o atual modelo.
Sobre futuras esperanças, ela se emociona ao falar da possibilidade de se vacinar e mostra descontentamento com a falta de organização do governo atual: “Diante da possibilidade desse governo acabar, tenho mais esperança acreditando em uma gerência com um presidente como o Lula. Essa pandemia será enfrentada de uma outra forma. É um momento muito difícil, mas eu carrego a esperança de dias melhores”, finaliza a docente.
O professor Henrique Jorge de Freitas que leciona nos cursos de Agronomia e Veterinária vê o ensino remoto como uma ferramenta válida para o momento que vivemos. Freitas atua como professor há 27 anos e viu como uma possibilidade a opção de ministrar aulas à distância, mas se diz preocupado de como aulas práticas seriam realizadas, a adaptação dos professores com as novas ferramentas de ensino e as condições dos alunos de acessar a internet.
Ele sente que por meio de telas há uma menor interação entre professor e aluno, sentindo uma diminuição nos questionamentos que eram mais recorrentes na sala de aula, assim minando a discussão sobre os conteúdos apresentados. A falta de aulas práticas e o convívio com seus alunos são outros fatores que se perderam com o ensino remoto. O docente enfatiza a importância das aulas práticas que aconteciam nos laboratórios, uma experiência essencial para a formação dos futuros profissionais.
Freitas, que já teve a oportunidade de se vacinar, têm a expectativa de que as aulas presenciais retornem no início de 2022 e diz estar aprendendo muito com o atual tipo de ensino. Ele pretende levar para suas aulas presenciais essas novas experiências, como enviar material complementar para seus alunos.
Desgaste dos alunos
A falta do ambiente da Universidade que costumavam frequentar diariamente e de estrutura em alguns ambientes familiares que não são favoráveis para se estudar com tranquilidade estão entre os principais problemas apontados pelos alunos. O espaço físico da Universidade também é destacado como de extrema importância por possibilitar que os alunos tenham acesso aos materiais que os auxiliem no estudo, um exemplo é a biblioteca central que era um dos espaços de recorrente uso por muitos universitários.
A aluna Ranna Macedo, estudante de psicologia, comenta sobre como o ambiente também era um espaço onde as dificuldades financeiras eram minimizadas por meio de pequenos empreendimentos que alunos exerciam fora das salas de aula.
“No ensino remoto essa renda extra, que era feita na faculdade, não é possível. Quem passa fome, não estuda. Quem não tem estrutura para se alimentar, não tem estrutura para estudar. E quando falo de estrutura, falo de um ambiente silencioso e favorável, acesso à luz, internet e materiais que eram possíveis com a Universidade. Estamos falando de pessoas que passam a ter um ambiente escolar adequado e possibilidades de se reinventarem dentro daquele ambiente”.
Cursando o nono período do curso, ela se encontra a um passo da tão sonhada formação. Mas mesmo com a possibilidade de conseguir o diploma com o ensino remoto, ela acredita que a medida tenha mais desvantagens do que vantagens.
‘’Sou contra o ensino remoto. Trata-se de uma situação que assegura a divisão e a diferença exorbitante que tem entre as pessoas que são a favor do EAD e as pessoas que não conseguem acompanhar. Isso porque existe uma grande diferença na situação econômica das pessoas que conseguiram estar em uma Universidade. Essa segregação estimula e acaba sendo favorável ao sucateamento da educação pública no nosso país.”
A futura psicóloga reforça a necessidade de um olhar cuidadoso com as pessoas que não estão sendo alcançadas nesse momento, de políticas de assistencialismo e auxílios que possam garantir maior igualdade entre esses estudantes. Além disso, ela se mostra ansiosa para a tão sonhada volta às aulas presenciais:
“A psicologia, antes do período pandêmico, recebeu nota 5 no ENADE, e conseguimos isso presencialmente. É de forma presencial que o nosso trabalho é feito, mesmo que exista um ou outro que seja possível a realização de forma online, e ainda assim, não é o ideal.
É inegável que o ensino presencial também tem problemas e questões para serem repensadas e remodeladas, mas de modo geral, ele é muito mais vantajoso do que o ensino remoto. Desejar voltar ao presencial é o sonho mais puro que tenho tido. Infelizmente, parece tão distante graças ao governo atual. Poderíamos estar tirando nossas máscaras, mas ao invés disso, continuamos contabilizando mortes.”
Outro ponto em comum entre os entrevistados é a preocupação de se ter um ensino remoto igualitário, que não prejudique ainda mais alunos mais desfavorecidos. A aluna do sétimo período do curso de direito bacharelado, Ana Flávia Carvalho se mostra contra o ensino remoto e fala sobre as dificuldades que o modelo de ensino expõe:
“Me posicionei contra desde o início, primeiramente pela injustiça frente aos alunos que não possuíam equipamentos e segundo pela qualidade das aulas. Acredito que esteja comprometendo a qualidade do ensino. Eu não tinha computador quando o ensino começou, mas com os esforços do meu pai, pude adquirir um. Estudo dentro do meu quarto, sem escrivaninha ou cadeira, e sinto muita falta de um ambiente adequado para os estudos e um lugar silencioso. E também considero essencial a presença do professor, de forma física, para ter mais foco.”
A estudante reforça que, apesar de ter apenas aulas teóricas, outros cursos estão sendo prejudicados por conta das aulas práticas que acabam não sendo realizadas. E que os problemas do ensino remoto vão muito além das questões simples e técnicas que envolvem as discussões sobre o sistema:
“Entretanto, as matérias teóricas também precisam ser repassadas da melhor forma possível. E mesmo assim, se o aluno não estiver focado, num ambiente adequado, não vai absorver o conteúdo de forma proveitosa. Estamos envoltos por muita tristeza, insegurança, incerteza e medo. É difícil estudar, é difícil trabalhar, mas continuamos cumprindo nossos deveres como se o mundo não estivesse um verdadeiro caos. É muito complicado pensar em prazos das faculdades enquanto um tio está sendo velado, pensar em corrigir provas enquanto o irmão está entubado, lutar pela Universidade enquanto o governo federal corta todas as verbas em meio a uma pandemia, entre outros cenários.”
Apesar de ter receios em relação a uma possível volta as aulas presenciais, Ana Flávia conta que se sentia muito mais estimulada antes justamente por conta do ambiente universitário já que este “é fundamental para o sentimento de pertencimento e para impulsionar os alunos”.
De acordo com uma estudante do curso de bacharelado em Enfermagem ouvida pelo A Catraia, mas que não quis se identificar, existem muitas dificuldades no ensino remoto como um conteúdo mais denso, dificuldade nos horários assíncronos e síncronos e atividades mais extensas, além de perceber as adversidades que seus professores enfrentam, como a de se adaptarem com as plataformas utilizadas na nova modalidade de ensino.
A futura profissional da saúde acredita que a Universidade deveria investir em auxiliar e ensinar os docentes no manuseio das plataformas digitais: “Principalmente nos cursos da área de saúde, temos que exercitar nossa imaginação de maneira mais precisa e o conteúdo de doenças mais complexas são dadas de forma corrida devido ao tempo reduzido de aula. O aluno deve ter consciência e estudar com mais afinco do que no presencial, para que os prejuízos sejam menores para si mesmo na sua futura profissão.”
Esperando retomar às aulas presenciais no ano que vem, Juliana pontua sobre o atual governo e a situação pandêmica que nosso país vive: “É compreensível a indignação e raiva que essa pandemia nos gera. Um sentimento de revolta contra esse governo genocida que nega à sua população e o sucateamento das universidades, tendo inclusive a nossa Universidade como vítima de cortes e o futuro cada vez mais sombrio. Tento pensar que o brasileiro vai perceber o buraco que se enfiou ao escolher o pára-quedista ao invés do professor.”