Por Victor Manoel
A Catraia publicou, em janeiro de 2022, uma matéria sobre “um número significativo de acreanos que estaria migrando para outros estados, em busca de melhores condições de vida”. Caso você já tenha participado de alguma das aulas de Ética do curso de jornalismo na Universidade Federal do Acre, deve ter ouvido falar dela. Essa narrativa, alimentada por relatos pessoais e sem dados precisos, encontrou eco nas aulas da professora Franciele Modesto, revelando desafios da apuração jornalística.
O que chamava a atenção era que “naqueles anos, esse assunto estava em alta. A gente ouvia muito frases como: ‘minha amiga se mudou para outro estado’ ou ‘muita gente está se mudando para outros lugares’”, relata Carolina Torres, a universitária e, agora, assessora de imprensa, que assinou o texto.
Para Modesto, professora do curso de Bacharelado em Jornalismo, o profissional precisa conferir se as informações procedem e, ao divulgar dados oficiais, se as interpretações são pertinentes. Quando há dúvida, o caminho é consultar outros profissionais que possam auxiliar na discussão e análise do assunto.
Na região Norte, o Acre e Amapá exibiram taxas líquidas negativas de -2,86% e -2,40%, respectivamente. Quando observados os dados da principais UF de residência, as UF do Norte registraram fluxo migratórios significativos direcionado à Região Sul, bem como migração interna na própria macrorregião. O destaque foi para Santa Catariana e Paraná, os principais destinos de emigração de todos os estados do Norte, com exceção do Tocantins. O Acre registrou 23,1% dos seus emigrantes para Rondônia, 13,9% para Santa Catarina e 10,1% para o Amazonas.
Os perigos da desinformação
Segundo o Instituto Locomotiva, cerca de 90% da população brasileira admite ter acreditado em conteúdos falsos reproduzidos em redes sociais. Gisele Almeida, editora-chefe do site AGazeta.net, aponta para alguns “sinais” de que uma matéria pode carecer de apuração:
“Quando aquele material não tem outras fontes, é o material muitas vezes só com uma fonte ou aquele material que foi só escrito pelo próprio jornal, eu já desconfio, né? Eu fico cadê a fonte oficial, cadê a fonte X a fonte Y?”.
O caso da migração acreana, segundo Modesto, revela “análises equivocadas de dados que induzem a opinião pública a pensar que não é uma boa decisão morar no Acre porque as condições de vida, de modo geral, são ruins”. Por conta disso, ela apontava criticamente o texto. Apesar do texto ser fruto de um fenômeno social que estava em alta, como afirma a ex-discente do curso que redigiu a matéria.
“A hipótese é que sim, caso não haja políticas públicas eficientes de emprego decentes, segurança, infraestrutura urbana, saneamento básico, atividades de lazer e cultural no estado para que a essa população, em especial a juventude, possa querer permanecer no estado”, disserta o Prof. Dr. José Alves do curso de Geografia da Ufac, sobre se houve ou não um ciclo de migração.
Modesto cita a notícia do “A Catraia” de 2022, que em seu lead afirmava a saída de acreanos por “falta de segurança pública, ausência de emprego e qualidade de vida”, sem apresentar números ou pesquisas que comprovassem a dimensão ou as causas da migração, mas com base na fala de pessoas que fizeram o processo descrito.
É preciso apurar
Em casos extremos, a falta de checagem pode ter impactos devastadores, como a exposição e até a morte de pessoas inocentes, como ocorreu no caso de uma mulher na Cidade do Povo, linchada por conta de uma fake news, mencionado por Almeida, em 2025. A resposta da redação, quando há suspeita de erro, deve ser “imediata”:
“A gente arquiva aquele material e vai apurar onde está essas informações erradas”. Para Almeida, preza-se pela “veracidade” e pela “ética”.
Carolina Torres, responsável pela matéria inicial do “A Catraia”, admite que a primeira abordagem foi mais focada apenas nos relatos de pessoas próximas, muito se devendo ao tempo apertado que envolve conciliar vida profissional e a próxima avaliação do semestre:
“Naquele momento, não utilizamos dados, queríamos apenas relatar os motivos que levavam as pessoas a partir”, diz. Ela explica que a pauta surgiu em um contexto pós-pandemia, com demissões, fechamento de empresas e crise no Sistema Único de Saúde, o que reforçava a percepção de que muitas pessoas queriam sair do Acre.
“Uma cidade que não consegue manter bons níveis de saneamento básico, ausência de atividades de lazer para a juventude, programas efetivos de empregabilidade e geração de renda, certamente funciona muito mais como local de expulsão de população do que atração de mão de obra qualificada”. Para o professor Alves, essa realidade pode ser observada nas condições de transporte, trafegabilidade e manutenção das vias públicas, e não se restringe a execução dos governos municipais, pois os investimentos dependem das parcerias desses com os governos estadual e federal, revela.
Uma outra matéria
Com o tempo, a percepção de Carolina Torres mudou, e sua relação com o tema se aprofundou. “Na primeira matéria, o enfoque era mais no relato; na segunda, trouxemos dados concretos”, afirma.
A segunda matéria, que ela cita, foi publicada pela Agência de Notícias do Acre em 28 de julho de 2025 e foi justamente para “explicar dados do IBGE e desmentindo, a partir de dados, que os acreanos, nos últimos anos, se mudaram em grande quantidade para SC”, declara Torres.