A pesquisa TIC Kids Online Brasil 2024 revela que 83% dos jovens entre 9 e 17 anos usam redes sociais como WhatsApp, Instagram, TikTok e YouTube. O levantamento, feito com 2.424 crianças e adolescentes e o mesmo número de responsáveis, mostra o impacto crescente dessas plataformas no cotidiano infanto juvenil.
Uma delas é a estudante Alicia da Luz, de apenas 10 anos, que já tem uma rotina digital típica da nova geração. Seguidora assídua das trends do TikTok, ela gosta de acompanhar dancinhas, músicas e desafios. Às vezes, as canções ficam tanto tempo na cabeça que ela começa a dançar sozinha em locais públicos. “Eu acho que influencia um pouquinho, porque tem vezes que dá vontade de dançar muito”, conta.
Com conteúdos rápidos, que viralizam em questão de horas, as trends acabam moldando hábitos, linguagem e comportamentos. Mas essa exposição constante também levanta alertas, como influência na autoestima das crianças, Alicia diz que já ficou triste ao se comparar com outras meninas da Internet. “Tem vezes que isso machuca, porque às vezes, eu estou desarrumada e do nada aparece uma menina bem arrumada na minha ‘for you’”, relata.
Psicóloga Samara Pinheiro. Foto: Arquivo Pessoal
Influências e riscos
Nem todos os jovens se sentem pressionados. Para o irmão de Alicia, Adam da Luz, de 13 anos, diz não se importar em seguir trends: “Gosto de assistir vídeos de jovens que participam da igreja. Mas não sinto pressão. Prefiro sair pra jogar bola”, afirma. Mesmo assim, reconhece os dois lados da moeda: “O lado bom do TikTok é que dá pra ganhar dinheiro. Mas o lado ruim são os golpes e vídeos falsos”.
Para a pedagoga Maria do Carmo, mãe dos dois jovens, os filhos possuem uma boa relação quanto ao uso de telas. Ela monitora e alerta quando o conteúdo pode ser negativo para eles. Ainda assim, a pedagoga reconhece que o consumo pode afetar a autoestima deles: “os conteúdos mostram uma forma de viver luxuosa, sem problemas, onde tudo dá certo, então com isso eles criam sonhos, pois acreditam que tudo pode ser como a vida dos influenciadores”.
O professor de língua portuguesa Marcos Freire é pai do Gabriel, de 11 anos. Para ele, as redes sociais podem, sim, contribuir para o amadurecimento. “Como somos sujeitos constituídos pelos discursos que nos rodeiam, meu filho foi naturalmente interpelado por uma rede muito grande de ideias e informações. Isso fez com que ele tivesse rapidamente posicionamentos diversos, o que é uma espécie de amadurecimento cognitivo precoce”, reflete.
Adam e Alícia. Foto: Arquivo Pessoal
Por outro lado, ele também vê riscos. “No que se refere ao amadurecimento sociointeracional, pode haver prejuízos. Por isso, acredito que o equilíbrio seja a melhor decisão: observar o tempo de tela, a idade de início e oferecer orientações constantes”, diz.
Impactos psicológicos
A relação dos jovens com as redes sociais acendem um sinal de alerta para pais, escolas e profissionais da saúde. O contato constante com conteúdos virais, números de curtidas e seguidores pode afetar diretamente a autoestima e o desenvolvimento emocional dos adolescentes.
A psicóloga Samara Pinheiro reforça que o contato com ideais inatingíveis pode provocar sentimentos de insuficiência. “Isso ativa comparações entre o self real [a forma como a criança se percebe no mundo real] e o idealizado, gerando angústia. O adolescente está em construção e, ao tentar corresponder a padrões irreais, pode desenvolver insegurança, ansiedade e até problemas com a imagem corporal”, explica.
Nesse cenário, o papel da família e da escola é fundamental. A orientação deve vir antes do controle. “O adolescente é espelho. Se os pais não dão o exemplo de um uso equilibrado, as regras perdem o sentido”, reforça a psicóloga. Estabelecer horários para o uso das redes, conversar sobre o que é consumido e incentivar outras atividades fora do ambiente virtual são caminhos possíveis.
Maria do Carmo. Foto: Arquivo Pessoal
Marcos Freire concorda com a psicóloga, para ele, a construção da identidade é um processo delicado, especialmente em um ambiente tão multicultural e acessível como as redes. “A plasticidade exacerbada de quem o sujeito pode se tornar pode gerar conflitos. Por isso, a família deve ser apoio, referência e promotora de ideais. Isso fortalece o caminho dos nossos jovens”, diz.
Outros caminhos
As redes sociais oferecem oportunidades de aprendizado, conexão e diversão. Alicia cita os filtros, quizzes e vídeos educativos como pontos positivos. “Tem vídeo de pergunta e de quiz que eu gosto. Mas tem também os vídeos ruins, de maus-tratos com animais, vídeos adultos. Isso me deixa muito triste”, conta.
Mesmo entre crianças, já há percepção crítica sobre o conteúdo. “No Instagram, aparecem mais coisas feias do que no TikTok. Quando vou seguir alguma amiga, vejo umas coisas que fico horrorizada”, relata Alicia.
As falas das crianças, adolescentes e seus responsáveis apontam que a influência digital não é apenas uma questão de tempo de tela. O apoio familiar é importante, sem o uso do controle, mas da orientação: “Se a família tiver possibilidade, ofereça outras alternativas ao mundo virtual, seja um hobby, dança, leitura ou exercício. É importante também observar os sinais de alerta, o comportamento daquele adolescente”, finaliza.