Publicações de criadores de conteúdo podem comprometer a luta dos jovens por um mundo sustentável
Por Gabrielly Martins
Com o crescimento das redes sociais e os avanços tecnológicos, as plataformas digitais criaram um cenário favorável aos influenciadores — profissionais responsáveis pela produção de conteúdo voltados a um determinado segmento, como moda, saúde, estilo de vida, entre outros, que auxiliam na divulgação de serviços e produtos de diferentes marcas —, na mesma medida que tornou o controle sobre o que é consumido mais trabalhoso, gerando impacto em alguns valores, como no de consumo sustentável.
No panorama atual, os influenciadores digitais são utilizados como uma ferramenta humanizadora, onde para além de uma relação direta do mercado tradicional, é priorizada a narrativa de identificação e proximidade com a figura influente, o que torna as campanhas publicitárias mais efetivas e lucrativas. Esse processo pode ou não considerar se o desperdício de produtos e o descarte inadequado de materiais têm um impacto na criação de princípios sustentáveis para a geração Z e demais grupos presentes nas plataformas digitais.
É possível citar, nesse contexto, o mercado da moda rápida e sua capacidade de propagar tendências que estimulam o consumo e o descarte quase imediato de peças com potencial poluente, como jeans e couro.
Sendo a segunda indústria mais poluidora do mundo, segundo levantamento publicado pela Global Fashion Agenda em 2022, o setor de moda já gerou 92 milhões de toneladas de resíduos têxteis, e torna o debate sobre sustentabilidade em seu meio ainda mais necessário e relevante. Para a criadora de conteúdo acreana, Ana Vitória Galvão, que trabalha dentro do segmento da moda, as práticas conscientes relacionadas a questões ambientais sempre fizeram parte de sua moral e identidade.
Ana Vitória Galvão, influenciadora digital acreana. Foto: @anavigalvao – Instagram
Em entrevista para A Catraia, a influenciadora destaca que essas práticas nunca foram um conteúdo, mas sim uma extensão de seus valores pessoais. “Quando eu trabalho com uma marca e recebo as peças de roupa, normalmente eu devolvo. Antes, eu era uma pessoa muito consumista, e percebi que estava acumulando roupas que eu sequer utilizava, então fui trabalhando essa questão de rotatividade. Em outros casos, eu utilizo as roupas por um tempo e quando eu sinto que estou mudando de ciclo, eu faço a doação dessas roupas”.
O sentimento de necessidade de estar antenado ou de se adaptar com rapidez às novas modas, contribui para que uma peça não tenha seu valor reconhecido, e que elementos como atemporalidade e reuso não sejam considerados. “Tem pessoas que só porque eu usei uma peça, ou divulguei uma peça, vão lá comprar. Não é porque achou bonito, ou porque aquilo realmente faz parte do estilo pessoal dela. Aquilo vai ficar parado no seu guarda-roupa. Por isso comecei a elaborar conteúdos onde eu pego uma peça parada, e mostro para o meu público formas de ressignificar”.
Ana Galvão afirma que busca gerar mudanças, incentivando o público a participar de bazares, brechós, disseminando o conceito de moda circular e outros serviços de informação em pequena escala, que contribuem na compreensão do assunto dentro da segmentação.
Publicidades insustentáveis e a revolução no setor da moda
As plataformas digitais também contribuem para a divulgação de movimentos como o Instituto Fashion Revolution Brasil (IFRB). Formalizado no país em 2018, o IFRB surgiu em decorrência do trágico desabamento do edifício Rana Plaza, em Bangladesh, no dia 24 de abril de 2013. Sensibilizados pelas mortes das vítimas, que trabalhavam em condições análogas à escravidão, o instituto iniciou suas ações no país, como a Semana Fashion Revolution, que por meio de rodas de conversas, aulas, projetos e exibições de filmes, visa incentivar os consumidores brasileiros a cobrar posicionamentos éticos e sustentáveis das marcas.
IFRB no Fórum Fashion Revolution 2023. Foto: Reprodução/Divulgação
Glícia Cauper, porta-voz do IFRB na cidade de Manaus, Amazonas, vê as publicidades como “a ponta do iceberg” e destaca que grande parte dos problemas sociais são sistêmicos. “Hoje, há pouco tempo para conciliar trabalho, afazeres domésticos e outras atividades pessoais, então as redes sociais, por terem um formato dinâmico e veloz, se tornam um entretenimento. A ausência de um tempo de qualidade acaba gerando um sentimento identitário de “ter” para “ser”, o que impacta o meio ambiente.”
Para a representante do instituto, tornar o debate sobre sustentabilidade mais acessível nas redes sociais “depende da mudança na estrutura das campanhas publicitárias e de uma fase de sensibilização dos usuários”.
Moda consciente no Acre e influenciadores
A marca Made in Acre valoriza a cultura regional e os povos originários, promovendo a produção consciente através de linhas como a MIA Consciente, que utiliza tecidos reutilizados. Esses princípios também são aplicados na presença digital. As fundadoras Rayssa Alves e Juliana Pejon, destacam que os influenciadores que trabalham com a marca compartilham de ideais sustentáveis.
“O influenciador não precisa estar no nicho da sustentabilidade, mas se no seu dia a dia ele se mostrar dedicado e engajado à causa ambiental, que é uma prática que temos em nossa marca, ele vai de fato representar a Made in Acre”, afirmam as empresárias.