Sinônimo de liberdade, o rock se tornou uma forma de expressão e manifestação para aqueles que não se encaixam nos movimentos dominantes do mainstream e nos estilos musicais como sertanejo, pagode, e samba que prevalecem nas festas e marcam o cenário cultural de Rio Branco. Nesse contexto surge a jornada musical de Alessandro Ferreira, um músico, advogado e idealista que dedicou parte de sua vida a criar um espaço onde a música e a arte pudessem fluir livremente, destacando-se como um exemplo de resistência cultural, e essa história vocês vão conhecer agora!
Alessandro Ferreira é um homem que possui muitas paixões, em especial o amor que compartilha pela mãe, mas, além disso, a paixão pela música, que também ecoa em sua vida desde cedo como uma melodia. Desde a infância, quando ouvia o rádio da avó, ele apreciava bandas como Pink Floyd, Creedence Clearwater Revival e as músicas brasileiras. Na adolescência, a arte também sempre o interessou, e foi a partir de festas da mãe e discos que recebia de presente que a música foi entrando em seu cotidiano e fazendo parte de sua vida.
“A música entrou na minha vida de várias formas, ela entrou na minha vida pelo rádio da minha avó, na casa dela, quando era criança, pelas festas que os amigos da minha mãe e do meu pai faziam aqui, pelos discos que a minha mãe me deu de presente e pelos artistas que ela me apresentou. A música também entrou na minha vida pelos amigos e pelos programas de TV que eu assistia, era a música e a arte que sempre me interessou.”
O rock, em particular, se tornou uma parte de sua identidade e o levou a formar bandas ainda na adolescência. Na época em que a internet e professores de música eram realidades distantes, Alessandro aprendeu a tocar guitarra de ouvido, com a ajuda de amigos e familiares, e foi ali, no início dos anos 90, que começou a realizar ensaios com amigos e adentrar no universo cultural da música, conhecendo e tendo como suas referências o Punk e o Rock.
Alessandro Ferreira. Foto: Fernanda Maia
“No momento estava acontecendo no mundo a New Wave, mas antes disso já tinha acontecido o pós-punk, antes disso havia acontecido o punk, então, nessa troca de ideias, a gente foi conhecendo essas coisas, fui conhecendo o Heavy Metal, até que veio Nirvana naquela transição do final dos anos 90, período que parece que deu uma explodida no mercado e foi tanta energia que todo mundo ficou sem saber o que fazer”
Entre leis e solos
Sua trajetória com a carreira musical nem sempre foi fácil, Alessandro pensava muito em uma forma de conseguir conciliar a paixão pela música com uma carreira estável. Além de cobranças que seus pais, e ele mesmo, faziam para as coisas darem certo, as dificuldades da vida muitas vezes fizeram com que ele desistisse da música por certos períodos de sua vida, mas no final sempre retornava a ela, por encontrar ali o seu porto seguro, assim como encontrava em sua mãe.
“Passei um bom tempo tendo muitos conflitos, larguei várias vezes de tocar e de querer fazer alguma coisa relacionada à música, porque por um lado tinha essas cobranças, por outro, dificuldades da vida, mas até que chegou um momento que percebi que não dava para eu largar isso, eu percebi que era a única coisa que me mantinha vivo. Essa era a única coisa que em determinados momentos tinha significado para mim, sempre foi uma luz, isso e minha mãe, porque sempre achei que tenho que fazer valer os esforços dela, não posso desperdiçar tudo o que ela fez por mim.”
Alê, além de músico, se formou em direito, em Curitiba, se tornou advogado e trabalha atualmente em uma bolsa de servidor público. Ele abraça o seu trabalho com gratidão por ser uma das coisas que proporcionou a compra de seus instrumentos e deu estabilidade para que conseguisse realizar seus sonhos na carreira musical, e abrir consequentemente o seu primeiro bar e espaço cultural em Rio Branco, o Loft.
Em 2008, no auge de seus 28 anos, Alê decidiu criar e abrir um espaço em que pudesse unir dois de seus grandes amores: o rock e a convivência com outras pessoas, e aquilo que se iniciou com festas dentro de sua casa se tornou o Loft, um bar que se tornou um marco cultural em Rio Branco, por ser um lugar alternativo àqueles que já existiam na cidade. O Loft não era apenas um bar, era um local para shows, onde artistas independentes e bandas autorais podiam se apresentar livremente, e para pessoas que, como ele, não se identificavam com a cultura dominante e buscavam um lugar para se expressar e se divertir.
Foto: Fernanda Maia
“Estava há 10 anos trabalhando numa instituição pública e não acontecia nada na cidade, eu achava que ia morrer aqui e não ia me divertir, não tinha o que fazer, eu não me identificava com samba, não me identificava com pagode, nunca me identifiquei com essa cultura, não é que eu não acho legal, mas eu nunca me identifiquei, então não era uma coisa que me divertia, sempre gostei de rock desde cedo, até que lá no final de 2008, comecei a fazer umas festas e passei seis meses fazendo festa para no final eu abrir um bar na minha casa, que chamava Loft. Foi onde comecei, convidei uns amigos para fazer a banda da casa, a gente fazia essa banda da casa e começou a convidar várias outras bandas.”
Power chords e boas lembranças
Durante quase uma década, o Loft foi palco de festas marcantes, que contavam histórias, e realizava shows de bandas locais e até de artistas de fora do estado. Foi um espaço que marcou positivamente gerações de pessoas por muito tempo e deixou um legado de resistência cultural em uma cidade onde o rock na época não tinha um espaço para ser ouvido pela maior parte da massa popular.
“As gerações passam, mas toda cidade legal tem um bar de rock que fica. Aqui em Rio Branco nunca teve, até esse momento, um Loft, aconteceram casos, mas nunca sobreviveram muitos anos. O Loft sobreviveu por uns 9, 10 anos.”
Devido a problemas com vizinhos, o Loft fechou suas portas anos depois, em um momento em que Alessandro sentiu a necessidade de se reinventar, mas por muitos anos foi sendo lembrado até hoje como um espaço onde a música e a arte conviviam de forma autêntica e onde pessoas podiam se expressar e viver suas histórias da melhor forma. Foi um período na vida de Alê marcado por muita alegria e gratidão, no qual ele pôde realizar seus sonhos de ter um espaço cultural em que podia se encontrar com as músicas de que gostava e proporcionar às pessoas uma experiência de livre expressão.
“Fiz especial do Jorge Ben Jor, especial do Tim Maia, os Discordantes estiveram aqui, gravaram o vídeo no Loft, Los Porongas tocaram aqui várias vezes, vieram alguns artistas de fora que às vezes tocaram aqui, enfim, era um lugar que tinha tantas pessoas, que até hoje, 17 anos depois, faço festas e as pessoas ainda lembram e querem que eu volte a fazer isso. Foi um uma casa que marcou uma época e marcou as pessoas e começou a criar um ambiente em que o rock podia se manifestar com um espaço legal.”
O rock vem para incomodar!
Apesar de ter encerrado os trabalhos no Loft, a música continuou em sua vida e ele focou em seu próprio processo criativo. Alê compôs e gravou suas próprias músicas. O período da pandemia de COVID-19 e outras dificuldades que teve ao longo do caminho serviram como um período de redescoberta. Além disso, aprendeu a tocar teclado e reacendeu sua paixão pela criação musical.
Nos dias atuais, inspirado por referências culturais, Alessandro se dedica a criar e produzir suas próprias composições e continua fazendo da música um dos fios condutores de sua vida. No entanto, em novembro de 2024, o Loft reabriu as suas portas mais uma vez e encontrou novamente gerações que se encaixam em uma cultura alternativa. Para ele, o espaço sempre foi um lugar mágico, onde as pessoas podiam se encontrar e ser felizes da forma que bem quisessem, sem se enquadrar nos padrões de uma cultura dominante.
“Esse não está em lugar nenhum e, ao mesmo tempo, está indo para algum lugar, é não ser nada, é poder ser tudo também, porque você não sabe o que vai acontecer, você está se aventurando, você está com o estado de espírito de aberto, sem saber o que vai encontrar, mas tá confiante, tá feliz, tá animado, o sol tá brilhando, o vento está na cara, e eu sinto que esse estado de espírito é o estado de espírito que descreve a energia do Loft. É um portal, um lugar muito diferente, sempre permite essas coisas. Para mim, aqui é mágico.”
Foto: Fernanda Maia
Para ele, o rock e lugares como esse são espaços de contestação e resistência que fogem do comum e unem pessoas.
“O rock não é para estar na moda, o rock é do contra, é para contestar, é para falar sobre o que está errado, sobre o que incomoda. Se dá certo em alguma hora, isso faz tanto sucesso que as pessoas gostam, mas não é para ele ser sucesso. O rock não é mainstream, o rock é contracultura, o rock é incômodo.”
Alessandro Ferreira não é só um músico ou advogado, é alguém que é defensor da cultura alternativa, que muitas vezes se torna marginalizada, e um exemplo de como o rock pode transformar vidas e comunidades. Sua trajetória foi marcada pela luta que tem em criar espaços onde pessoas e bandas, que não tinham outros lugares possam se expressar, especialmente em uma cidade como Rio Branco, onde existe uma cena dominante no cenário cultural. Além disso, outro de seus maiores desejos é construir um trabalho que de alguma forma toque o coração de alguém e deixe uma marca.
“O que eu quero é concluir um trabalho que eu considere artisticamente consistente, poeticamente interessante, e que toque o coração de alguém, que diga alguma coisa para uma pessoa.”