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Mês da Mulher: fazedoras de cultura no Acre ainda lutam por visibilidade

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Em março, buscamos refletir sobre quem são as mulheres que fazem a arte acontecer no estado

Por Ana Paula e Natália Lindoso

Da literatura  à direção de curta-metragem, composição de músicas autorais e criação de um método de dança que traz a cultura regional no despertar do corpo, as mulheres estão fortemente engajadas nas atividades e no fazer cultural no Acre. Neste mês dedicado a elas, buscamos refletir sobre as lutas e conquistas das mulheres nos espaços  culturais acreanos.

Não é de hoje que as desigualdades enfrentadas pelas mulheres na sociedade são evidenciadas em diversos espaços. Apesar de representarem 52% da população no Brasil, uma pesquisa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), realizada em 2022, demonstrou que as mulheres recebiam cerca de 17% a menos que os homens, revelando uma disparidade salarial. 

Na cultura, as mulheres representam 43,7% de assalariados do setor, com salários inferiores em diversas funções, de acordo com dados da pesquisa do Sistema de Informações e Indicadores Culturais (SIIC), de 2022. Apesar do quadro ainda desolador, é possível ver um futuro esperançoso no meio, os editais de incentivo e fomento à cultura são ferramentas de mudança.

No Acre, a Fundação de Cultura Elias Mansour (FEM), demonstrou que os incentivos mais recentes mostram o impacto positivo das mulheres na cultura do estado. No edital Arte e Patrimônio 001/2024, 21 mulheres foram selecionadas para receber recursos, com outras 12 alcançando a pontuação mínima. O fomento à cultura também se faz presente em outras iniciativas, como o edital Mestres da Cultura, com dez mulheres contempladas, e o edital Povos Originários, que contou com 16 mulheres entre os contemplados.

Histórias de Mulheres 

A professora de biologia e designer de moda, Denise Arruda, participou de projetos culturais envolvendo a produção de figurinos, com ênfase na moda sustentável e na valorização da costura, além de ter participado de obras de cinema e teatro. Um de seus feitos mais recentes foi a direção do curta-metragem “Minha Mãe Mentiu”, que retrata as vivências de mães acreanas a partir da história da mãe de Denise. Para ela, a escolha pelo cinema foi impulsionada pela paixão pela expressão artística.

Denise Arruda dirigiu o curta-metragem “Minha Mãe Mentiu”/Imagem: cedida

“Para mim, o teatro é uma forma poderosa de comunicar ideias, emoções e reflexões sobre a vida. A arte tem a capacidade de provocar mudanças e despertar o pensamento crítico, e eu me sinto realizada ao poder contribuir para isso através das minhas produções”, disse. 

Para Denise Arruda, a cultura acreana é uma forte fonte de inspiração em seus trabalhos:

“Em minhas produções, como o curta-metragem “Minha Mãe Mentiu”, busco refletir as nuances e as histórias que fazem parte da nossa identidade local. Além disso, em desfiles e feiras, sempre incorporo elementos da cultura regional, valorizando nossas tradições e promovendo a riqueza do Acre” contou. 

A artista Roberta Marisa é escritora e ilustradora, fazendo arte desde a adolescência, ela começou no teatro, se interessou pela literatura da terra através da dramaturgia e fez performances com vários poemas de outros autores. Nas artes, ela começou a pintar sem pretensões, presenteando amigos, até começar a circular suas ilustrações. 

Imagem: reprodução/redes sociais

“Fui me aprofundando mais até criar uma exposição sobre os rios numa imersão que fiz ao Croa, chamada Rios Invisíveis, e com ela ganhei meu primeiro prêmio de artes visuais do Banco da Amazônia, e não parei. Até hoje ilustro meus livros e de outros artistas”, disse. 

A cantora e compositora Kelen Mendes iniciou sua caminhada artística desde cedo. Atrelada ao senso de comunidade e ao contexto em que viveu, ela começou a cantar e se reconhecer ainda na década de 90, mesmo período em que iniciou sua carreira acadêmica na Universidade Federal do Acre (Ufac).

Imagem: cedida

“Aos 19 anos, eu entrei na faculdade e aí na UFAC eu comecei, fiz parte de um grupo chamado Grupo Curió, que era um grupo com várias pessoas tocando violão e cantando música popular brasileira. E depois eu cantei num barzinho que ficava no Tucumã, eu saía da faculdade pra cantar nesse bar. E daí eu comecei, não parei mais”, disse. 

“Multiartista”, é como se define a produtora cultural e dançarina Camila Cabeça. Natural do Pará, formada em artes cênicas pela Ufac, e professora de Teatro, a artista é responsável por criar um método de dança que envolve o Carimbó e a cultura acreana. Para ela, a vinda para o Acre foi fundamental no seu processo como multiartista.

Imagem: cedida

“Então, quando eu crio um método, quando eu crio um espetáculo, quando eu crio um festival, isso é fruto de ter vindo sim para o Acre. E o Acre é fundamental para esse meu grande boom de vinda para cá, foi o Acre que transformou essa minha vontade de ser e estar na cultura, ser artista”, explicou Camila Cabeça. 

Desafios em comum

A produção cultural no Acre tem um papel fundamental na identidade do estado e na valorização de suas expressões artísticas. Entretanto, as mulheres que atuam nesse cenário enfrentam desafios que vão desde a invisibilização até dificuldades estruturais para expandirem seus trabalhos.  

A escritora Roberta Marisa destaca a marginalização e a subestimação das mulheres no meio artístico e literário. Para ela, essas barreiras dificultam o crescimento da produção cultural regional.

“Enfrentamos desafios mais intensos, somos muitas vezes inferiorizadas, subestimadas até marginalizadas nesse mercado e acredito que isso dificulta muito o aumento da produção regional”, disse a escritora.

Já a artista Denise tem uma percepção diferente e vê o Acre como um ambiente de apoio para as mulheres nas artes. 

“Felizmente, não enfrentei preconceitos por ser mulher em minha trajetória. Sinto que, no Acre, há um ambiente de apoio e incentivo para as mulheres que atuam nas artes. Isso é fundamental para que possamos continuar a desenvolver nossos projetos e expressar nossas vozes”, pontuou Denise.

Apesar do incentivo local citado por Denise, a circulação da produção artística ainda é um grande obstáculo. A cantora Kelen destaca que o isolamento geográfico do Acre limita a difusão da cultura para outras regiões.

“Por ser mais mulheres até facilita um pouco. Porém, no Acre, nós temos uma sequela marcada pela exclusão através da falta de circulação. Não podemos circular com os nossos shows, porque as passagens aéreas são caríssimas, a ligação terrestre não é real, principalmente na própria Amazônia, na própria região norte”, afirmou a cantora.

Além das dificuldades logísticas, há também desafios relacionados à postura e ao posicionamento das mulheres na cultura. Para a dançarina Camila Cabeça, mulheres que se impõem e expressam suas opiniões enfrentam resistência. 

“Ser uma mulher de posicionamento é ser uma mulher de posicionamento, é ser uma mulher que nem todo mundo vai se agradar, que mulheres que se posicionam normalmente não agradam as outras, os outros, principalmente o patriarcado”, disse Camila Cabeça. 

Perspectivas

Apesar das dificuldades ainda presentes, as mulheres fazedoras de cultura mantêm uma visão otimista sobre o futuro. Kelen Mendes destaca que, embora o mercado ainda represente um desafio, a presença feminina é cada vez mais necessária e que é necessário ser otimista. 

“Então, é difícil ainda para as mulheres, mas eu acredito que a tendência é mais mulheres estarem lutando por seu lugar no mercado, ou, tirando a parte da luta, se efetivar no mercado onde é necessário a participação das mulheres também. Não podemos ficar sempre à margem. Então, eu preciso ser otimista”, disse. 

Para Camila Cabeça os avanços já conquistados e o papel das políticas públicas na transformação do cenário cultural são importantes. 

Com a política pública nacional, a gente consegue melhorar e vislumbrar um futuro de amplitude dessa cultura, dessa política. O Gilberto Gil tem uma fala muito importante, ‘que a cultura não tem que ser ordinária, ela é extraordinária’. Ela é ordinária igual a feijão com arroz. O dia que a gente entender que o mesmo valor tem que ter para a cultura, que a pessoa consome cultura tal como ela consome arroz com feijão, tudo vai mudar”, destacou. 

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