Marcas apostam em elementos e produtos locais para fortalecer a identidade e o mercado da moda no Acre
Por Emily Correa, Franciele Julião e Mariana Rodrigues
Localizado na região Norte, o Acre é conhecido por sua rica biodiversidade. Essa característica se reflete na moda acreana que combina autenticidade e tradição. Influenciada pela diversidade étnica de ribeirinhos, povos indígenas e seringueiros, a moda local expressa essas riquezas em seu vestuário.
Com o objetivo de representar essa identidade, a empresa Made in Acre nasceu como uma marca de moda sustentável que celebra a rica cultura do Acre e da Amazônia. Fundada em 2019, a marca valoriza a história do povo acreano, as tradições dos povos indígenas e as medicinas sagradas da floresta. “A Made in Acre nasceu dessa necessidade de mostrar de onde a gente veio, mostrar nossas belezas, a biodiversidade da nossa região, que o Acre existe”, destaca Rayssa Alves, sócia da empresa.
A jornalista Ila Verus, admiradora da moda acreana e consumidora da Made in Acre, destaca como a marca carrega essa tradição. “Sempre fui fascinada por formas de expressão cultural, e a moda é uma das mais poderosas. A moda acreana tem uma autenticidade única, carregando traços da diversidade dos povos indígenas e da riqueza natural do nosso estado. Vestir uma peça daqui é vestir nossa história, nossa resistência e a criatividade que brota da floresta. A Made in Acre, por exemplo, me conquistou justamente por isso: suas peças não são apenas roupas, são manifestações culturais, com estampas, tons e texturas que respiram a Amazônia”.
Produtos Made in Acre. Créditos: reprodução
Criada a partir da inquietude e da vontade de desafiar padrões, a Hi Frida é outra marca que se destaca no mercado fashion da região. Fundada em 2017, consolidou-se como a primeira empresa de slow fashion do Acre, um movimento que prioriza a produção ética, sustentável e em pequena escala, uma oposição ao consumo acelerado da moda convencional. Trilhando um caminho de produção local, autoral e responsável, a marca aposta no consumo consciente e na valorização dos processos manuais. “A Hi Frida preza pela criação de peças confortáveis, versáteis e funcionais, além de investir em tecidos que contam histórias por meio de cores e estampas únicas”, explica a CEO da marca, Raryka Souza.
A empresária afirma também ter encontrado dificuldades no caminho para o desenvolvimento de suas peças, desafios que vão desde a produção, com o custo elevado de determinados materiais e fornecedores, até logística de mão de obra e gerenciamento das redes sociais. “Um dos maiores desafios no início foi a estruturação do site e vendas nas redes sociais, no início não existiam todas as ferramentas e oportunidades que se tem hoje, a conversão dos clientes era muito mais difícil, hoje tudo mundo sabe o que é uma loja virtual, e-commerce”, comenta.
Encontro entre cultura e sustentabilidade
Como um ato político e cultural, a moda acreana também recebe uma forte influência dos povos indígenas, transmitindo tradição no artesanato, como é passada de geração em geração na família de Ayaní Damiana, indígena que produz artesanatos. Ela relata que sempre observou sua mãe produzindo arte. “Minha mãe sempre fez artesanato e sempre me incentivou a fazer, todas as artes que produzimos tem uma identidade do nosso Acre.”
Créditos: reprodução
O uso de materiais biodegradáveis e ecológicos refletem a característica sustentável da cultura do estado. No Acre, a borracha foi uma matéria-prima fundamental para o crescimento econômico, usado para fabricar pneus, solas de sapatos, medicamentos, tinta, brinquedos, acessórios, calçados e autopeças.
Filho e neto de seringueiro, o empreendedor José Rodrigues, mais conhecido como Doutor da Borracha, é um grande destaque na região devido sua produção de calçados e acessórios em látex. Com o objetivo de conseguir uma melhor fonte de renda, o seringueiro iniciou, em 2004, o trabalho com a Folha Defumada Líquida (FDL) e começou a exportar seus produtos.
“Sempre o meu trabalho foi cortar a seringa Sama, mas eu queria encontrar uma forma de viver melhor, que fosse um produto que fosse mais valorizado. Fiz um curso na Universidade de Brasília (UnB) para aprender a fazer FDL e me profissionalizar”, explica.
Vencedor do Prêmio Museu da Casa, em 2012, e do Prêmio Chico Mendes de Florestania, em 2014, o artesão ganhou cada vez mais visibilidade durante sua carreira, chegando a participar de exposições internacionais como a Expo Milão, em 2014. José conta que diariamente busca aperfeiçoar seus produtos, sendo inspirado pela cultura acreana com inovação e sustentabilidade.
“Eu sempre incentivo a valorização da nossa floresta, com produtos sustentáveis, explicando o valor que tem a floresta em pé. Porque isso é o meu intuito, manter a floresta em pé e sempre agradecer a matéria prima que ela fornece para o nosso sustento”, afirma o artesão.
Doutor da Borracha. Créditos: reprodução
Valorização dos produtos regionais e a influência de tendências externas
Mesmo em crescente evolução, o mercado da moda acreana enfrenta estigmas que muitas vezes geram visões negativas relacionadas a qualidade de seus materiais, principalmente quando comparado a marcas nacionais.
A instrutora de vestuário Jamily Farias, que já foi selecionada para representar o Acre na Olimpíada do Conhecimento em 2014, competindo na categoria de Tecnologia da Moda, conta que o cenário da moda no Acre ainda está em desenvolvimento e encara problemas, como os custos elevados e logística de insumos limitada, porém algumas marcas acreanas conseguem superar essas barreiras e se destacar no mercado.
“Marcas como Made In Acre, Pajéco e Hi Frida, que investem em produção própria e fortalecem a identidade da moda local, conseguem uma maior visibilidade no mercado, mesmo com todas essas dificuldades. Por ser um estado onde há o costume cultural de consumir produtos de fora e a falta de informação e valorização da qualidade da produção acreana, enfrentamos dificuldades na aceitação do público.”
Nesse cenário, Jamily acredita no potencial de iniciativas que realizem uma maior divulgação das marcas acreanas, além da realização de eventos que promovam tanto a moda quanto a cultura regional.
“É essencial que essas iniciativas aconteçam em espaços estratégicos onde a moda é consumida, e que também incentivem a conexão entre lojistas e consumidores. Criar oportunidades de integração como feiras, encontros e desfiles, pode fortalecer o mercado e ampliar a aceitação das marcas locais”, explica.
Lohaine Amorim é consumidora da Hi Frida. Créditos: reprodução
Questionada sobre a valorização da moda acreana, Lohaine Amorim, que é consumidora da marca Hi Frida desde sua fundação diz que essa desvalorização pode ser cultural. “As pessoas sentem facilidade em dar 300,00 reais em um kimono na Zara, 200,00 na Renner, que são marcas e lojas mais ‘conhecidas’ e de mais consumo por assim dizer, mas acha caro um produto que é daqui, feito e idealizado por uma mulher acreana”, afirma.