Da arte urbana aos autômatos, artista buscarenovar a cena artística na Amazônia
Por Fernanda Maia e Gabriel Vitorino
O caminho de Mestre CAS, nome artístico de Claudiney Alves de Souza, no universo da arte urbana teve início a partirda necessidade de encontrar um espaço para imprimir suas ideias e reflexões. Foi nas ruas de Rio Branco que ele percebeu o potencial da arte como um meio de inclusão e comunicação. De início, sua expressão artística encontrou eco nas paredes da cidade, por meio da arte do pixo e, ao se integrar ao movimento punk, encontrou um propósito ainda mais profundo em sua busca por formas de manifestação e protesto.
Apesar do início despretensioso no ano de 2001, se tornou um símbolo do movimento de arte urbana e trouxe consigo uma perspectiva singular e uma busca incessante pela expressão individual e comunitária. No contexto do cenário artístico e urbano na capital do estado, a história do Mestre CAS serve de exemplo para lembrar as raízes da expressão artística nas ruas, que hoje tomam conta da cidade com cores e contestação política.
Seu primeiro contato direto com a cena de graffiti do Acre aconteceu durante um workshop no Centro Cultural Tucumã, em 2006, um evento que despertou sua paixão e compromisso com essa forma de arte. Os obstáculos não foram poucos para Mestre CAS, a falta de recursos e apoio atrasaram o crescimento do movimento de graffiti no Acre por anos.
Enquanto os debates sobre a comercialização do grafite ganharam destaque, a trajetória de Mestre CAS se tornou uma jornada de autodescoberta e dedicação à arte que busca resgatar o amor e resistência que muitas vezes são negligenciados. Sua jornada, para se tornar um ícone do movimento de arte urbana, acabou representando muitos artistas de rua no cenário contemporâneo que acabam enfrentando dilemas de negligência.
Ele destaca a transformação no mundo do grafite e da arte, que deixou de ser somente uma forma de protesto e expressão cultural para se tornar uma forma de mercadoria dentro dos mercados econômicos. A dualidade enfrentada pelos artistas de rua é vista entre a necessidade em preservar a autenticidade artística e também buscar por oportunidades comerciais.
Foto: Gabriel Vitorino
Nesse contexto, iniciativas que representem a busca por um equilíbrio entre o desenvolvimento comercial da arte urbana e a manutenção de sua essência como meio de conscientização social são extremamente necessários para vencer os desafios e as oportunidades voltadas para dentro do mundo artístico urbano.
A incessante busca por espaço para mostrar sua criatividade o levou da periferia à “Casa Verde”, uma ocupação cultural em Rio Branco. Durante um período de dois anos, se envolveu profundamente em uma comunidade rica em experiências, encontrando não apenas um lugar para pertencer, mas também um espaço onde suas ambições artísticas floresceram. Foi nesse intervalo de tempo que teve a oportunidade de conhecer pessoas que se tornaram seus mentores e guias na jornada artística.
Mas o cenário começou a mudar com a chegada de Adão II, também conhecido como Babu, que, de acordo com Mestre CAS, teve impacto em suas escolhas e foi uma verdadeira revolução da cena do graffiti não só no Acre mas em toda a região Norte do Brasil. Ele trouxe novas técnicas, como o estêncil, e inspirou outros artistas para se unirem ao movimento.
Foto: Gabriel Vitorino
O Universo de Papel e sua nova face
O seu projeto “Universo de papel” hoje em dia toma outro rumo. Aquilo que, segundo ele, iniciou como uma forma de contornar os problemas de saúde decorrentes do contato frequente com a química das tintas spray, se torna hoje um dos projetos mais diferenciados e inovadores da região Norte do país. Utilizando-se de papel e materiais recicláveis ele dá vida a um universo inteiro, de bonecos de orixás a figuras populares brasileiras, as encomendas que atende e suas ideias pessoais para o projeto o ajudam a continuar desenvolvendo sua própria arte e estilo, e ainda buscando se destacar no cenário regional.
“Eu sempre gostei da produção de bonecos, sempre quis ser bonequeiro, desde antes do pixo e do graffiti. Nesses últimos dois anos, com acesso a esses serviços de streaming eu acabei assistindo muitos documentários”, disse ele explicando de onde surgiu a ideia para o projeto.
Mestre CAS, que de acordo com graffiteiros e artistas diversos de Rio branco, já tanto revolucionou o cenário artístico junto a amigos e colaboradores, hoje tenta mais uma vez alavancar sozinho uma cena que não existe. O Universo de Papel, que nasceu da produção de bonecos com materiais recicláveis, tenta então tomar proporções maiores, apostando em um mercado de colecionadores. O Mestre CAS cria autômatos — mecanismos que se movem sozinhos, muitas vezes acionados por engrenagens ou alavancas — usando materiais recicláveis. Embora os insumos permaneçam os mesmos, seu processo de produção e distribuição mudou por completo.
Foto: Gabriel Vitorino
“Mas como eu vou alcançar aquele nível de produção e distribuição? Não tem como, mas tenho como produzir algo ainda mais significativo para o nosso país e, principalmente, para o nosso estado”, comentou.
Apostando nesse mercado de colecionadores, o Mestre conta, de início, com o apoio de secretarias de Cultura e de Eeducação, tanto do estado quanto do município. Mestre CAS estuda a construção de autômato ainda mais dinâmico e complexo, que demonstre o funcionamento de uma lavoura de mandioca, com quatro bonecos, cada um atuando em suas devidas funções, se movendo e construindo um cenário vivo a partir do acionamento de uma única alavanca.
A ideia, segundo Mestre CAS, é que com essa nova etapa o escopo e o alcance do projeto sejam ainda maiores, e alcancem não só o público acreano, mas o Brasil e, se possível, outros países da América Latina. As suas produções artísticas, provenientes de anos de estudo e dedicação, hoje tomam forma com projetos pessoais originais que, em contato com artistas e com o povo acreano, tomam espaço no coração das pessoas, o próprio Mestre diz não saber muito bem como chegou aqui.
“Um dia então eu estava sentado aqui em casa tentando alcançar alguma ideia que me desse uma perspectiva nova para o Universo de Papel, foi aí que então começou a passar no History Channel um mini-documentário sobre produtores de autômatos. Enquanto o programa falava só de relojoeiros antigos eu comecei a me questionar da funcionalidade de engrenagens e em como aplicar isso às minhas produções, e quando eu menos esperava, o documentário começou a falar dos criadores de autômatos pela Europa, foi ali que eu descobri o que tinha que estudar e o que eu queria alcançar com isso”, concluiu, com um sorriso largo no rosto.
Traçando novamente um caminho não conhecido ainda, ele tenta, aos 39 anos, mais uma vez, renovar a cena artística na Amazônia.