Distante dos típicos gêneros musicais presentes na cultura acreana, a produção de música local mostra indícios para o experimental e se aproxima de novos gêneros.
Por Matheus Miranda e Kenno Oliveira
Para a música chegar ao seu formato final, há uma engenharia de produção: os processos de mixagem, edição, recriação e tratamentos sonoros são realizados pelo produtor musical, responsável pela montagem técnica. No Acre, a produção musical segue um movimento que alimenta a cultura do estado, com ritmos amplamente consumidos pelos jovens, como o Hip Hop, Trap, Techno, Funk e Pop.
Para ser produtor, além da formação acadêmica, existem outros métodos, como vias alternativas. Seja um desejo estimulado pela família e amigos ou um hobbie que vai se desenvolvendo na vida e esse foi o caso do jovem Fitzgerald Leite de Oliveira, 27 anos, produtor musical e acreano.
Em parceria com amigos, lançou duas faixas autorais a partir de 2019, ano em que começou sua dedicação à música. Desde então, seus projetos estão voltados para os gêneros Trap e Hip Hop.
“Esses dois primeiros projetos, produzidos com pessoas daqui do Estado, me impulsionaram e abriram a minha mente para a possibilidade de produção. Vi que mesmo com poucos recursos, havia essa possibilidade”, diz Fitz, que conta com mais de 20 projetos publicados e um montante de 51,2 mil streams, somente no Spotify.
O estudante de História Pedro Souza Mesquita, 19 anos, é outro jovem produtor musical do Acre que teve o maior contato com o setor no início do período pandêmico da Covid-19.
. “Nesse meio-tempo eu conheci minha melhor amiga, que me apresentou vários nichos de estilos musicais, e eu acabei começando a escutar muitas músicas diferentes. E foi aí que comecei a entender como uma música era formada”, explica ele.
Pedro Mesquita relata o seu primeiro momento com a produção musical e diz que ficou fascinado pela malha técnica que há em uma música. Somente após se atentar aos processos criativos dos materiais que consumia, viu a possibilidade de atuação. Era o que ele precisava experienciar, segundo o estudante.
“Procurava muitos vídeos na internet, testava os instrumentos virtuais, os efeitos sonoros, sozinho. Eu ia experimentando tudo. Daqui a pouco, vai fazer quatro anos que produzo música sozinho em casa pelo meu tablet, celular, notebook.”, explica o produtor.
Atualmente, o jovem conta com oito faixas autorais publicadas na sua conta do SoundCloud. Com muitas referências do Pop e Trance (vertente europeia da música eletrônica), destaca ainda as suas três maiores referências na indústria fonográfica, a colombiana Arca, a islandesa Björk e a escocesa SOPHIE. Ambas produtoras musicais que partem do segmento experimental moderno da música eletrônica.
Diogo José de Souza Santos, 17 anos, é outro produtor rio-branquense que começou usando aplicativos de produção musical no celular, inicialmente como brincadeira, igual a muitos profissionais iniciaram.
“Minha família sempre teve uma ligação muito forte com música, minha mãe é cantora, meu irmão instrumentista. Com isso, baixei um aplicativo de produção musical e comecei brincar com os instrumentos, sempre tendo como inspiração artistas experimentais que saiam da linha de produção musical convencional”, comenta Diogo Santos.
“Em questão de artistas nacionais, gosto muito da Letícia Novaes (Letrux) e Kiko Dunicci, a banda Boogarins e produtores de funk como D. Silvestre e DJ Brunin XM. Já em âmbito internacional tenho como referência principalmente Björk e outros artistas como SOPHIE, M83, Aphex Twin, Tame Impala”, diz o produtor.
Luz verde para um novo cenário musical local
Em pesquisa realizada pela Federação Internacional da Indústria Fonográfica (IFPI), em 2021, o Brasil foi o país latino com o maior mercado musical, e um dos mais robustos do mundo.
A música movimenta a economia, gera empregos e modula a cultura aos encaixes geracionais de cada tempo e lugar e é constantemente conciliada através de diferentes linhas estéticas de expressão e representação humana.
O seu consumo rompe as barreiras do ouvir e propicia novas experiências coletivas além de possibilitar oportunidades de um futuro diferente para aqueles que buscam um aprofundamento técnico e profissional.
Com a facilidade promovida pelas plataformas de streaming, é possível o encontro de arsenais de projetos musicais concentrados em plataformas como o SoundCloud e Spotify, que são redes sociais que possibilitam a fuga das burocracias geridas pelas grandes gravadoras. Basta que os artistas disponibilizem os seus projetos sonoros para que os ouvintes possam consumi-los.
Os produtores Fitz e Pedro relatam que as maiores dificuldades estão centradas no alto valor dos produtos e na falta de estruturas setoriais da indústria musical na totalidade, no estado. Os equipamentos, por vezes, possuem valores de compra inacessíveis e, por isso, fazer música no Acre é caro e difícil.
“Outro problema muito importante é a falta de distribuidoras de música e DAWs gratuitas (DAW – Digital Audio Workstation – é uma estação de trabalho de áudio digital). A distribuidora tem a função de lançar suas músicas em todas as plataformas de streaming, enquanto as DAWs são as plataformas usadas para criar e produzir músicas”, diz Pedro Mesquita.
Ao fazer um balanço geral, Fitzgerald se mostra esperançoso, para ele, a cena musical no Acre é ampla e conta com artistas acima da média, são muitos cantores, produtores e DJs diversos compondo esse movimento, capaz de girar a economia. “Não falta muito para uma gravadora, selo e marcas olharem para gente. Claro que oportunidades precisam ser criadas”, diz.
O acreano de 27 anos fala sobre a insurgência de novos produtores, pois sempre acaba conhecendo um novo artista em Rio Branco e comenta sobre o efervescente público que há na cidade, além de pontuar o movimento migratório dos artistas locais para as grandes cidades do país.
“Muita coisa não chega aqui porque aqui é o Acre, (…) geralmente quando elas [gravadoras] assinam com os artistas daqui, o artista precisa ir morar numa “cidade-eixo”, onde tudo acontece”. E acrescenta:, “Aqui de fato tem muita gente que valoriza, já pude ver o quanto a rapaziada tinha carência, o quanto é especial fazer parte. Aqui tem um apreço por essa cultura, tem um público para fomentar”.
Ao ser perguntado sobre a cena local, Fitz retoma alguns nomes de produtores acreanos que estão compondo esse movimento: GR Beats, Victor Young e Offgui. Porém, além desses mencionados, há também os artistas TBIG, Sara, Real MD, Off Clã, GrBeat’z, Thug Dog, Antheos, HANNA, Black Mago, Duda Modesto ocupando coletivamente esse espaço,não esquecendo o grupo musical acreano Os Descordantes, responsáveis pelos álbuns ‘Espera a Chuva Passar’(2014) e ‘Quietude’(2017).
Conhecer para não esquecer
Por anos a MPB, Rock e Forró estavam à frente das produções musicais urbanas e nos seringais do Acre, mas a chegada da nova geração de músicos e produtores só tem a engrandecer a música regional, uma vez que a presença desses novos artistas fortalece a formação temporal e histórica de uma cultura essencialmente acreana, assim como foi nos tempos de João Donato e Tião Natureza.
A lista de nomes interessantes no cenário musical acreano é longa. Desde artistas emergentes, como Duda Modesto e a banda Excomungado, até os mais consolidados, como a banda Os Descordantes. Há um papel fundamental do público em conhecer tanto a velha guarda como os novos membros, e é preciso consumir com mais impacto aquilo que se produz no Acre.