Cultura

Como a inteligência artificial mudou o cenário audiovisual

Empresas de publicidade e estúdios de Hollywood enfrentam problemas judiciais e prejuízos financeiros com os avanços da IA

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Por Claudio Angelim Hall e João Cardoso

O ano de 2023 está sendo marcado por produções polêmicas envolvendo inteligência artificial e reposicionamentos políticos. O primeiro exemplo é o episódio de número um, da famosa série Black Mirror, que retrata a vida e os impactos que o avanço da tecnologia ocasiona. O episódio em questão, chamado “A Joan é Péssima”, em tradução literal, é baseado em um caso real envolvendo a antiga CEO da empresa norte-americana Theranos, Elizabeth Holmes, garante Jean Carlos Foss, do site Tecmundo.

No mês seguinte, tivemos no Brasil, mais um caso negativo da inteligência artificial no cenário audiovisual. A montadora de veículos Volkswagen, recriou por meio da inteligência artificial a eterna cantora Elis Regina, que foi perseguida durante o regime político autoritário, porque apoiava as greves dos trabalhadores da fábrica Volkswagen, até não se apresentando em shows “bancados” por patrões, onde os operários não tinham dinheiro para se locomover e nem para pagar ingressos. Na propaganda, ela interage com a filha, que está viva. Estamos falando de duas personalidades, a empresa VW, que foi apoiadora da ditadura militar (1964-1985) e, agora, está sendo investigada pelo Conselho Nacional de Autorregulação Publicitária (Conar) por questões éticas, trazendo alguém de volta à vida utilizando tecnologia. E a segunda é Maria Rita, filha da então diva da música.

Repercussão Nacional 

Logo após a publicidade ir ao ar, inúmeros internautas questionaram em redes sociais sobre a ética da Volkswagen, gerando uma repercussão nacional e internacional, que está reunindo especialistas do direito e os profissionais da tecnologia, que atualmente debatem sobre o copyright – direito exclusivo do autor de reproduzir sua obra, seja ela literária, artística ou científica. No caso do Governo do País, o mesmo deve decidir o que será feito com a imagem da pessoa logo após sua morte, até na utilização em questões de inteligência artificial, algo que ainda não é regulamentado, garante o professor Gustavo Cardial, especialista em Segurança Digital e Inteligência Artificial.

Cardial, descreve o caso da cantora Elis Regina como, “O caminho mais seguro é a gente pegar situações análogas, por exemplo, se alguém morre, quais os tipos de direitos que a família obtém? Nesse caso, podem ir para a família, tudo relacionado à imagem da pessoa ou o que ela produz depois que ela faleceu, assim como os direitos de copyright. Acredito que o que foi decidido para outras áreas podem ser replicadas na inteligência artificial”, acredita Cardial.

A indústria cinematográfica corre contra o tempo para lançar séries a todo o momento, por isso estão utilizando altas tecnologias nas produções, acarretando situações como a greve dos roteiristas de Hollywood. Que tem ganhado os noticiários há mais de 100 dias, sem previsão de término, gerando um prejuízo de cerca de US$2,1 bilhões à economia da Califórnia. As reuniões discutem um novo olhar sobre negociações trabalhistas no aumento dos salários, regulamentação nas produções de streaming e uma divisão entre o que é aceito ou não no uso de Inteligência Artificial, isso significa que estão atrasando lançamentos e projetos, segundo informações doJornal Folha de São Paulo.

Regulamentação da Inteligência Artificial no Brasil

Apesar do advento de novas tecnologias no país e do aumento no uso, ainda não há uma predisposição governamental que regula de fato sua utilização. Ainda assim, há uma iniciativa do senador e presidente do senado Rodrigo Pacheco (PSD), que instaurou um Projeto de Lei (PL) dispondo sobre o uso da inteligência artificial.  O PL em questão sugere possibilidades como a regulamentação, tratamento e proteção de dados, bem como a Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD) ser a principal atuante na regulamentação. Atualmente, o processo de tramitação foi distribuído ao senado, com a criação da CTIA – Comissão Temporária Interna sobre Inteligência Artificial no Brasil.

Foto – Pedro França Agência Senado

Estabelecendo diretrizes para o uso de imagens e áudios de pessoas falecidas, mediante aceitação prévia e expressa da pessoa em vida ou dos familiares mais próximos. Em entrevista para a Agência Senado, o político Rodrigo Cunha (Podemos-AL) justificou a apresentação do projeto em audiência, “o uso da I.A tem se tornado cada vez mais comum em todo o mundo. Porém, quando mal-empregada, pode entrar em conflito com os direitos de imagem e consentimento das pessoas. No entanto, há uma significativa lacuna na legislação referente ao direito de uso de imagem de pessoas falecidas. Isso levanta questionamentos sobre a utilização não autorizada da imagem de indivíduos já falecidos. Até que ponto é permitido? A partir de quando a imagem de uma pessoa falecida se torna de domínio público? É necessária a autorização dos herdeiros para utilizar a imagem do falecido?”

A educação e a segurança da informação sofreram grande impacto. Em entrevista para o Conselho Nacional de Justiça, o Presidente do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região (TRT-4), Francisco Rossal de Araújo, diz que “as pessoas precisam refletir sob o ponto de vista ético e quais os pactos que a sociedade conhece. Nesse ponto o país deve se envolver e encontrar o seu lugar na Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD)”.

O diretor de cinema Sérgio de Carvalho, do filme Noites Alienígenas (2023), que rendeu o prêmio na categoria de melhor longa brasileiro do 50º Festival de Cinema de Gramado e está entre os seis filmes brasileiros que podem concorrer ao Oscar 2024, ressaltou a importância da regulamentação da inteligência artificial. “A regulamentação é essencial para as coisas não saírem do trilho”.

“Tanto no setor audiovisual como em outros setores, algumas mãos de obras vão acabar se extinguindo, assim como foi na Revolução Industrial, é inevitável. Mas para o mundo artístico é algo a se somar. Sou a favor da regulamentação, que é diferente de censura, discutida com especialista em conjunto com a sociedade, para as coisas não saírem do trilho. Até uso o Chat Gpt e outros programas para realização de produções burocráticas, mas ainda não utilizo em partes artísticas”, garante o cineasta Sérgio de Carvalho.

Storytelling e “Como Nosso País”

Para se ter uma história é necessário emoção, conteúdo por meio de enredo organizado e uma narrativa envolvente com recursos audiovisuais, causando questionamentos e conhecimento do passado, presente e futuro, como foi falado no começo do texto. O storytelling (habilidade de contar histórias) fala um pouco disso. Mas o que isso tem a ver? Tem a ver com a canção “Como Nossos Pais” lançada em 1976, composta pelo cantor Belchior, que fez sucesso na voz de Elis Regina. Que recentemente fez parte da trilha sonora do comercial da Volkswagen, em comemoração aos 70 anos da montadora no país, que traz o modelo elétrico da famosa “Kombi” e a tecnologia da IA na sua produção. Após 43 anos de silêncio sobre a ditadura militar, a música voltou ao centro de muita polêmica, por falar das repressões sofridas no passado, porém envolvida com cenas de alegria, fogos, praias, sendo o oposto do que acontecia em 1964.

Inteligência artificial para as próximas gerações

Logo, percebemos que as mudanças trazidas pelas novas ferramentas não configuram apenas no cenário audiovisual, mas também em vários grupos que podem ser atingidos pela ascensão das inteligências artificiais, como a classe artística, cultural e trabalhadora. Esses acontecimentos são apenas o início dos avanços das ferramentas sem regulamentação. No universo do cinema já existem e existiram diversos casos em que artistas já falecidos retornaram às telas graças à tecnologia e a inteligência artificial. Mesmo que possa parecer amedrontador, sem a regulamentação, talvez seja uma realidade que aceitaremos para o mundo. O diretor de cinema Sérgio de Carvalho parece acertar em sua comparação dos dias atuais com a Revolução Industrial, isto é, há uma substituição da mão de obra humana por máquinas, algo que aconteceu no passado e está acontecendo novamente no presente. O questionamento que fica é o modo como vamos utilizar todas as ferramentas disponibilizadas para nós e para as próximas gerações.

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