A luta diária das vendedoras ambulantes bolivianas:“o Brasil já não é mais seguro”
Ila Caira Verus
Para moradores de Brasiléia, município fronteiriço com a Bolívia, é comum encontrar vendedoras ambulantes pelas ruas e calçadas da cidade. Elas, em sua maioria mulheres, atravessam a fronteira Brasil-Bolívia em busca de vender seus produtos. As sacoleiras bolivianas possuem um desafio em dobro, pois não somente burlam a regulação do comércio como as barreiras fronteiriças dos dois países. No dia 4 de agosto de 2021, uma boliviana foi brutalmente roubada e morta na cidade com dois tiros no rosto.
A vítima era Maria Eugênia Alavi Burgoa, de 40 anos, que mesmo entregando o dinheiro de suas mercadorias, foi morta em plena luz do dia no Mercado Municipal de Epitaciolândia, com testemunhas no local. Sempre houve medo em quem enfrenta as ruas para ter o que comer, mas essa realidade é ainda pior para quem está em um país estranho. E o ocorrido aumentou ainda mais o temor de quem é vendedor ambulante.
O crime chocou os munícipes e espalhou o medo para as sacoleiras ambulantes do país vizinho. Danixa Antelovaca é uma dessas bolivianas que teme a violência brasileira. Ela está tão amedrontada com o crime contra uma pessoa de seu país que não aceitou aparecer em uma foto. A boliviana de apenas 24 anos, que está há dez como sacoleira ambulante no país, tem medo, pois já foi assaltada duas vezes, quando levaram sua bolsa e algumas mercadorias. Ela relembra que Maria Eugênia foi morta mesmo entregando suas coisas, e diz: “o Brasil já não é mais seguro para as bolivianas”. Fala com pesar, mas afirma que precisa desse trabalho, pois mesmo sendo casada, ainda depende da renda que faz nas ruas de Brasiléia.
O comércio ambulante também é uma realidade para Alma Yanete Copeman, de 50 anos. A senhora de sorriso largo é mãe solteira e está no ramo há 12 anos. Ela conta que durante todo esse período teve dias muito difíceis, já morou na rua, já teve suas coisas tomadas diversas vezes pela Polícia Federal (PF) e também já foi vítima de violência verbal. Na ocasião, Alma disse que a pessoa foi agressiva e falou coisas ruins, mas afirma que “as pessoas têm o direito de falar e pensar o que quiserem, não liguei, pois, existem pessoas ruins tanto no Brasil quanto na Bolívia”. A boliviana, apesar das dificuldades e da violência sofrida, se diz feliz com o que faz, pois é graças à venda nas ruas que ela hoje em dia tem um lugar para morar e comida para o filho. Mas ressalta que é muito difícil sair todos os dias às 8h da Bolívia, 7h no Brasil, pagando táxi e com a incerteza de talvez não voltar.
O medo assola essas mulheres, mas a necessidade de enfrentar as ruas para vender é o que une todas elas. E essa realidade não é diferente para Justina Barros, de 40 anos, que meio cabisbaixa, sentada na calçada, explica que sai todos os dias de manhã cedo à pé da Bolívia. Ela justifica que nem todo dia tem dinheiro para pagar táxi, então vai andando. Justina, meio tímida, relata que é mãe solteira e que o medo não é maior do que a sua necessidade para colocar o pão dentro de casa.
Apesar de estar há oito anos no comércio ambulante, Justina confirma que o medo a acompanha ao sair de casa, “o medo de ser roubada, pois o que levarem, vai fazer falta”. Quando indagada de seu maior sonho, ela diz que é do filho estudar para que não fique como ela, “em la calle” (na rua). E termina a conversa com sabedoria: “tem que ser amável com as pessoas porque se você retruca uma violência você é tão ignorante quanto”.
Essas mulheres não querem nada além de respeito para poderem ganhar o pão de cada dia. Todas elas compartilham o sonho de uma vida melhor, de um lugar melhor para viver e trabalhar e talvez pessoas que esqueçam o preconceito e as barreiras alfandegárias que dividem países. Mas as fronteiras não são as maiores barreiras que dividem nações e sim a xenofobia, a falta de humanidade pelo estrangeiro.
O comércio ambulante é um trabalho antigo e, apesar disso, os sacoleiros ainda enfrentam a violência e as autoridades por não terem uma regulação definida. E quando se tratam de sacoleiros de outros países, a situação é pior, pois não existe amparo da lei e nem da população.
O auditor fiscal da Receita Federal do município de Epitaciolândia, Leonardo de Castro Faria, explica que as apreensões de mercadorias estrangeiras acontecem em operações de vigilância e repressão, tendo apoio de várias forças policiais presentes na fronteira. Ele fala que, depois de apreendidas, abre-se um processo para averiguação da entrada das mercadorias estrangeiras. Assim, se o proprietário comprovar a regulação da mercadoria, ela é liberada, no caso de não comprovação, as mercadorias são apreendidas pela União. O auditor acrescenta que “no caso de mercadorias que entram irregularmente no território nacional, não há previsão de multa, somente a perda da mercadoria”.