Lesões avermelhadas e/ou esbranquiçadas, descamação da pele, coceira e desconforto podem ser alguns dos sintomas de quem possui a psoríase. Uma doença de pele autoimune e não contagiosa. Segundo dados da ONG Psoríase Brasil, a doença acomete mais de 125 milhões de pessoas no mundo todo e, no Brasil, são mais de cinco milhões de portadores. A doença pode afetar o corpo todo, principalmente os joelhos, cotovelos, mãos, pés e o couro cabeludo.
Além da pele, essa doença atinge principalmente a autoestima daqueles que a tem. É o que aponta um estudo recente realizado pelo HSR Helth, onde diz que 62% dos psoriáticos deixam de expor seus corpos em praias e piscinas no verão. Em média, o diagnóstico para a psoríase leva mais de três anos e 29% não tratam a doença.
Para Adriana Mariano, médica reumatologista da Fundação Hospital Estadual do Acre (Fundhacre), a consequência da psoríase não se limita a lesões na pele, dores articulares e inflamações nos olhos. “A consequência pior é a psicológica, porque ela é estigmatizante e diminui muito a qualidade de vida do paciente. Ele sofre preconceito porque a sociedade não entende que essa não é uma doença infecciosa, não transmissível. Pensam que é uma doença fúngica e transmissível, então, o paciente sofre muito preconceito”, ressalta.
De acordo com uma pesquisa realizada pela Sociedade Brasileira de Dermatologia (2015/2016), a prevalência no Brasil varia entre 1,10 e 1,50%, com grande variabilidade entre as regiões: 0,92% (Norte) e 1,88% (Sudeste). No entanto, a SBD informa que a psoríase tem controle e não deve ser motivo de preconceito nem impedimento de praticar atividades e vivenciar as situações do dia a dia. “O esclarecimento das dúvidas da população é uma forma de minimizar o preconceito e de valorizar a autoestima dos pacientes”, salienta Claudia Maia, médica dermatologista da Sociedade Brasileira de Dermatologia.
JONAS, FORMADO EM RH, 25 ANOS
Desde os 14 anos, o paulista Jonas Machado diz viver com a condição de pele. Logo após o diagnóstico, iniciou o processo de aceitação. Incialmente, sua psoríase era leve e levou cerca de 10 anos para ficar forte, e seu processo de aceitação foi junto a isso, vindo aos poucos. Jonas diz não ter ido atrás de pessoas com a mesma condição, mas depois que criou uma conta no Instagram para mostrar sua vida pôde conhecer muitas pessoas boas que compartilham experiências semelhantes.
Quando o assunto é preconceito, o jovem diz ter sofrido no ônibus e nas aulas de natação, com olhares feios, mas um episódio em especial lhe marcou profundamente. “Foi uma vez que eu fui em uma entrevista de emprego. Sou profissional de RH (Recursos Humanos), era uma entrevista com poucas pessoas. Na sala só tinha eu e a entrevistadora, e a todo momento em que eu ia me apresentar ela olhava mais para os meus braços com lesões da psoríase do que para os meus olhos. E teve uma hora em que eu olhei para os meus braços, passei as mãos e olhei para ela, naquele momento ela ficou constrangida e foi exatamente o que eu queria fazer: eu queria deixá-la constrangida por me deixar constrangido.”
Além do preconceito, Jonas diz que muitas pessoas tentam achar a cura para a psoríase, dando sugestões para ele passar coisas em seu corpo. Mas, mesmo assim, ele busca explicar o que é:uma doença autoimune e que não tem cura, só controle. “As pessoas tentam fazer tudo, sabe? Eu já ouvi coisas terríveis e já fiz coisas terríveis. Já fui atrás de auto imunoterapia, que é pegar seu sangue e aplicar em você mesmo, já apareceram tantas receitas malucas na internet… e a gente, por desespero, vai lá e faz. Então, eu acho que as informações boas devem ser disseminadas, porque informação ruim pula no seu colo e a pessoa desesperada faz”, enfatiza.
ANNE, JORNALISTA, 32 ANOS
Para a jornalista acreana Anne Nascimento, além da autoestima, existe um fator externo que tem somado nas dificuldades dos psoriáticos, o preconceito. “As frustrações vêm com os olhares de nojo, que inevitavelmente sinto, com a soberba em certas atitudes. Mas o processo de aceitação foi muito importante para mim e, hoje, creio que a pessoa que tenha um comportamento destes deve ser repreendida, porque, afinal de contas, nem eu nem ninguém é obrigado a aceitar pessoas falando coisas que nos deixem mal. A minha pele é minha, só minha, e embora diferente, ela cumpre com o papel dela”.
A jornalista explica que sua depressão severa foi mais agravada com a situação de sua pele, tendo em vista que a doença autoimune é intimamente ligada com a saúde mental. Além disso, diz ouvir muitos comentários acerca de sua aparência do passado, de como ela era bonita, e outros destinados às suas feridas na pele. “Nossa pele é nosso cartão de visitas. A minha, infelizmente, não é uma pele saudável ou dita bonita pelo padrão. E por alguma razão as pessoas pensam que podem soltar suas opiniões a torto e a direito sem nem saber que machucam. Hoje, aprendi a devolver as respostas e desenvolvi técnicas para deixar a própria pessoa envergonhada em dizer uma barbaridade dessas. Elas têm de aprender. Eu, por ter a condição, devo ensinar”, explica.
Os primeiros sintomas de Anne apareceram logo após um grande trauma emocional, há cinco anos. Ela escondia ainda mais a pele do que esconde hoje, mas a procura por pessoas que estivessem vivendo o mesmo problema foi extremamente necessária. “Conhecer iguais é de suma importância para conseguir, primeiro, a aceitação. Procurei, para evitar de pôr a cara a tapa mesmo, grupos na internet que falavam sobre o tema. Tenho bons amigos até hoje e, obviamente, aproveitamos estes espaços não apenas para nos conhecer, mas para trocar ‘figurinhas’ sobre o tema. Encontrar iguais salvou minha vida, pois notei que, apesar de diferente da maioria, sempre tem alguém que tem algo semelhante ao que você tem, um problema parecido com o seu.”
Apesar das dificuldades de conviver com uma doença psicossomática, Anne tenta levar tudo em sua vida com bom humor. Hoje, para evitar problemas futuros, busca levar uma vida mais leve e saudável, passou a frequentar terapia e respeitar os seus momentos de tristeza, que podem envolver tanto a psoríase ou não. “A psoríase me ensinou a me respeitar: ela sou eu, ela faz parte de mim. Por mais difícil que seja a vida com psoríase, aceitá-la foi o mais eficaz. Afinal de contas, estaremos sempre juntas, eu e minha pele”, finaliza a jornalista.
CONSEQUÊNCIAS
A reumatologista Adriana Marinho explica que o diagnóstico de psoríase é feito com base nos achados clínicos e exames físicos, que geralmente são placas esbranquiçadas, descamativas, na região extensora do cotovelo, joelho e lesões nas unhas. Mas, algumas vezes, ocorre a psoríase invertida, que acontece na prega do cotovelo, na região da virilha e nádegas. Outro local bastante comum é no couro cabeludo. Tão comum que às vezes pode ser confundido com caspa ou com dermatite seborreica.
“Por ser uma doença autoimune, a psoríase pode ocasionar a inflamação nos olhos, o que é de conhecimento de poucas pessoas. Chamamos de uveíte, olhos vermelhos. Além de dores articulares, que inclusive podem levar à obstrução das articulações nos joelhos e quadril, como também deformidades nas mãos e punhos.” A reumatologista ainda complementa que cerca de 30% dos pacientes com psoríase têm alguma dor e não relacionam com a doença de pele, pois às vezes a doença não está tão agressiva e nem acometendo a pele em grande quantidade, mas existe a presença da dor articular que incomoda e limita as atividades diárias do paciente.
A especialista explica que uma inflamação na articulação é possível ser quantificada com exame de sangue, para saber se está muito inflamada ou não. Mas quando se trata da questão psicológica, o médico nem sempre consegue quantificar e às vezes isso passa batido para quem é mais objetivo, não pensando e nem avaliando esse aspecto.
“Geralmente a autoestima do paciente é muito comprometida por causa da doença de pele. Ele não tem coragem de usar um short quando acontece a psoríase na pele ou de ir para um banho, pois as pessoas ficam olhando e julgando. Por isso, existe até um questionário para sabermos quantas vezes o paciente deixou de sair por conta das lesões de pele, quantas vezes ele deixou de fazer atividades com os familiares e amigos por conta das lesões e o que isso influencia na vida.” Para Adriana Marinho, médica reumatologista da Fundação Hospital Estadual do Acre (Fundhacre), esse comprometimento emocional nem sempre é percebido pelos profissionais de saúde, que às vezes não questionam, não avaliam, nem quantificam.