As consequências da crise econômica refletem na saúde da população
Por Marcus V. Almeida e Pâmela Celina
Com o retorno do Brasil ao mapa da fome, a insegurança alimentar da população aumentou em níveis preocupantes. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 10,3 milhões de pessoas, entre os anos de 2017 e 2018, passaram por algum momento de privações severas de alimentos.
O relatório do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), The State of Food Security and Nutrition in the World (O Estado de Segurança Alimentar e Nutrição no Mundo), diz que o Brasil está com 49,6 milhões de pessoas em situação de insegurança alimentar moderada ou grave, com um dos motivos para o agravo sendo a pandemia de Covid-19.
A Unicef define dois níveis de insegurança alimentar:
– Insegurança Alimentar Moderada: um estado de incerteza sobre a capacidade de obter alimentos; risco de pular refeições ou ver a comida acabar; sendo forçado a comprometer a qualidade nutricional e/ou quantidade dos alimentos consumidos.
– Insegurança Alimentar Grave: ficar sem comida; fome experimentada; no extremo, ficar sem comer por um dia ou mais.
No Acre a situação reflete essa realidade. Com o aumento da inflação e consequentemente da cesta básica, a população têm cada vez mais dificuldades de comprar alimentos saudáveis. Segundo a auxiliar de limpeza Eliane dos Santos Nascimento, a cada mês que vai ao mercado está diferente, com preços mais altos. Além disso, ela evita o consumo de alimentos industrializados, por se preocupar com a saúde da família. Eliane conta que, por enquanto, ainda não foi necessário encontrar meios alternativos para comprar alimentos – como feiras de pequenos agricultores – pois ainda conseguem comprar em grandes mercados, mesmo com os altos preços.
Segundo John Lenon, supervisor no açougue Fricarnes, “os clientes de classe alta não sentiram tanto, mas os de classe média deixaram de comprar bovino para comprar frios ou frango”, relata.
Ao ser questionado sobre a venda de embutidos, Lenon afirma que devido à grande demanda das lanchonetes na capital “esses produtos estão praticamente empatados em questões de preço, tipo salsicha e mortadela”. Ele alerta que seus preços poderão aumentar por causa dessa situação.
O supervisor afirma que o aumento da arroba do boi (custando atualmente cerca de R$275,00) fez com que o preço da carne vendida ao consumidor subisse e, como consequência, houve queda nas vendas. “Hoje o que os clientes mais buscam são preços baixos e as ofertas, onde está mais barato para fazer suas compras. Trabalhamos mais com isso hoje, em busca de mais clientes sempre fazemos ofertas”, relata.
Risco dos ultraprocessados
Devido à crise econômica em que o Brasil está, houve um aumento significativo no consumo de alimentos ultraprocessados, por serem uma alternativa mais barata aos alimentos orgânicos. A nutricionista Katiussy Paro, formada pela Universidade Federal do Acre (Ufac) e pós graduanda em Nutrição e Oncologia pela Faculdade Três Américas, explica quais os riscos desses produtos para a saúde.
“Esses alimentos são recheados de melhoradores de sabor como o sal e outros produtos químicos, além de corantes e conservantes, o que pode macular a saúde. Como alimento não é medicamento, esse agravo não se vê de forma instantânea, porém, pode chegar a ser irreversível, visto que alguns desses produtos podem ocasionar o aparecimento de câncer, esclerose lateral amiotrófica e várias outras doenças”, afirma.
Katiussy alerta que esses riscos são maiores para as crianças, pois seus corpos estão em desenvolvimento e necessitam de alimentos mais naturais e saudáveis possíveis. O alto índice de produtos industrializados na alimentação de uma criança pode acarretar problemas de saúde que vão desde alergias à obesidade e diabetes tipo 2, hipertensão, problemas cognitivos, entre outros fatores prejudiciais à saúde.
Falsos alimentos saudáveis
A nutricionista lembra também dos riscos dos chamados defensivos agrícolas, também conhecidos como agrotóxicos, e que o Brasil é um dos maiores utilizadores desses produtos. “Os agrotóxicos trazem grandes riscos à saúde, desde alterações comportamentais até predisposição a cânceres. Assim, o mais interessante seria nos alimentarmos de produtos orgânicos, que são livres de agrotóxicos”, explica.
Dicas acessíveis
Além disso, ela dá dicas de como contornar a situação de insegurança alimentar aqui no Acre para ter uma alimentação mais saudável e barata. “Nós temos recursos infinitos em nossas mãos. Antigamente, nossos avós moravam na colônia e não dependiam diretamente do governo. A dica que seria mais saudável é: plante, crie! Ela indica que plantem suas verduras dentro de vasos, no quintal ou na sacada do apartamento, pois além de gastar menos, tem certeza de consumir alimentos sem agrotóxicos.
“Se você tem espaço no seu quintal, crie galinha, pois elas te proporcionarão ovos ou a carne bem mais saudável.” Para ela, uma substituição bastante nutritiva e saborosa está em comer ovos e miúdos ao invés de embutidos. “Aceite os produtos vindos das colônias dos amigos ou parentes! Mas se nada disso for possível, vá às feiras porque lá, normalmente, é bem mais barato e tem bastante opção”, sugere a nutricionista.
As dicas da profissional buscam ensinar outros meios para a população acreana ter acesso a alimentos saudáveis e nutritivos, bem diferente do que ensinar a construir um fogão caseiro, a cozinhar com ossos ou receitas de arroz e feijão quebrado.
“Infelizmente, o que não dá é esperar que nossa situação econômica melhore para melhorar nossa alimentação. Os produtos industrializados são mais baratos sim, porém, na maioria das vezes, o barato sai muito caro. Por que não trocar 2 litros de refrigerante por 4 limões, que é mais barato, e fazer um suco que é mais nutritivo? Façamos trocas inteligentes. Não é simples, já que fomos condicionados, mas é possível”, finaliza.