Imagem reprodução: Site Danielle Santos Advocacia
Por Bruna Kéren e Carina Melo
A cultura do cancelamento é uma expressão que tem chamado muita atenção nos últimos anos. Trata-se de uma onda crescente que incentiva os internautas a deixarem de seguir e apoiar determinadas pessoas, sejam elas famosas ou não, em razão de algum “erro” que ela possa ter cometido. Muitas vezes são acompanhados de comentários de ódio à pessoa-alvo. Esse tipo de comportamento acaba tornando o ambiente virtual hostil, seletivo e injusto. Essas atitudes intolerantes podem prejudicar a saúde mental de quem está do outro lado da tela, desencadeando ansiedade, depressão e em casos mais extremos podendo contribuir para levar o indivíduo ao suicídio.
Em 2014, a acreana Adrielle Farias viralizou na internet ao publicar um vídeo em forma de paródia de uma música da cantora Katy Perry, falando sobre as características da fauna e flora do Acre. Porém, apesar de engraçado, o vídeo não foi bem aceito por grande parte da população do estado. “Na época em que lancei, eu tinha 16 anos e essa questão de ser viral no Youtube era muito nova. Eu fiquei muito mal durante uma semana”, relembra ela, explicando que depois de se habituar à nova situação levou tudo isso na brincadeira, com o apoio de amigos e familiares. “Mas, quando eu comecei a receber xingamentos e ameaças de morte, isso realmente me deixou muito assustada. A partir daí, eu percebi que as pessoas estavam distorcendo as coisas, por exemplo, dizendo que eu estava difamando o Acre”, afirma Adrielle, que mesmo depois de fazer o curso de Jornalismo pela Ufac ainda não entende porque existem pessoas que gostam de ser haters e atacar os outros na internet.
A consultora de moda e digital influencer Maryllia Gabriela, que também é acreana, foi alvo de diversos ataques em suas redes sociais em agosto de 2021, por ter sido apontada como a suposta pivô da separação entre Nicole Bahls e Marcelo Bimbi. Tudo isso causado por um vídeo que foi postado fora do contexto por uma página de fofocas. O caso ganhou grande repercussão e reuniu centenas de pessoas em uma “massa canceladora” que invadiu o perfil da influencer e encheram suas publicações com comentários vexatórios e constrangedores.
“Foi um choque muito grande, fiquei sem ação por um dia inteiro tentando digerir tudo.” Segundo Maryllia, isso trouxe consequências negativas para diversas áreas de sua vida: “… perdi alguns trabalhos, tenho pânico de abrir notificações nas redes sociais porque sempre acho que vai ser alguém me agredindo psicologicamente”, conta ela, detalhando que ficou duas semanas sem sair de casa, com medo, teve crises de ansiedade severas e ainda chora quando lê algumas coisas. “Hoje a situação está um pouco mais controlada, mas os medos continuam, a dor também, já andei pensando em largar minha vida digital porque tudo o que eu posto ainda tem alguém para falar do meu nariz, da minha pele, do meu cabelo, de qualquer coisa”. Ela diz que chega a ficar cansada, sem ânimo de trabalhar online e esperando que isso passe logo.
No início do mês de agosto, a cantora Walkyria Santos, ex-vocalista da banda Magníficos, usou seu perfil nas redes sociais para falar sobre a morte de seu filho Lucas, de 16 anos, que cometeu suicídio após ser vítima de comentários de ódio na internet. O jovem havia postado no TikTok um vídeo onde simulou que beijaria um amigo. De acordo com ele, foi apenas uma brincadeira com a intenção de ganhar visualizações na plataforma. No entanto, o que era para ser engraçado acabou virando um pesadelo, pois a onda de comentários homofóbicos e caluniosos provavelmente contribuíram para a tragédia. “Hoje, eu perdi meu filho, uma dor que só quem sente vai entender. Ele postou um vídeo no TikTok, uma brincadeira de adolescente com os amigos, e achou que as pessoas iriam achar engraçado. Mas as pessoas não acharam. Como sempre, as pessoas destilando ódio na internet. Como sempre, as pessoas deixando comentários maldosos. Meu filho acabou tirando a vida. Eu estou desolada, eu estou acabada, eu estou sem chão”, disse a mãe do garoto em uma postagem.
De acordo com a psicóloga Samara Pinheiro, que trabalha no Hospital de Saúde Mental do Acre (Hosmac), não é fácil apontar os fatores exatos que levam as pessoas a agirem dessa forma, pois o comportamento agressivo que os usuários apresentam na internet geralmente é apenas o reflexo da vida que levam em casa, no ambiente familiar. Entre os motivos, as más influências ideológicas à que são expostos no ciberespaço podem ser as principais causas do problema.
Nota do editor: Se você viveu alguma situação parecida ou conhece alguém que passou por isso e estiver em um momento difícil, precisando de atendimento psicológico, procure uma Unidade Básica de Saúde (UBS) ou Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) mais próximos de sua casa. O CVV – Centro de Valorização da Vida também atende de forma voluntária, gratuita e sob total sigilo todas as pessoas que querem e precisam conversar – por telefone (188), e-mail e chat 24 horas todos os dias (https://www.cvv.org.br).
