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As crianças e as telas: diferentes perspectivas e consequências

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Reprodução/Veja

Para parte dos pais e especialistas, há uma forma saudável de interação da criança com as telas: supervisão de conteúdo e de horário, que vai depender diretamente da faixa etária do pequeno. 

Por Aldeir Oliveira e Maria Fernanda Arival

Você já notou seu filho ou sobrinho falando com um sotaque que mais ninguém da casa tem? Seus pequenos assumem uma postura e uma dicção totalmente diferente quando estão na frente das câmeras? Uma das brincadeiras favoritas deles é brincar de ser youtuber? Não são casos isolados e é cada vez mais comum entre os jovens dessa geração que nasceram com um celular na mão e são usuários de sites de streaming desde que aprenderam a usar seus polegares opositores para segurar o tablet ou smartphone.

É comum vermos crianças, cada vez mais jovens, com um tablet ou celular na mão, muitas delas até possuem seus próprios aparelhos, ao invés de pegarem emprestado de seus pais ou tutores. Essa movimentação ainda é mal vista na sociedade e ponto de discordância entre diversos especialistas. Mas é consenso que as atividades tecnológicas de nossos pequenos devem ser limitadas e, acima de tudo, supervisionadas. É comum ouvirmos que a internet é uma “terra sem lei”, o que não é verdade, porém, não é totalmente falso.

Em 2017, na sua plataforma Think With Google, voltada para a divulgação de dados relevantes aos profissionais de marketing, a gigante da informática revelou dados sobre seus usuários mirins, contabilizados através de um ano de uso do YouTube Kids, streaming voltado para o público infantil e com ferramentas de controle parental, tal qual escolha de faixa etária alvo, ativação ou desativação da ferramenta de pesquisa, dentre outras opções para ajudar no maior controle por parte dos pais. Os dados mostram que 80% das crianças entre 4 e 11 anos acessam o YouTube diariamente, sendo esses acessos distribuídos em quatro situações distintas: em seus próprios lares (81%), na residência de amigos ou familiares (60%), durante deslocamentos (49%) tal qual viagens de carro ou transporte público e na escola (38%).

Em um estudo publicado pelo periódico científico The Lancet Child & Adolescent Health e divulgado pela revista Veja, em 2018, o uso desenfreado de celulares, tablets e computadores pode vir a prejudicar o desenvolvimento cognitivo das crianças. A reportagem cita o pesquisador Eduardo Esteban Bustamante, da Universidade de Ilinois, dos Estados Unidos, para justificar tal afirmativa: “cada minuto gasto em frente às telas equivale a um minuto a menos de sono ou de atividades cognitivamente desafiadoras”. 

Para que o pesquisador chegasse a tal conclusão foram analisados os hábitos de aproximadamente 4.500 crianças norte-americanas, com idades entre 8 e 11 anos. Os fatores levados em consideração para a avaliação foram as recomendações de bem-estar para infância, tais como: dormir de nove a onze horas por noite, praticar, no mínimo, uma hora de atividade física diariamente e uso de eletrônicos por, no máximo, duas horas por dia. Também foram submetidas a testes cognitivos para avaliar memória, atenção e linguagem.

O uso excessivo das telas pode causar diversos problemas, entre eles a miopia. Reprodução/Vix

Mas há quem acredite que as novas tecnologias não devem ser temidas ou marginalizadas em relação às crianças, e sim devem ser abraçadas e integradas ao seu cotidiano, partindo de uma premissa de que devemos incorporar a evolução tecnológica, adaptando também a criação de nossos filhos. Não podemos negar o fato de que os dispositivos eletrônicos, no período pandêmico do novo coronavírus, mantiveram o mundo funcionando e aproximando as pessoas em isolamento social. 

Mas até onde o uso de eletrônicos pode influenciar os comportamentos culturais dos pequenos? Sotaques e dialetos são partes vivas, evolutivas e extremamente características de um local, formando a identidade de um povo para além de sua localização geográfica. E causa estranhamento ver uma criança acreana conversando com um sotaque sulista ou ainda com um mix de sotaques do qual não se pode identificar, usando palavras ou gírias que não são comuns, nunca proferidas em seus lares por seus pais, tios, avós, responsáveis ou tutores.

A professora do ensino fundamental Sueli Severino, 46, acredita que as ferramentas eletrônicas devem ser conduzidas para as crianças com cautela e, acima de tudo, voltadas para o aprendizado dos pequenos. “Eu não sou contra uma criança de 5 anos utilizar essa ferramenta que está sendo a sensação do momento. Porém, temos de saber como conduzir essa ferramenta para as crianças, até que ponto esta ferramenta está ajudando, principalmente, na área educacional”, declarou.

Mas a professora concorda que os eletrônicos mudaram radicalmente as interações infantis. “Crianças de 7 ou 11 anos não brincam mais de boneca, não brincam mais de rodinha, somente usam o smartphone”. Profissionais do ensino infantil acreditam que é importante que, em seus anos formativos, as crianças tirem também tempo para executar brincadeiras que estimulem a imaginação dos pequenos, criando menos tempo ocioso. O uso desenfreado do tablet ou smartphone traz brincadeiras prontas, que não estimulam os pequenos a usarem a imaginação e as ferramentas ao seu redor para se distrair.

O novo passatempo da última geração. Foto: Arquivo Pessoal Maryllia Gabriela

De acordo com a psicóloga Renata Campos, os efeitos da exposição prolongada às telas são diversos e já existem pesquisas que sinalizam os malefícios desse comportamento. “Os aparelhos não são de todo ruim, eles trazem conteúdos e processos de aprendizagem. Porém, o excesso de horas em frente às telas está relacionado a efeitos negativos, que vão de questões físicas à psicológicas”, explica a especialista.  Ela identifica que a criança pode desenvolver alterações do sono, de atenção, do sistema hormonal, no humor, até depressão ou ansiedade. “Há vários riscos de comportamentos disfuncionais no processo de pais não conseguirem monitorar o tempo de uso”, reforça.

Nos dias de hoje, muitos pais trabalham fora e precisam deixar seus filhos com outras pessoas da família e isso requer uma comunicação mais direta com a criança através de ligações ou aplicativos de mensagens como o WhatsApp. Além disso, durante a pandemia o ensino de forma remota também demanda o uso desses aplicativos para comunicação entre pais, alunos e professores.

Maryllia Gabriela, empreendedora e mãe de uma pequena de 7 anos, conta que a filha começou a usar o tablet aos três anos para assistir desenho na plataforma Netflix. Mas o celular foi dado apenas ano passado, quando a menina tinha seis anos. “Ela começou a usar o celular para se comunicar com o pai, que viaja muito. Nem sempre estou em casa com ela para emprestar o meu aparelho, além disso, preciso dele para trabalhar. Então, a solução que encontramos foi essa, mas desde sempre eu tenho monitorado o que ela faz e a quantidade de tempo que usa”, afirma.

As crianças em desenvolvimento tem um processo de apreensão do mundo em que capta as informações do meio externo e armazena, como se fossem esponjas, por isso, quanto mais acesso os pequenos têm ao YouTube, mais sotaques e gírias eles podem armazenar e colocar em prática. “No processo de desenvolvimento infantil, a criança busca aprender a partir dessas relações familiares e de amizade. Quando a criança é privada disso, elas acabam se relacionando com esses personagens na internet e se apropriam desses termos, gírias e sotaques. O mesmo que aconteceria com uma interação familiar ”, explica a psicóloga.

Para Maryllia Gabriela, as crianças devem ter supervisão dos pais sobre o que assistem e a quantidade de horas que ficam em frente às telas, principalmente no YouTube, pois nesta plataforma há muitos canais que podem chegar à elas através das recomendações do site e não são indicados para a idade. “Minha filha usa o celular por uma ou duas horas, com a minha supervisão. Ela tem um quadro com os horários dela e a rotina do dia. Quando era menor, assistia muitos vídeos no YouTube, mas sempre na televisão, para que eu pudesse ver também. E sempre que percebia comportamentos errados nesses canais, eu a proibia de assistir”, conta a mãe.

Como é uma realidade recente e há poucos estudos sobre o assunto, a comunidade que é responsável pelas crianças e adolescentes deve estar atenta aos prejuízos que a exposição excessiva de telas podem causar. Para a psicóloga: “nos próximos anos acontecerão mais pesquisas sobre essa temática importante e necessária.

Redação

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Da teoria à prática: o que muda quando o estudante vira professor

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Por Jhenyfer Souza e Gabriel Vitorino

Conciliar a vida acadêmica com a docência, lidar com baixos salários e ainda enfrentar a falta de reconhecimento são desafios comuns para quem escolhe a carreira de professor em Rio Branco. Apesar disso, a procura por profissionais cresce e abre espaço para trajetórias que começam ainda durante a graduação. É o caso de Izabele Alves, de 21 anos, que cursa o sétimo período da licenciatura em Letras Inglês na Universidade Federal do Acre (Ufac) e já ministra aulas online. 

Ela decidiu o curso por conta da afinidade com o idioma e pela admiração que tinha pelos professores. No entanto, a estudante reconhece que a visão inicial que tinha sobre o mercado de trabalho mudou ao longo da formação.

“Quando eu entrei na faculdade, eu tinha uma visão bem estereotipada do trabalho do professor. A partir do momento que comecei a procurar emprego como professora de Inglês, percebi que existe grande procura em Rio Branco”, conta Izabele Alves. Com essa experiência ela percebeu que há portas abertas na área, pois muitas pessoas querem fazer curso ou contratar um professor particular.

A estudante destaca ainda que o ensino remoto facilita a conciliação entre trabalho e graduação, mas admite que há períodos em que a carga se torna pesada. Outro ponto de atenção é a baixa remuneração, especialmente quando há vínculo com escolas particulares. Segundo ela, o acúmulo de funções é frequente. 

“O professor de inglês acaba precisando assumir outras disciplinas ou preparar materiais pedagógicos. Isso acontece muito e o salário nem sempre compensa”, explica.

O cenário apontado pela graduanda dialoga com dados do Censo Escolar, que revelam a fragilidade da carreira docente no Acre. Mais de 69% dos professores da rede básica atuam com contratos temporários, chegando a 75% na rede estadual. Além disso, mesmo com nível superior, o salário-base de um professor licenciado no estado gira em torno de R$ 2,6 mil para 40 horas semanais, segundo o levantamento.

Esses números contrastam com a alta demanda da profissão. Em 2025, por exemplo, o governo abriu um processo seletivo com mais de 18 mil vagas temporárias para professores em todo o estado, sinalizando que o mercado está aquecido, mas ainda preso à instabilidade dos contratos.

Experiência  

A realidade vivida por Izabele Alves dialoga com a de Renata da Silva, 30 anos, professora formada em Letras Inglês pela Ufac. Diferente da estudante, Renata começou a trabalhar durante o segundo período da graduação, experiência que tornou a transição para a vida profissional menos abrupta. Apesar disso, ela também reconhece as dificuldades da profissão. Para a professora, o maior choque está na diferença entre teoria e prática. 

“Na faculdade, tudo é muito didático, até utópico. A teoria diz que o aluno vai aprender conforme o período estipulado, mas sabemos que não é assim, especialmente no Acre, onde o contato com o inglês fora da sala de aula ainda é bem restrito”, explica ela.

Foto: Jhenyfer Souza

Renata Silva ressalta que a área segue desvalorizada, tanto pela baixa remuneração quanto pelas condições de trabalho. Segundo ela, o aprendizado do inglês exige mais do que livro e professor. 

“Deveriam haver ambientes mais imersivos e ferramentas adequadas, mas muitas vezes isso não é acessível. A valorização peca e não só em questão de salário”.

Outro ponto levantado pela profissional é a concorrência com pessoas que dominam o idioma, mas não possuem formação específica. Para ela, a vivência universitária traz diferenciais que vão além da gramática e da conversação.

“A formação em Letras nos prepara para lidar com alunos neurodivergentes, com diferentes contextos familiares, além de oferecer base em fonética, linguística aplicada, educação especial. Isso faz diferença no trabalho em sala de aula”, afirma.

Apesar das dificuldades, Renata segue motivada pela interação com os alunos e pela dimensão cultural que o ensino da língua possibilita. “Ensinar inglês vai além da gramática, envolve pontos de vista, debates, diferenças. Isso enriquece a gente também”, diz.

O contraste entre as experiências de Izabele e Renata revela uma realidade marcada por dificuldades, mas também por reconhecimento e oportunidades. Esse debate é essencial quando o assunto é o mercado de trabalho, já que boa parte dos estudantes acabam sendo muito otimistas quanto às oportunidades que terão. Aqueles que já são profissionais e possuem anos de experiência percebem, cedo ou tarde, a fragilidade de sua posição no mercado.

A segurança e a estabilidade são muitas vezes varridas pela visão que as grandes e pequenas empresas têm de lucro, valorizando profissionais mais novos na área, com rotatividade maior, favorecendo o acúmulo de experiências à estabilidade financeira e a segurança no ambiente de trabalho. Com isso, muitos profissionais que se encontram no mercado há mais tempo acabam tendo dificuldade em se manterem neste contexto.

Ao se pensar na realidade do mercado de trabalho e em como as novas gerações criam expectativas profissionais, o debate acaba sendo mais profundo quando se envolve adaptação às novas referências e tecnologias que passam a interferir nas práticas, no cenário da sociedade da informação.

Vale refletir se o mercado de fato é receptivo e possui muitas oportunidades, ou se ele vê o estudante universitário como mão de obra barata de fácil acesso, mas com prazo de validade.

Redação

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O futuro da escrita na era digital

Entre teclados e telas, especialistas destacam que a escrita à mão ainda fortalece memória, criatividade e identidade cultural. Foto: Gabriela Queiroz

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Por Maria Niélia Magalhães, Sérgio Corrêia e Gabriela Queiroz

Das cartas que cruzaram continentes aos aplicativos de mensagens instantâneas, a transição da escrita manual para a digital reflete mais do que uma evolução tecnológica — revela uma transformação profunda em como nos comunicamos, aprendemos e até mesmo como processamos informações. Enquanto especialistas debatem os impactos cognitivos e culturais dessa mudança, neurologistas, educadores e alunos avaliam os prós e contras de cada meio.

“Quando o aluno escreve à mão, ele pensa melhor no que está registrando, organiza o que é mais importante”, afirma a professora Cyndi de Oliveira Moura, 29 anos, formada em Letras pela Universidade Federal do Acre – Ufac e docente de Língua Portuguesa no ensino fundamental. Ela observa no dia a dia os efeitos da escrita manual: “alunos que anotam no caderno conseguem relembrar mais facilmente aquilo que foi explicado em sala.”

Ela destaca que a caligrafia também está ligada à criatividade, pois exige atenção e paciência. Mas nota que os estudantes atuais enfrentam dificuldades: “Eles são impacientes e querem escrever tão rápido quanto pensam. A escrita exige paciência e reflexão, mas o uso excessivo das telas acelera demais o pensamento.”

Apesar disso, a professora não vê a tecnologia como inimiga, e sim como ferramenta que precisa ser equilibrada com a escrita manual: “Os recursos digitais ampliam possibilidades, mas sem criticidade se limitam a cópias rápidas e informações superficiais. O ideal é equilibrar os dois mundos: o papel ajuda a refletir, enquanto a tecnologia prepara para o século XXI.”

Foto: Gabriela Queiroz

O advento da tecnologia digital transformou profundamente a maneira como registramos e comunicamos ideias. Se por um lado a digitação se tornou predominante pela sua praticidade e velocidade, por outro, a escrita manual resiste como prática fundamental – não por nostalgia, mas por seu impacto comprovado na cognição e no desenvolvimento cerebral. 

A voz do estudante

Para Letícia Kelly, aluna do 2º ano do ensino médio de uma escola pública em Rio Branco, a escrita à mão continua sendo indispensável no seu processo de aprendizagem. “Eu prefiro escrever no caderno, porque fazer anotações melhora minha memória. Quando escrevo no celular, não consigo guardar tanto na mente”, afirma.

Elaborar pequenos textos e mapas mentais no papel facilita a memorização de detalhes importantes, segundo Kelly. “Infelizmente, as pessoas estão abandonando a escrita à mão, e isso é muito ruim, pois terão uma memória mais curta. Eu não consigo parar de escrever à mão, porque me ajuda a memorizar as coisas”, completa a estudante.

Atividade da aluna do 2º ano do Ensino Médio, Letícia Kelly. Foto: Maria Niélia

Não se trata de idealizar o passado ou desconsiderar os avanços tecnológicos. Afinal, todos nós aproveitamos a agilidade das mensagens instantâneas para nos conectar com quem está longe. No entanto, especialistas alertam: a caligrafia ativa regiões do cérebro relacionadas à memória e à criatividade de um modo que o teclado não consegue replicar.

Cenário Internacional

Pesquisas recentes confirmam que a escrita manual continua exercendo um papel fundamental no aprendizado. Um estudo norueguês, citado pela DW Brasil na reportagem Escrever à mão ajuda no aprendizado, aponta estudo, mostrou que escrever manualmente aumenta a atividade cerebral justamente nas regiões ligadas à memória e ao processamento motor e visual, favorecendo uma compreensão mais profunda e duradoura do conteúdo. 

Já a BBC Brasil, em Como escrita à mão beneficia o cérebro e ganha nova chance em escolas, destaca a visão da neurocientista Claudia Aguirre, que afirma que escrever em cursivo, especialmente em comparação com digitar, ativa caminhos neurais específicos que otimizam o aprendizado e o desenvolvimento da linguagem.

A Finlândia, país reconhecido por seu sistema educacional inovador, retirou a caligrafia do currículo obrigatório em 2016, priorizando o ensino de digitação (The Guardian, 2015). Nos Estados Unidos, discussões semelhantes ganharam força nos últimos anos. Essas mudanças, no entanto, não ocorrem sem controvérsias.

À medida que escolas e estudantes se adaptam às demandas de um mundo digital, pesquisadores seguem investigando como equilibrar tradição e inovação. Por um lado, alguns educadores defendem a adaptação aos novos tempos, por outro, especialistas em neurociência e desenvolvimento cognitivo alertam para as perdas associadas à diminuição da escrita manual.

O melhor de ambos

Enquanto isso, a ciência segue confirmando: escrever à mão é muito mais que um gesto cultural – é uma ferramenta poderosa para moldar o cérebro e expandir as fronteiras do pensamento. A pergunta que permanece não é apenas sobre qual método de escrita é mais eficiente, mas como podemos integrar o melhor de ambos para promover uma aprendizagem mais rica e significativa. 

Não se trata, portanto, de uma disputa entre o antigo e o moderno, mas de reconhecer que ambas as formas de escrita — a manual e a digital — podem coexistir e se complementar. Como bem ilustram a professora Cyndi e a estudante Letícia, escrever à mão continua a ser um exercício de paciência, reflexão capaz de transformar informação em conhecimento.

No fim, o que importa é lembrar: escrever não é apenas registrar palavras — é processar ideias, construir sentidos e, acima de tudo, permanecer humano em um mundo em constante transformação.

Redação

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Você sabia que o e-Título foi idealizado por uma acriana?

Rosana Magalhães, hoje aposentada, trabalhou na Justiça Eleitoral desde 1994. Foto: Arquivo do TRE/AC

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Por Francisca Samiele e Amanda Silva

Talvez pouca gente saiba, mas uma das ferramentas digitais mais importantes da Justiça Eleitoral no Brasil foi criada por uma mulher acriana. O e-Título, versão digital do título de eleitor, que ajudou a modernizar a forma como milhões de brasileiros votam, foi idealizado por Rosana Magalhães, na época, secretária de tecnologia do Tribunal Regional Eleitoral do Acre (TRE-AC).

Considerando que até 1932 as mulheres sequer tinham direito ao voto no Brasil, é irônico pensar que tenha sido justamente uma mulher a idealizar essa tecnologia, considerada essencial para o exercício da democracia ter se tornado tão prático.

O aplicativo e-Título foi lançado em dezembro de 2017. Foto: Internet

A idealizadora do e-Título

Rosana Magalhães, hoje aposentada, trabalhou na Justiça Eleitoral desde 1994 e acompanhou a evolução do sistema de votação, do papel à urna eletrônica. Como analista de sistemas, ela percebeu que o título de papel era um documento que dificultava o acesso a alguns serviços da Justiça Eleitoral e a atualização de dados para muitas pessoas.

“Ele (título) não tinha foto e não tinha dados atualizados como estado civil, grau de escolaridade, nome em caso de mudança após casamento. Era um documento estático. […] Era um papel que molhava e não tinha muita durabilidade”, explicou Rosana Magalhães. A servidora comenta que foi observando essas limitações que surgiu a ideia do e-Título, um documento digital que pudesse atualizar automaticamente informações do eleitor e simplificar processos como emissão de certidão de quitação eleitoral.

Rosana Magalhães em divulgação de campanha no Acre para o e-Título. Foto: Arquivo do TRE/AC

“E outra coisa que observei durante toda essa minha experiência de vida na Justiça Eleitoral é a dificuldade que as pessoas tinham em atualizar seus dados e, quando perdiam o título de eleitor, ficavam numa fila enorme perto da eleição”, relembra.

O e-Título foi lançado em dezembro de 2017 e o projeto foi desenvolvido junto ao TRE-AC após aprovação do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). A primeira versão, desenvolvida em cerca de 40 dias, foi disponibilizada nas lojas de aplicativos e preparada para uso nacional, sendo adotado pelos estados de forma gradual. 

O e-Título é acessível para pessoas com deficiência visual, baixa visibilidade ou daltônicas e também é permite acessar vários serviços, tais como:

• Apresentação de justificativa eleitoral no dia das Eleições e após o pleito;
• Consulta ao histórico de justificativas eleitorais;
• Consulta ao local de votação;
• Emissão de certidão de quitação e de crimes eleitorais;
• Geração do Título Eleitoral em formato PDF para impressão;
• Cadastrar mesária ou mesário voluntários;
• Emissão de declaração de trabalhos eleitorais;
• Geração de código de autenticação para sistemas parceiros;
• Consulta a débitos eleitorais;
• Pagamento de eventuais débitos eleitorais por Pix ou por meio da emissão de boleto.

Veja como o título de eleitor evoluiu ao longo dos anos:

Reações às mudanças

O e-Título trouxe mudanças significativas para os eleitores. Alguns se adaptaram muito bem, mas também tem quem ainda prefere o documento à moda antiga.

Para a  assistente administrativa Janara Cristina Dutra Nogueira, 37 anos, a mudança é bem-vinda. “Para mim, a maior vantagem é a praticidade. Não preciso mais andar com o título de papel, ele fica no celular. Também dá para ver meu local de votação, regularizar situação eleitoral e até justificar voto se eu estiver fora”, explica.

A pedagoga Katiane Lima, também considera a mudança um bom progresso. “O aplicativo trouxe praticidade, oferecendo acesso rápido e fácil às informações, sem necessidade de buscar documentos físicos. A transição de papel para digital trouxe mudanças de mentalidade e aprendizado necessário para usar novas tecnologias”.

Mas nem todos os usuários que passaram pela transição do papel ao digital se adaptaram completamente, como é o caso da funcionária pública Iêda Fernandes, de 69 anos. “Tenho algumas dificuldades com a tecnologia… Já utilizei em alguns momentos, mas não me senti tão segura. Para utilizar como ferramenta principal, devo aprender mais sobre as funcionalidades. Preciso me tornar mais tecnológica”.

A  aposentada Junisseia Souza de Lima enfatiza sua preferência pelo título em papel: “sabe por que eu não gosto de botar no telefone as coisas? Porque às vezes a gente é roubada, basta puxar o telefone para olhar e o ‘cabra’ vem e toma. A gente não fica tranquila andando com telefone, eu não fico. Então, com a cédula de votação, é melhor papel, eu gosto. Eu não gosto de sair preocupada com o telefone, então, para evitar isso, prefiro o de papel.”

Já a professora de português Gleiciany Florêncio de Araújo, de 34 anos, sugere algumas atualizações: “Para mim, uma grande melhoria no aplicativo seria se ele também pudesse ser usado offline, porque algumas vezes o sinal da internet é fraco e não dá para entrar no aplicativo”.

Progresso

A idealizadora do projeto ressalta que o e-Título continua evoluindo e pode, futuramente, incluir funcionalidades como coleta de biometria pelo próprio aplicativo.

Lançamento do e-Título, em Brasília, 2017. Foto: Arquivo do TSE

O e-Título trouxe benefícios para os eleitores e para a Justiça Eleitoral. Agora, muitas situações podem ser resolvidas diretamente pelo aplicativo, o que diminui filas e tempo de espera. O uso digital reduz custos com impressão de títulos e certidões, e o aplicativo pode ser usado por eleitores em qualquer lugar do Brasil ou no exterior.

“O principal impacto para a sociedade, para a justiça eleitoral e para a sociedade também é a economia que teve de muitos milhões para emissão de título eleitoral, já que não há mais necessidade de imprimir”, afirma Rosana Magalhães. E ela repete uma frase que Caetano Veloso disse no dia do lançamento do e-Título: “É incrível a força que as coisas parecem ter quando elas precisam acontecer.”

Conheça um pouco da trajetória das mulheres na luta por seus direitos políticos AQUI.

Redação

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