No Acre, é possível encontrar pratos diferenciados e deliciosos que revelam a conexão harmoniosa entre o homem e a natureza.
Idhelena Vieira e Tatiana Ferreira
A culinária do Acre transcende o simples ato de alimentar, transformando-se em uma verdadeira celebração da cultura e da história da região. Em um estado onde a diversidade étnica e a influência indígena são evidentes, a gastronomia se torna uma manifestação viva de identidade. A culinária acreana é um reflexo da rica mistura de culturas e tradições que compõem a região. Localizado na região amazônica do Brasil, o estado do Acre apresenta uma gastronomia única, influenciada por ingredientes locais, técnicas indígenas e influências culinárias vindas do nordeste do país. Um dos pilares da culinária acreana é a mandioca, uma planta versátil que está presente em diversas preparações. A farinha de mandioca é um ingrediente fundamental, sendo utilizada para acompanhar pratos e como base para muitas receitas. O tucupi, líquido extraído da mandioca brava, é um componente essencial em muitos pratos típicos, como o famoso “Tacacá”. Essa sopa quente, feita com tucupi, goma de tapioca e camarões secos, é uma explosão de sabores e texturas. A primeira vez degustando um prato típico acreano, é como se você fosse instantaneamente conquistado pela mistura de sabores intensos e marcantes. A combinação de ingredientes frescos, como peixes de rio e a deliciosa carne com jambu que traz uma experiência única, a sensação de dormência na boca causada pela folha, conferindo uma explosão deliciosa no paladar que ao mesmo tempo diferente é deliciosamente familiar. “A comida acreana tem grande importância na minha vida porque amo cozinhar para minha família e isso, consequentemente, faz a gente se aproximar ainda mais”, explica o atendente de loja, Guilherme Felipe.
Peixe frito, uma delícia gastronômica – Foto: Idhelena Vieira
Pratos como o “Pato no Tucupi” também são muito apreciados. O pato é cozido no tucupi e servido com arroz e jambu, uma erva amazônica que provoca uma sensação de “formigamento” na boca. Essa característica torna o prato ainda mais interessante e peculiar. Outra delícia acreana é o “Quibe de arroz”. É um prato reconfortante e saboroso, perfeito para agradar os paladares locais. Além dos ingredientes tradicionais, a culinária do Acre também incorpora influências nordestinas, como o consumo de carne de sol. Além disso, é comum o consumo de vitaminas como a de abacate e de banana verde. “Na minha infância comíamos muito cozido e vitamina de jerimum. A vitamina era feita com leite e era bem forte.” explica a pedagoga Ivanilde Moura. Não esquecendo da famosa “Baixaria” prato típico acreano, que além de delicioso é fácil de fazer e ainda é esteticamente atrativo. A iguaria conta com cuscuz e adicionais de cheiro verde, ovo, carne moída, calabresa, tomate dentre outros ingredientes que fica ao critério de quem vai consumir. O prato é a cara do Acre e tem grande preferência na culinária local. Essa diversidade de influências e ingredientes resulta em pratos únicos e autênticos, que fazem da culinária acreana uma verdadeira expressão cultural. Os festivais gastronômicos no Acre são oportunidades imperdíveis para conhecer e degustar essa rica culinária. Eventos como o “Festival do Açaí” que acontece em Feijó, interior do estado, celebram os sabores locais, apresentações culturais e muita animação. A culinária acreana é uma celebração da natureza exuberante da região e das tradições enraizadas em suas comunidades. Cada prato conta uma história e representa um elo entre o passado e o presente, entre as diversas culturas que moldaram essa culinária única e apaixonante.
Ao manter viva a culinária típica do Acre, cozinheiro conquista turistas e moradores com sua famosa rabada no tucupi.
No Mercado do Bosque, um prato típico do Acre ganhou status de tradição: a rabada. Preparada há mais de três décadas por Antônio Felinto Alves,, eleviu seu nome atrelado à rabada, além de ser também o Toinho do Tacacá.
A iguaria se tornou referência gastronômica para acreanos e turistas. Seu Antônio iniciou sua trajetória aprendendo com Dora, uma cozinheira tradicional também muito conhecida pelos acreanos. Com o tempo, decidiu seguir carreira solo e consolidar seu próprio negócio. Hoje, acumula 35 anos de experiência e 18 certificados na área gastronômica.
“Quanto mais a gente se aprofunda nos temperos, no jeito de preparar, melhor fica. O segredo da rabada perfeita é cozinhar com carinho e amor, não apenas vender por vender”, afirma. Mesmo com décadas de tradição, Toinho também se adaptou às modernidades. O iFood tornou-se parte fundamental do negócio. “Nos tempos de friagem, chegamos a 90 ou 100 pedidos por dia. Nosso ponto forte é no aplicativo”, explica.
A fama atravessa fronteiras. Segundo ele, os turistas que chegam ao Acre procuram diretamente por seus pratos. “O pessoal, quando vem aqui, me fala que vai levar rabada para Brasília, Goiânia, Santa Catarina. Nosso sabor viaja junto com eles”, relata com orgulho.
Para o comerciante, o segredo do sucesso é manter a fé e a dedicação:“Quando o pessoal diz que está ruim, eu não concordo. Se você tem saúde e acorda enxergando, já é motivo para agradecer a Deus. O resto a gente corre atrás.”
A dor em palavra: Gabe Alódio prepara “A Casa de Vidro”
Após a estreia visceral com Fogo em Minha Pele, autora acreana lança novo romance que mistura silêncio, fragilidade e arquitetura emocional. Foto: Rafaela Rodrigues
O segundo livro de um autor, na maioria dos casos, revela muito mais do que o primeiro.
Se a estreia é a urgência de se apresentar ao mundo, a obra seguinte já nasce sob a consciência de que o público, e a própria autora, esperam algo. É nesse momento que Gabe L. Alódio, escritora acreana de 29 anos, se encontra com “A Casa de Vidro”, romance que será lançado em setembro e lançado em Rio Branco no dia 16 de outubro, às 19h, no Cine Teatro Recreio.
O título não é literal. Trata-se de uma metáfora clara, assumida pela autora, para a fragilidade e a exposição do ego. A casa é moderna, cercada por vidro, mas cada detalhe arquitetônico foi mentalmente desenhado antes da primeira frase. Ela descreve: “Sei onde a luz atravessa os cômodos, onde a vista se abre e onde qualquer pedra provocaria a primeira rachadura. Vejo a Casa de Vidro como uma metáfora para a própria escrita, transparente na linguagem, mas vulnerável na exposição dos temas abordados”.
Da intensidade ao silêncio
Em Fogo em Minha Pele (2024), livro de estreia, Gabe apresentou uma poesia narrativa marcada pela intensidade física e emocional, algo que remete à lírica confessional e a um certo intimismo da tradição modernista.
Já em A Casa de Vidro, essa energia se desloca para o silêncio e para a construção de atmosfera. A autora se aproxima de estratégias de escritores como Marguerite Duras ou Joan Didion, que sabem que a ausência pode ser mais expressiva que a presença.
A protagonista, Sophia, vive isolada com o marido numa casa que funciona como personagem. A narrativa gira em torno da tensão entre manter e perder o controle. Como descreve a própria Gabe, é como equilibrar crises carregando uma bandeja cheia de xícaras empilhadas.
Publicado em 2024, Fogo em Minha Pele apresentou a escrita visceral e confessional de Gabe, marcada por desejo, corpo e memória. Foto: divulgação
Referências cruzadas
O material visual que a autora preparou para orientar a capa é revelador. A arquitetura modernista da Casa Samambaia, de Lota de Macedo Soares, convive com as aranhas de Louise Bourgeois, símbolos de criação e aprisionamento. Há também Maria Callas, figura que sintetiza glória e abandono, e a presença de Dionísio, que remete à ligação entre vinho, prazer e destruição. É uma curadoria imagética que mostra a amplitude de referências da autora, em diálogo com artes visuais, música e mitologia.
Entre o fogo e o vidro
Se o primeiro livro era fogo, ardente e direto, marcado por desejo e paixão, o segundo é vidro: calculado, transparente, mas pronto para quebrar e cortar fundo. Essa mudança revela maturidade narrativa, sem perder a visceralidade que caracteriza a autora.
O desafio agora será ver como A Casa de Vidro dialoga com o leitor. Como diz Gabe: ˜Escrever é fácil, viver é difícil”. Talvez este novo livro seja justamente um gesto de habitar esse difícil, transformando-o mais uma vez em palavra.
A cada segunda-feira, o campus da Universidade Federal do Acre (Ufac) vira palco para a Batalha da Ufac. Criada por um grupo de idealizadores da cena local, entre eles o estudante de Psicologia Davi Nogueira, a batalha é um espaço aberto para jovens expressarem suas histórias e críticas sociais por meio do rap.
O formato das batalhas de rap no Brasil surgiu no início dos anos 2000, inspirado por movimentos internacionais, e se consolidou em grandes centros como Rio de Janeiro e São Paulo.
Em Rio Branco, os eventos vem ganhando força desde a Batalha do Palácio, considerada a mais antiga da cidade, que era realizada às sextas-feiras na praça do Palácio Rio Branco.
Hoje o cenário local conta com eventos como a Batalha da Pista, do Santa Cruz e, principalmente, a Batalha da Ufac, que acontece no Teatro de Arena, conhecido como Coliseu, ao lado do Centro de Convivência.
Davi Nogueira destaca que o objetivo da batalha na universidade é democratizar o acesso à arte e trazer a comunidade para dentro do campus.
“Muita gente achava que não podia entrar aqui. O Coliseu da Ufac é o lugar ideal, com estrutura e visibilidade para um evento cultural”, explica.
Para os participantes, o evento é muito mais que uma disputa de rimas. Apache Shaft, MC que frequenta a batalha, conta que o encontro representa um espaço seguro para trocar experiências, fazer amizades e fortalecer a cultura local. “É meu abrigo nas segundas-feiras. Quanto mais rap, mais cultura, menos crime”, afirma.
Entre o público, o humorista e influenciador Rafael Barbosa valoriza o clima acolhedor da batalha e ressalta a necessidade de maior apoio para o evento crescer. “Aqui tem muita poesia e sentimento, mas faltam som adequado e divulgação do poder público”, sugere.
Momento em que os artistas fazem as batalhas. Foto: Felipe Salgado
Mais do que um show de talentos, a Batalha da Ufac é um importante instrumento de transformação social. Ao abrir as portas da universidade para a periferia, o evento reforça a ideia de que a cultura hip hop pode mudar vidas e fortalecer a autoestima de jovens, muitas vezes marginalizados.
Realizada de forma independente, a batalha conta com apoios voluntários e busca parceiros para ampliar sua estrutura. Na primeira edição, o evento lotou o Coliseu e conquistou mais de mil seguidores nas redes sociais antes mesmo de acontecer: um marco para o rap acreano.