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“Vozes Trans do Norte” desempenha relevante papel social

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Projeto de extensão da Ufac volta-se ao protagonismo da população transgênero

Por Guadalupe de Souza Pereira

Casos de violação de direitos humanos envolvendo pessoas transgênero cresceram durante a pandemia de Covid-19, segundo o Dossiê 2020 da Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra). No diagnóstico estão, entre as formas de violência, a ameaça/assédio/agressão, a violência doméstica, a agressão policial e o cyberbullying.

À luz das adversidades da comunidade trans, o projeto de extensão da Ufac Vozes Trans do Norte promove encontros entre pessoas transgênero. Wisney Berig Batista, docente do curso de Psicologia que idealizou o projeto, endossa que o projeto “surge em meio à pandemia com objetivo de realizar apoio a minorias sociais, que estariam mais expostas à violência”. 

Imagem divulga o projeto de extensão ‘Vozes Trans do Norte’

Os encontros, que ocorrem quinzenalmente por chamadas de vídeo, já reuniram cerca de 15 pessoas. Segundo a coordenadora do projeto, a professora Patrícia da Silva, os encontros, com base na psicologia social, têm os temas das discussões sendo definidos pelo próprio grupo. “É importante romper com essa ideia de que a psicologia é [somente] clínica e voltada apenas ao indivíduo. A psicologia social é trabalhada com políticas públicas e tem abarcado em seus direcionamentos o resgate identitário. Seja quilombola, negro, de povos originários e nesse caso da população transgênero”, explica Patrícia.

Colaboradora do projeto, Gabe Lopes Alódio avalia que os encontros não tomam caráter de uma intervenção terapêutica. Graduada em psicologia, ela os define como “uma mentoria que ocorre de maneira horizontal” e ressalta a heterogeneidade do grupo – com pessoas trans de vivências e gerações diferentes.

Além de dar suporte ao grupo, Gabe também participa ativamente dos encontros e conta que falar sobre a sua vivência enquanto mulher trans com familiares, amigos ou com uma psicóloga não é a mesma coisa que compartilhar essa vivência com quem também a vive. Ela enfatiza: “Criei laços. Essa é a principal experiência. E a segunda foi ver as necessidades da comunidade. Se sentir encontrada na outra pessoa é importante”.

O sentimento de solidão toma outra palavra na entrevista com Nara Nascimento, também participante do projeto, que é o termo “transolidão”. Assertivo, ele opina: “a partir do momento que percebo a existência de outras vozes trans, sobretudo do Norte, na mesma frequência da minha, o processo, que ora fez-se na ‘transolidão’, agora caminha por outros horizontes e ressoa mais em coletivo”.

Além disso, Nara, trans masculino – isto é, uma identidade masculina – que se identifica como ‘boyceta’, passou por situações de assédio sexual recorrente e também por transfobia dentro do ambiente universitário. O Vozes Trans do Norte foi um projeto com o qual ele pode contar. “Todas as pessoas que estavam ali me ouviram e foram empáticas. Ofereçam auxílio jurídico, psicológico e sobretudo apoio para também não me sentir sozinho”, relembra Nascimento.

Em alguns encontros ocorrem exercícios relacionados ao controle do corpo e da mente, orientados pela colaboradora Dra. Ariel Kuma. “Entrei como participante no ano passado e esse ano fui convidada para atuar como professora de yoga. O que eu proponho são atividades relacionadas ao conhecimento do corpo e respiração”, comenta Ariel, que mora em Manaus. Como mulher trans, ela também se envolve nas discussões dos encontros e pontua: “a importância é saber que estamos sendo vistas e cuidadas umas pelas outras”.

Se há um desafio  em lidar com pessoas transgêneros, a coordenadora do projeto Patrícia Silva pensa que o obstáculo para a área de Psicologia é outro. “Não é a vivência das pessoas transgênero que é um desafio, mas sim romper com a ideia hegemônica do patriarcado. Temos que sair desse lugar cômodo de teorias antigas, pois os contextos sociais já são diferentes. Requer um trabalho reflexivo que nem todas, todos e ‘todes’ profissionais da Psicologia estão abertos a essa possibilidade”, afirma a professora.

Idealização

A ideia do projeto surgiu de Wisney Berig, quando desenvolvia seu trabalho de conclusão no curso de Psicologia da Ufac, onde hoje leciona. O tema da pesquisa foi sobre a série estadunidense Pose (FX), que possui o maior elenco transgênero da história da televisão. A produção televisiva aborda a cultura ballroom – marcada por festas e locais que acolhiam pessoas LGBTs nas décadas de 80 e 90 em Nova Iorque. 

Cena de Pose com a atriz Dominique Jackson, atuando como a personagem Elektra Abundance, em um dos icônicos bailes da cultura ballroom (Fonte: JoJo Whilden/FX)

“A idealização do projeto voltado para as mulheres trans vinha de uma provocação de Wisney, uma pessoa não binária, que fez seu TCC sobre a série Pose. Por conta dessa provocação, surgiu a ideia do grupo Vozes”, relembra a professora Patrícia da Silva.

O Vozes, citado por Patrícia, ainda não era o Vozes Trans do Norte como existe hoje. Antes de ter ênfase em pessoas trans, travestis e não binárias, o projeto se chamava, na verdade, Vozes Femininas e se dividia em dois grupos: um para mulheres cisgênero negras e outro para mulheres trans e travestis. Essa primeira formulação foi executada entre setembro e dezembro de 2020 e contava também, além dos encontros dos participantes, com uma reunião entre discentes de Psicologia para refletir sobre os assuntos discutidos e para alinhar o supervisionamento do projeto.

A professora descreve o funcionamento do embrionário projeto de extensão: “Tinha participação de discentes do curso de Psicologia e da ouvidora Solene Costa, da Defensoria Pública. Tinham rodas de conversas, grupos focais, com questões que eram demandadas no próprio encontro. Teve duração de 4 meses e tinha bolsas para as alunas”.

Imagem do antigo projeto ‘Vozes Femininas’, que originou o atual ‘Vozes Trans do Norte’

Protagonismo trans

À frente do projeto, Wisney Berig Batista, Gabe Alódio e Ariel Kuma formam um trabalho conjunto – desde a idealização até o suporte e o trabalho necessário para o funcionamento – que revela um protagonismo transgênero.  

“Acho sempre importante evidenciar isso [o protagonismo]. É que nós podemos ocupar posições de liderança, de organizadoras do ‘rolê’, sabe? Acho fundamental, pois traz esse resgate do que é nosso por direito”, defende Wisney.

Ariel observa a relevância para a própria dinâmica do projeto, já que muitos dos assuntos abordados são delicados e acabam exigindo uma maior compreensão das questões da comunidade trans. “A importância do protagonismo [trans] está na nossa forma de lidar com a discussão, na forma de conduzir questões e acolher o que as pessoas que participam trazem”, aponta Ariel Kuma.

Antes de pautar esse assunto na conversa com a professora Patrícia da Silva – que é uma mulher cisgênero e está na coordenação do Vozes Trans do Norte – ela se antecipa e faz um comentário, após citar que este é o único projeto de extensão que conhece na Ufac destinado a esse público: “o que mais gosto é do protagonismo”.

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