Cotidiano

Ciclismo no Acre e a epidemia das bicicletas

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Acreanos viram no ciclismo a oportunidade de desenvolver um hobby e de, posteriormente, participar de competições | Foto: Reprodução/Ana Paula Jansen

Com o crescente aumento no número de bikes em decorrência das circunstâncias pandêmicas, ciclistas amadores e profissionais explicam, neste dia do ciclista, como surgiu o amor pela pedalada que conquista simpatizantes a cada dia

Por Ana Luíza Bessa e Renato Menezes

Seja por necessidade, prática esportiva ou hobby, o ciclismo está conquistando novos adeptos a cada dia que passa. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), um a cada três brasileiros possui uma bicicleta, e isto ficou ainda mais evidente com a pandemia de Covid-19, quando as pessoas começaram a notar, de forma mais assídua, a quantidade de ciclistas que vêm dominando ruas e ciclovias do Acre.

A prova de que a aquisição de bikes vem crescendo de forma avassaladora pode ser confirmada a partir de um levantamento feito pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). O estudo concluiu que, atualmente, são 50 milhões de bicicletas contra 41 milhões de carros. Além disso, a pesquisa Perfil do Ciclista 2018, realizada pela Transporte Ativo, constatou que os locais onde as pessoas mais seguem em deslocamento são para o trabalho, lazer e compras.

No entanto, um dos motivos pelos quais o ciclismo vem ganhando cada vez mais adeptos é a prática desportiva. Segundo a Associação Brasileira do Setor de Bicicletas (Aliança Bike), a venda de bikes cresceu em 118% no Brasil no ano de 2020 em comparação com 2019. E um dos motivos pelos quais este número cresceu de forma tão surpreendente tem a ver com a atividade física.

Número de ciclistas cresceu de forma disparada durante a pandemia | Foto: Reprodução/Freitas Fotografias

DIVAS DO PEDAL

A ciclista Silvana Maia, que criou o grupo “Divas do Pedal” com mais duas amigas no dia 28 de junho de 2020, foi uma dessas pessoas que aderiram à prática durante a pandemia de Covid-19. A ideia, que surgiu em decorrência do fechamento das academias e da necessidade de driblar o sedentarismo, ganhou a adesão de cada vez mais mulheres que enfrentavam crises de ansiedade, depressão e medo. “Pensamos nesse grupo para que pudesse inspirar mais meninas a cuidar do corpo, da mente e da saúde. Nosso objetivo não é a competição, mas levamos em conta a superação individual de cada uma”, complementou.

Segundo Maia, o grupo, que foca em empoderar mulheres na luta diária contra o machismo, conta com 94 ciclistas de vários municípios do estado, tais como Brasiléia, Rio Branco e Plácido de Castro. “Muitas vencem diariamente o machismo, pois o marido não compreende (o esporte), mas elas não desistem, acabam convencendo, traz pra pedalar também. Temos outro grupo com ambos, mas o ‘Divas do Pedal’ é só para mulheres”, explicou.

Para a atleta, que costuma pedalar quase todos os dias, o ciclismo traz benefícios indiscutíveis que englobam melhorias na qualidade de vida física e mental. Silvana, por exemplo, perdeu 11kg, conseguiu regular os níveis de colesterol, combateu a ansiedade e diz que muitas parceiras também tiveram resultados bastante animadores. “O ciclismo te dá alegria, te dá prazer, você pedala ao ar livre. Pena que não tem muito apoio aqui no Acre, não tem ciclovia, as ruas são escuras. Esse é o ponto negativo, você convive um pouco com o perigo. Mas é um esporte lindo que só promove bem estar”, contou.

Divas do Pedal contam com quase cem mulheres de vários municípios do AC | Foto: Reprodução/Divas do Pedal

ACOLHIMENTO

De fato, nem tudo são flores, e isto quem afirma é a própria pesquisa da Transporte Ativo, citada no início desta matéria. De acordo com a amostra, 47,6% dos entrevistados afirmaram que ciclovias e ruas mais adequadas seriam os grandes diferenciais para que os ciclistas melhorassem a prática de pedalar. No Acre, mais precisamente no município de Tarauacá, onde a pesquisa deu enfoque, 25,2% dos entrevistados contaram que a maior reivindicação é a segurança/educação no trânsito.

Mesmo diante de tantos empecilhos em torno da infraestrutura oferecida aos ciclistas, isto não desmotivou nem a ciclista e nem as outras divas, que já fizeram percursos de mais de 200km e agora têm como meta ir até a ponte sobre o rio Madeira, na BR 364. Sobre isto, Silvana deixa claro que todas as mulheres que quiserem entrar no grupo serão muito bem vindas, mas que é preciso começar aos poucos, para que cada uma entenda e respeite seus próprios limites.

“Incentivamos, mostramos que temos que começar aos poucos, pedalando 6km, depois 12, 20, e com a prática, vai aumentando. A maioria pedala, atualmente, 24km todo dia. Procuramos nos reunir sempre, e recentemente nos reunimos para comemorar um ano do grupo. Fizemos uma pedalada com mais de 300 pessoas e um arraial. Todo dia recebemos mulheres querendo entrar no grupo, e a gente acolhe muito bem”, destacou.

“Nós lutamos muito pelo empoderamento feminino”, disse Silvana Maia | Foto: Reprodução/Divas do Pedal

ACRE RACE

Com relação a limites e desafios, a prática competitiva em torno do ciclismo vem atraindo cada vez mais atletas. Segundo o organizador do evento Acre Race, Istanrley Rocha, a competição está inserida no calendário estadual desde 2016 e ganhando adeptos a cada edição.

Em 2017, no chamado Desafio 120km, foram 60 ciclistas. Em 2018, 80 pessoas participaram da edição. No ano seguinte, que ocorreu a edição reformatada e oficial do Acre Race, quase 200 atletas participaram. Devido à pandemia, o evento que era para acontecer em 2020 foi postergado e devidamente reformulado para este ano, e contou com mais de 400 ciclistas, com inscritos de Rondônia, Mato Grosso, Minas Gerais e até de países vizinhos, como da Bolívia.

“Tivemos ao todo 11 categorias, todas premiadas, além de diversos outros brindes de patrocinadores e apoiadores do evento, totalizando mais de R$ 25 mil somente em premiação total, tudo convertido para os atletas inscritos”, frisou.

Ciclistas do AC e de outros estados competiram na segunda edição oficial do “Acre Race” | Foto: Reprodução/Ana Paula Jansen

AMADORES E PROFISSIONAIS

A ideia do Acre Race é trazer as novas tendências do esporte aos atletas locais, colocando-os em percursos que sejam condizentes com a modalidade de Mountain Bike (MTB), e que não os limitem apenas às malhas asfálticas.

“A Federação Acreana de Ciclismo, com a entrada de gestores da história mais recente, tem visto o MTB de maneira mais atualizada. Antigamente as provas no Estado eram feitas integralmente em circuitos asfaltados, com MTB totalmente descaracterizadas e com muitas peças de bicicletas de estrada. Nos anos de 2014 em diante, as etapas começaram a ter um foco mais em trilhas, voltando às características do MTB”, falou.

Tais incentivos, segundo Rocha, podem funcionar como um chamamento a novos ciclistas, mas destaca a importância de planejar estratégias que forneçam ao esporte ferramentas e insumos necessários para que o ciclismo continue se desenvolvendo. “Acreditamos que com os órgãos públicos, uma vez estando envolvidos com o esporte, resultados positivos conjuntos podem ser alcançados, com o desenvolvimento de políticas públicas que possam favorecer o crescimento do ciclismo de maneira geral no Estado”, pontuou.

Mountain Bike (MTB) coloca o atleta em diversas condições com obstáculos durante o percurso | Foto: Reprodução/Ana Paula Jansen

AMOR PELA BIKE

O atleta Samuel Lira, que se considera amador, foi um dos mais de 400 ciclistas que participou do Acre Race 2021. Ele se encontrou no ciclismo em meados de 2013, quando seu pai resolveu abrir uma loja de vendas de peças e outros artefatos para bicicletas, chamada Mountain Bike Show. O rapaz, que estava acima do peso, viu reacender em si o desejo de voltar a ser ciclista, assim como fora na adolescência.

Acreano começou na adolescência e criou paixão pelo esporte após decisão em perder peso | Foto: Arquivo pessoal

“Logo que nós abrimos a loja eu comecei a voltar a praticar como hobby e para conciliar esporte e saúde no ciclismo. Daí me apaixonei de vez. Como eu já tinha um pouco de afinidade, comecei a adquirir novamente o amor pela bike. E com um ano de prática, subi um degrau para me tornar um atleta amador e, em 2015, comecei a competir”, disse.

Lira já participou de equipes como a do Corpo de Bombeiros, por exemplo. No primeiro ano de competição estadual, a dedicação ao esporte fez o atleta ser campeão em 2015 na categoria “iniciante” e ser vice-campeão em 2016 em Rondônia, na mesma categoria.

Samuel Lira já foi campeão e vice na categoria “amador”, em competições da Federação Acreana de Ciclismo | Foto: Arquivo pessoal

MUITA DEDICAÇÃO

Atualmente, o atleta treina três vezes por semana, com percursos que atingem em média 50km, e que, segundo ele, duram cerca de 1h30 para serem realizados por completo. Aos sábados, ele e mais um grupo de quarenta atletas amadores e profissionais costumam ir até o município de Senador Guiomard e voltar em até três horas. 

Questionado sobre como vê tantas conquistas neste esporte, Samuel, que participa de pelo menos seis grupos de pedal da cidade, diz que o empenho e a vontade de sempre querer se superar foram os combustíveis que o fizeram continuar no ciclismo. “Não foi fácil, teve muito treino, muita dedicação e muito amadurecimento para que eu pudesse me tornar um atleta cada vez melhor. Eu jamais imaginei me aprofundar e gostar tanto do ciclismo”, complementou.

Grupo costuma fazer percursos intermunicipais em poucas horas | Foto: Arquivo pessoal

DIA DO CICLISTA

A Lei de nº 13.508, de 22 de novembro de 2017, instituiu o dia 19 de agosto como o “Dia do Ciclista”. A data foi estabelecida para que, além de comemorar, as pessoas e as autoridades reflitam e tracem estratégias que visem a proteção que os ciclistas precisam para pedalar com mais tranquilidade nas ruas e ciclovias brasileiras.

A luta para o estabelecimento desta data no Legislativo é embasada a partir de um crime que ocorreu em 2006, nesta mesma data, que vitimou o biólogo Pedro Davison em Brasília, com 25 anos. O jovem não resistiu ao impacto do carro em alta velocidade no Eixo Sul da cidade e morreu na hora. O responsável, Leonardo Luiz da Costa, estava embriagado, com a Carteira Nacional de Habilitação (CNH) vencida e fugiu sem prestar socorro. O rapaz foi condenado a 6 anos de prisão pelo crime, em regime semiaberto, e até hoje paga pensão à filha da vítima, que terá este direito resguardado até completar 25 anos. Na ocasião, a menina tinha 8 anos de idade.

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