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Meu pai tem nome? Cresce o número de crianças sem o nome paterno na certidão de nascimento

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No Acre, lei que obriga cartórios a denunciarem casos de certidões registradas somente com o nome da mãe é sancionada

Por Matheus Melo e Pedro Henrique Nobre

Há 26 anos, Levi Assuelo convive com a ausência paterna não só no dia a dia. O jovem faz parte de um percentual que vem crescendo no Acre e no Brasil, o de crianças registradas sem o nome do pai na certidão de nascimento. Estudante de medicina veterinária na Universidade Federal do Acre, ele lembra que nunca teve uma relação próxima com o pai biológico e que nunca cogitou procurá-lo.

“Ele não me registrou, mas sempre soube que era meu pai. Deixou minha mãe sozinha. Eu nasci no Amazonas, mas tive que vir para o Acre porque minha mãe não tinha condições de me criar sozinha em Manaus. Viemos pra cá porque minha avó morava aqui e poderia ajudar minha mãe”, lembra o jovem.

Segundo dados da Associação dos Registradores de Pessoas Naturais (Arpen-Brasil), mais de 100 mil crianças já foram registradas sem o nome do pai nos primeiros meses de 2022. No Acre, das 9.459 crianças nascidas entre janeiro e julho, 1.097 foram registradas sem o nome paterno na certidão.

O número registrado nos primeiros meses de 2022 já é maior que o dobro do total acumulado no ano passado, portanto, a tendência é que esse número bata o recorde ao final deste ano.

Infográfico: Matheus Melo

Lei sancionada

Para tentar diminuir esse número, em julho deste ano, o governo do Acre sancionou a lei n° 3.974. Com a nova regra, os cartórios do estado são obrigados a denunciar à Defensoria Pública casos de crianças registradas sem o nome do pai.

Segundo a defensora pública Thaís Souza, a lei é necessária para garantir os direitos da mãe e da criança, logo após o nascimento, além de evitar registros tardios de crianças.

“Os cartórios nos enviarão mensalmente uma lista de crianças registradas somente com o nome materno. Essa lista deverá conter nome, endereço, contato da mãe e se possível, os dados do suposto pai. A equipe da Defensoria mantém contato com essa mãe e orienta sobre os direitos dela e do filho. Porém, ela já precisa ser orientada no cartório que ela pode procurar a Defensoria. Já tivemos casos de crianças de 12, 13 anos sem certidão de nascimento, ou seja, sem cidadania”, explica a defensora.

Servidores da Defensoria Pública responsáveis por entrar em contato com as mães nessa situação | Foto: Matheus Melo

Segundo a defensora, a falta de dados corretos sobre o pai da criança atrasa o andamento do processo de investigação de paternidade. “Às vezes, a mãe tem dificuldade em informar o endereço do pai para que o juiz faça a intimação, mas nós tentamos de todas as formas ajudá-la. Usamos bancos de dados com o Infoseg  [rede que reúne informações de segurança pública dos órgãos de fiscalização do país] da Receita Federal, que nos ajudam a encontrar o endereço da pessoa. Quando não há dificuldade de localizar o pai, o processo termina em média em um ano ou até menos”, diz Souza.

A defensora Thais Souza atua há 20 anos na área de investigação de paternidade | Foto: Matheus Melo

O acolhimento e o amparo às mães nessa situação é a base do trabalho realizado pela Defensoria Pública. A defensora Thaís Souza explica que, em muitos casos, a vergonha de procurar o órgão é um tabu a ser quebrado.

“Existem casos em que elas têm dúvidas sobre a paternidade. Se relacionam com mais de uma pessoa e têm vergonha de procurar a Defensoria. A gente fala que isso não é problema. [Perguntamos a elas] Qual você acha que tem mais probabilidade de ser o pai? Vamos ajuizar a ação contra ele. Não deu certo? Ajuíza o outro. O que importa é garantir os direitos da criança”, expõe a defensora.

Ela completa ainda que, durante a pandemia, o órgão trabalhou de forma remota e que essas abordagens foram feitas on-line, o que ajudou no processo de escuta das mães. “De forma on-line elas se abriam mais, o contato frente a frente pode ser constrangedor”.

Thais Souza durante a entrevista | Foto: Matheus Melo

Após ajuizar o processo, ocorre a conciliação entre as partes. Segundo a defensora, é nesse momento que, em 90% dos casos, os supostos pais dizem que desconfiam da mãe e solicitam o exame de DNA.

“Se ele disser que não tem condições de custear o exame, se a mãe estiver assistida pela defensoria, o Estado é responsável por arcar com os gastos. Além disso, temos uma equipe multidisciplinar, composta por psicólogos e assistentes sociais, prontos para auxiliar nesses casos”, detalha a defensora.

Ainda segundo Thaís Souza, caso a paternidade seja comprovada após o exame, é de rotina ajuizar também uma ação de pedido de pensão alimentícia. Confirmada a paternidade, o juiz determina que o cartório insira o nome do pai na certidão.

Entretanto, existem casos em que o pai é o responsável por procurar a Defensoria Pública para incluir seu nome na certidão de nascimento do filho. Nessa situação, o processo muda de nome, passa a se chamar reconhecimento de paternidade, já que o processo de investigação não é mais necessário.

“São poucos casos, mas acontece. Às vezes, o pai quer reconhecer a criança e a mãe não quer. Tentamos explicar para ela que o direito é da criança e não só dela. Quando o pai se prontifica a fazer o reconhecimento, há casos em que fazemos tudo de forma extrajudicial, sem precisar de ação”.

Souza explica que, após completar a maioridade, a criança não precisa da autorização da mãe para dar entrada no processo de reconhecimento de paternidade.

Em 2022, defensorias públicas de todo o país organizaram o Programa “Meu pai tem nome”, com o objetivo de reconhecer a paternidade de milhares de crianças, jovens e adultos. No Acre, além da ação, a Defensoria elaborou um cronograma de atividades itinerantes que percorreram os bairros da capital e do interior do estado.

“A gente tem a obrigação de ir até essas pessoas, acompanhar de perto, manter contato. É olhar pra cada mãe e dizer: seu filho tem direito e nós estamos aqui pra te ajudar”, frisa a defensora Thaís Souza.

Integrante da equipe da Defensoria Pública do Acre | Foto: Matheus Melo

Desenvolvimento psicológico

Segundo um estudo publicado pela Universidade de São Paulo (USP), realizado pelo psicólogo João Victor de Souza e publicado em 2020, após analisar as famílias compostas somente por mães solo, sem a presença de uma figura masculina, as mulheres acabam se sobrecarregando física e mentalmente. “Em muitas ações os homens se desresponsabilizam ou são desresponsabilizados, o que acaba transferindo para a mulher o peso das urgências familiares. E elas são colocadas em uma posição na qual não há grandes alternativas se não tentar sanar tais urgências”, afirmou o pesquisador à jornalista Letícia Paiva, da USP.

Além disso, o problema também é transferido aos filhos. Para a psicóloga comportamental Janaína Benites, a referência paterna é responsável por formar o desenvolvimento psicológico e cognitivo de uma criança.

“Independentemente da causa da ausência do pai, isso afeta o desenvolvimento das estruturas psíquicas da criança. Ela passa a ter dificuldade em resolver problemas nos momentos conturbados da vida. A referência paterna traz estabilidade emocional, segurança, proteção e autoestima. Sem ela, tudo isso fica prejudicado”, explica a psicóloga.

Psicóloga Comportamental Janaina Benites, durante entrevista concedida

Benites completa dizendo que a ausência paterna pode gerar sérios problemas na formação do caráter e personalidade da criança: “Surgem problemas no desempenho e convívio escolar, agressividade e facilidade no risco de envolvimento com drogas”.

Cotidiano

Mulheres jornalistas superam dificuldades e levantam questões importantes para a sociedade

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Um estudo realizado pela Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) mostrou que em 2021 49% das mulheres jornalistas sofreram ataques de gênero sendo desqualificadas com ofensas e xingamentos. No meio digital, o número sobe para 56,76%. Em uma área historicamente dominada por vozes masculinas, apesar das dificuldades as mulheres estão se destacando cada vez em maior número e trazendo à luz temáticas importantes para a sociedade.

Juliana Lofêgo, professora do curso de Jornalismo da Universidade Federal do Acre, diz que a presença das mulheres está influenciando na cobertura de questões sociais, culturais e políticas. Para Lofêgo, elas têm desempenhado um papel significativo em destacar questões de violência contra mulheres e assédio, garantindo que essas problemáticas não sejam esquecidas ou minimizadas pela mídia. “Com o avanço do movimento feminista e as mudanças sociais, as mulheres jornalistas têm sido influenciadas a trazer à tona essas questões, mesmo que isso não tenha sido comum no início de suas carreiras”, complementa.

Consuela Araújo é jornalista formada pela Ufac e atua na área de assessoria de imprensa, ela relata que como jornalista mulher enfrentou estereótipos de gênero e discriminação ao longo da carreira, principalmente fora do jornalismo. Já no telejornalismo, outro campo onde atuou,  diz ter sido bem acolhida por colegas e pela comunidade, entretanto considera que a busca pela igualdade de oportunidades continua sendo uma luta constante. Araújo aconselha as futuras profissionais a buscarem aprimoramento, construir uma rede de contatos sólida e manter a paixão pela verdade e pela narrativa honesta. “Acreditar na importância do jornalismo local é essencial para contribuir significativamente para a sociedade acreana”, afirma. 

Servidora concursada do Estado, a jornalista Andreia Nobre relata que um grande desafio que enfrentou na carreira profissional foi quando se tornou mãe, pois teve que conciliar a maternidade e o trabalho. Ela acredita que esse seja um desafio para as mulheres em qualquer carreira e também para as que trabalham no setor privado.

Apesar das contribuições significativas das mulheres para abordar agendas importantes a serem discutidas na sociedade, a desconfiança em relação a sua capacidade profissional ainda é uma realidade. Ana Paula Melo, estudante do terceiro período do curso de Jornalismo, trabalha como estagiária no jornal Cidade Alerta, ela diz que percebeu que há um preconceito dentro da universidade pelo fato de ser uma mulher estudante de Jornalismo.

“Já vi algumas pessoas torcerem a cara num tom de desconfiança quando falo que faço Jornalismo. Alguns já dizem que somos compradas, e, às vezes, por ser mulher, dizem que ao invés de buscar informações, buscamos fofoca. Em rodinha de amigos, embora ainda seja estagiária, já fui questionada se algum político me paga para fazer matéria sobre ele. Será se eu não tenho capacidade para escrever sobre política? São reflexões que sempre me questiono, afinal, ser mulher é ter a sua capacidade sempre questionada”. Ela acredita que o maior desafio é alcançar credibilidade equivalente a dos homens e enfatiza a importância de inserir mais mulheres em posições de liderança nos veículos de comunicação. 

Texto produzido pelos acadêmicos Ana Caroline Santiago, Adriely Gurgel, Maria Eduarda Melo, Rian Pablo de Oliveira e Júlia Andrade. A produção faz parte da disciplina Fundamentos do Jornalismo.

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Integração dos povos originários na mídia é instrumento de luta e resistência

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Formação para juventude dos povos originários acreanos em projeto da Ufac alia luta por direitos com visibilidade na mídia 

Por Sarah Helena e Tácila Matos

A maior parte das narrativas que circulam hoje sobre a história dos povos originários é contada ainda através do ponto de vista colonizador, ou seja, não partem do olhar indígena. Desta forma, estereótipos e violências são passadas à frente, sem que uma reflexão seja feita.

Em contraponto, a comunicação indígena vem se fortalecendo cada vez mais nos últimos anos, dentro de mídias como a rádio, cinema, internet, redes sociais e imprensa, a fim de transformar essa realidade. 

O acreano Tarisson Nawa, pertencente ao povo Nawa, do Vale do Juruá, jornalista da Defensoria Pública da União e doutorando em Antropologia Social, pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), diz que apenas com a Constituição Federal de 1988 o estado passa a reconhecer as formas de governo indígena e, a partir daí, surgem várias organizações representando seus povos.

Com o nascimento e estruturação dessas organizações, bem como o maior acesso a tecnologias digitais a partir dos anos 2000, o jornalista diz que a comunicação se tornou uma área chave de atuação dos povos para reconhecimento de direitos.“E aí você vai ter alguns setores de comunicação sendo formados dentro dessas organizações indígenas para fortalecer e amplificar as vozes dos povos indígenas pelos próprios povos indígenas” acrescenta.

Ele também afirma que a inclusão no sistema de cotas foi fundamental para a entrada dos povos originários no ensino superior e a comunicação se beneficiou com isso. Mas ainda é pouco, visto que existem, segundo ele, apenas cerca de 30 indígenas jornalistas formados no Brasil inteiro. 

Como indígena jornalista, Nawa expressa seu desejo de que os povos originários deixem de ser apenas personagens das notícias e passem a ser os autores e fontes especializadas nas mais diversas áreas de profissão e que a partir dessa presença, as representações negativas na mídia se transformem em positivas. “O que a gente vê hoje, é uma atuação muito forte dos comunicadores indígenas para tentar superar essa deficiência na comunicação enfrentada pelos povos indígenas do ponto de vista profissional técnico”, diz.

“A comunicação indígena ganhou o mundo”

Rasu Inu Bake Huni Kui, professor e doutorando no Programa de Pós-graduação em Linguagem Identidade (PPGLI), acrescenta que “começou lá com os jesuítas, depois veio os antropólogos, missionários, sociólogos e várias outros pesquisadores, e entraram nas comunidades e começaram a escrever sobre os povos indígenas. Nessa época poucos indígenas falavam o português (…) E o pesquisador acabava entendendo do jeito dele”.

Apesar do contexto histórico de invisibilidade e estereotipação dos povos nativos nas mídias tradicionais, os comunicadores já reconhecem os avanços por eles alcançados e o início de uma mudança maior neste cenário.

Os alunos do projeto de extensão da Ufac, Comunicadores Indígenas, mantêm uma visão otimista da trajetória dos direitos e integração na mídia. Morador da Terra indígena Nukini, no município de Mâncio Lima, Unhepa Nukini afirma que “é necessário reconhecer que a comunicação indígena ganhou o mundo. Se você reparar, o Instagram, Facebook, tudo tem indígena trabalhando na comunicação”. Samsara Nukini concorda: “hoje o que eu vejo é que nós somos uma potência mesmo, nós todos, não só os povos indígenas, mas quem protege a Floresta Amazônica, quem é em prol desse grande verde do nosso Brasil”. 

A coordenadora do projeto, professora Juliana Lofego, do Curso de Jornalismo da Universidade Federal do Acre (Ufac), pontua a centralidade do projeto: “Os indígenas são pouco representados na mídia tradicional, então, é um fortalecimento para a visibilidade fazerem comunicação a partir das vozes deles. Para terem essa consciência de que a voz deles é importante e que eles podem fazer a própria mídia”.   

O projeto propõe uma série de atividades formativas no âmbito da comunicação digital, a fim de fortalecer a juventude indígena, mais inclinada e ligada às tecnologias, para que possam usar diferentes plataformas como apoio nas lutas por direitos. 

Formação de Comunicadores Indígenas no Acre

Nos últimos anos a Comissão Pró-Indígena do Acre (CPI-Acre) tomou a iniciativa de fortalecer o cenário da comunicação indígena no estado. O projeto Curso Comunicadores Indígenas teve início em 2021, com idealização de Vera Olinda e Leilane Marinho, respectivamente, coordenadora e assessora de imprensa da CPI-Acre, e da professora Juliana Lofego, que oficializou o projeto de extensão na Ufac em 2022. 

As atividades começaram em dezembro de 2021, em meio a pandemia, com aulas básicas de noções da comunicação. A cada ano, o projeto adicionava novas oficinas, para desenvolver habilidades de redes sociais, fotografia, edição de vídeos, etc

A 4ª Oficina de Comunicadores Indígenas (2023) contou com a participação de 13 indígenas dos povos Manchineri, Huni Kuĩ, Yawanawá, Nukini e Puyanawa, das Terras Indígenas: Rio Gregório, Mamoadate, Kaxinawá do Alto Rio Jordão, Poyanawa, Nukini e Kaxinawá da Praia do Carapanã e contou com a colaboração da produtora paraense Na Cuia na assessoria às redes sociais.

A última edição, realizada em setembro de 2023, teve como objetivo a montagem de dois produtos: o Podcast Vozes da Floresta e a criação da Rede de Comunicadores Indígenas do Acre. O primeiro, com narração e trilha sonora feitas pelos próprios alunos, está disponível no Spotify e a Rede teve definição de diretrizes e confecção de perfil nas redes sociais disponibilizado na plataforma Instagram (links ao final). Além disso, também promoveu a mostra de audiovisuais indígenas do Acre, o “Cinedebate: vozes da floresta”, no bloco de Jornalismo da Ufac. 

Uhnepa Nukini foi um dos primeiros a participar do projeto, desde o ano de 2021, hoje ele já auxilia os mais novos, enquanto continua no desenvolvimento das ferramentas de comunicação. Ele fala que alguns, no início, eram tímidos, mas ao longo do tempo isso mudou. “A gente foi trabalhando isso (a timidez) aos poucos e os meninos tão se soltando, a gente vê isso, cada dia evoluindo mais dentro deles. E eles tão querendo trabalhar com comunicação, isso é bonito (…). A gente vê isso nas apresentações, no andamento dos trabalhos, no esforço de sair de territórios, que gasta quase dois dias pra chegar num município e depois pegar carro, avião, pra chegar em Rio Branco, deixando famílias lá”. 

Alunos participando da Oficina na Comissão Pró-Indígena do Acre. Foto: Sarah Helena

CPI- Acre também tem papel de estimular jovens indígenas nas lutas políticas

A jovem comunicadora, Samsara Nukini, da Aldeia Panã, Terra Indígena Nukini, chegou à CPI-Acre em maio de 2023. Além dos ensinamentos sobre comunicação e tecnologia, ela relata que somente após ingressar é que tomou conhecimento de questões políticas importantes como a tese do Marco Temporal, ação que tramitou no Congresso Nacional e no Supremo Tribunal Federal (STF) e que diz respeito às condições para demarcação de territórios indígenas. A partir disso, Samsara Nukini viu a importância das manifestações também pelas redes sociais, já que nem todos poderiam reivindicar os direitos presencialmente em Brasília. 

O projeto está se expandindo para além do planejado. “A gente volta pro território, leva as informações, e vai lá e trabalha. Hoje tem a possibilidade de criar coletivos, hoje já tem o coletivo da aldeia da Messiany, que é Huni Kuin, ela tem o coletivo das mulheres e partiu desse projeto da comunicação. Hoje, dentro do território Nukini, a gente tá dando andamento na criação do projeto de comunicação da Saga Produção Território. É um grupo que a gente tá fazendo de juventude, são 16 participantes. Hoje é metade homem, metade mulher […]”, conta o aluno Uhnepa Nikini. 

Projeto proporciona troca de conhecimentos entre indígenas e não indígenas, “É um momento de sair da nossa bolha”, diz colaboradora do projeto

A estudante do curso de Jornalismo da Ufac e colaboradora do projeto, Ludymila Maia, afirma que sua experiência com os comunicadores indígenas lhe proporcionou esclarecimento, possibilitando que enxergasse outras realidades: “é um momento de sair da nossa bolha”. 

Ela reforça o quanto a rotina de trabalho e estudos na cidade nos prende a nossa própria narrativa e impede de olhar além, de enxergar as dores e causas daqueles que vivem uma realidade diferente. Além disso, ainda critica a sociedade, que tende a “olhar com maus olhos uma coisa que eles nem entendem”. 

Sobre isso, a professora Lofego afirma  sempre ter cuidado com a escuta, de tentar entender quais são as demandas e as experiências dos diferentes povos, para enfim, trazer um conteúdo para ser aplicado nas atividades do projeto. 

Nesta questão, ela tem como inspiração a CPI-Acre, já com 40 anos de experiência na educação indígena, com formação de professores e agentes agroflorestais, bem como no trabalho chamado de “experiência de autoria”, incentiva publicações didáticas, pesquisas, relatórios e audiovisuais indígenas, com valorização da línguas maternas.  

Cine-debate com o antropólogo Terri Aquino e a turma dos comunicadores indígenas. Foto: Ila Verus

O conjunto das oficinas de comunicação apresentou aos jovens indígenas participantes outras formas de resistir, de lutar e fazer incidência política, mostrando ao mundo sua cultura, suas causas e o cotidiano de seus territórios, através da internet, redes sociais e mídias digitais. 

Além disso, também apresentou aos bolsistas, colaboradores e professores, novas perspectivas e oportunidades de expandir seus horizontes e também aprender com seus alunos. Como disse a professora Juliana Lofego: “ é um aprendizado pra gente também, de entender que eles vêem uma comunicação muito mais conectada com a natureza, e que a gente, enquanto cidadão urbano, se descolou disso”. 

A jovem comunicadora Samsara Nukini reflete sobre a importância do projeto, “pra mim foi ajudar a proteger o meu território, ajudar como liderança, como usar a tecnologia, como usar um aparelho celular, como usar redes sociais em prol do meu território, em prol da ajuda dos povos indígenas.” 

Foto: Ila Verus

Redes Sociais indígenas

Rede de Comunicadores Indígenas do Acre- @comunicadoresindigenasdoac Comissão Pró-Indígenas do Acre- @proindigenasacre 

Coletivo dos Estudantes Indígenas da Ufac- @ceiufac 

Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira- @coiabamazonia

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“Pacto Brutal” e o efeito da mídia em casos de intolerância religiosa

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Documentário relembra crime dos anos 90 pautado em preconceito ao considerar a religião dos acusados fator motivador

Por Gabrielly Martins

No cenário midiático, é possível observar como a forma de veicular notícias pode impulsionar pautas imprudentes e agravar crimes de intolerância religiosa. Uma análise crítica dessas ocorrências podem ser visualizadas no documentário “Pacto Brutal – O Assassinato de Daniella Perez”, lançado em 2022, que além de evidenciar uma tragédia pessoal, expõe o papel da mídia na reprodução deste problema.

A cobertura em cima do caso, sensacionalista, distorce os fatos ao apontar a religião de matriz africana do casal de assassinos como fator motivador. Ao destacar estereótipos e simplificar discursos, a mídia contribui para a criação de um ambiente agressivo à comunidade praticante de religiões afrodescendentes. 

O documentário é assertivo ao convidar para as entrevistas a estudiosa em religiões Rose Rodrigues, para falar sobre essas crenças, ritualísticas e a não ligação das religiões de matriz africana com o crime cometido. Ela reitera que estimular esse olhar de preconceito para o crime é, acima de tudo, tirar a responsabilidade dos autores e depositá-las na fé do outro. 

Rose Rodrigues, estudiosa em religiões, foi convidada ao documentário “Pacto Brutal – O Assassinato de Daniella Perez”. /Imagem: HBO MAX

 Preconceito e desrespeito

As manchetes do  mês dedicado à luta contra o crime de racismo e à valorização da história do povo negro, em novembro de 2023, foram marcadas por uma significativa incidência de casos de intolerância religiosa. Pedrinho, jogador do Atlético-MG e adepto do Candomblé, foi alvo de desrespeito e preconceito em comentários nas redes sociais, após uma derrota do time. A insatisfação com o resultado da partida pareceu motivar o comportamento criminoso. 

Para Laiela Santos, escritora e militante do Movimento Feminista Negro, em matéria para o site Cult, a demonização e a criminalização religiosa vem do que foi implantado na sociedade desde o período de escravização e exploração dos negros, o que gerou marginalização da cultura e fé do povo africano. O meio encontrado para sustentar esse manifesto sociocultural foi a anexação ao catolicismo, o que originou a Umbanda.

Segundo o IBGE, menos de 1% dos brasileiros praticam religiões como a Umbanda e o Candomblé, o que justifica o baixo conhecimento da população sobre essas crenças. Isso leva a um fato, o de que a população não busca informações sobre essas religiões, impedindo que a grande massa entenda os valores e costumes desses grupos, e que atos tão violentos quanto o que vitimou a atriz brasileira não condizem com a realidade.

O processo de catequização e evangelização estabelecido no Brasil pelos missionários europeus não destruiu as manifestações de resistência do povo afro-brasileiro, como os que levam a fé no Candomblé adiante desde a época da invasão dos portugueses. Isso mostra que o combate à intolerância não é uma característica particular do momento atual e reforça que a resistência deve se manter de forma primordial.

Para Cassia Iasmin Marinho, professora de História pela Universidade Federal do Acre (Ufac), pós-graduanda em Criminologia na Faculdade Venda Nova do Imigrante (Faveni) e integrante do Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros e Indígenas (Neabi/Ufac),  mesmo neste espaço de resistência e diversidade, o preconceito velado ainda é recorrente no imaginário religioso de grande parte da população. “Para algumas pessoas, é mais crível se apresentados elementos obscuros para explicar uma ação que apesar de hedionda, é humana”, explica a pesquisadora. 

A pesquisadora ainda complementa que a sociedade dos anos 90 não se diferencia tanto da atual quando se fala do preconceito contra religiões de matriz africana, e salienta que há uma absurda discriminação por serem consideradas “do demônio” por outros grupos religiósos, somente pela crença de que realizam sacrifícios e demais  inverdades. “Tudo isso está ancorado em um racismo estrutural, que crê não haver problemas em demonizar manifestações religiosas de matriz africana. Pelo contrário, acham ser o certo”, finaliza.

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